domingo, 4 de abril de 2021

Declaração por uma segunda conferência latino-americana e dos EUA

 A declaração que segue foi extraída e traduzida do site prensaobrera.com, publicado pelo Partido Obrero da Argentina.



Da Juventude Operária da Costa Rica.

A Juventude Obrera participou ativamente da primeira Conferência da América Latina e dos Estados Unidos, convocada pela Frente de Esquerda e Unidade dos Trabalhadores da Argentina, conferência na qual participaram mais de 60 grupos políticos e com presença em 16 países. Mais ainda, a conferência foi um impulso adicional para a formação do nosso grupo, por entender que precisamos de uma delimitação crítica, e não de uma unidade oportunista e sem princípios, que esclareça o lugar político de cada grupo e avance na clareza, alternativa verdadeiramente revolucionária. À participação ativa durante a Conferência, à campanha para a sua realização e implementação das ações nela votadas, somamos a edição de um documento político como contribuição para os debates, publicado em conjunto com outras organizações do continente.

Este pronunciamento convoca as organizações que se dizem de esquerda revolucionária, independente e antiimperialista, especialmente aquelas que já participaram da Conferência anterior, a desenvolver um debate aberto para a construção de uma frente única de luta em escala continental. Esta é a única saída para superar os desafios do atual momento histórico, em que se acentuou a crise de direção do proletariado, ao mesmo tempo que se agudiza a tendência ao colapso do próprio capital.

A luta continental e sua validade

Estamos em uma fase de confrontos entre potências, rebeliões e ofensivas capitalistas. As rebeliões começaram em 2019. Apesar da irrupção da pandemia e da desmobilização promovida por governos de todas as formações políticas, a validade da irrupção popular está na ordem do dia. No caso particular da América Latina, a rebelião teve um impacto notável.

Na Bolívia vimos a resistência de um povo que conseguiu se opor ao golpe que foi realizado com o aval de todo o Grupo Lima e a cumplicidade das demais nações latino-americanas. As grandes mobilizações e bloqueios de estradas foram a verdadeira causa da convocação eleitoral, e não a passividade apresentada pelo MAS e em particular por Evo Morales, que defendeu a pacificação com os setores golpistas.

No caso do Chile, levou à aprovação do plebiscito, triunfo do movimento popular que começou naquele 18 de outubro com o famoso “não são 30 pesos, são 30 anos”. No entanto, os problemas relativos ao plebiscito não terminaram com a sua aprovação, apenas começaram. Os obstáculos que se impuseram à Convenção para conseguir qualquer reforma evidenciam o planejamento do próprio Sebastián Piñera, que deu uma estrutura reacionária à própria Convenção. A falta de uma solução que o processo constituinte proporcionará pode servir de isca para novos processos de luta.

A crise política que se desenvolveu no Peru desencadeou um verdadeiro golpe e, após o afastamento de Martín Vizcarra, múltiplas mudanças presidenciais e o aumento da luta nas ruas. O quadro se completa com a luta contra o FMI no Equador e as mobilizações na Colômbia contra o governo de Iván Duque, ao qual o Paraguai agora está aderindo, pelo fim do odiado governo.

Essas mobilizações renovaram seu vigor a partir da rebelião que ocorreu no centro do imperialismo mundial, os Estados Unidos. Do auge da luta e das resoluções da Primeira Conferência Latino-americana e dos Estados Unidos, realizamos um ato diante da embaixada dos Estados Unidos em que participaram várias forças de esquerda. Lá levantamos o slogan “Fora Trump”, impulsionando assim sua saída do governo, mas por uma mobilização de massas, por aquelas pessoas que querem uma transformação social fundamental.

Inevitável é a luta do movimento de mulheres e diversidades, que no caso da Argentina conseguiu vencer o aborto legal, diante da pressão dos setores clericais e anti-direitos. A luta pelo aborto, a separação entre Igreja e Estado e o Nem Uma a menos serviram de caldo de cultura para as rebeliões e trouxeram a luta contra os Estados para o primeiro plano.

A isso se somam as grandes lutas da juventude precarizada. Em particular, o setor de entregadores (delivery) conseguiu consumar três greves internacionais, com presença em praticamente todos os continentes. Na Costa Rica, o crescente ataque a este setor levou a Juventude Obrera à criação do Sindicato Nacional dos Trabalhadores da Plataforma, que tem estado na vanguarda da luta contra as atrocidades das empresas transnacionais.

América Central: o quintal dos EUA

Nesse contexto de rebeliões, devemos começar ressaltando que nenhuma análise da luta mundial, em particular da disputa comercial entre EUA e China, pode ser completa se o quintal dos EUA não for abordado. Mais ainda, uma análise detalhada do quintal dos EUA pode servir de espelho da situação concreta em que se encontra o império. Como marxistas, é imperativo não cair na lógica regionalista, mas partir da análise da totalidade concreta, ir da parte ao todo e do todo à parte.

A América Central tem sido um lugar de grandes confrontos desde o início da pandemia. Em Honduras, a luta em Tegucigalpa contra o governo autoritário de Juan Orlando Hernández (JOH) apresentou picos surpreendentes. A Nicarágua, país com maior número de intervenções estadunidenses no mundo, continua em tensão com o atual governo de Daniel Ortega, que desencadeou as ondas de protesto brutalmente reprimidas em 2018. No entanto, é preciso lembrar que no caso de Nicarágua, a burguesia que se opõe ao governo Ortega também tem interesses na orientação do movimento popular.

A Guatemala foi outro ponto alto, com protestos contra o orçamento de ajuste promulgado pelo presidente de direita e ultraconservador Alejandro Giammattei. Depois de ter sido proposto uma guilhotina em frente ao Congresso e ateado fogo em uma das janelas do próprio prédio, o orçamento foi suspenso, assim como dois empréstimos que viriam para financiar a despesa. Mal completado o primeiro ano de Giammattei , a exigência por sua renúncia ressoa por toda a Guatemala.

No Panamá temos visto mobilizações contra o centro-esquerdista Laurentino Cortizodesde desde o dia em que a pandemia chegou . A chegada da Covid-19 acentuou os problemas mais sentidos no Panamá: o acesso à terra e aos serviços básicos, a crescente privatização das instituições públicas. No entanto, a fome tem sido o fator determinante para as explosões sociais, em um país onde historicamente a esquerda foi proscrita.

Em El Salvador está em andamento a grande tomada da fábrica de Florenzi, que já dura 7 meses, e uma forte denúncia de Nayib Bukele, o chamado presidente sem ideologia, está presente. Esses acontecimentos desencadearam um ato unitário de esquerda em frente à embaixada de El Salvador, do qual participou uma delegação da Juventud Obrera. Bukele é, simplesmente, um empresário populista de direita com amplos traços autoritários, que continua ganhando força apesar do desastre econômico em El Salvador.

Por fim, o caso do Haiti não deve ser deixado de lado, apesar de não ser um país da América Central enquanto tal. Os protestos que começaram em 2019 e continuam a atingir o pico em 2021 são dirigidos ao presidente Jovenel Moïse, que conta com o apoio da Organização dos Estados Americanos (OEA), em especial de Joe Biden, presidente dos Estados Unidos. O Haiti, o país da grande rebelião anti-escravista e anti-colonial de 1791, continua a ser dominado até a medula pelo imperialismo.

O processo de mobilizações na Costa Rica e a necessidade de tomar as rédeas do movimento

No caso da Costa Rica, 2020 foi encerrado com grandes movimentos de luta, embora capitalizado por uma liderança ligada às burocracias sindicais, Resgate Nacional. Este grupo surgiu por iniciativa de José Miguel Corrales e Célimo Guido. A principal reivindicação desse movimento é que qualquer tipo de acordo com o FMI seja descartado, pelo menos durante esta gestão. Eles também falam contra a venda de ativos estatais e impostos indiretos. O slogan "Chega de impostos" tem dominado o cenário político.

Com ele, a burocracia tenta, mais uma vez, submeter as demandas dos trabalhadores a uma frente com uma ala da burguesia. Mas, afinal, as perspectivas são antagônicas: enquanto os patrões disputam a renda nacional costarriquenha, os trabalhadores precisam urgentemente de um aumento salarial, recuperar os contratos de trabalho e reconstruir seus fundos de pensão, o que os confronta, objetivamente, com a mesma classe empresarial que hoje busca estreitar laços. Nós, revolucionários, intervimos neste processo com uma postura de independência política.

No momento, a política nacional da Costa Rica é amplamente determinada pela chegada do Fundo Monetário Internacional e sua linha de crédito estendida para os próximos três anos. O acordo contém reformas estruturais que estão alinhadas com aquelas implantadas nos pedidos da OCDE. A dívida era de ¢ 24.289.927 milhões (69,7% do PIB), e tudo indica que a solução do governo será endividar-se cada vez mais.

O empréstimo com o FMI de US $ 1.778 milhões saiu da mão de cerca de oito projetos de lei que implicam em reformas estruturais que atacam os salários. A Lei do Trabalho Público, da qual já foi derramada muita tinta, tem potencial para se tornar o mais duro ataque à classe trabalhadora sob Carlos Alvarado.

Em suma, estamos perante uma suposta solução para a crise que só agrava as contradições da estrutura colonial do país. As políticas de ajuste ao custo do trabalho e de ataque ao déficit fiscal retratam o desejo dos empresários de aumentar a margem de lucro à custa das condições de vida dos trabalhadores. Esses ataques brutais não garantem nenhum processo de expansão econômica, nem mesmo o crescimento do investimento e da busca por produtividade, mas exacerbam as tendências ao desastre.

O Resgate Nacional e a ANEP (Associação Nacional dos Funcionários Públicos) declararam o retorno às ruas no dia 15 de fevereiro, depois que o governo descumpriu a palavra e decidiu continuar as negociações com o FMI. No total, 30 organizações sociais e sindicais aderiram a esta convocatória. No entanto, as direções se encarregaram de conter a deliberação por baixo e surrupiar a potência de 2020.

Quem permanece no comando do Resgate Nacional é Célimo Guido, hoje vinculado ao Partido da Integração Nacional, partido populista e nacionalista de direita. O PIN, partido minoritário na Assembleia Legislativa, declarou-se inimigo da migração, bem como contrário ao casamento igualitário, ao aborto, à educação sexual e a qualquer tipo de direitos reprodutivos. Desta forma, ele se declara patriota, religioso e partidário da chamada “família tradicional”. Célimo Guido zomba de "La Nazión", apesar de ter uma base ideológica supremacista, que às vezes se esconde, semelhante à do nazismo.

Mesmo assim, há um componente inquestionável na situação atual. O movimento é liderado pelo nacionalismo burguês, mas não nasceu ou foi sustentado por eles. O movimento é sustentado pelo descontentamento e revolta dos trabalhadores explorados, e é evidente que, durante os grandes dias de 2020, as bases escaparam parcialmente do controle burocrático. Nas palavras do próprio Célimo Guido, “se nós, Resgate Nacional, não fizermos a convocação, esta transborda por si, e isso Deus sabe se é perigoso”. Em outras palavras, o Resgate Nacional é mostrado ao público e ao aparato estatal como elemento de contenção, apesar de fazer um apelo ao “protesto social”. Mais uma vez, a aparência esconde a essência reacionária.

A consequência direta que emerge dessa análise é a necessidade de intervir no movimento de luta, acompanhar os repertórios de protesto com seu próprio programa -de confronto com o Estado-, e colocar todas as forças na conquista da liderança do movimento de Resgate Nacional. Dar as costas ao trabalhador em luta é digno de uma seita que busca, simplesmente olhando para o lado, superar a consciência alienada do proletariado e do setor camponês.

A Frente Ampla, clássica frente popular de caráter eleitoralista e policlassista, está cada vez mais fragilizada internamente. Isso tem sua razão de ser na integração ao governo fundo-monetarista do PAC, e no fato de ter dado as costas à luta nas ruas. O deputado José María Villalta pediu uma negociação pacífica e o levantamento dos bloqueios. Em seguida, eles comemoraram com entusiasmo os resultados da mesa de diálogo convocada pelo governo.

A recente saída de Patricia Mora e de toda a Frente Ampla das fileiras do governo não é uma ruptura fundamental, nem exime o partido social-democrata de ter participado plenamente nos ajustes dos anos anteriores. É uma estratégia política com vista às eleições de 2022, com o intuito de tentar lavar a cara do partido, mantendo o seu compromisso e apego com as instituições burguesas e a democracia.

Enquanto isso, o sindicalismo integrado ao Estado constitui um caso especial. O papel desempenhado nas mesas de diálogo foi, no mínimo, lamentável e os pedidos feitos foram rejeitados, em particular o freio à eliminação da exoneração do salário escolar. O papel de contenção do sindicalismo acentua-se na sua nulidade no trabalho contra o Direito do Trabalho Público, ao qual lhe brindarão certas observações através do diálogo.

Em tempos de boom popular e medidas de ataque do governo, em vez de engrossar suas fileiras, eles encolhem mais e mais a cada dia. É uma renúncia clara à construção de um sindicalismo combativo, para o qual a atitude das bases permanecerá visível diante da passividade dos dirigentes. Tudo isso não descarta a necessidade de um forte esclarecimento nas bases, sobre o papel traiçoeiro das burocracias e a necessidade de lutar por uma nova liderança nos sindicatos.

A proposta de uma coordenação de delegados eleitos com mandato de base, que rompe o pacto da cúpula sindical com as diferentes alas da burguesia, se impõe como um norte para este movimento. A perspectiva de um plano de luta e de uma greve geral é levantada até que o acordo com o FMI seja finalmente retirado. Não ao pacto de recomposição burguês UCCAEP [câmaras de negócios] - Resgate Nacional. Uma verdadeira reorganização econômica só pode ser conduzida pela classe trabalhadora.

A vitalidade de uma segunda Conferência Latino-americana

A necessidade de levantar um movimento de classe na Costa Rica é de primeira ordem: devemos reconquistar a liderança dos sindicatos comprometidos com o capital nacional e estrangeiro, oferecendo um caminho revolucionário através da independência política do governo e do Estado. Da Juventude Obrera continuaremos nosso trabalho de apoio e direcionamento das lutas da juventude precarizada e do conjunto dos trabalhadores explorados. Chamamos a vanguarda operária e juvenil a trabalharem juntas, em vista da luta por um governo operário.

Estendemos por sua vez o apelo à Organização Socialista Revolucionária (OSR) e ao Partido dos Trabalhadores Revolucionários (PRT), organizações que participaram da primeira Conferência Latino-americana e Americana, igual à convocação ao ato de apoio à rebelião nos EUA, apoio às mobilizações de trabalhadores de entrega de APP e a convocação pelo dia da América Latina e Caribe pelo aborto legal, seguro e gratuito. Mas também ao Partido dos Trabalhadores (PT), o Novo Partido Socialista (NPS) e todas as organizações operárias e camponesas que reivindicam independência e luta, especialmente os grupos e ativistas que participaram dos recentes bloqueios e ações. Desta forma, buscamos continuar com a construção de uma frente única de luta em escala continental, que busque dar passos firmes para superar a crise da direção do proletariado.

A verdadeira solução alternativa é romper com o FMI, repudiar a dívida externa usurária e fraudulenta e nacionalizar os bancos e o comércio exterior sob controle dos trabalhadores. Sabemos que não é uma tarefa fácil nem espontânea, mas é a conclusão necessária a ser alcançada pela onda de rebeliões que atingiu países como Chile, Peru, Colômbia, Bolívia, França, Estados Unidos e até a Índia. . Para isso reafirmamos a necessidade de uma Segunda Conferência Latino-Americana e dos Estados Unidos, como instância para se conseguir uma frente única de luta em escala continental e iniciamos uma campanha nesse sentido em nosso âmbito. Esta é a única maneira possível para os capitalistas pagarem pela crise e para os trabalhadores e camponeses governarem.