quinta-feira, 17 de junho de 2021

REALIZOU-SE UMA INTRODUÇÃO DO ESTUDO DA REVOLUÇÃO RUSSA PELO COLETIVO DE SERVIDORES CLASSISTAS DE ALEGRETE E O AGRUPAMENTO TRIBUNA CLASSISTA

Vide link: https://drive.google.com/file/d/1Yvt_R5wXPsrIrZDO1tVL4hyNylzWGW7n/view?usp=sharing
 Por Carmanin Elizalde

No dia 12/06, o Coletivo de Servidores Municipais de Alegrete Classista e o Agrupamento Tribuna Classista desenvolveram uma Introdução ao Estudo da Revolução Russa de 1917.

A introdução deste estudo se deu no entendimento de que o ciclo da Revolução de Outubro de 1917 está em aberto, e de que essa revolução que levou a uma profunda alteração nas relações de classe no mundo inteiro, daí seu caráter universal, é um guia de ação e a referência histórica e política mais importante para a luta do proletariado mundial nos dias de hoje.

Foram estudados e debatidos os principais antecedentes da tomada do poder político pelos bolcheviques em Outubro de 1917, desde o Congresso do Partido Operário Social Democrata Russo - POSDR, ocorrido em 1903, que se dividiu em duas alas, os Bolcheviques e os Mencheviques, divisão essa que perpassava a discussão de concepção de organização do partido, mas que no calor dos acontecimentos, e frente à disjuntiva que se colocou entre a revolução e a contrarrevolução, evidenciou-se que a divergência entre as duas alas era muito mais de fundo estratégico, ou seja, a concepção de organização estava indissoluvelmente ligada à estratégia política das duas correntes políticas em luta: os Bolcheviques lutavam obstinadamente em defesa da ditadura do proletariado pela derrubada do governo provisório de Kerenski, e os Mencheviques acabaram se colocando contra a tomada do poder político pelos trabalhadores, em nome de uma transferência do poder para a burguesia e a defesa de uma república parlamentar.

Em 1903 também é o ano que Lênin publica o livro O que fazer?, o qual antes de mais nada é a defesa de um programa político de emancipação da classe operária e tem como premissa o internacionalismo proletário. Neste livro para muitos é dissociada a questão da organização do partido daquilo que a precede, que é a estratégia política da classe operária. É corriqueiro e contraditório no espectro da esquerda mundial que defende a estratégia política do colaboracionismo de classes, que se opõe veementemente à ditadura do proletariado, citar a "concepção de partido leninista", ou seja de organização do partido operário dissociada da sua estratégia política, do seu programa político. Por isso, a política de alianças com a burguesia sempre é justificada como tática, quando que na verdade é a estratégia democratizante que impera nas correntes frentepopulistas.

No ano da Revolução de 1905, a derrota na guerra da Rússia pelo Japão obrigou a primeira a se desfazer de partes do seu território. Foi um ano em que os trabalhadores organizaram seus primeiros soviets, que eram organismos classistas de duplo poder político. León Trótsky foi eleito o presidente do Primeiro Soviet de Deputados Operários de Petrogrado. A Revolução de 1905 culminou num banho de sangue pelas tropas do Czar, no que ficou marcado como o Domingo Sangrento. Da experiência dessa Revolução, León Trótsky que havia antecipado a publicação da teoria da Revolução Permanente afirmando que aquela Revolução burguesa passaria diretamente a uma Revolução Socialista, conclui que a capitulação da burguesia frente à autocracia czarista havia demonstrado que as tarefas democráticas da Revolução burguesa em um país periférico como a Rússia haviam passado para as mãos da ditadura do proletariado e que num país atrasado como a Rússia, o proletariado poderia tomar o poder político antes do que nos países centrais do capitalismo.

Em 1914, a social-democracia ecoa seu canto do cisne frente aos interesses estratégicos do proletariado mundial, ocasião em que os Partidos operário social-democratas, em especial o Partido Operário Social-democrata da Alemanha, aprova os créditos de guerra para que as suas respectivas burguesias e imperialismos impelissem milhões de trabalhadores para a carnificina da I Guerra Mundial. Karl Liebknecht, um dos fundadores do SPD alemão, na condição de deputado do Reichstag, o parlamento alemão, foi o único a votar contra esta medida de financiamento do belicismo imperialista do seu próprio país, tendo sofrido sanções como a quebra da imunidade parlamentar e prisão. Com a Revolução Alemã colocada em curso em novembro de 1918, é assassinado junto com Rosa de Luxemburgo no início do ano de 1919, pelos Freikorps, com a anuência do governo do SPD.

O estopim da Revolução de Fevereiro de 1917, segundo León Trótsky, em sua célebre obra História da Revolução Russa: 
 
[...]"DIA 23 DE FEVEREIRO era o Dia Internacional da Mulher. Os
círculos da social-democracia tencionavam festejá-lo segundo as normas
tradicionais: reuniões, discursos, manifestos. Na véspera ainda ninguém
poderia supor que o Dia da Mulher pudesse inaugurar a Revolução. Nenhuma
organização preconizara greves para aquele dia. A mais combatida
das organizações bolcheviques – o Comitê do bairro de Vyborg, essencialmente
operário – desaconselha a greve. 
O estado de espírito das massas
populares, segundo o testemunho de Kayurov, um dos dirigentes operários
do bairro, era demasiadamente tenso e cada greve ameaçava converter-se
em conflito aberto. Como o Comitê julgasse que o momento de agir ainda
não era chegado – o partido não estava bastante forte e o contato entre os
soldados e os operários ainda era bastante deficiente – decidiu não lançar
mão da greve, mas apenas preparar-se para a ação revolucionária em data
indeterminada. Tal foi a linha de conduta preconizada pelo Comitê, nas
vésperas do dia 23, e parecia ter sido aceita por todos. 
No dia seguinte,
pela manhã, apesar de todas as determinações, as operárias têxteis de diversas
fábricas abandonaram o trabalho e enviaram delegadas aos metalúrgicos, solicitando-lhes que apoiassem a greve. Foi 'contra a vontade',
escreve Kayurov, que os bolcheviques entraram na greve, secundados pelos
operários mencheviques e socialistas revolucionários. Visto tratar-se de
uma greve de massas, não havia outro remédio senão fazer com que todos
descessem à rua e tomar a frente do movimento: foi esta a proposta de
Kayurov e o Comitê de Vyborg viu-se constrangido a aprová-la. 'A ideia de
uma manifestação amadurecia há muito entre os operários, porém, naquele
momento, ninguém supunha o que dela iria resultar.' Tomemos nota
desse testemunho de um participante da greve, que é muito importante
para a compreensão do mecanismo dos acontecimentos."
[...]

[...] "Na verdade, vivia-se no reino de um poderoso torpor
espiritual, no país dos fantasmas, das superstições, das ficções, ou antes, se
quisermos, no reino das “forças espontâneas”. Não temos, por conseguinte,
o direito indiscutível de fazer uma revisão completa na filosofia liberal
da Revolução de Fevereiro? Sim! Temos o direito de dizer: enquanto a sociedade
oficial, essa superestrutura de numerosos andares que constituíam
as classes dirigentes, seus grupos, seus partidos e seus clãs, vivia dia por dia
na sua inércia e no seu automatismo, nutrindo-se das reminiscências de
ideias caducas, surdas às inexoráveis exigências do progresso, seduzidas pelos
fantasmas, sem prever coisa alguma, operava-se, nas massas proletárias,
um processus espontâneo e profundo, não somente de ódio crescente contra
os dirigentes e de um juízo crítico sobre a sua incapacidade, como também
de acumulação de experiências e de consciência criadora, processus que se
confirmou na insurreição e no triunfo revolucionário.
À questão acima apresentada – quem dirigiu a Revolução
de Fevereiro? – Podemos, por conseguinte, responder com a clareza
desejável: os operários conscientes e bem temperados e sobretudo os que
se formaram no escola do partido de Lenine. Devemos acrescentar porém
que esta liderança, suficiente para assegurar a vitória da insurreição, não
estava em condições, logo no início, de colocar a direção do movimento
revolucionário entre as mãos da vanguarda proletária."[
...] (Idem)

À burguesia, o qual já havia estabelecido relações econômicas com o capital estrangeiro, e que cumpriu um papel coadjuvante na derrubada do Czar, foi lhe entregue o poder na figura do Príncipe Lvov (partidário de uma Monarquia Constitucional, apoiado na Duma, o parlamento russo, que o próprio Czar assustado com a Revolução em 1905 foi obrigado a consentir) através do governo Provisório em aliança com Kerenki, do Partido Socialista Revolucionário.
 
 [...] "Do que acima se disse, conclui-se claramente até que ponto
era fictício o socialismo dos dois partidos democráticos; o que tampouco
significa que o democratismo de ambos fosse verdadeiro. Ao contrário:
era justamente a anemia do democratismo que necessitava de um disfarce
socialista. O proletariado russo conduzia a luta pela democracia dentro de
antagonismo irredutível com a burguesia liberal. Os partidos democráticos,
por constituírem um bloco com a burguesia liberal, deviam inevitavelmente
entrar em conflito com o proletariado. São estas as raízes sociais da luta
implacável que se travou, em seguida, entre conciliadores e bolcheviques
."[...] (Idem) 
 
Em abril de 1917, Lênin torna pública em sua volta do exílio as célebres Teses de Abril, um divisor de águas na história e no curso da Revolução Russa e no próprio Partido Bolchevique. Segundo León Trósky, em Lições de Outubro, Lênin desautoriza e acusa a direção do conselho editorial do jornal Pravda, nas figuras de Stálin e Kamenev, que haviam adotado uma política de criticar o que era "ruim" do governo provisório, e apoiar o que era "bom", de conciliacionismo. "Todo o poder ao soviets!", era a palavra-de-ordem central dirigida ao organismo de duplo poder que naquele momento tinha maioria dirigente os Mencheviques e o Partido Socialista-Revolucionário de Kerenski. Que os Mencheviques e os SRs rompessem com a burguesia e tomassem o poder. Uma burguesia atônita que não havia tirado a Rússia da guerra, não havia resolvido o problema da fome provocado por aquela, e nem havia distribuído as terras como prometido, três tarefas democráticas que haviam passado historicamente para a ditadura do proletariado, no exercício real de poder político da classe operária, naquilo que havia previsto Trótsky e confirmado por Lênin, em suas Teses de Abril, que a Revolução burguesa num país atrasado historicamente como a Rússia passaria rapidamente para a Revolução Socialista.
 
Em junho de 1917, as massas começam a tomar para si as palavras-de-ordem dos bolcheviques, "TODO O PODER AOS SOVIETS", "ABAIXO OS 10 MINISTROS CAPITALISTAS" E "CONTRA A OFENSIVA NA GUERRA", proposta pelo governo provisório.

Em julho de 1917, o Príncipe Lvov renuncia e Kerensky assume o governo provisório. É quando acontecem as Jornadas de Julho, que foram demonstrações armadas dos trabalhadores na tentativa de derrubar o governo provisório, consideradas por Lênin como prematuras, porque estavam concentradas em Petrogrado, o que seriam o prenúncio de uma derrota, de uma revolução efêmera, como aconteceu com os revolucionários franceses na Comuna de Paris, e de uma revolução abortada, na Alemanha, com os espartaquistas.

Em agosto de 1917, o general Kornilov percebendo o enfraquecimento do governo provisório de Kerensky prepara um golpe militar. O golpe de estado do Pinochet russo é derrotado principalmente pela ação dos bolcheviques. Lênin, segundo León Trótsky, em as Lições de Outubro, afirmava que derrotar Kornilov não se tratava em nenhum instante de dar um centavo de apoio à política do governo de conciliação de classes de Kerensky. Pelo contrário, a derrota do golpe de estado, preconizava obstinadamente Lênin, era pra preparar as bases para a derrubada do governo Kerensky, como de fato aconteceu em Outubro daquele com a tomada do poder político pelos bolcheviques e instauração apoiado numa insurreição armada de milhões de trabalhadores da cidade e do campo no primeiro Governo Operário da história da humanidade.

"As bruscas mudanças de opinião e do humor das massas,
em épocas de Revolução, provêm, por conseguinte, não da maleabilidade
ou da inconstância do psiquismo humano, porém de seu
profundo conservadorismo. As ideias e as relações sociais, permanecendo
cronicamente em atraso quanto às novas circunstâncias
objetivas, até o momento em que tais circunstâncias se abatem
como um cataclismo, provocam em época de Revolução sobressaltos
de ideias e paixões que a cérebros de policiais se apresentam
simplesmente como obra de 'demagogos'.
" (León Trótsky, História da Revolução Russa)

A Revolução Socialista não será resultado da maleabilidade das camadas médias da sociedade, que possuem uma facilidade de se adaptarem, de zigue-zagues, de nadarem conforme o vento leva a correnteza, com uma verborragia cada vez mais radical à medida que a situação lhes obriga, mas sim da constância e da dificuldade de adaptação do proletariado urbano e rural, que passando a agir enquanto classe operária, da condição de classe em si para classe para si, suas condições de existência miserável sobre o modo de produção capitalista alteram abruptamente a sua consciência, depois de suportar o insuportável.

[...] "Os processus que se produzem na consciência das massas não
são, entretanto, nem autônomos nem independentes. Embora desagradando
aos idealistas e ecléticos, a consciência das massas é, todavia,
determinada pelas condições gerais de existência. Nas circunstâncias
históricas da formação da Rússia, com sua economia, suas classes, seu
poder de Estado, assim como na influência sobre ela exercida pelas potências
estrangeiras, deviam estar inseridas as premissas da Revolução
de Fevereiro e da sua substituta – a de Outubro. Tanto quanto possa
parecer particularmente enigmático que um país atrasado tenha sido
o primeiro a levar o proletariado ao poder, é necessário, preliminarmente,
procurar a chave deste enigma nas peculiaridades de tal país,
isto é, naquilo que o diferencia dos outros."
[...] (Idem)

O debate riquíssimo que se desenvolveu num sábado à noite, trouxe à luz do estudo da Revolução de Outubro de 1917, na Rússia, uma reflexão sobre temas como o nacionalismo burguês, as frentes populares, o chavismo na Venezuela, o nacionalismo de Evo Morales e do MAS na Bolívia, o PT no Brasil, enfim, procurou se buscar as diferenças entre a estratégia de tomada do poder político por um partido operário independente como na Revolução Russa, e a estratégia de colaboração de classes que vigora, paradoxalmente, atualmente na maioria dos partidos de esquerda no Brasil, na América Latina e no mundo, a qual somente o terreno internacional da luta de classes, nos marcos da maior crise capitalista mundial, é que determinará e condicionará o desenrolar dos acontecimentos.