segunda-feira, 14 de junho de 2021

RUI PERES ANTUNES, UMA HISTÓRIA DE LUTA CONTRA O LATIFÚNDIO E O SEU CARÁTER PREDADOR DA TERRA, NA FRONTEIRA-OESTE DO RS

 Reproduzimos aqui matéria publicado no blog da ASPAN-São Borja, Associação São Borjense de Proteção ao Ambiente Natural, em 2010, acerca da luta desenvolvida em defesa da Reserva Biológica de São Donato, pertencente ao hoje município emancipado de Maçambará.

Esta luta que teve como um dos seus principais protagonistas, o companheiro Rui Peres Antunes, deve ser resgatada para a luta dos trabalhadores rurais de hoje, os quais enfrentam o latifúndio e a grilagem por todo o país, num momento em que o governo Bolsonaro através do seu Ministro do Meio-ambiente, Ricardo Salles "está passando a boiada" literalmente na Amazônia, promovendo a maior devastação da floresta jamais vista, equivalente a dezenas de campo de futebol, atacando as reservas indígenas, etc. em sociedade com os grandes monopólios de exportação de madeira e com as mineradoras, que pretendem fazer uma reedição de Mariana e Brumadinho em plena selva amazônica.

O companheiro Rui Peres Antunes foi também protagonista da luta pela emancipação de Maçambará do município de Itaqui, organizou a luta da Ocupação Sepé Tiaraju, em Alegrete, e a luta dos dois assentamentos dos sem-terras no município. 

Esta história tem que ser contada, porque é um exemplo de luta dos que tem fome, de todos aqueles que lutam por uma moradia, por um pedaço de terra para plantar, num momento em que as lutas dos trabalhadores e da juventude tanto na cidade como no campo começam a ressurgir com toda a força, e ameaçar o governo Bolsonaro e o conjunto do regime político.

Vide link: https://aspanrs.blogspot.com/2010/05




3.3.2 A QUESTÃO DO SÃO DONATO- Em 12/03/1975, Euclides Trichez, então governador do Rio Grande do Sul, pelo decreto 23.798, criou a Reserva Biológica de São Donato, entre outras. São mais de 3 mil ha de banhados, campos e matas, a 40 km de São Borja, nos Municípios de Itaqui e Maçambará. A área é cortada pela BR 472. O que parecia um ato ecológico do governador transformou-se em uma grande batalha desde então. De um lado, ecologistas como Antônio Gutierrez (in memorian), Rui Perez Antunes e Erlon Benites, de Maçambará; Gastão Ponsi, Darci Bergmann, Mario César Dutra Lago, Antonia Senhorinha Alves (in memorian), Antonio de Oliveira Alves, Amauri Parcianello, entre outros de São Borja. De outra parte, proprietários lindeiros e invasores na parte das matas. Eram intensas as drenagens e desmatamentos. Até uma draga do DNOCS trabalhou no local, abrindo valos, à revelia do Decreto. Com o rebaixamento do nível das águas, os fazendeiros avançaram as cercas, adentrando na reserva, com criação de gado e lavoura de arroz. A fauna, rica em espécies de aves (algumas oriundas da Patagônia), répteis como o jacaré-de-papo-amarelo (Cayman latirostris), mamíferos como capivaras, ratão-do-banhado, entre outros animais, teve drástica redução. Foram feitos abaixo-assinados, um deles com mais de duas mil assinaturas, entregue ao governador pelo ambientalista José Antonio Lutzenberger. Foram realizadas moções nos parlamentos municipais e Estadual de apoio à Reserva . Nada parecia surtir efeito, tal a pressão dos interessados na área. Os governos estaduais que se sucederam calaram diante dos fatos. Convém lembrar que era época do PRÓ–VÁRZEAS, um programa federal que foi fértil em corrupção pelo desvio do dinheiro público e danos ambientais.

Em 1997, o advogado da ASPAN, Gastão Ponsi, reestudou a questão. Daí entrou com ação civil pública contra o Estado do Rio Grande do Sul. Em 03/10/97, a juíza de direito Drª Rosmari Girardi, proferiu sentença histórica, condenando o Estado a tomar as medidas para a recuperação e implantação definitiva da Reserva Biológica de São Donato. O Tribunal de Justiça do Estado manteve a sentença inicial por unanimidade.
Em 1999, técnicos do Estado sobrevoaram a área com duas aeronaves, fotografando, filmando e fazendo levantamento com GPS. Uma batalha ainda não encerrada, de 25 anos, parecia encaminhar-se para um desfecho de sensatez ambiental. Foram anunciados recursos oriundos de termo de ajustamento entre o Estado e a REFAP para o início da demarcação da Reserva e a indenização dos proprietários, quando coubesse. São Borja teve até um escritório da SEMA, mantido com os recursos da REFAP. Ainda no governo Olívio Dutra, os recursos anunciados para a Reserva Biológica de São Donato foram, em sua maioria, destinados a outras unidades de conservação, frustrando a expectativa dos ambientalistas da região. Tudo voltou à estaca zero, apesar de existir sentença transitada em julgado, obrigando o Estado a implantar a Reserva.
Nesse longo tempo foram reunidos dados num amplo dossiê, com fotografias, filmes, notícias e artigos de jornais, manifestos e estudos técnicos sobre a Reserva Biológica de São Donato. Muitos companheiros desistiram da luta, em função de desgaste pessoal, ameaças e até pela descrença nas instituições.
A situação da Reserva hoje é deplorável, mas não irreversível. Certamente nos anos vindouros, as gerações futuras entenderão o significado desses mananciais de vida e continuarão a luta encetada. Foi assim na Flórida, com os Everglades, alagados drenados para o cultivo agrícola e que salinizaram as águas. Agora, os norte–americanos gastam fortunas tentando reverter esse quadro de degradação ambiental, mercê de modelos imediatistas de exploração dos recursos naturais. Foi assim em outros países. Como lá, aqui haverá de imperar o bom senso, ainda que passem gerações.