domingo, 6 de junho de 2021

Brasil: mobilizações desafiam Bolsonaro

Artigo extraído do site do PO da Argentina


Por Gustavo Montenegro

Neste 29M, dezenas de milhares de pessoas se mobilizaram no Brasil contra o governo de Jair Bolsonaro. Estima-se que tenha sido a maior convocação da Frente Brasil Popular e Povo sem Medo, onde existem movimentos sociais, organizações trabalhistas e estudantis e grupos políticos ligados ao PT.

A agitação popular contra o governo está crescendo no calor da catástrofe social e da saúde. A pandemia, que o presidente batizou pejorativamente de "gripezinha", já deixou mais de 460 mil mortos, número só superado pelos Estados Unidos. A taxa de mortalidade por milhão de habitantes era a maior da América do Sul até a semana passada ( Infobae , 5/20). Já abordamos em artigos anteriores crises como a do Estado do Amazonas, onde faltava oxigênio para os pacientes e se amontoavam nos corredores de hospitais superlotados. A vacinação, por sua vez, progride lentamente (apenas 21% da população tomou pelo menos uma dose).

Apesar de tudo isso, Bolsonaro mantém sua linha anti-quarentena e até mesmo recorreu à justiça contra aqueles Estados que promoveram medidas de isolamento (modestas). Como parte dessa negligência criminosa, que coloca os interesses empresariais antes da saúde da população, registra-se a aceitação da realização da Copa América no país (que neste momento estava em dúvida).

Ao mesmo tempo, o desemprego subiu para 14,7% no primeiro trimestre deste ano. 40% dos trabalhadores estão no setor informal. cresce a insegurança alimentar , que segundo alguns jornalistas já atinge mais da metade da população (La Nación , 4/23).

Isso ajuda a entender a queda na popularidade do ex-capitão de navio, cujo índice de aprovação - segundo pesquisa do Datafolha - caiu para 24%, enquanto sua intenção de votar na presidência do próximo ano é de apenas 23% (de Lula, que está em primeiro nas urnas e também o derrotaria em uma votação eventual). Até a metade da população acredita que ele deve ser imediatamente destituído (idem, 31/5).

No ano passado, a implantação de planos de assistência social permitiu a Bolsonaro amenizar a crise alimentar e até melhorar um pouco sua imagem, mesmo nos Estados do Nordeste. Mas neste ano, como resultado das políticas de ajuste fiscal, a ajuda emergencial foi reduzida para menos da metade (para 250 reais) e o número de beneficiários caiu, além de ser prorrogado por apenas quatro meses, a partir de abril (El País, Uruguai, 5/4).

É um cenário de grande tensão social. As passeatas do 29M disputaram as ruas com o governo, que realizou manifestações menores e próprias ao longo deste mês, incluindo a participação do presidente em desfiles motorizados. O governo não renuncia aos seus planos de privatização (deputados acabam de aprovar o início de um processo de privatização da Eletrobrás) nem à bravata golpista, pois de vez em quando ameaça levar o Exército às ruas, mas é fortemente rechaçado e até chegou ao confronto com ex-comandantes das Forças Armadas, que renunciaram em desacordo com a nomeação de Walter Braga Netto para o cargo de ministro da Defesa.

O significado do encontro Lula-Cardoso

A oposição trabalha, por um lado, para conseguir uma substituição política para Bolsonaro nas eleições de outubro de 2022. Por outro, para evitar uma queda anterior e desordenada do governo.

Uma expressão clara disso é o almoço de 12 de maio entre Lula e o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, privatizador serial nos anos 1990 e presidente honorário do PSDB (Partido da Social-Democracia Brasileira). Este já havia alertado para a mídia que, em caso de votação entre Lula e Bolsonaro, votaria no dirigente do PT. Agora, ele disse que "quem não tem cachorro caça com gato" ( La Nación, 22/05). FHC sabe que seu partido tem poucas chances de intervir no enfrentamento eleitoral e que o principal substituto hoje é Lula, que já desempenhou um papel fundamental como fator de contenção do proletariado brasileiro, o mais importante da América Latina, na primeira década deste século. Mas, além disso, o sociólogo disse que o almoço buscou "ajudar a relaxar" (idem) a atual conjuntura política. Busca criar uma rede de segurança institucional que impeça novas desestabilizações políticas (ainda há um longo caminho a percorrer até outubro do próximo ano) e que impeça uma irrupção popular massiva, em uma região marcada por levantes populares (Chile, Colômbia, Paraguai) .

Visto do outro lado da mesa, o almoço também é uma expressão de moderação de Lula, que mais uma vez busca se mostrar um homem de confiança perante a burguesia. Há quem especule até que ele escolherá um homem do mercado como companheiro de chapa, repetindo a experiência que o levou a adotar José Alencar como vice-candidato em 2002 (idem). Lula nota o mal-estar que se aninha em setores da burguesia brasileira com o Bolsonaro. Em meados de março, um grupo de economistas e empresários -incluindo dois diretores do Banco Itaú- publicou uma carta criticando a gestão da saúde do governo, na qual também indicava que “'a recessão' do momento não será superada "enquanto a pandemia não é controlada pela ação competente do governo federal" ( El País, 21/3). Ou seja, esses cartistas veem que o desastre pandêmico agrava a crise econômica e exigem uma mudança de orientação - claramente com a hipocrisia de omitir sua própria responsabilidade em manter a economia aberta a todo custo, apesar do vírus.

Enquanto todas essas negociações políticas acontecem, uma comissão parlamentar de inquérito  da Covid-19 foi colocada em operação no Senado, a qual, embora não tenha a intenção de derrubar ou substituir Bolsonaro, serve para desgastá-lo politicamente até 2022.

A linha do cacique petista é uma frente ampla sem limites à direita, incluindo setores que participaram do golpe contra Dilma Rousseff em 2016. As centrais sindicais são tributárias dessa operação, assim como a direção do Psol (uma de suas lideranças , Marcelo Freixo, tuitou os seus parabéns a Cardoso e Lula pelo seu "gesto de grandeza e responsabilidade para com o país" (idem, 21/05).

Na contramão dessa linha, é preciso redobrar a mobilização e avançar em um plano de luta pelas demandas mais sentidas (centralização do sistema de saúde, triplicar orçamentos, socorro emergencial de 600 reais, proibição de demissões, seguro-desemprego, etc. .) e agora colocar pra fora Bolsonaro-Mourão e todo o regime de exploração.