quarta-feira, 23 de fevereiro de 2022

A CRISE MUNDIAL E SUA EMERGÊNCIA NA AMÉRICA LATINA E NO BRASIL


 Na próxima quinta-feira, 24/02, às 20:00 horas, ocorrerá a Apresentação da Revista Em Defesa do Marxismo nº 58, publicação editada pelo Partido Obrero da Argentina, que se aproxima de 30 anos de existência. 

Na esteira da crise mundial capitalista, que se agravou com o surgimento da pandemia que não dá mostras de arrefecimento (no Brasil, por exemplo, já atingiu de novo picos de mais de mil mortes diárias) e, agora, frente à iminência da guerra provocada pelo imperialismo ianque, o qual perante suas contradições econômicas concentradas na política esgotaram-se e não vê outra maneira a não ser estender a política por outros meios, que é jogar milhões de trabalhadores numa nova carnificina que já tem um alcance mundial (bolsas de valores despencando no mundo inteiro, preços das comodities indo às alturas, em especial do petróleo, incorporação de uma nova leva de refugiados de guerra que já atinge mais de 30 países e se aproxima de 90 milhões de pessoas, etc.), estaremos desenvolvendo esta atividade virtual fundamental junto ao Partido Obrero e o agrupamento Política Revolucionária na plataforma do Zoom.

O link para ingresso na sala que ocorrerá a atividade será disponibilizado para quem estiver interessado (a) no seguinte e-mail: agrupamentotribunaclassista@gmail.com



terça-feira, 22 de fevereiro de 2022

Lênin e o Movimento Feminino


 Clara Zetkin - 1920
RECORDAÇÕES DE LÊNIN

O camarada Lênin falou-me várias vezes sobre a questão feminina, à qual atribuía grande importância, uma vez que o movimento feminino era para ele parte integrante e, em certas ocasiões, parte decisiva do movimento de massas. É desnecessário dizer que ele considerava a plena igualdade social da mulher como um princípio indiscutível do comunismo.

Nossa primeira conversação longa sobre esse assunto teve lugar no outono de 1920, no seu grande gabinete, no Kremlin. Lênin estava sentado diante de sua mesa coberta de livros e de papéis, que indicavam seu tipo de ocupação e seu trabalho, mas sem exibir «a desordem dos gênios».

«Devemos criar necessariamente um poderoso movimento feminino internacional, fundado sobre uma base teórica clara e precisa» — começou ele, depois de haver-me saudado. «É claro que não pode haver uma boa prática sem teoria marxista. Nós, comunistas, devemos manter sobre tal questão nossos princípios, em toda sua pureza. Devemos distinguir-nos claramente de todos os outros partidos. Infelizmente, nosso II Congresso Internacional não teve tempo de tomar posição sobre esse ponto, embora a questão feminina tivesse sido ali levantada. A culpa é da comissão, que faz com que as coisas se arrastem. Ela deve elaborar uma resolução, teses, uma linha precisa. Mas até agora seus trabalhos não avançaram muito. Deveis ajudá-la.»

Já ouvira falar do que agora me dizia Lênin e expressei-lhe meu espanto. Era uma entusiasta de, tudo quanto haviam feito as mulheres russas durante a revolução, de tudo quanto ainda faziam para defendê-la e para ajudá-la a desenvolver-se. Quanto à posição e à atividade das mulheres no Partido bolchevique, parecia-me que, por este lado, o Partido se mostrava realmente à altura de sua tarefa. Só o Partido bolchevique fornece quadros experimentados, preparados, para o movimento feminino comunista internacional e, ao mesmo tempo, serve de grande exemplo histórico.

«Exato, exatíssimo» — observou Lênin com um leve sorriso. «Em Petrogrado, em Moscou, nas cidades e nos centros industriais afastados, o comportamento das mulheres proletárias durante a revolução foi soberbo. Sem elas, muito provavelmente não teríamos vencido. Essa é minha opinião. De que coragem deram provas e que coragem mostram ainda hoje! imaginai todos os sofrimentos e as privações que suportaram. . . Mas mantêm-se firmes, não se curvam, porque defendem os sovietes, porque querem a liberdade e o comunismo.

Sim, as nossas operárias são magníficas, são verdadeiras lutadoras de classes. Merecem nossa admiração e nosso afeto.

Sim, possuíamos em nosso Partido companheiras seguras, capazes e incansáveis. Podemos confiar-lhes postos importantes nos sovietes, nos comitês executivos, nos Comissariados do Povo, na administração. Muitas delas trabalham dia e noite no Partido ou entre as massas proletárias e camponesas, ou no Exército Vermelho. Tudo isso é muitíssimo precioso para nós. E é importante para as mulheres do mundo inteiro, porque comprova a capacidade das mulheres e o elevado valor que tem seu trabalho, para a sociedade.

A primeira ditadura do proletariado abre verdadeiramente o caminho para a completa igualdade social da mulher. Elimina mais preconceitos que a montanha de escritos sobre a igualdade feminina. E apesar de tudo isso, não possuímos ainda um movimento feminino comunista internacional. Mas devemos chegar a formá-lo a todo custo. Devemos proceder imediatamente à sua organização. Sem esse movimento, o trabalho de nossa Internacional e das suas seções será incompleto e assim permanecerá.

Nosso trabalho revolucionário deve ser conduzido até o fim. Mas, dizei-me, como vai o trabalho comunista no exterior?»

Transmiti-lhe todas as informações que havia conseguido recolher; informações limitadas, em virtude dos elos débeis e irregulares que então existiam entre os partidos aderentes à Internacional Comunista. Lênin, um pouco inclinado para a frente, escutava atento, sem nenhum sinal de aborrecimento, de impaciência ou cansaço. Interessava-se vivamente mesmo por detalhes de importância secundária.

Não conheço ninguém que saiba escutar melhor que ele, classificar tão rapidamente os fatos e coordená-los, como se podia ver pelas perguntas breves, mas sempre muito precisas, que me dirigia, de vez em quando, enquanto eu falava e pela maneira de voltar depois a algum detalhe de nossa conversa. Ele havia tomado algumas anotações breves.

Naturalmente falei principalmente da situação na Alemanha. Disse-lhe que Rosa considerava da maior importância conquistar para a luta revolucionária as massas femininas. Quando se formou o Partido Comunista, Rosa insistiu para que se publicasse um jornal dedicado ao movimento feminino. Quando Leo Jogiches examinava comigo o plano de trabalho do Partido, durante nosso último encontro, trinta e seis horas antes que o assassinassem, e me confiava algumas tarefas a realizar, "incluía também um plano de organização para as operárias". Essa questão já fora tratada na primeira conferência ilegal do Partido. Os propagandistas e os dirigentes mais preparados e experientes, que se haviam distinguido antes da guerra e durante a mesma, haviam permanecido quase todos nos partidos social-democratas das duas tendências, exercendo uma grande influência sobre as massas conscientes e ativas de operárias. Todavia, mesmo entre as mulheres, se havia formado um núcleo de camaradas enérgicas e cheias de abnegação, que participavam de todo o trabalho e da luta de nosso Partido. O Partido, por sua parte, estava desenvolvendo uma ação metódica entre as operárias. Tratava-se apenas do começo, mas de um bom começo.

«Não vai mal, de fato não vai mal» — disse Lênin. «A energia, o espírito de abnegação e o entusiasmo das mulheres comunistas, sua coragem e sua inteligência no período da ilegalidade ou de semi-legalidade, abrem uma bela perspectiva para o desenvolvimento desse trabalho. Apoderar-se das massas e organizar sua ação, eis os elementos preciosos para o desenvolvimento e o reforço da partido.

Mas, em que ponto estais, no que se refere à compreensão exata da base dessa ação? Como ensinais às camaradas ? Esse problema tem uma importância decisiva para o trabalho que se deve desenvolver entre as massas. Exerce uma grande influência, porque penetra justamente no coração da massa, porque a atrai para nós e a inflama. Não consigo recordar-me agora quem foi que disse: nada se faz de grande sem paixão. Ora, nós e os trabalhadores do mundo inteiro temos ainda, de fato, grandes coisas a realizar.

Assim, que anima vossas camaradas, as mulheres proletárias da Alemanha? Em que ponto está sua consciência de classe, de proletárias? Seus interesses, sua atividade se voltam para as reivindicações políticas do momento? Sobre que se concentra sua atenção?

A esse respeito, ouvi dizer coisas estranhas às camaradas russas e alemãs. Devo contar-vos. Foi-me dito que uma comunista muito qualificada publica em Hamburgo um jornal para as prostitutas e tenta organizar essas mulheres para a luta revolucionária. Rosa agiu como comunista ao escrever um artigo no qual tomava a defesa das prostitutas, que são lançadas à prisão por infrações a qualquer regulamento da polícia referente à sua triste profissão. Duplamente vítimas da sociedade burguesa, as prostitutas merecem ser lamentadas. São vítimas, antes de tudo, do maldito sistema da propriedade, depois do maldito moralismo hipócrita. Somente os brutos ou os míopes podem esquecê-lo.

No entanto, não se trata de considerar as prostitutas como, por assim dizer, um setor especial da frente revolucionária e de publicar para elas um jornal especial.

Será que não existem, talvez, na Alemanha, operárias industriais para organizar, para educar com um jornal, para arrastar à luta? Eis aí um desvio mórbido. Isso me recorda muito a moda literária em que toda prostituta era apresentada como uma doce madona. É verdade que mesmo naquele caso a 'raiz' era sã: a compaixão social, a indignação contra a hipocrisia virtuosa da honrada burguesia. Mas essa raiz sã, sofrendo a contaminação burguesa, apodreceu. Em geral, a prostituição, mesmo no nosso país, colocará diante de nós numerosos problemas de difícil solução. Trata-se de reconduzir a prostituta ao trabalho produtivo, de indicar-lhe um lugar na economia social; o que, no estado atual de nossa economia e nas condições atuais, é uma coisa complicada e dificilmente realizável. Eis portanto um aspecto da questão feminina que, depois da conquista do poder pelo proletariado, se apresenta em toda a amplitude e exige solução. Na Rússia soviética, esse problema dará ainda pano para mangas. Mas voltemos ao vosso caso particular na Alemanha. O Partido não pode tolerar, em nenhum caso, semelhantes atos, não autorizados, por parte de seus membros. Isso confunde as coisas e desagrega nossas forças. Que fizestes para impedi-lo?»

Sem esperar minha resposta, Lênin continuou:

«A lista de vossos pecados, Clara, ainda não terminou. Ouvi dizer que, em vossas reuniões noturnas dedicadas à leitura e aos debates com as operárias, ocupai-vos sobretudo com as questões do sexo e do casamento. Esse assunto estaria no centro de vossas preocupações, de vossa instrução política e de vossa ação educativa! Não acreditei no que ouvi.

O primeiro estado no qual se realizou a ditadura proletária está cercado de contra-revolucionários de todo o mundo. A situação da própria Alemanha exige a máxima união de todas as forças revolucionárias proletárias para repelir os ataques sempre mais vigorosos da contrarrevolução. E, agora, justamente agora, as comunistas ativas tratam da questão sexual, das formas de casamento no passado, no presente e no futuro, julgam que seu primeiro dever é instruir as operárias nessa ordem de idéias. Disseram-me que o folheto de uma comunista vienense sobre a questão sexual tivera amplíssima difusão. Que tolice, esse folheto! As poucas noções exatas que contém, as operárias já as conhecem desde Bebel e não sob a forma de um esquema árido e desinteressante, como no folheto, mas sob a forma de uma propaganda apaixonante, agressiva, cheia de ataques contra a sociedade burguesa. As hipóteses freudianas mencionadas no folheto em questão conferem ao mesmo um caráter que se pretende 'científico', mas no fundo se trata de uma confusão superficial. A própria teoria de Freud não é hoje senão um capricho da moda. Não tenho confiança alguma nessas teorias expostas em artigos, apreciações, folhetos etc., em resumo, nessa literatura específica que floresce com exuberância no terraço da sociedade burguesa. Desconfio daqueles que estão absorvidos constante e obstinadamente com as questões do sexo, como o faquir hindu com a contemplação do próprio umbigo.

Parece-me que essa abundância de teorias sexuais, que não são em grande parte senão hipóteses arbitrárias, provém de necessidades inteiramente pessoais, isto é, da necessidade de justificar aos olhos da moral burguesa a própria vida anormal ou os próprios instintos sexuais excessivos e de fazê-la tolerá-los.

Esse respeito velado pela moral burguesa repugna-me tanto quanto essa paixão pelas questões sexuais. Tem um belo revestimento de formas subversivas e revolucionárias, mas essa ocupação não passa, no fim das contas, de puramente burguesa. A ela se dedicam de preferência os intelectuais e as outras camadas da sociedade que lhes são próximas. Para tal tipo de ocupação não há lugar no Partido, entre o proletariado que luta e tem consciência de classe.»

Fiz notar que as questões sexuais e matrimoniais, no regime de propriedade privada, suscitavam múltiplos problemas, que eram causa de contradições e de sofrimentos para as mulheres de todas as classes e de todas as camadas sociais. A guerra e suas conseqüências, disse eu, agravaram ao extremo para a mulher as contradições e os sofrimentos que existiam antes, nas relações entre os sexos. Os problemas, ocultos até então, foram agora revelados aos olhos das mulheres e isto na atmosfera da revolução recém-começada. O mundo, dos velhos sentimentos, das velhas idéias desmorona por toda parte. Os vínculos sociais, de uma só vez, se enfraquecem e se rompem. Vêem-se surgir os germes de novas premissas ideológicas, que ainda não tomaram forma, para as relações entre os homens. O interesse que essas questões suscitam exprime a necessidade de uma nova orientação. Surge ainda a reação que se produz contra as deformações e as mentiras da sociedade burguesa. A mudança das formas matrimoniais e familiares no curso da História, em sua dependência da economia, constituem um bom meio para varrer do espírito das operárias a crença na perpetuidade da sociedade burguesa. Fazer a crítica histórica dessa sociedade significa dissecar sem piedade a ordem burguesa, desnudar sua essência e suas conseqüências e estigmatizar além disso a falsa moral sexual. Todos os caminhos levam a Roma. Toda análise verdadeiramente marxista de uma parte importante da superestrutura ideológica da sociedade ou de um fenômeno social importante deve conduzir à análise da ordem burguesa e de sua base, a propriedade privada; cada uma dessas análises deve conduzir a esta conclusão: «É preciso destruir Cartago.»

Lênin sorria e fazia com a cabeça sinais de aprovação

«Muito bem. Tendes o ar de um advogado que defende seus companheiros e seu partido. Sem dúvida, o que dissestes é justo. Mas poderia servir apenas para desculpar o erro cometido na Alemanha, não para justificá-lo. Um erro cometido continua a ser um erro. Podeis garantir-me seriamente que as questões sexuais e matrimoniais são discutidas em vossas reuniões sempre do ponto de vista do materialismo histórico vital, bem compreendido? Isso exige conhecimentos vastos, aprofundados, conhecimento marxista, claro e preciso, de uma enorme quantidade de materiais. Dispondes, neste momento, das forças necessárias? Em caso afirmativo, não teria sucedido que um folheto, como aquele do qual falamos, fosse usado como material de estudo em vossas reuniões noturnas, dedicadas à leitura e ao debate. Aquele folheto é recomendado e difundido, ao invés de ser criticado . A que conduz, na final das contas, esse exame insuficiente e não marxista da questão? Ao seguinte: a que os problemas sexuais e matrimoniais não sejam vistos como parte da principal questão social e que, ao contrário, a grande questão social, apareça como parte, como apêndice do problema sexual. A questão fundamental é relegada a segundo plano, como secundária. Isso não só prejudica a clareza da questão, mas obscurece o pensamento em geral, a consciência de classe das operárias.

Outra observação, que não é inútil. O sábio Salomão dizia: cada coisa a seu tempo. Peço-vos responder: é precisamente este o momento de manter ocupadas as operárias, meses inteiros, para falar-lhes do modo como se ama ou se é amado, do modo como se faz a corte ou se aceita a corte entre os vários povos, tanto no passado, como no presente e no futuro? E é isso que se denomina orgulhosamente de materialismo histórico! Neste momento, todos os pensamentos das operárias, das mulheres trabalhadoras devem estar voltados para a revolução proletária. Ela é que criará inclusive base para as novas condições de casamento e novas relações entre os sexos. Agora, realmente, devem passar para primeiro plano outros problemas, que não aqueles que se referem às formas de casamento entre os maorís da Austrália ou os casamentos realizados entre consangüíneos na antigüidade.

A História põe hoje na ordem do dia do proletariado alemão a questão dos sovietes, do tratado de Versalhes e da sua influência sobre a vida das massas femininas, o problema do desemprego, da rebaixa dos salários, dos impostos e muitas outras coisas. Em suma, penso que tal modo de educação política e social das operárias não é absolutamente o que deve ser feito. Como vos pudestes calar? Devíeis ter usado vossa autoridade!»

Ao meu amigo, que me criticava, expliquei que não havia perdido ocasião para criticar, para replicar às camaradas dirigentes, para fazer ouvir minha voz em diferentes lugares, mas ele devia saber que ninguém é profeta em sua terra, nem em sua família. Com a minha crítica tornava-me suspeita de continuar ainda fiel às sobrevivências da ideologia social-democrata e do espírito pequeno-burguês de velho estilo. No entanto, minha crítica acabou por dar seus frutos. Os problemas do sexo e do casamento não estavam mais no centro das nossas discussões em nossos círculos e em nossas reuniões noturnas destinadas aos debates.

Lênin continuou a desenvolver seu pensamento.

«Eu sei, eu sei» — disse ele. «Também me acusam de filisteísmo. Mas isso não me perturba. Os pássaros que mal saíram do ovo das concepções burguesas crêem-se sempre terrivelmente inteligentes. É preciso ter calma. O próprio movimento juvenil está contaminado pela tendência moderna e pela predileção desmedida pelos problemas sexuais.»

Lênin sublinhou com ironia a palavra «moderna», com ar de desaprovação.

«Disseram-me que os problemas sexuais são mesmo um assunto predileto das vossas organizações juvenis. Nunca faltam relatores sobre esse assunto. Isto é particularmente escandaloso, particularmente deletério para o movimento juvenil. Tais assuntos podem contribuir facilmente para excitar, para estimular a vida sexual de certos indivíduos, para destruir a saúde e a força da juventude. Deveis lutar também contra essa tendência. O movimento feminino e o juvenil têm muitos pontos de contato. Nossas camaradas comunistas devem fazer, portanto, junto com os jovens, um trabalho sistemático. Isso trará como resultado elevá-las, transportá-las do mundo da maternidade individual para o da maternidade social. É preciso contribuir para todo despertar da vida social e da atividade da mulher, para ajudá-la a elevar-se acima da mentalidade estreita pequeno-burguesa, individualista, da sua vida doméstica e familiar.

Mesmo entre nós, uma grande parte da juventude trabalha diariamente para rever a concepção burguesa da 'moral' nos problemas sexuais. E devo dizê-lo, é a elite de nossa juventude, aquela que realmente promete muito. Como observastes, nas condições criadas pela guerra e pela revolução, os antigos valores ideológicos são abalados, perdem sua força. Os novos valores só se cristalizam lentamente, através da luta.

As concepções sobre as relações entre o homem e a mulher são transtornadas, assim como os sentimentos e as idéias. Delimitam-se de novo os direitos do indivíduo e os da coletividade e, por isso, os deveres do indivíduo. É um processo lento e muitas vezes doloroso, de perecimento e de nascimento. Isso é igualmente verdade no terreno das relações sexuais, do casamento e da família. A decadência, a putrefação, a lama do casamento burguês, com as suas dificuldades de dissolução, com a liberdade para o marido e a escravidão para a mulher, a mentira infame da moral sexual e das relações sexuais enchem os melhores homens de um desgosto profundo.

O jugo que as leis do Estado burguês fazem pesar sobre o casamento e a família agrava ainda mais o mal e torna os conflitos mais agudos. É o jugo da 'sagrada propriedade' que sanciona a venalidade, a baixeza, a obscenidade. E a hipocrisia convencional da 'honrada' sociedade burguesa faz o resto.

As pessoas começarão a revoltar-se contra essas deformações da natureza. E na época em que vacilam Estados poderosos, em que desaparecem antigas formas de dominação, em que todo um mundo social perece, os sentimentos do indivíduo isolado se modificam rapidamente.

Difunde-se uma sede ardente de prazeres fáceis. As formas do casamento e das relações entre os sexos, no sentido burguês, já não satisfazem. Nesse terreno, aproxima-se uma revolução que corresponde à revolução proletária. Compreende-se que todo esse novelo extraordinariamente intricado de problemas preocupa profundamente tanto às mulheres como os jovens. Uns e outros sofrem particularmente da atual confusão nas relações sexuais. A juventude protesta contra esse estado de coisas com o ardor barulhento própria da idade. É compreensível. Nada seria mais falsa que pregar à juventude o ascetismo monástico e a santidade da imundície burguesa. Mas não está bem, penso eu, que os problemas sexuais colocados em primeiro plano por razões naturais, se tornem nestes anos a preocupação principal dos jovens. As conseqüências, algumas vezes, poderiam ser fatais.

Em sua nova atitude diante das questões concernentes à vida sexual, a juventude se apega, naturalmente, aos princípios, à teoria. Muitos qualificam sua posição de 'revolucionária' e 'comunista'. Crêem sinceramente que assim seja. Não nos ouvem, a nós, velhos. Embora eu não seja absolutamente um asceta melancólico, essa nova vida sexual da juventude e freqüentemente, dos adultos, me parece muitas vezes totalmente burguesa, um dos múltiplos aspectos de um lupanar burguês. Tudo isso nada tem a ver com a 'liberdade do amor', tal como nós comunistas a concebemos. Conheceis, sem dúvida, a famosa teoria segundo a qual, na sociedade comunista, satisfazer o instinto sexual e o impulso amoroso é tão simples e tão insignificante como beber um copo de água. Essa teoria do 'copo de água' deixou a nossa juventude louca, inteiramente louca.

Ela foi fatal a muitos rapazes e moças. Seus defensores afirmam que é uma teoria marxista. Belo marxismo esse para o qual todos os fenômenos e todas as modificações que se dão na superestrutura ideológica da sociedade decorrem de pronto, em linha direta e sem quaisquer reservas, unicamente da base econômica! A coisa não é tão simples como parece. Um certo Friederich Engels, já há muito tempo, salientou em que consiste verdadeiramente o materialismo histórico.

Considero a famosa teoria do 'copo de água' como não marxista e, além disso, como anti-social. Na vida sexual se manifesta não só aquilo que deriva da natureza, mas também o que nos dá a cultura, quer se trate de coisas elevadas ou inferiores.

Engels, em sua Origem da Família, mostra toda a importância do desenvolvimento e do aprimoramento do amor sexual. As relações entre os sexos não são simplesmente a expressão da ação da economia social e da necessidade física, dissociadas no pensamento por uma análise psicológica.

A tendência a atribuir diretamente à base econômica da sociedade a modificação dessas relações, separando-as de sua conexão com toda a ideologia, já não seria marxismo, mas racionalismo. Sem dúvida, a sede deve ser saciada. Mas será que um homem normal, em condições igualmente normais, se deitará no chão, na rua, para beber água suja de um lameiro? Ou beberá em um copo marcado nas beiradas por dezenas, de outros lábios? Todavia o mais importante é o aspecto social. De fato, beber água é coisa pessoal. Mas, no amor, estão interessadas duas pessoas e pode vir uma terceira, um novo ser. É disso que surge o interesse social, o dever para com a coletividade. Como comunista, não sinto simpatia alguma pela teoria do 'copo de água', embora traga a etiqueta de 'amor livre'. Além de não ser comunista, essa teoria nem é nova sequer. Recordai-vos, certamente, de que foi 'pregada' na literatura em meados do século passado, como 'emancipação do coração', que a prática burguesa transformou depois em 'emancipação da carne'. Então, se pregava com mais talento que hoje. Quanto à prática, não posso julgá-la.

Não desejo, absolutamente, com minha crítica, pregar o ascetismo. Longe disso. O comunismo deve trazer não o ascetismo, mas a alegria de viver e o bem-estar físico, devidos também, à plenitude do amor. Penso que o excesso que se observa hoje, na vida sexual não produz nem a alegria de viver nem o bem-estar físico, mas, pelo contrário, os diminuem. Ora, em épocas revolucionárias isto, é mau, muito mau.

Particularmente, a juventude necessita da alegria de viver e do bem-estar físico. Esporte, ginástica, natação, excursões, todo tipo de exercícios físicos, variados interesses intelectuais, estudos, análises, pesquisas: aprender, estudar, pesquisar, quanto mais possível, em comum. Tudo isso dará à juventude muito mais que a teoria e as discussões intermináveis sobre a questão sexual e sobre a assim chamada maneira de 'gozar a vida'.

Mente sã em corpo são. Nem monge, nem D. Juan e nem mesmo, como meio-termo, filisteu alemão. Conheceis bem vosso jovem camarada Huz. É um jovem perfeito, bem dotado, mas receio que não dê nada de bom. Lança-se de uma aventura amorosa a outra. Isto é um mal para a luta política e para a revolução. Não confiarei, quanto à segurança e à firmeza na luta, nas mulheres cujos romances pessoais se misturam com a política, nem nos homens que correm atrás de todas as saias e os que se deixam enfeitiçar pela primeira moça que surge. Não, isso não é compatível com a revolução.»

Lênin se ergueu bruscamente, bateu na mesa e deu alguns passos pela sala.

«A revolução exige concentração, tensão das forças, tanto das massas, como dos indivíduos. Não pode tolerar estados orgíacos, do tipo peculiar às heroínas e aos heróis decadentes de D'Annunzio. Os excessos na vida sexual são sinal de decadência burguesa. O proletariado é uma classe em ascensão. Não necessita inebriar-se, atordoar-se, excitar-se. Não precisa embriagar-se nem com excessos sexuais, nem com álcool. Não deve crescer, e não esquecerá a baixeza, a lama e a barbárie do capitalismo. Urge seus maiores impulsos de luta na situação de sua classe e no ideal comunista. O que lhe é necessário é clareza e sempre clareza. Assim, repito, nada de fraqueza, nada de desperdício ou destruição de forças. Dominar-se, disciplinar os próprios atos não é escravidão, e é igualmente necessário no amor.

Mas, desculpai-me, Clara, afastei-me muito do ponto de partida de nossa conversação. Por que não me chamaste à ordem? Deixei-me levar pelo ardor. O futuro de nossa juventude me preocupa muito. A juventude é uma parte da revolução. Ora, se as influências nocivas da sociedade burguesa começam a atingir até mesmo o mundo da revolução, como as raízes amplamente ramificadas de algumas ervas, é melhor reagir em tempo. Tanto mais quanto essas questões também dizem respeito ao problema feminino.»

Lênin falara com muita vivacidade e convicção. Eu sentia que cada uma de suas palavras vinha do fundo do coração; a expressão de seu rosto comprovava isso. Um movimento enérgico da mão sublinhava às vezes seu pensamento. O que me assombrava era vê-lo, embora enfronhado nos problemas políticos mais urgentes e graves, dar tanta atenção às questões secundárias e analisá-las com tanto cuidado, não se limitando apenas ao que se referia à Rússia soviética, mas ocupando-se também dos países capitalistas. Como perfeito marxista, Lênin concebia cada fenômeno isolado, sob qualquer forma e em qualquer lugar que surgisse, relacionado com o geral, com o todo, apreciando o valor do primeiro na dependência do segundo. Sua vontade, sua aspiração vital, sua energia, irresistível como uma força da natureza, estavam inteiramente voltadas para acelerar a revolução, na qual vira a causa das massas. Lênin avaliava cada fenômeno do ponto de vista da influência que pudesse exercer sobre as forças de combate nacionais e internacionais da revolução, porque via sempre diante de si, — levando em conta as particularidades históricas nos diferentes países e as diversas etapas de seu desenvolvimento — uma única e indivisível revolução proletária mundial.

«Como lamento, camarada Lênin, — exclamei eu — que centenas e milhares de pessoas não tenham ouvido vossas palavras. A mim, sabeis bem, não precisais convencer. Mas seria extremamente importante que vossa opinião fosse conhecida por nossos amigos e por nossos inimigos.»

Lênin sorriu.

«Um dia talvez pronuncie um discurso ou escreva sobre este assunto. Não agora, mais tarde. Hoje devemos concentrar todo o nosso tempo e todas as nossas forças em outras questões. Agora, temos outros problemas mais graves e mais árduas. A luta pela manutenção e consolidação do poder soviético ainda está muito longe de seu termo. Ainda precisamos tirar as melhores vantagens possíveis da guerra com a Polônia. Wrangel continua no sul. Tenho a firme convicção, é verdade, de que a venceremos; o que dará o que pensar aos imperialistas franceses e ingleses e a seus pequenos vassalos. Mas a parte mais difícil de nosso trabalho, a reconstrução, ainda está por realizar.

Através desse processo ganharão igualmente importância a questão das relações entre os sexos, e as questões de casamento e família. Enquanto isso deveis lutar sempre e em toda parte. Não deveis permitir que tais questões sejam tratadas de maneira não marxista, que criem um terreno favorável a desvios e deformações prejudiciais. E agora passemos ao vosso trabalho.»

Lênin olhou o relógio.

«O tempo de que dispunha — disse ele — já se reduziu à metade. Falei demais. Apresentai por escrito vossas propostas para o trabalho comunista entre as mulheres. Conheço vossos princípios e vossa experiência: nossa conversa por isso será breve. Ao trabalho, pois! Quais são vossos projetos?»

Eu os expus. Enquanto falava, Lênin fez muitas vezes sinais de aprovação. Quando terminei, olhei-o interrogativamente.

«De acordo — disse Lênin. — Discuti com Zinoviev e seria bom se pudésseis discutir também numa reunião de dirigentes comunistas. É pena, realmente pena, que a camarada Inês não esteja aqui; está doente, partiu para o Cáucaso. Depois da discussão, apresentai as propostas por escrito. Uma comissão as examinará e depois o Executivo decidirá. Desejo esclarecer apenas alguns pontos nos quais compartilho de vossa opinião. Parecem-me importantes para o nosso atual trabalho de agitação e propaganda, se esse trabalho pretender de fato conduzir à ação e a uma luta coroada de êxito. As teses devem deixar bastante claro que somente através do comunismo se realizará a verdadeira libertação da mulher. É preciso salientar os vínculos indissolúveis que existem entre a posição social e a posição humana da mulher: isto servirá para traçar uma linha clara e indelével de distinção entre a nossa política e o feminismo. Esse ponto será mesmo a base para tratar o problema da mulher como parte da questão social, como problema que toca aos trabalhadores, para uni-lo solidamente à luta de classe do proletariado. O movimento comunista feminino deve ser um movimento de massas, uma parte do movimento geral de massas, não só do proletariado, mas de todos os explorados e de todos os oprimidos, de todas as vítimas do capitalismo e de qualquer outra forma de escravidão. Nisso está sua significação no quadro da luta de classes do proletariado e de sua criação histórica: a sociedade comunista.

Temos o direito de estar orgulhosos de possuir no Partido e na Internacional a fina flor das mulheres revolucionárias. Mas isso não basta. Devemos atrair para o nosso campo milhões de mulheres trabalhadoras das cidades e do campo. Devemos atrai-las para o nosso lado a fim de que contribuam em nossa luta e particularmente na transformação comunista da sociedade. Sem as mulheres não pode existir um verdadeiro movimento de massas. Nossas concepções ideológicas comportam problemas específicos de organização. Nenhuma organização especial para as mulheres. Uma mulher comunista é membro do Partido tanto como um homem comunista. Não deve existir quanto a isso nenhuma imposição especial. Todavia, não devemos esquecer que o Partido deve possuir pessoas, grupos de trabalho, comissões, comitês, escritórios ou o que mais for preciso, com a tarefa específica de despertar as massas femininas, de manter contato com elas e de influenciá-las. Isso. exige, é evidente, um trabalho sistemático.

Devemos educar as mulheres que ganharmos para nossa causa e torná-las capazes de participar da luta de classe do proletariado, sob a direção do Partido Comunista. Não me refiro apenas às mulheres proletárias, que trabalham na fábrica ou em casa. Também as camponesas pobres, as pequeno-burguesas, são vítimas do capitalismo e o são ainda mais em caso de guerra. A mentalidade antipolítica, anti-social e atrasada dessas mulheres, o isolamento a que as obriga sua atividade, todo o seu modo de vida; eis fatos que seria absurdo, completamente absurdo, subestimar. Necessitamos de organismos apropriados para realizar o trabalho entre as mulheres. Isso não é feminismo: é o caminho prático, revolucionário.»

Disse a Lênin que suas palavras me infundiam coragem: muitos camaradas e além disso bons camaradas, se opunham decididamente à idéia de que o Partido constituísse organizações especiais para o trabalho entre as mulheres. Rejeitavam-na como feminismo e como retorno às tradições social-democratas e afirmando que os Partidos Comunistas, ao adotar como princípio a igualdade de direitos entre homens e mulheres, deviam trabalhar sem fazer diferenças entre as massas trabalhadoras. As mulheres devem ser admitidas em nossas organizações como os homens e sem distinção alguma. Qualquer discriminação, tanto na agitação como na organização, decorrente das circunstâncias descritas por Lênin, era tachada de oportunismo, por parte daqueles que a ela se opunham, como uma capitulação e uma traição.

«Isso não é uma novidade nem uma prova — disse Lênin — e não vos deveis deixar desviar. Por que nunca tivemos no Partido um número igual de homens e mulheres, nem mesmo na República soviética? Por que é tão diminuto o número de mulheres trabalhadoras filiadas aos sindicatos? Tais fatos devem levar-nos a refletir. Não reconhecer a necessidade de organização diferenciada para o nosso trabalho entre as massas femininas significa ter uma concepção, idêntica à dos nossos mais radicais e altamente morais amigos do Partido Comunista Operário, segundo os quais devia existir uma única forma de organização: os sindicatos operários. Conheço-os. Muitos revolucionários atacados de confusionismo se apegam aos princípios quando lhes faltam idéias, ou seja, quando sua inteligência está fechada para os fatos puros e simples, para os fatos a considerar. Mas como podem os guardiães dos 'princípios puros' adaptar suas idéias às exigências da política revolucionária que o momento histórico comporta? Todo aquele palavrório se desfaz, diante da necessidade inexorável. Somente se milhões de mulheres estiverem conosco poderemos exercer a ditadura do proletariado, poderemos construir segundo diretrizes comunistas. Devemos encontrar a maneira de uni-las, devemos estudar para encontrar essa maneira. Por isso é justo formular reivindicações em favor das mulheres: já não se trata de um programa mínimo, de um programa de reformas, no sentido dos social-democratas da II Internacional. Não é um reconhecimento da eternidade ou pelo menos da longa duração do poder da burguesia e da sua forma estatal. Não é uma tentativa de satisfazer as mulheres com reformas e desviá-las do caminho da luta revolucionária. Não se trata disso nem de outros truques reformistas. Nossas exigências se apóiam nas conclusões práticas que tiramos das necessidades prementes, da vergonhosa humilhação da mulher e dos privilégios do homem.

Odiamos, sim; odiamos tudo aquilo que tortura e oprime a mulher trabalhadora, a dona de casa, a camponesa, a mulher do pequeno comerciante e, em muitos casos, a mulher das classes possuidoras. Exigimos da sociedade burguesa uma legislação social em favor da mulher, porque compreendemos a situação destas e seus interesses, aos quais dedicaremos nossa atenção durante a ditadura do proletariado. Naturalmente, não o exigimos como fazem os reformistas, utilizando palavras brandas para convencer as mulheres a permanecer inativas, contendo-as. Não, naturalmente não, mas como convém a um revolucionário, chamando-as para trabalhar lado a lado a fim de transformar a velha economia e a velha ideologia.»

Disse a Lênin que compartilhava de suas idéias, as quais teriam certamente encontrado resistência e seriam julgadas oportunismo perigoso por parte de elementos inseguros e temerosos. Nem se poderia negar, aliás, que nossas reivindicações imediatas em favor das mulheres teriam podido ser mal interpretadas e mal expressas.

«Tolice!» — respondeu Lênin quase colérico. «Esse perigo é inato a tudo que dizemos e fazemos. Se esse receio devesse dissuadir-nos de fazer o que é justo e necessário, então seria melhor nos tornarmos hipnotizadores hindus. Não te movas, não te movas! Contemplemos nossos princípios do alto de uma coluna! Naturalmente, preocupamo-nos não só com o conteúdo de nossas reivindicações, mas também com o modo de as formular. Naturalmente, não formularemos nossas reivindicações para as mulheres como se desfiássemos mecanicamente as contas de nosso rosário. Não, segundo as exigências do momento, lutaremos ora por este objetivo, ora por aquele. E, naturalmente, tendo sempre presentes os interesses gerais do proletariado.

Cada uma dessas lutas se erguerá contra as respeitáveis relações burguesas e os seus não menos respeitáveis admiradores reformistas, que obrigaremos a lutar ao nosso lado, sob a nossa bandeira — o que eles não desejam — ou denunciaremos o que são. Além disso, finalmente, a luta desvenda as diferenças entre nós e os outros partidos, torna claro nosso comunismo. Assegura-nos a confiança das massas femininas que se sentem exploradas, submetidas, oprimidas pelo homem, pelo patrão, por toda a sociedade burguesa. Traídas e abandonadas por todos, as trabalhadoras reconhecerão que deve lutar ao nosso lado. É preciso que vos lembre novamente que a luta por nossas reivindicações a favor das mulheres deve estar ligada à finalidade de conquistar o poder e de realizar a ditadura do proletariado? Esse é hoje nosso objetivo fundamental.

Mas não basta simplesmente proclamá-lo continuamente, como se soássemos as trombetas de Jerico, para que as mulheres se sintam atraídas irresistivelmente para a nossa luta pelo poder estatal. Não; não! As mulheres devem adquirir consciência da ligação política que existe entre as nossas reivindicações e seus sofrimentos, suas necessidades, suas aspirações. Devem compreender o que significa para elas a ditadura do proletariado: completa igualdade com o homem diante da lei na prática, na família, no Estado, na sociedade; o fim do poder da burguesia.»

«A Rússia soviética é uma prova disso,» — interrompi eu.

«Esse grande exemplo servirá para ensinar-lhes — continuou Lenin. — A Rússia soviética lança nova luz sobre nossas reivindicações em favor das mulheres. Sob a ditadura do proletariado, essas reivindicações não são objeto de luta entre o proletariado e a burguesia. Pertencem à estrutura da sociedade comunista, indicam às mulheres dos outros países a importância decisiva da tomada da poder, por parte do proletariado. É preciso que a diferença seja decididamente salientada, para que as mulheres participem da luta de classe do proletariado.

Ganhá-las para nossa causa, por meio de uma compreensão clara e de uma sólida organização básica é essencial para os partidos comunistas e para o triunfo deles. Não nos deixemos enganar, porém. Nossas seções nacionais ainda não têm uma visão clara do problema. Estão inertes, quando lhes cabe a tarefa de criar um movimento de massas sob a direção dos comunistas. Não compreendem que o desenvolvimento e a organização de tal movimento de massas é parte importante de toda a atividade do Partido; que é, na realidade, uma boa metade de todo o trabalho do Partido. O reconhecimento ocasional da necessidade e do valor de um movimento comunista forte e bem dirigido é um reconhecimento em palavras, platônico, e não um empenho e uma preocupação constante do Partido.

O trabalho de agitação e de propaganda entre as mulheres, a difusão do espírito revolucionário entre elas, são considerados problemas ocasionais, tarefas que cabem unicamente às companheiras. Somente às companheiras se reprova e adverte se o trabalho nessa frente não caminha mais rápida e energicamente. Isso é mal, muito mal. É separatismo puro e simples, é feminismo à rebours, como dizem os franceses, feminismo às avessas! Que é que está na base dessa atitude errada de nossas seções nacionais? Em última análise, trata-se de uma subestimação da mulher e de seu trabalho. Justamente isso! Infelizmente, ainda pode dizer-se de muitos companheiros: 'Raspa um comunista e encontrarás um filisteu!' Evidentemente, deve-se raspar no ponto sensível, em sua concepção sobre a mulher. Pode haver prova mais condenável do que a calma aceitação dos homens diante do fato de as mulheres se consumirem no trabalho humilhante, monótono, da casa, gastando e desperdiçando energia e tempo e adquirindo uma mentalidade mesquinha e estreita, perdendo toda sensibilidade, toda vontade? Naturalmente, não me refiro às mulheres da burguesia, que descarregam sobre as empregadas a responsabilidade de todo o trabalho doméstico, inclusive a amamentação dos filhos. Refiro-me à esmagadora maioria das mulheres, às mulheres dos trabalhadores e àquelas que passam o dia numa oficina. Pouquíssimos homens — mesmo entre os proletários — se apercebem da fadiga e da dor que poupariam à mulher se dessem uma mão 'ao trabalho da mulher'. Mas não, isto vai de encontro aos 'direitos e à dignidade do homem': este quer paz e comodidade. A vida doméstica de uma mulher constitui um sacrifício diário, feito por mil ninharias. A velha supremacia do homem sobrevive em segredo. A alegria do homem e sua tenacidade na luta diminuem, diante do atraso da mulher, diante de sua incompreensão dos ideais revolucionários: atraso e incompreensão que, como cupim, secretamente, lentamente mas sem salvação, roem e corroem. Conheço a vida dos trabalhadores não apenas através dos livros. Nosso trabalho de comunistas entre as mulheres, nosso trabalho político, exige uma boa dose de trabalho educativo entre os homens. Devemos varrer por completo a velha idéia do 'patrão', tanto no Partido, como entre as massas. É uma tarefa política nossa não menos importante que a tarefa urgente e necessária de criar um núcleo dirigente de homens e mulheres, bem preparados teórica e praticamente para desenvolver entre as mulheres uma atividade de Partido.»

Diante de minha pergunta sobre a situação na Rússia soviética, no que diz respeito a esse problema, Lênin respondeu:

«O governo da ditadura do proletariado, juntamente com o Partido Comunista e os sindicatos, naturalmente nada deixou de tentar, no esforço para eliminar o atraso dos homens e das mulheres, para destruir a velha mentalidade não comunista. A lei estabelece, naturalmente, a completa igualdade de direitos entre homens e mulheres. E o desejo sincero de traduzi-la na pratica existe em toda parte. Introduzimos a mulher na economia social, no poder legislativo e no governo. Abrimos-lhe as portas de nossas instituições educacionais para que possa aumentar sua capacidade profissional e social. Criamos cozinhas comunais e restaurantes, lavanderias, laboratórios, creches e jardins de infância, casas para crianças, institutos educativos de toda espécie.

Em resumo, estamos realizando seriamente nosso programa de transferir para a sociedade as funções educativas e econômicas do núcleo familiar. Isso significa para a mulher a libertação da velha fadiga doméstica aniquilante e do estado de submissão ao homem. Isso lhe permitirá desenvolver plenamente seu talento e suas inclinações. As crianças são criadas melhor que em suas casas; para as trabalhadoras temos as leis protetoras mais avançadas do mundo que os dirigentes das organizações sindicais põem em prática. Estamos construindo maternidades, casas para as mulheres e as crianças, clínicas femininas; organizamos cursos de puericultura e exposições para ensinar às mulheres a cuidar de si próprias e dos seus filhos etc.; fazemos sérios esforços para ajudar às mulheres desocupadas e sem amparo.

Compreendemos perfeitamente que tudo isso é insuficiente, diante das necessidades das trabalhadoras, diante das condições existentes na Rússia capitalista e tzarista. Mas já é muito em comparação com os países onde ainda impera o capitalismo. É um bom início, na direção justa, e, tende certeza, nessa direção continuaremos a caminhar com toda nossa energia. Cada dia de existência do Estado soviético demonstra de fato que não podemos avançar sem as mulheres. Pensai o que significa isso, num país em que os camponeses constituem cerca de 80% da população! Pequena economia camponesa significa pequenos núcleos familiares separados, com as mulheres acorrentadas a esse sistema. Para vós, desse ponto de vista, a tarefa será mais fácil e melhor de realizar, com a condição de que vossas mulheres proletárias saibam aproveitar o momento histórico objetivo para a tomada do poder, para a revolução. Nós não desesperamos. Nessa força cresce com as dificuldades. A força das coisas impelirá a buscar novas medidas para libertar as massas femininas. A cooperação no regime soviético, fará muito. Cooperação no sentido comunista e não burguês, naturalmente, cooperação não como a pregam os reformistas, cujo entusiasmo, ao contrário de revolucionário, não é senão um fogo de palha. A iniciativa individual deve seguir passo a passo com a cooperação, a qual deve crescer e fundir-se com a atividade das comunas. Sob a ditadura do proletariado, a libertação da mulher se realizará através do desenvolvimento do comunismo, também no campo. Tenho grandes esperanças na eletrificação da indústria e da agricultura. Um trabalho imenso! E as dificuldades para pô-lo em prática são grandes, enormes! Para realizá-lo é preciso despertar a energia das massas. E a energia de milhões de mulheres nos ajudará.»

Nos últimos dez minutos haviam batido duas vezes à porta, mas Lênin continuara a falar. Nesse ponto, abriu a porta, dizendo: «Já vou.» Depois, voltando-se para mim, acrescentou sorrindo:

«Sabeis, Clara, eu me justificarei explicando que estava com uma mulher. Desculpar-me-ei pelo atraso aludindo à conhecida volubilidade feminina. De fato, desta vez foi o homem e não a mulher quem falou muito. Posso, aliás, testemunhar que sabeis escutar com seriedade. Talvez isso tenha estimulado minha eloqüência.» Brincando assim, ajudou-me a vestir o capote. «Deveis abrigar-vos melhor» — disse seriamente. «Moscou não é Estocolmo. Deveis ter cuidado convosco. Não apanheis frio. Auf wiedersehen!». Apertou-me cordialmente a mão.

Duas semanas depois tive com Lênin outra conversa sobre o movimento feminino. Lênin viera procurar-me. Como de costume, sua visita inesperada, foi uma pausa improvisada, em meio ao trabalho extenuante que iria depois abater o chefe da revolução vitoriosa. Ele parecia muito cansado e preocupado. A derrota de Wrangel ainda não estava assegurada e o problema do abastecimento das grandes cidades se erguia diante do governo soviético como uma esfinge inexorável. Lênin pediu notícias sobre as diretivas ou teses. Disse-lhe que todas as companheiras dirigentes que se encontravam em Moscou se haviam reunido e exposto suas opiniões. Suas propostas eram agora examinadas por uma comissão reduzida. Lênin recomendou-me não esquecer que o III Congresso mundial deveria tratar da questão com a atenção necessária.

«Esse simples fato destruirá muitos preconceitos das companheiras. Quanto ao resto, as camaradas devem lançar-se ao trabalho e trabalhar energicamente, não murmurando, por entre os lábios, como velhas tias, mas falando em voz alta, claramente, como combatentes» — exclamou Lênin com ardor. «Um congresso não é uma sala de visitas, onde as mulheres brilham com seus encantos, como dizem os romances. É a arena onde começamos a agir como revolucionários. Demonstrai que sabeis lutar. Antes de tudo, contra o inimigo, naturalmente, mas, se é preciso, mesmo no seio do Partido. Teremos o que fazer, com milhões de mulheres. Nosso Partido russo será favorável a todas as propostas e medidas que contribuam para atraí-las para o nosso movimento. Se não estão conosco, a contrarrevolução poderá conduzi-las contra nós. Devemos sempre pensar nisto. Devemos conquistar as massas femininas, quaisquer que sejam as dificuldades.»

Aqui, no meio da revolução, no meio daquele burburinho de atividade, com aquele rápido e forte ritmo de vida, havia eu elaborado um plano de ação internacional entre as massas de trabalhadoras.

«Minha idéia surgiu de vossos grandiosos congressos e reuniões de mulheres sem-partido. Transportaremos essa idéia do plano nacional para o internacional. É inegável que a guerra mundial e suas conseqüências golpearam profundamente todas as mulheres, das várias classes e camadas sociais. Elas têm vivido um período de fermentação e de atividade. O problema que as envolve hoje é o de conservar a vida. Como viver? A maior parte delas não havia pensado jamais que se pudesse chegar a tal ponto e somente poucas compreenderam o porquê disto. A sociedade burguesa não pode dar uma resposta satisfatória a esse problema. Somente o comunismo pode fazê-lo. Devemos levar as mulheres dos países capitalistas a compreender esse fato e precisamente por isso organizaremos um congresso internacional de mulheres, sem distinção de partido.»

Lênin não respondeu logo. Com o olhar fixo, profundamente absorto, os lábios cerrados, o lábio inferior ligeiramente estendido, pesava minha sugestão. Depois disse:

«Sim, devemos fazê-lo. É um bom plano. Mas os bons planos, mesmo os melhores, de nada valem se não são bem realizados. Pensastes como realizá-lo? Qual o vosso ponto de vista a respeito disso?»

Expus-lhe os detalhes. Em primeiro lugar devia-se organizar um comitê de companheiras dos vários países que manteria contato estreito com as seções nacionais e preparar, elaborar, em seguida, o congresso. Restava decidir se, por razões de oportunidade, o comitê deveria começar a trabalhar logo oficialmente e publicamente. De qualquer maneira, seus membros deviam, como primeira coisa, pôr-se em contato com as dirigentes dos movimentos sindicais e políticos, das organizações femininas burguesas de todo tipo (inclusive médicas, jornalistas, professoras etc.) e formar em cada país um comitê nacional organizador apartidário.

O comitê internacional, composto de membros dos comitês nacionais, deveria estabelecer a data, o lugar e o programa de trabalho do congresso.

O congresso, na minha opinião, deverá tratar, em primeiro lugar, do direito das mulheres ao trabalho profissional. Nesse ponto, se poderão inscrever as questões do desemprego, do salário igual para trabalho igual, da jornada legal de oito horas, da legislação de proteção à mulher, dos sindicatos e das organizações profissionais de previdência social para a mãe e o filho, das instituições sociais para ajudar as donas de casas e as mães etc. A ordem do dia deveria portanto incluir o seguinte tema: a situação da mulher no direito matrimonial e familiar e no direito público político. Uma vez aprovadas essas propostas, sugeria que os comitês nacionais realizassem entre as mulheres ativas e trabalhadoras de todas as camadas sociais, uma campanha sistemática, por meio da imprensa e dos comícios, a fim de preparar o congresso e assegurar-lhe a presença e a cooperação de representantes de todas as organizações com as quais se houvesse tomado contato, bem como de delegações de reuniões públicas femininas.

O congresso poderia ser uma «representação do povo», mas bem diversa do parlamento.

Naturalmente, as mulheres comunistas deveriam ser não somente a força motriz, mas também a força dirigente no trabalho de preparaçâo, na atividade do comitê internacional e no próprio congresso e, finalmente, na aplicação das decisões. No congresso deveriam ser apresentadas, sobre todos os pontos da ordem do dia, teses e resoluções comunistas inspiradas em princípios unitários e baseadas no exame científico das condições existentes. Essas teses seriam depois discutidas e aprovadas pelo Executivo da Internacional. Palavras de ordem comunistas e propostas comunistas deveriam estar no centro do trabalho do congresso, exigindo a atenção geral. Após o congresso, essas mesmas palavras de ordem deveriam ser difundidas entre as mais amplas massas femininas, a fim de impulsionar uma ação internacional de massas, por parte das mulheres. A condição indispensável para que as mulheres comunistas desenvolvessem um bom trabalho nos comitês e no congresso era manterem-se solidamente unidas, trabalhar coletiva e sistematicamente, apoiando-se em princípios claros e bem determinados. Nenhuma comunista devia sair da linha traçada. Enquanto eu falava, Lênin aprovava com sinais de cabeça ou fazia breves comentários de concordância.

«Parece-me, querida camarada — disse ele — que estudastes muito bem o aspecto político da questão e mesmo os problemas fundamentais de organização. Estou firmemente convencido de que neste momento um congresso semelhante pode desenvolver trabalho importante. Pode conquistar para a nossa causa, amplas massas de mulheres: massas de profissionais, de trabalhadoras na indústria, de donas-de-casa, de professoras e outras. Bem, muito bem. Pensai: em caso de graves divergências entre os grupos industriais ou de greves políticas, que aumento de força representa para o proletariado revolucionário a contribuição das mulheres, que se revoltam conscientemente. Naturalmente tudo isso sucederá se soubermos atrai-las e mantê-las em nosso movimento. A vantagem será grande, imensa. Mas existem algumas questões. É possível que as autoridades governamentais não vejam com bons olhos os trabalhos do congresso, que tentem impedi-lo. Não creio que tentem sufocá-lo por meios brutais. O que irão fazer não vos deverá atemorizar. Mas não receais que nos comitês e no congresso as comunistas se deixem controlar pela maioria numérica dos elementos burgueses e reformistas e pela força desigual de sua rotina? Finalmente, e sobretudo, tendes realmente confiança na preparação marxista das nossas camaradas a tal ponto de fazer delas um pelotão de assalto, que sairá da luta com honra?»

Respondi que indubitavelmente as autoridades não iriam recorrer à violência contra o congresso. Expedientes e medidas brutais serviriam apenas para fazer propaganda do próprio congresso. O número e o peso dos elementos não comunistas seria enfrentado por nós, comunistas, com a força superior que deriva de uma compreensão e de uma elucidação científica dos problemas sociais, à luz do materialismo histórico, da coerência de nossas reivindicações e propostas e, por último, mas não menos importante, da vitória da revolução proletária na Rússia e de sua ação de vanguarda para a libertação da mulher. As debilidades e as deficiências das companheiras individualmente, no que se referia à sua educação e capacidade de compreender as situações, pode-riam ser superadas com o trabalho coletivo e a preparação sistemática.

Muito espero das camaradas russas, que deverão, ser o núcleo de aço de nossa falange. Com elas ousarei muito mais que lutas congressistas. Além disso, mesmo se fôssemos derrotadas pelo voto, nossa própria luta teria lançado o comunismo em primeiro plano, com um excelente resultado propagandístico e serviria para criar novos vínculos para o nosso trabalho futuro.

Lênin riu gostosamente:

«Sempre, o mesmo entusiasmo pelas mulheres revolucionárias russas! Sim, sim, o velho amor ainda não acabou. E creio que tendes razão. Mesmo a derrota, depois de uma boa luta assinalaria uma vantagem e uma preparação para êxitos futuros entre as trabalhadoras. Considerando tudo, vale a pena arriscar. Todavia, naturalmente, espero de todo o coração a vitória. Seria uma importante contribuição de força, um grande desenvolvimento e reforço de nossa frente, traria nova vida, movimento e atividade às nossas fileiras. E isso é sempre útil. Semelhante congresso acelerará a desintegração das forças contrarrevolucionárias e por isso, as debilitará. Todo debilitamento das forças do inimigo representa ao mesmo tempo um reforço de nossa potência. Aprova o congresso. . .»

Desgraçadamente, o congresso fracassou, por causa da atitude das camaradas alemãs e búlgaras que, naquele tempo, constituíam o melhor movimento feminino comunista fora da Rússia. Elas repeliram a proposta de organizar o congresso. Quando eu o disse a Lênin, ele exclamou:

«Pena, uma verdadeira pena! As camaradas deixaram fugir uma esplêndida ocasião para lançar um raio de esperança às massas de trabalhadoras e de trazê-las para a luta revolucionária da classe operária. Quem sabe quando se apresentará novamente uma ocasião tão favorável? É preciso malhar o ferro enquanto está quente. A tarefa continua. Deveis encontrar o modo de unir as mulheres que o capitalismo lançou na mais pavorosa miséria. Deveis encontra-lo, deveis. Não nos podemos furtar a esta necessidade. Sem uma atividade organizada de massas, sob a direção dos comunistas, não se pode obter a vitória sobre o capitalismo, nem a construção do comunismo. Eis porque as mulheres terminarão por revoltar-se. . 


A ESCALADA DA CRISE MUNDIAL DO CAPITALISMO: Putin reconhece a independência de territórios ucranianos e é condenado pela OTAN

 


Guilherme Giordano

Vladimir Putin, presidente da Rússia, reconheceu por decreto no dia 21/02 do corrente ano a independência das Repúblicas Populares de Donetsk (RPD) e Luhansk (RPL)na região de Donbass, que ficam no leste da Ucrânia, país que foi parte da extinta URSS. Para garantir essa decisão, uma vez que são repúblicas dominadas por separatistas russos, os quais almejam ser incorporados na Federaçao Russa, o mesmo passo dado pela Crimeia, anexada em 2014, Putin autorizou o envio de tropas com o objetivo, segundo ele, de garantir a paz [o aumento vertiginoso do investimento na indústria bélica, tanto de parte da extinta URSS, como do imperialismo norte-americano, foi a base de sustentação da política de coexistência pacífica (chamada de Guerra Fria, oficialmente) entre a burocracia stalinista e esse mesmo imperialismo, o qual através de acordos (URSS, EUA e Inglaterra) dividiram o mundo em áreas de influência no pós-guerra].

Putin, em seu discurso, afirma que a Ucrânia independente é resultado da república soviética proclamada por Lênin e que os habitantes ucranianos estão derrubando estátuas e todos os vestígios do que foi a URSS numa clara "descomunização"; portanto, segundo ele, sua ação na Ucrânia é mostrar como se faz realmente essa suposta "descomunização".

A resposta do Ocidente veio de imediato. Joe Biden, através da sua porta-voz, em nome do imperialismo norte-americano, que vem enfrentando dentro do seu próprio país uma crise financeira descomunal, logo após ter sido notoriamente derrotado no Afeganistão pelo Talibã, com uma inflação que atingiu 7,5%, em janeiro de 2022, um índice que não se via há 40 anos, e que por isso pretende se apresentar como o protagonista de uma escalada bélica da OTAN (fraturada), anunciou sanções econômicas contra as repúblicas reconhecidas independentes.

A União Europeia e o Comite Europeu, através das suas respectivas porta-vozes, condenaram a ação russa em nome de que foram violadas as leis internacionais.

O social-democrata, chanceler alemão, Olaf Scholz, já declarou-se a favor do apelo do presidente ucraniano, pró-OTAN, Volodimir Zelenky (que ameaçou de pronto em cortar relações diplomáticas com a Rússia), de interromper a construção do gasoduto Nord Stream 2, o qual liga a Rússia à Alemanha.

Boris Jhonson, que também passa por um período de turbulência dentro da sua própria casa, em reunião do conselho de segurança de emergência da Grã-Bretanha, ameaçou a Rússia com aumento do tom.

O Protocolo de Minsk, firmado em 2014, caiu por terra, provando que se tudo que é sólido se desmancha no ar, imagina-se o que é não bem sólido. "Tudo o que era sólido se desmancha no ar, tudo o que era sagrado é profanado, e as pessoas são finalmente forçadas a encarar com serenidade sua posição social e suas relações recíprocas." (MANIFESTO COMUNISTA, Marx e Engels, 1848)

As bolsas de valores despencaram por todo o mundo, desde a Ásia, União Europeia, EUA, América Latina e no Brasil. A crise capitalista é sistêmica, e não existe um rincão por mais remoto que não seja atingido por esta escalada de guerras comerciais, guerras territoriais, convertendo-se em uma guerra nem tanto convencional, porque ameaça ser uma guerra cada vez mais letal para o conjunto da humanidade pelo alcance da tecnologia armamentista que está em jogo. Negócios são negócios!



Leia um jornal da luta operária, saiu o TRIBUNA CLASSISTA nº 30 semanal



Vide link: https://drive.google.com/file/d/11RXJi4j8i4BZva58ffefRdslJ91DRJKQ/view?usp=sharing

domingo, 20 de fevereiro de 2022

Ato da campanha salarial emergencial unificada pela reposição das perdas em Porto Alegre

Vide link: https://sintrajufe.org.br/ultimas-noticias-detalhe/eventos/ato-da-campanha-salarial-emergencial-unificada-pela-reposicao-das-perdas-2/



Data: 23/02/2022 -  QUARTA-FEIRA

Local: Chocolatão (Receita Federal)

Hora: 10:00

A Viragem da Internacional Comunista e a Situação na Alemanha

 Extraído do link: https://www.marxists.org/portugues/trotsky/1930/09/26.htm

Leon Trotsky - 26 de Setembro 1930

1. As origens da última viragem

Na nossa época, as viragens táticas, mesmo as mais importantes, são absolutamente inevitáveis. Elas são o resultado de viragens abruptas na situação objetiva (instabilidade das relações internacionais; flutuações bruscas e irregulares da conjuntura; repercussões brutais das flutuações econômicas ao nível político; movimentos impulsivos das massas que têm o sentimento de se encontrar numa situação sem saída, etc.). O estudo atento das mudanças na situação objetiva é hoje uma tarefa muito mais importante e ao mesmo tempo infinitamente mais difícil que antes da guerra, na época do desenvolvimento ''orgânico'' do capitalismo.

A direção do partido se encontra agora na situação de um motorista que conduz o seu carro sobre um caminho montanhoso em zig-zag. Uma viragem tomada a contra-tempo, uma velocidade excessiva, fazem correr aos viajantes e ao carro perigos muito graves, que podem ser mortais.

A direção da Internacional Comunista nos deu, estes últimos anos, exemplos de viragens muito bruscas. A última, nós observamos no decurso dos últimos meses. Qual é a razão das viragens da Internacional Comunista  depois da morte de Lênin? Deve-se a mudanças da situação objetiva? Não. Pode-se afirmar com toda a certeza que a partir de 1923, a Internacional Comunista não tomou a tempo nenhuma viragem tática fundada sobre uma análise correta das mudanças que intervieram nas condições objetivas. Pelo contrário, cada viragem é de fato o resultado de uma agudização insuportável da contradição entre a linha da Internacional Comunista e a situação objetiva. E nós a constatamos hoje ainda mais uma vez.

O IXº plenário do Comité executivo da Internacional Comunista, o VIº Congresso e sobretudo o Xº plenário foram orientados para um desenvolvimento brusco e linear da revolução (''o terceiro período'' ), desenvolvimento que a situação objetiva nessa época excluía totalmente, após as severas derrotas na Inglaterra e na China, o enfraquecimento dos partidos comunistas no mundo inteiro, e sobretudo nas condições de expansão comercial e industrial que conheciam toda uma série de países capitalistas. A viragem tática da Internacional Comunista a partir de Fevereiro de 1928 esteve assim em total contradição com o curso real da história. Esta contradição deu lugar às tendências aventureiras, ao isolamento prolongado dos partidos, ao seu enfraquecimento organizacional, etc. A direção da Internacional Comunista não efetuou uma nova viragem, senão em Fevereiro de 1930, quando esses fenômenos tinham já um caráter nitidamente ameaçador; essa viragem estava em recuo e à direita em relação à tática do ''terceiro período''. Por ironia da sorte, sem piedade pelos seguidismo, essa nova viragem tática da Internacional Comunista  coincidiu no tempo com uma nova viragem na situação objetiva. A crise internacional duma gravidade sem precedentes abre sem dúvida novas perspectivas de radicalização das massas e de perturbações sociais. É precisamente nessas condições que uma viragem à esquerda era possível e necessária: era preciso impulsionar um ritmo rápido ao ascenso revolucionário. Isso teria sido bastante correto e necessário se, durante esses três últimos anos, a direção da Internacional Comunista tivesse aproveitado, como devia, o período de relançamento econômico, acompanhado do refluxo do movimento revolucionário, para reforçar as posições do partido nas organizações de massa, e principalmente nos sindicatos. Nessas condições, o motorista teria podido e deveria ter em 1930 passar da segunda à terceira ou, pelo menos, preparar-se a fazê-lo no futuro próximo. De fato, assistiu-se ao processo inverso. Para não cair no precipício, o motorista teve que reduzir para a terceira que ele tinha passado demasiado cedo, para a segunda; se ele tivesse seguido uma linha estratégica justa, ele teria sido obrigado a acelerar.

Tal é a contradição flagrante entre as necessidades táticas e as perspectivas estratégicas, na qual, consequência lógica dos erros da direção, encontram-se hoje os partidos comunistas de toda uma serie de países.

É na Alemanha que esta contradição se manifesta sob a forma mais nítida e a mais perigosa. Com efeito, as últimas eleições aí revelaram uma relação de forças completamente originais, que é o resultado não somente dos dois períodos de estabilização na Alemanha desde da guerra, mas também dos três períodos de erros da Internacional Comunista 

2. A vitória parlamentar do partido comunista à luz das tarefas revolucionárias

Hoje a impressa oficial da Internacional Comunista  apresenta os resultados das eleições na Alemanha como uma vitória grandiosa do comunismo; esta vitória meteria a palavra de ordem ''a Alemanha dos Sovietes'' na ordem do dia. Os burocratas otimistas recusam meditar sobre o significado da relação de forças que revelam as estatísticas eleitorais. Eles analisam o aumento de votos comunistas independentemente das tarefas revolucionárias e dos obstáculos nascidos da situação objetiva.

O partido comunista obteve cerca de 4 600 000 votos contra 3 300 000 em 1928. Esse aumento de votos de 1 300 000 votos é énorme se nos colocar-mos do ponto de vista da mecânica parlamentar ''normal'', tendo em conta o aumento geral do número dos eleitores. Mas os ganhos do partido comunista parecem pálidos face ao progresso fulgurante dos fascistas que passem de 800 000 votos a 6 4000 000. O fato de que a social-democracia, apesar das percas importantes, tenha guardado os seus principais quadros e recolhido mais votos operários que o partido comunista, tem também uma grande importância na apreciação das eleições.

Portanto, se procuramos quais são as condições interiores e internacionais susceptíveis de cair com força a classe operária do lado do comunismo, não se pode dar melhor exemplo que o da atual situação na Alemanha: a dificuldade do plano Young, a crise econômica, a decadência dos dirigentes, a crise do parlamentarismo, a maneira assustadora como a social-democracia no poder se desmascara ela própria. O lugar do Partido comunista alemão na vida social do país, apesar do ganho de 1 300 000 votos, continua frágil e desproporcional do ponto de vista das condições históricas concretas.

A fraqueza das posições do comunismo está indissoluvelmente ligada à política e ao funcionamento interno da Internacional Comunista; ela se revela de maneira ainda mais evidente se comparar-mos o papel social atual do partido comunista e suas tarefas concretas e urgentes nas condições históricas presentes.

É verdade que o próprio partido comunista não contava com um tal crescimento. Mas isso prova que com os seus erros e derrotas repetidas, a direção do partido comunista perdeu o hábito das perspectivas e dos objetivos ambiciosos. Ontem, ela subestimava as suas próprias possibilidades, hoje ela subestima novamente as dificuldades. Um perigo é assim multiplicados por outro.

A primeira qualidade de um autêntico partido revolucionário é saber olhar a realidade de frente.

3. As hesitações da grande burguesia

A cada desvio da estrada da história, a cada crise social, é preciso e sempre reexaminar o problema das relações existentes entre as três classes da sociedade atual: a grande burguesia tendo à cabeça o capital financeiro, a pequena burguesia oscilante entre os dois principais campos, e, enfim, o proletariado.

A grande burguesia só constitui uma ínfima fração da nação não pode manter-se no poder sem o apoio da pequena burguesia da cidade e do campo, quer dizer entre os últimos representantes das antigas camadas médias, e nas masas que constituem hoje as novas camadas médias. Atualmente, esse apoio reveste duas formas principais, politicamente antagônicas, mas historicamente complementares: a social-democracia e o fascismo. Na pessoa da social-democracia, a pequena burguesia, que está a reboque do capital financeiro, arrasta atrás de si milhões de trabalhadores.

Dividida, a grande burguesia alemã hesita hoje. Os desacordos internos centram-se sobre a escolha do tratamento a aplicar hoje à crise social. A terapia social-democrata afasta uma parte da grande burguesia, porque os seus resultados têm um caráter incerto e que ela arrisca-se a ocasionar enormes despesas gerais (impostos, legislação social, salários). A intervenção cirúrgica fascista aparece à outra parte demasiado arriscada e não justificada pela situação. Noutros termos, a burguesia financeira no seu conjunto hesita quanto à apreciação da situação, porque ela não encontra ainda razões suficientes para proclamar o acontecimento do seu ''terceiro período'', onde a social-democracia deve ceder imperativamente lugar ao fascismo; além disso, todos sabem que quando chegar o momento de fazer contas, a social-democracia será compensada pelos serviços dados pelo progrome geral. As hesitações da grande burguesia – dado o enfraquecimento dos seus principais partidos – entre a social-democracia e o fascismo são o sintoma mais evidente de uma situação pré-revolucionária.

4. A pequena burguesia e o fascismo

Para que a crise social possa desembocar numa revolução proletária, é indispensável, fora das outras condições, que as classes pequeno burguesas caiam de forma decisiva do lado do proletariado. Isso permite ao proletariado tomar a cabeça da nação, e de a dirigir.

As últimas eleições revelam um avanço inverso, e é aí que reside o seu valor sintomático essencial. Sob os golpes da crise, a pequena burguesia caiu não do lado da revolução proletária, mas do lado da reacção imperialista a mais extremista, arrastando camadas importantes do proletariado.

O crescimento gigantesco do nacional socialismo traduz dos fatos essenciais: uma crise social profunda, arrancando as massas pequeno burguesas ao seu equilíbrio, e a ausência de um partido revolucionário que, a partir de agora jogaria perante os olhos das massas um papel dirigente reconhecido. Se o partido comunista é o partido da perspectiva revolucionária, o fascismo como movimento de massas é o partido do desespero contra-revolucionário. Quando a perspectiva revolucionária se apodera da massa inteira do proletariado, este último arrasta sem falhar atrás de si, no caminho da revolução, camadas importantes e sempre maiores da pequena burguesia. Ora, nesse domínio, as eleições dão precisamente uma imagem oposta: o desespero contra-revolucionário apoderou-se da massa pequena burguesa com uma força tal que ela arrastou atrás de si camadas importantes do proletariado.

Como explicar isso? No passado observamos (Itália, Alemanha) um brusco reforço do fascismo, vitorioso ou pelo menos ameaçador, no seguimento de uma crise revolucionária esgotada ou frustrada, no seguimento de uma crise revolucionária, no decurso da qual a vanguarda revolucionária tinha revelado a sua incapacidade em tomar a cabeça da nação, para a mudar a sorte de todas as classes, incluindo a pequena burguesia. É precisamente isso que fez a enorme força do fascismo na Itália. Mas hoje na Alemanha não se trata da saída de uma situação revolucionária mas da sua abordagem. Os funcionários dirigentes do partido, otimistas por função, tiram daí a conclusão que o fascismo chegado ''demasiado tarde'' é condenado a uma rápida e inevitável derrota (Die Rote Fahne ). Essa gente não quer aprender nada. O fascismo chega ''demasiado tarde'', se nos referir-mos às crises revolucionárias passadas. Mas ele aparece bastante cedo – na madrugada – para a nova crise revolucionária.

Que ele tenha tido a possibilidade de ocupar uma posição inicial tão forte na véspera de uma crise revolucionária, e não no seu fim, não constitui o ponto fraco do fascismo mas o ponto fraco do comunismo. A pequena burguesia, por consequência, não necessita de novas desilusões quanto à capacidade do partido comunista em melhorar a sua sorte; ela apoia-se na experiência do passado, ela lembra-se das lições do ano 1923, dos saltos caprichosos do curso ultra-esquerdista de Maslow-Thaelmann, a impotência oportunista do mesmo Thaelmann, a conversa oca do ''terceiro período'', etc. Enfim, e é essencial, a sua desconfiança pela revolução proletária se alimenta da desconfiança dos milhões de operários sociais democratas que sentem em relação ao partido comunista. A pequena burguesia, mesmo se os acontecimentos arrancaram-na completamente à orientação conservadora, não pode se virar para o lado da revolução social a não ser que esta última tenha a simpatia da maioria dos operários. Esta condição muito importante falta precisamente na Alemanha, e não é por acaso.

A declaração programática do Partido comunista alemão antes das eleições foi inteiramente e unicamente consagrada ao fascismo como inimigo principal. Todavia, o fascismo saiu vencedor das eleições, tendo reunido não somente milhões de elementos semi-proletários, mas também centenas de milhares de operários da indústria. Isso mostra que, apesar da vitória parlamentar do partido comunista, a revolução proletária sofreu globalmente nessas eleições uma grave derrota, que não é evidentemente decisiva, mas que é preliminar, e que deve servir de aviso e de cautela. Ela pode tornar-se decisiva, e tornar-se-á inevitável, se o partido comunista não é capaz de apreciar a sua vitória parlamentar parcial em ligação com esta derrota ''preliminar'' da revolução, e de tirar todas as conclusões necessárias.

O fascismo tornou-se na Alemanha um perigo real; ele é a expressão do impasse agudo do regime burguês, do papel conservador da social-democracia face a esse regime, e da fraqueza acumulada do partido comunista, incapaz de derrubar esse regime. Quem nega isso é um cego ou um fanfarão.

Em 1923, Brandler, apesar de todos os avisos, sobrestimou monstruosamente as forças do fascismo. Desta falsa apreciação da relação de forças nasceu uma política defensiva, feita de espera, de subterfúgio e de covardia. Foi o que perdeu a revolução. Tais acontecimentos deixam traços nas consciências de todas as classes da nação. A sobre-estimação do fascismo pela direcção comunista criou uma das causas do reforço ulterior do fascismo. O erro inverso, quer dizer a sub-estimação do fascismo pela direção atual do partido comunista, pode levar a revolução a uma derrota ainda mais grave por longos anos.

A questão do ritmo de desenvolvimento que, evidentemente, não depende unicamente de nós, confere a esse perigo uma atenção particular. Os aumentos de febre registrados pela curva das temperaturas politicas e reveladas nas eleições, permitem pensar que o ritmo do desenvolvimento da crise nacional pode ser muito rápida. Noutros termos, o curso dos acontecimentos pode, num futuro próximo, fazer resurgir na Alemanha, num novo momento histórico, a velha contradição trágica entre a maturidade da situação revolucionária por um lado, a fraqueza e a carência estratégica do partido revolucionário por outro lado. É preciso dizer claramente, abertamente e, sobretudo, suficientemente cedo.

5. O partido comunista e a classe operária.

Seria um erro monstruoso consolar-se dizendo que o partido bolchevique que, em Abril 1917, após a chegada de Lênin, começava a se preparar a conquistar o poder, tinha menos de 80 000 membros e mobilizava, mesmo em Petrogrado, apenas o terço dos operários e uma parte ainda mais fraca dos soldados. A situação na Rússia era completamente diferente. Foi só em Março que os partidos revolucionários tinham saído da clandestinidade, após três anos de interrupção da vida política, mesmo abafada, que existia antes da guerra. Durante a guerra, a classe operária tinha-se renovado aproximadamente por 40%. A esmagadora maioria do proletariado não conhecia os bolcheviques, nem jamais tinha ouvido falar deles. O voto pelos mencheviques e os socialistas-revolucionários, em Março e Junho, foi simplesmente a expressão dos seus primeiros passos hesitantes após o seu despertar. Nesse voto, não havia sombra de decepção em relação aos bolcheviques, ou de uma desconfiança acumulada, que não pode ser senão o resultado dos erros do partido, verificados concretamente pelas massas. Pelo contrário, cada dia da experiência revolucionária de 1917 afastava as massas dos conciliadores e as empurrava para o lado dos bolcheviques. Daí o crescimento tumultuoso, irresistível do partido e sobretudo da sua influência.

Fundamentalmente, a situação na Alemanha difere nesse ponto e sobre muitos outros. O aparecimento na cena política do Partido Comunista alemão não data de ontem, nem de anteontem. Em 1923, a maioria da classe operária estava atrás dele, abertamente ou não. Em 1924, num período de refluxo, ele recolhia 3 600 000 votos, quer dizer uma percentagem da classe operária superior à de hoje. O que significa que os operários que ficaram com a social-democracia, como os que votaram desta vez pelos nacional-socialistas, agiram assim não por simples ignorância, não porque o despertar data de ontem, não porque eles ainda não sabem o que é o partido comunista, mas porque eles não acreditam nele na base da sua própria experiência destes últimos anos.

É preciso não esquecer que em Fevereiro de 1928 o IXº plenário do Comite Executivo da Internacional Comunista deu o sinal de uma luta reforçada, extraordinaria e implacável, contra os ''sociais-fascistas''. A social-democracia alemã, durante quase todo esse período, esteve no poder, e cada uma das suas ações revelava às massas o seu papel criminoso e infame. Uma crise econômica gigantesca coroa tudo. É difícil imaginar condições mais favoráveis ao enfraquecimento da social-democracia. Portanto, esta última manteve no seu conjunto as suas posições. Como explicar esse fato surpreendente? Pelo simples fato que a direção do partido comunista ajudou pela sua política a social-democracia, apoiando-a na sua esquerda.

Isso não significa de forma alguma que o voto de cinco a seis milhões de operários e operárias na social-democracia exprima sua confiança completa. Não se tome os operários sociais democratas por cegos. Eles não são tão ingênuos em relação aos seus dirigentes, mas eles não vêm outra saída na situação atual. Nós falamos evidentemente, dos simples operários, e não da aristocracia e da burocracia operária. A política do partido comunista não lhes inspira confiança, não porque o partido comunista é um partido revolucionário, mas porque eles não acreditam que ele possa obter uma vitória revolucionária e não querem arriscar a sua cabeça em vão. Ao votar, de coração apertado, pela social-democracia, esses operários não lhe manifestam sua confiança; em contrapartida eles exprimem a sua desconfiança em relação ao partido comunista.

É nisso que reside a enorme diferença entre a situação dos comunistas alemãs e a dos bolcheviques russos em 1917.

Mas, as dificuldades não se limitam a esse problema. Uma desconfiança surda em relação à direção acumulou-se no interior do partido e sobretudo entre os operários que o apoiam ou simplesmente votam por ele. O que aumenta o que se chama a ''desproporção'' entre a influência do partido e os seus efetivos; na Alemanha, uma tal desproporção existe sem qualquer dúvida, ela é particularmente nítida ao nível do trabalho nos sindicatos. A explicação oficial da desproporção é a tal ponto errada que o partido não está em situação de ''reforçar'' ao nível organizativo a sua influência. A massa aí é considerada como um material puramente passivo, cuja adesão ou não-adesão ao partido depende unicamente da capacidade do secretário a forçar a mão a cada operário. O burocrata não compreende que os operários têm o seu próprio pensamento, a sua própria experiência, a sua própria vontade e a sua própria política activa ou passiva em relação ao partido. Ao votar pelo partido, o operário vota pela sua bandeira, pela Revolução de Outubro, pela sua revolução futura. Mas, ao recusar de aderir ao partido comunista ou segui-lo na luta sindical, ele exprime a sua desconfiança em relação à política diária do partido. Esta ''desproporção'' é no fim de contas um dos canais por onde se exprime a desconfiança da massas em relação à direção atual da Internacional Comunista . E esta desconfiança, criada e reforçada pelos erros, derrotas, ou simulação e os enganos cínicos das massas de 1923 a 1930, representa um dos principais obstáculos no caminho da vitória da revolução proletária.

Sem confiança em si, o partido não ganhará a classe. Se ele não ganha o proletariado, ele não arrancará as massas pequeno burguesas do fascismo. Esses dois fatos estão indissoluvelmente ligados.

6. O regresso ao ''segundo período'' ou em frente, mais uma vez, a caminho do ''terceiro período''?

Se se adopta a terminologia oficial do centrismo, é necessário formular o problema da maneira seguinte. A direção da Internacional impôs às seções a tática do ''terceiro período'', quer dizer, a tática do levantamento revolucionário imediato, numa época (1928) que se caracterizava essencialmente por traços do ''segundo período'': estabilização da burguesia, refluxo e declínio da revolução. A viragem que se operou em 1930 marcou a recusa da tática do ''terceiro período'' e o regresso à tática do ''segundo período''. Enquanto que essa viragem fazia caminho no aparelho burocrático, sintomas muito importantes testemunhavam claramente, pelo menos na Alemanha, a aproximação efetiva do ''terceiro período''. Isso não prova a necessidade de uma nova viragem a caminho da tática do ''terceiro período'', que acabou de ser abandonada?

Nós recorremos a esses termos para tornar mais acessível o enunciado do problema àqueles cuja consciência é estorvada pela metodologia e terminologia da burocracia centrista. Mas em nenhum caso não fazemos nossa esta terminologia que mascara a combinação do burocratismo estalinista com a metafísica bukhariniana. Rejeitamos a concepção apocalíptica do ''terceiro período'' como a última: o seu número até à vitória do proletariado é uma questão de relações de forças e de mudanças na situação; todo isto não pode ser verificado senão através da ação. Mas nós rejeitamos mesmo a essência do esquematismo estratégico, com os seus períodos numerados. Não há tática abstrata, afinada antecipadamente, que seja para o ''segundo'' ou ''terceiro'' período. Naturalmente não se pode chegar à vitória e à conquista do poder sem levantamento armado. Mas como chegar ao levantamento?

Os métodos e o ritmo da mobilização de massas dependem não somente da situação objetiva em geral, mas também e antes de tudo, do estado no qual se encontra o proletariado no início da crise social no país, das relações entre o partido e a classe, entre o proletariado e a pequena burguesia, etc. O estado do proletariado no patamar do ''terceiro período'' depende por seu lado da tática aplicada pelo partido no período precedente.

A mudança de tática normal e natural, correspondente à viragem atual na situação da Alemanha, teria sido uma aceleração do ritmo, uma progressão das palavras de ordem e dos métodos de luta. Mas essa viragem tática teria sido normal e natural se o ritmo e as palavras de ordem da luta de ontem tivessem correspondido às condições do período precedente. Mas isso estava fora de questão. A contradição aguda entre a política ultra-esquerda e a estabilização da situação é uma das causas da viragem táctica. É por isso, no momento onde a nova viragem da situação objetiva, paralelamente ao reagrupamento geral desfavorável das forças políticas, levou ao comunismo um aumento de votos, o partido mostrou-se estrategicamente e taticamente mais desorientado, embaraçado e derrotado como nunca esteve.

Para explicar a contradição na qual caiu o Partido Comunista alemão, como a maioria das outras secções da Internacional Comunista, mas muito mais profundamente que elas, tomemos a simples comparação. Para saltar uma barreira, é preciso primeiro tomar balanço, correndo. Mais a barreira é alta, mais importante é começar a correr em tempo, nem muito tarde nem demasiado cedo, para atingir o obstáculo com a força necessária. Todavia, desde Fevereiro de 1928, e sobretudo desde Junho 1929, o Partido comunista alemão tem feito balanço. Nada de estranho pelo fato que o partido tenha começado a perder o fôlego e a arrastar os pés. A Internacional Comunista deu enfim uma ordem: ''mais devagar!'' Mal o partido, sem fôlego, encontrou num ritmo mais normal, surgiu aparentemente diante dele uma barreira não imaginária, real, que riscava exigir um salto revolucionário. A distância bastaria para fazer balanço? Seria necessário renunciar à viragem e a substitui-la por uma contra-viragem? - tais são as questões táticas e estratégicas que se colocam ao partido alemão com todo o seu acuidade.

Para que os quadros dirigentes do partido estejam em condições de encontrar uma resposta correta a essas questões, eles devem ter possibilidade de apreciar o caminho a seguir, em ligação com a análise da estratégia dos últimos anos e das suas consequências, tais como elas surgiram nas eleições. Se, fazendo contrapeso a isso, a burocracia conseguisse pelos seus gritos de vitória amordaçar a voz da autocrítica política, o proletariado seria inevitavelmente arrastado numa catástrofe mais medonha que a de 1923.

7. As variantes possíveis do desenvolvimento ulterior.

A situação revolucionária, que coloca ao proletariado o problema imediato da conquista do poder, é composta de elementos objetivos e subjetivos, que estão ligados entre eles e se condicionam mutuamente numa larga medida. Mas esta interdependência é relativa. A lei do desenvolvimento desigual aplica-se também inteiramente aos fatores da situação revolucionária. O desenvolvimento insuficiente de um deles pode conduzir à seguinte alternativa: seja, a situação revolucionária não chegue a explodir e se reabsorve, seja, chegada à explosão, ela acaba pela derrota da classe revolucionária. Qual é, neste sentido, a situação na Alemanha de hoje?

  1. Nós estamos indubitavelmente na presença de uma crise nacional profunda (economia, situação internacional ). A via normal do regime parlamentar não oferece nenhuma saída.
  2. A crise política da classe dominante e do seu sistema de governo é absolutamente incontestável. Não é uma crise parlamentar, mas a crise da dominação da classe burguesa.
  3. Todavia, a classe revolucionária está ainda profundamente dividida por contradições internas. O reforço do partido revolucionário em detrimento do partido reformista está no início e se produz, ainda pelo momento, a um ritmo que está longe de corresponder à profundidade da crise.
  4. Desde do início da crise, a pequena burguesia ocupou uma posição que ameaça todo o sistema atual da dominação do capital, mas que é ao mesmo tempo mortalmente hostil à revolução proletária.

Noutros termos, estamos na presença de condições objetivas fundamentais da revolução proletária; uma dessas condições políticas existe (estado da classe dirigente ); a outra condição política (estado do proletariado) apenas começa a evoluir no sentido da revolução, mas, pelo fato da herança do passado, não pode evoluir rapidamente; enfim, a terceira condição política (estado da pequena burguesia ) tende não do lado da revolução proletária, mas para o lado da contrarrevolução burguesa. Esta última condição evoluirá se mudanças radicais intervêm mesmo no seio do proletariado, isto é, se a social-democracia é liquidada politicamente. Estamos confrontados assim a uma situação profundamente contraditória. Algumas das suas componentes metem na ordem do dia a revolução proletária; mas outras excluem toda possibilidade de vitória num período muito próximo, porque elas implicam uma profunda modificação prévia da relação de forças políticas.

Certas variantes na evolução ulterior da situação atual na Alemanha dependem tanto das causas objetivas, tanto da política dos inimigos de classe, como da atitude do próprio partido comunista. Indicamos esquematicamente quatro variantes possíveis do desenvolvimento:

  1. O partido comunista assustado pela sua própria estratégia (o terceiro período), avança às apalpadelas, com a maior das prudências, procurando evitar toda acção arriscada; ele deixa escapar sem combate uma situação revolucionária. Será, a repetição sob uma outra forma da política de Blandler em 1921-1923. Os brandleristas e os meios brandleristas no interior e exterior do partido empurram nesta direção, que reflete a pressão da social-democracia.
  2. Sob a influência do seu sucesso nas eleições, o partido efetua, pelo contrário, uma viragem brutal à esquerda, lançando-se numa luta direta pelo poder e, tornado-se o partido de uma minoria ativa, sofre uma derrota catastrófica. O fascismo, agitação gritante e imbecil do aparelho, que não eleva a consciência das massas, mas pelo contrário, a obscurece; o desespero e a impaciência de uma parte da classe operária, e sobretudo da juventude no desemprego, tudo isso a empurra nesta direção.
  3. É possível também que a direção, sem renunciar ao que quer que seja, se esforce em encontrar empiricamente uma via intermédia entre as duas primeiras variantes e realize assim uma série de erros; mas ela levará tanto tempo a ultrapassar a desconfiança das massas proletárias e semi-proletárias que, durante esse tempo, as condições objetivas terão tempo de evoluir num sentido desfavorável para a revolução, cedendo lugar a um novo período de estabilização. O partido alemão é empurrado antes de tudo nesta direção eclética, que alia um seguidismo geral a um aventureirismo nos casos particulares, pela direção estalinista de Moscou que teme tomar uma posição clara e se prepara antecipadamente um álibi, quer dizer a possibilidade de rejeitar sobre os ''executantes'' a responsabilidade, à esquerda ou à direita segundo os resultados. É uma política que conhecemos bem, que sacrifica os interesses históricos internacionais do proletariado aos interesses de ''prestígio'' da direção burocrática. Os pressupostos teóricos de uma tal orientação foram já dados na Pravda do 16 de Setembro.
  4. Terminemos pela variante mais favorável ou mais exatamente unicamente favorável: graças ao esforço dos seus melhores e mais conscientes elementos, o partido alemão se dá conta de todas as contradições da situação atual, de unir a maioria do proletariado e de conseguir que as massas semi-proletárias e as camadas mais exploradas da pequena burguesia mudem de campo. A vanguarda proletária, como dirigente da nação dos trabalhadores e oprimidos, ascende à vitória. A tarefa dos bolcheviques-leninista (da Oposição de esquerda) é ajudar o partido a orientar a sua política nesta via.

Seria completamente inútil procurar adivinhar qual destas variantes tem mais possibilidades de se realizar num período próximo. É lutando e não entregar-se a conjunturas que resolvemos tais questões.

Uma luta ideológica implacável contra a direcção centrista da Internacional Comunista é um elemento indispensável desse combate. Moscou já deu sinal de uma política de prestígio burocrático, que cobre os erros passados e prepara os erros de amanhã, pelos seus gritos hipócritas sobre o novo triunfo da linha.

Exagerando de maneira inacreditável a vitória do partido, ao minimizar de maneira não menos inverossímil as dificuldades e interpretando mesmo o sucesso dos fascistas como um fator positivo da revolução proletária, o Pravda emite todavia uma pequena reserva. ''Aos sucessos do partido não lhe deveremos dar voltas à cabeça.'' A política pérfida da direção estalinista é aqui ainda fiel a ela própria. A análise da situação é feita no espírito da ultraesquerda acrítica. O que leva conscientemente o partido na via do aventureirismo. Ao mesmo tempo, Estaline prepara um álibi com a frase ritual sobre ''a vertigem do sucesso''. É precisamente esta política de vistas curtas e sem escrúpulos que pode perder a revolução alemã.

8. Onde está a saída?

Anteriormente fizemos uma análise sem qualquer rodeio nem indulgência das dificuldades e dos perigos que dependem inteiramente da esfera política subjetiva; eles decorrem principalmente dos erros e dos crimes da direção dos epígonos e, hoje, comprometem manifestamente a nova situação revolucionária que, na nossa opinião, está em vias de se criar. Os funcionários ou ignoram a nossa análise, ou renovam seus estoques de injúrias. Mas não se trata desses funcionários incuráveis, mas da sorte do proletariado alemão. No partido, incluindo o aparelho, há um bom número de gente que observa e reflete, e que o caráter agudo da situação forçará a refletir amanhã com uma intensidade redobrada. É a eles que nós destinamos a nossa análise e as nossas conclusões.

Toda a situação de crise contém fatores importantes de indeterminação. Os estados de espírito, as opiniões e as forças, tanto as hostis como as aliadas, se formam no próprio processo da crise. É impossível prevê-las antecipadamente de maneira matemática. É preciso considerá-las na luta, pela luta, e fazer as correções necessárias fundando-se sobre essas considerações tiradas da vida.

Pode-se considerar antecipadamente a força da resistência conservadora dos operários sociais democratas? Não. À luz dos acontecimentos dos últimos anos esta força aparece gigantesca. Mas no fundo do problema é que está a política errada do partido, que encontrou a sua expressão final na teoria absurda do social-fascismo, é o que mais favoreceu a coesão da social-democracia. Para medir a capacidade real da resistência da social-democracia, é preciso encontrar outro instrumento de medida, quer dizer que os comunistas se dêem como tática correta. Se esta condição é preenchida – e já é bastante – descobrir-se-á relativamente a curto prazo, a que ponto a social-democracia é comida pelo interior.

O que foi dito acima aplica-se igualmente ao fascismo, mas sob outra forma. Desenvolveu-se nas condições diferentes, graças ao fermento da estratégia zinovievo-estalinista. Qual é a sua força ofensiva? Qual é a sua estabilidade? Atingiu o seu ponto culminante, como nos afirmam os otimistas profissionais, ou inicia apenas os seus primeiros passos? É impossível prever mecanicamente. Só se pode determinar através da ação. É precisamente em relação ao fascismo, que é uma lâmina nas mãos do inimigo de classe, que uma política errada do partido comunista pode, num curto prazo, conduzir a um resultado fatal. Aliás, uma política justa pode – é verdade a muito mais largo prazo – minar as posições do fascismo.

No momento das crises do regime, o partido revolucionário é muito mais forte na luta de massas extra-parlamentar, que no quadro do parlamentarismo. Com uma só condição, todavia: que ele compreenda corretamente a situação e que ele seja capaz de ligar praticamente as necessidades reais das massas às tarefas da conquista do poder. Atualmente, tudo conduz a isso.

Também seria um erro grave só ver na situação alemã atual dificuldades e perigos. Não, a situação oferece igualmente enormes possibilidades com a condição que ela seja analisada em profundidade e utilizada diretamente.

O que é preciso para isso?

  1. Uma viragem forçada ''à direita'', enquanto que a situação evolui ''à esquerda'', exige um exame atento, consciencioso e hábil da evolução ulterior das outras componentes da situação.
    É preciso rejeitar imediatamente a oposição abstrata entre métodos do segundo e terceiro período. É necessário tomar a situação tal como ela é, com todas as suas contradições e na dinâmica viva do seu desenvolvimento. É preciso adaptar-se atentamente às mudanças reais desta situação, e agir sobre ela no sentido do seu desenvolvimento efetivo e não por complacência pelos esquemas de Molotov ou Kuusinen.
    Orientar-se na situação é a tarefa mais difícil, a mais importante. Isso não se pode resolver por métodos burocráticos. As estatísticas, muito importantes que sejam, são insuficientes para este objetivo. É preciso estar diariamente à escuta do proletariado e dos trabalhadores em geral. É preciso não somente avançar palavras de ordem vitais e mobilizadoras, mas também se preocupar da maneira como elas são retomadas pelas massas. Só um partido que tem por toda a parte dezenas de milhares de antenas, que recolhe seus testemunhos, que examina todos os problemas e que elabora ativamente uma posição coletiva, pode atingir um tal objetivo.
  2. O funcionamento interno do partido está indissoluvelmente ligado a esse problema. Pessoas indignadas por Moscou independentemente da confiança ou da desconfiança do partido em relação a eles, não podem levar as massas ao assalto da sociedade capitalista. Mais, o regime atual do partido é artificial, mais profunda será a crise no dia e na hora da decisão. De toda as ''viragens'', a mais urgente e a mais necessária concerne o regime interno do partido. É uma questão de vida ou de morte.
  3. A mudança de regime do partido é uma condição mas também uma consequência da mudança de orientação. Um é indispensável sem o outro. O partido deve sair desta atmosfera hipócrita, convencional, onde se passa sob silêncio os ideais reais e onde se glorificam valores fictícios, numa palavra, à atmosfera perniciosa do estalinismmo, que é o resultado não de uma influência ideológica e política, mas de uma grosseira dependência material do aparelho e dos métodos de comando que daí decorrem.
    Para arrancar o partido à sua prisão burocrática, é indispensável verificar globalmente a ''linha geral'' da direção alemã, desde 1923, e mesmo desde das jornadas de Março de 1921. A oposição de esquerda deu, numa série de documentos e de trabalhos teóricos, a sua avaliação sobre todas as etapas da política oficial funesta da Internacional Comunista. Esta crítica deve se tornar uma das conquistas do partido. Ele não conseguirá iludi-la ou passá-la despercebidamente. O partido não se elevará à altura das suas tarefas grandiosas sem uma livre apreciação do seu presente à luz do seu passado.
  4. Se o partido comunista, apesar das condições extraordinariamente favoráveis, se revelou impotente em estremecer o edifício social-democrata com a fórmula do ''social-fascismo'', em contrapartida, o fascismo real ameaça agora esse mesmo edifício não com as fórmulas puramente verbais de um radicalismo fictício, mas com fórmulas químicas dos explosivos. Verdadeira que seja a afirmação segundo a qual a social-democracia preparou pela sua política o desenvolvimento do fascismo, continua a ser verdade que o fascismo surge como uma ameaça mortal sobretudo para esta mesma social-democracia, cujo esplendor está indissoluvelmente ligado às formas e aos métodos do estado democrático, parlamentar e pacifista.
    Sem dúvida que os dirigentes da social-democracia e uma fina camada da aristocracia operária prefere em última instância uma vitória do fascismo do que a ditadura revolucionária do proletariado. Mas precisamente, a iminência dessa escolha está na origem das imensas dificuldades que conhece a direção social-democrata face aos seus próprios operários. A política da frente única dos operários contra o fascismo decorre de toda a situação. Ela oferece ao partido comunista enormes possibilidades. Mas a condição do sucesso reside no abandono da prática e da teoria do ''social-fascismo'' cuja nocividade torna-se perigosa nas condições atuais.
    A crise social provocará inevitavelmente profundas rachas no edifício social-democrata. A radicalização das massas tocará igualmente os operários sociais-democratas muito antes que eles deixem de ser sociais-democratas. É preciso inevitavelmente concluir com as diferentes organizações e frações sociais democratas acordos contra o fascismo, colocando aos dirigentes condições precisas diante das massas. Só os oportunistas amedrontados, aliados de Tchang-Kai-Chek e Wan-Jin-Wei, pode se ligar previamente contra os acordos por uma obrigação formal. É preciso abandonar as declarações ocas dos funcionários contra a frente única, para regressar à política única tal que ela foi formulada por Lênin e sempre aplicada pelos bolcheviques, e particularmente em 1917.
  5. O problema do desemprego é um dos elementos mais importantes da crise política atual. A luta contra o capitalismo e pela jornada de trabalho de 7 horas continua sempre na ordem do dia. Mas só a palavra de ordem de cooperação larga e sistemática com a URSS pode levar esta luta à altura das tarefas revolucionárias. Na sua declaração programática para as eleições, o Comite central do partido alemão declara que depois da sua chegada ao poder os comunistas acertam uma cooperação com a URSS. Isso não faz dúvida. Mas não se oponha a perspectiva histórica às tarefas políticas da hora. É desde hoje que é preciso mobilizar os operários e, em primeiro lugar, os desempregados, sob a palavra de grande cooperação econômica com a República dos Sovietes. O Gosplan da URSS deve elaborar com a participação dos comunistas e dos especialistas alemães, um plano de cooperação econômica que, partindo do desemprego se desenvolve uma cooperação geral, englobando os principais ramos da economia. O problema não é de prometer uma reorganização da economia após a tomada do poder, mas chegar ao poder. O problema não é de prometer a cooperação entre a Alemanha soviética, mas de ganhar hoje as massas para esta cooperação ligando-a estreitamente à crise e ao desemprego, desenvolvendo um plano gigantesco de reorganização social dos dois países.
  6. A crise política na Alemanha mete em questão o regime que o tratado de Versalhes instaurou na Europa. O Comite central do Partido comunista alemão diz que uma vez no poder, o proletariado alemão liquidará os documentos de Versalhes. E é tudo? A abolição do tratado de Versalhes seria assim a mais alta conquista da revolução proletária! Ele seria substituído por quê? Esta maneira negativa de colocar o problema aproxima o partido dos nacionais-socialistas. Estado-unidos soviéticos da Europa, eis a única palavra de ordem correta trazendo a solução à fragmentação da Europa, que ameaça não somente a Alemanha, mas também toda Europa da decadência econômica e cultural total.

A palavra de ordem de unificação proletária da Europa, ao mesmo tempo que uma arma muito importante na luta contra o chauvinismo abjeto dos fascistas, contra a sua cruzada contra a França. A política mais perigosa e a mais incorreta é aquela que consiste em adaptar-se passivamente ao inimigo, a se fazer passar por ele. Às palavras de ordem de desespero nacional e de loucura nacional, é preciso opor as palavras de ordem que propõem uma solução internacional. Mas para isso, é indispensável limpar o partido do veneno do nacional-socialismo cujo elemento essencial é a teoria do socialismo num só país.

Para condensar tudo o que foi dito acima numa fórmula simples, coloquemos a questão da maneira seguinte: a tática do Partido comunista alemão deve, no imediato período, ser colocada sob o sinal da ofensiva ou da defensiva? A isso nós respondemos: defensiva.

Se a confrontação tivesse lugar hoje, consequência da ofensiva do partido comunista, a vanguarda proletária fracassava-se contra o bloco constituido pelo Estado e o fascismo, a maioria da classe operária se colocando numa neutralidade temerosa e perplexa, a pequena burguesia, quanto a ela apoiando na sua maioria diretamente o fascismo.

Uma posição defensiva implica uma política de aproximação com a maioria da classe operária alemã e a frente única com os operários sociais democratas e sem partido contra o perigo fascista.

Negar esse perigo, minimizá-lo, tratá-lo com ligeireza é o maior crime que se possa cometer hoje contra a revolução proletária na Alemanha.

O que vai ''defender'' o partido comunista? A constituição de Weimar? Não, nós deixamos esse cuidado a Blandler. O partido comunista deve apelar para a defesa das posições materiais e intelectuais que a classe operária já conquistou no Estado alemão. É a sorte dessas organizações políticas e sindicais, dos seus jornais e das suas tipografias, dos seus clubes e das suas bibliotecas, que está em jogo. O operário comunista deve dizer ao operário social-democrata: "A política dos nossos partidos é inconciliável; mas se os fascistas vêm esta noite destruir o local da tua organização, virei ajudar-te, de armas na mão. Prometes que no caso onde esse mesmo perigo ameace a minha organização virás em meu socorro?'' Tal é a quintessencia da política do período atual. Toda agitação deve ser levada neste espírito.

Mais nós desenvolvemos esta agitação com perseverança, com seriedade, com reflexão, sem gritaria ou fanfarronice com a qual os operários se cansaram, mais as medidas organizacionais defensivas que nós proporemos em cada fábrica, em cada bairro popular, serão pertinentes, menor será o perigo que o ataque dos fascistas nos apanhem de surpresa, maior será a segurança que este ataque nos unirá e não dividirá as fileiras operárias.

Com efeito, os fascistas, do fato do seu sucesso vertiginoso, do fato do caráter pequeno-burguês, impaciente e indisciplinado do seu exército, terão tendência a passar ao ataque num período próximo. Procurar a concorrenciá-los atualmente nesta via seria uma medida não somente desesperada, mas também mortalmente perigosa. Quanto mais os fascistas aparecerão aos olhos dos operários sociais-democratas e ao conjunto das massas trabalhadoras como o campo que ataca, maiores serão as oportunidades não somente de esmagar a ofensiva dos fascistas, mas também de passar à contra-ofensiva vitoriosa. A defesa deve ser vigilante, ativa e corajosa. O estado-maior deverá considerar todo o campo de batalha e ter conta de todas as mudanças para não deixar passar uma nova reviravolta da situação quando se tratar de dar o sinal do assalto geral.

Há estrategistas que se pronunciam sempre e não importa quais circunstâncias pela defensiva. Os brandlerianos, por exemplo, são desses. Admirar-se de que ainda hoje eles falarão da defensiva, seria completamente pueril. Os brandlerianos são um dos porta-vozes da social-democracia. Nós devemos em contra-partida nos aproximar dos operários sociais-democratas no terreno da defensiva para os mobilizar a seguir numa ofensiva decisiva. Os brandlerianos são completamente incapazes disso. Quando a relação de forças se modificará de maneira radical em favor da revolução proletária, os brandlerianos aparecerão novamente como um peso morto e como uma trava da revolução. É a razão pela qual uma política defensiva visando a aproximação com as massas sociais-democratas não deve em qualquer caso implicar um enfraquecimento das contradições com o estado-maior brandleriano, por detrás do qual não há nem haverá nunca as massas.

No quadro do reagrupamento de forças, caracterizado acima, e as tarefas da vanguarda proletária, os métodos de repressão física aplicada pela burocracia estalinista na Alemanha e noutros países contra os bolcheviques-leninistas, tomam um significado particular. É um serviço direto dado à polícia social-democrata e às tropas de choque do fascismo. Em contradição total com as tradições do movimento revolucionário proletário, esses métodos respondem perfeitamente à mentalidade dos burocratas pequeno-burgueses, que têm o salário garantido do alto e que temem perdê-lo com a irrupção da democracia no interior do partido. As infâmias dos estalinistas devem ser alvo de um largo trabalho de explicação, o mais concreto possível, visando desmascarar o papel dos funcionários, os mais indignos do aparelho do partido. A experiência da URSS e de outros países prova que os que lutam com a maior frenesi contra a oposição de esquerda, são os tristes fulanos que necessitam absolutamente de dissimular à direção os seus erros e seus crimes: dilapidação dos fundos comuns, abusos de função, ou simplesmente incapacidade total. É completamente claro que a denunciação dos atos brutais do aparelho estalinista contra os bolcheviques-leninistas será tanto mais coroado de sucesso que nós desenvolveremos mais largamente a nossa agitação geral sobre a base das tarefas expostas acima.

Se examinamos o problema da viragem tática da Internacional Comunista unicamente à luz da situação alemã é porque a crise alemã coloca o Partido Comunista alemão mais uma vez no centro da atenção da vanguarda proletária mundial, e porque à luz desta crise todos os problemas aparecem com um grande destaque. Não seria difícil mostrar que o que é dito aqui se aplica, mais ou menos, também aos outros países.

Na França, todas as formas tomadas pela luta de classes desde da guerra têm um caráter infinitamente menos agudo e decisivo que na Alemanha. Mas, as tendências gerais do desenvolvimento são as mesmas, sem falar, evidentemente, da dependência direta que liga a sorte da França à da Alemanha. As viragens da Internacional Comunista têm em qualquer caso um caráter universal. O Partido Comunista francês, proclamado por Molotov, desde 1928, primeiro candidato ao poder, levou estes dois últimos anos uma política completamente suicida. Ele não conheceu em particular o desenvolvimento econômico. Uma viragem tática foi anunciada na França no momento onde a recuperação econômica cedia lugar a uma crise. Assim, as mesmas contradições, as mesmas dificuldades e as mesmas tarefas, das quais falamos a propósito da Alemanha, estão também na ordem do dia na França.

A viragem da Internacional Comunista, em ligação com a viragem da situação, coloca a Oposição comunista de esquerda diante de tarefas novas e extremamente importantes. Suas forças são reduzidas. Mas cada corrente se desenvolve paralelamente às suas tarefas. Compreendê-las claramente, é possuir um dos trunfos mais importantes da vitória.