quarta-feira, 28 de setembro de 2016

FORA TEMER! PELA GREVE GERAL PARA DERROTAR O AJUSTE

                                                                               


Gustavo Montenegro


                               Crescem as lutas contra o ajuste

Os trabalhadores bancários já estão há quase um mês em greve reivindicando um aumento salarial que contemple a inflação acumulada (9,5%) mais 5% de aumento real, assim como melhores condições de trabalho.

A medida chama a atenção pela sua contundência: um informe do diário O Globo (20/09) que faz um levantamento da situação por estados indica que em quase todos eles uma média de 78% das agências bancárias aderiram à greve.

Após a primeira semana de greve, os banqueiros ofereceram uma proposta de aumento de 7%, que foi rechaçada por estar abaixo da inflação. Os bancos argumentam que o país se encontra em crise, mas os trabalhadores enfatizam os fabulosos lucros que eles receberam nos últimos tempos, incluindo as administrações “progressistas” de Lula e Dilma. Nas palavras de um dirigente do Sindicato dos bancários de São Paulo, “os banqueiros não possuem crise, tendo em vista os benefícios que obtiveram nos últimos anos. Se tomamos os balanços dos maiores bancos brasileiros nos últimos seis meses, o que se vê são benefícios cada vez maiores.” (Correio da Cidadania, 14/09).

A crise brasileira, na verdade, está sendo descarregada pelo governo e as patronais sobre os ombros dos trabalhadores.

O governo impulsiona um pacote de medidas anti-operárias que inclui a elevação da idade mínima para a aposentadoria e uma reforma trabalhista flexibilizadora que “legaliza os contratos temporários inclusive por poucas horas e permite ampliar a jornada de trabalho de 8 a 12 horas diárias” (Página 12, 10/09), mantendo a jornada de 44 horas semanais, mas adequando sua distribuição aos caprichos dos patrões. 

Por este motivo, os metalúrgicos do ABC paulista preparam uma jornada de luta para o dia 29/09.

Em meio desta ofensiva capitalista, a greve dos bancários reveste de particular importância para o movimento operário e o povo, que enfrenta nas ruas o golpista Temer, que vê a sua impopularidade aumentar principalmente depois das multitudinárias manifestações pelo FORA TEMER.

A CUT se esquiva, no entanto, da convocação da GREVE GERAL para quebrar o ajuste e o PT tenta limitar as mobilizações à reivindicação de novas eleições.

A conduta de ambos se transforma assim num fator de garantia da governabilidade.

                  PELO TRIUNFO DA GREVE DOS TRABALHADORES BANCÁRIO




quinta-feira, 22 de setembro de 2016

A LUTA CONTRA O GOLPE, O AJUSTE E A CRISE DO REGIME POLÍTICO

                                                                        

A análise do período atual deve considerar a gigantesca crise que estamos passando, seu significado econômico, político e social e quais as perspectivas que podemos ter para modificar o atual panorama para dar uma saída a esta crise, principalmente sob o ponto de vista da classe trabalhadora e da maioria esmagadora da população.

A crise que vivenciamos é parte de uma crise maior, uma crise histórica do capitalismo, que está, nitidamente, em seu período de declínio, um período de colapso de suas relações sociais, em que a estabilidade econômica e social já não pode ser assegurada nem mesmo nos países imperialistas, que constituem o centro da economia mundial. Estamos diante de uma bancarrota de todo o sistema, levando a queda de regimes políticos inteiros, a uma crise que afeta diretamente a União Europeia, os Estados Unidos, a China, o Japão e toda Ásia, e consequentemente a América Latina. Sem uma análise que coloque a crise mundial do sistema capitalista como o eixo central, como pano de fundo, todos os grandes fatos históricos que vivenciamos no último período perdem a sua concatenação lógica intrínseca, e tornam-se um amálgama de crises sem sentido e nem direção.

A queda internacional dos preços das matérias-primas é apenas mais um episódio nessa luta, que afetou diretamente as economias nacionais de todo o continente e abalou profundamente grande parte dos regimes políticos do Cone Sul. Se num primeiro momento a crise mundial desenvolveu-se e irradiou-se a partir dos EUA e da Europa, em seguida afetou de forma inexorável toda a sociedade latino-americana, e o Brasil, nesse contexto, sofreu uma de suas maiores crises, onde a economia, a política e as relações sociais foram afetadas profundamente.

Durante um longo período, o PT desenvolveu uma política de colaboração de classes com a burguesia, colocou os movimentos sociais, o movimento operário (através da CUT) e seus militantes, em uma camisa de força na qual tentava impedir qualquer tipo manifestação independente das massas com vistas a lutar contra a opressão nacional e de classe. Seu papel foi subordinar e arregimentar todos os movimentos sociais a reboque de sua política de aliança com um amplo setor de frações da burguesia e que tinha, em última análise, apenas o objetivo de preservar e aumentar os grandes lucros do capital como um todo, e o capital financeiro de forma particular. O próprio Lula sempre repetiu o sermão de que "os empresários nunca ganharam tanto dinheiro como no meu governo". Somente o lucro dos bancos foi oito vezes maior no governo Lula do que no governo FHC, que o precedeu (R$ 279,9 bilhões contra R$ 34,4 bi).

A crise mundial manifestou-se no final do governo Lula e colocou em xeque os grandes lucros e a estabilidade de todo o sistema. Um dos maiores fatores de lucros dos bancos foi o altíssimo endividamento da população e seus juros astronômicos. Temos, além disso, o endividamento público do Estado como um todo, que paga uma das maiores taxas de juros mundiais (acima de 14%). A dívida bruta brasileira já cresce em ritmo grego. Grande parte da burguesia (não somente os bancos) investiu nos títulos da dívida pública, não se precisa de muita astúcia para se chegar a conclusão que um "ajuste" para frear o déficit fiscal foi quase um instinto de sobrevivência para a burguesia, que parasita de forma sistemática o Estado, garantir e sustentar os seus lucros. O risco de um default (calote) por parte do Estado ameaça os altos lucros da burguesia, nacional e internacional, como um todo. O sistema de endividamento financeiro é um dos combustíveis da crise.

O PT, que sustentava um governo de colaboração de classes com uma das frações da burguesia e do grande capital, começou a perder o controle da economia e do poder político diante do agravamento da crise econômica e de suas consequências. Seus sócios políticos e econômicos foram “abandonando” o barco diante do desmoronamento do governo e com a perda de popularidade, não só nas camadas médias, mas principalmente nas camadas mais oprimidas. O grande capital que parasita o Estado e que até ontem estava com o governo, transformou-se no principal promotor de um golpe parlamentar através do impeachment, especialmente os setores industriais paulistas agrupados na FIESP. A burguesia e seus partidos foram abandonando paulatinamente o PT, enquanto o golpe foi estruturando-se dentro do próprio governo Dilma, com o PMDB e seus aliados como principais protagonistas, liderados por Michel Temer, pelo presidente da Câmara, Eduardo Cunha, e pelo presidente do Senado, Renan Calheiros.
Capítulo a parte merece a frente popular de colaboração de classes, entre o PT e os demais partidos burgueses (com PMDB e demais aliados), que conseguiu eleger com seu aval, o que muitos consideram, o Congresso mais reacionário de nossa República, recheado de evangélicos, latifundiários e deputados ligados a oligarquias regionais. As chamadas bancada BBB (boi, bíblia e bala) e do Centrão de Eduardo Cunha, foram, em grande parte, eleitos em alianças regionais com o PT. Políticos e deputados burgueses foram capitalizados e eleitos através da aliança eleitoral com o Partido dos Trabalhadores e com o PCdoB, não apenas o seu vice golpista, Michel Temer, que foi colocado em uma posição privilegiada para a articulação do golpe, mas também os deputados do Centrão e de boa parte da BBB, assim como os demais partidos burgueses, que o PT acobertou em seus ministérios, como o PSD de Kassab, entre outros, e que continuam no poder, graças a um golpe parlamentar que constituiu-se num golpe da burguesia como classe, com interesses definidos e apoiado claramente pela imprensa e pela mídia burguesa.

A possibilidade de neutralizar a Operação Lava-Jato (e outras operações em curso), também foi um dos objetivos do golpe, já que foi utilizada como cavalo de batalha contra o PT (que se utilizou dos esquemas criados pelos próprios partidos burgueses), era lugar comum que só se conseguiria abafar os "escândalos" e operações com o impeachment contra Dilma, o PT e a conclusão do golpe parlamentar. Vazamentos "delataram" os objetivos do golpe antes mesmo que o golpe estivesse concluído, a realidade foi mais fantástica do que qualquer ficção.
O governo Temer constituiu um verdadeiro ministério de processados na Lava-Jato e de outras operações, dando assim foro privilegiado a vários acusados e demonstrando que há dois pesos e duas medidas, conforme os interesses de classe, assim como em toda sociedade. Como disse um notório político brasileiro: "aos amigos tudo, aos inimigos a lei".

Com a conclusão do processo de impeachment no Senado, o golpe parlamentar chega ao seu último e derradeiro capítulo. O PT, que durante 13 anos governou o país numa frente de colaboração de classes com uma parcela significativa da burguesia nativa, uma frente popular, foi derrubado por essa mesma burguesia (organizada dentro do PMDB, PSD e seus partidos acólitos), e que agora se rearticulou junto com a oposição burguesa (PSDB, DEM e partidos menores).

A burguesia unificou suas forças, momentaneamente, diante de suas inúmeras contradições, para tomar o poder através de uma manobra, um golpe parlamentar, que não visa de forma alguma liquidar ou diminuir a corrupção (característica histórica da burguesia em seu parasitismo estatal), ou substituir um governo que não geriu de forma “eficiente” a máquina do Estado, longe disso, o golpe visa garantir a continuidade da corrupção como “modus operandi” da burguesia e da política burguesa e o aprofundamento dos ajustes e reformas (trabalhista, previdenciária, aumento de impostos, etc), fazendo com que o ônus da crise recaia única e exclusivamente sobre as costas da classe trabalhadora, e da maioria esmagadora da população, aprofundando assim a recessão e a consequente depressão econômica, aumentando o desemprego e a desindustrialização do país. O Estado cada vez mais é desmantelado (cortes nas áreas sociais, de saúde, educação, etc), levando seguramente a um colapso de todo o sistema.
Se para uma parcela da sociedade, a luta contra o golpe e pelo Fora Temer confundia-se com o Fica Dilma, agora concluído o processo de impeachment delimita-se claramente quem é a favor do regime político (e consequentemente do golpe) e quem é contra esse regime e tudo que o simboliza. A contradição de que o Fora Temer significa-se ao mesmo tempo um Volta Dilma foi superado pela fria realidade dos fatos. A situação política que era sinuosa e emaranhada, vai aos poucos ficando clara para amplos setores das massas que foram iludidas pelo grande capital e seus agentes. A política de ajuste fiscal do novo governo, que visa descarregar a crise sobre a classe trabalhadora e a maioria explorada vai sendo exposta, paulatinamente, a nu, e sem nenhum pudor, diante de uma parcela da população que não tinha ainda compreendido a natureza e o caráter desse governo e nem o seu profundo significado político.

O PT (sua direção) e uma parcela significativa da esquerda, que não só capitularam como participaram de conluios e acordos espúrios com os golpistas, jogam uma cartada decisiva ao tentar amarrar a esquerda e os movimentos sociais, que apontam uma tendência independente de luta contra o regime político de conjunto, com a consigna de "eleições antecipadas" e de "frente de esquerda", utilizam-na para desviar a luta dos que tentam, lutar contra o regime político vigente. Os mesmos setores que agora defendem essa política, como se fosse uma guinada à esquerda, são os mesmo que compuseram durante décadas uma frente com a burguesia e que foram chutados e golpeados por essa mesma burguesia, enquanto faziam descer pela goela abaixo dos trabalhadores o ajuste fiscal, iniciado no governo Dilma, com Mantega e depois com Joaquim Levy.

Esses setores que agora querem uma frente, não para lutar contra o golpe, mas para desviar a tendência de luta das massas, legitimar o golpe através de eleições antecipadas, em que se legitimaria o golpe e tudo que nele foi aprovado, assim como todos os ajustes constituídos e realizados.

Antecipar as eleições visa apenas capitalizar um novo governo e logicamente realizar um ajuste mais "brando" e "flexível", com um governo "legitimado" por novas eleições, numa tentativa de "estabilizar" a crise e o regime político, evitando assim, que o governo golpista corra o "risco" de ser ele próprio "golpeado" pela reação das massas.

A legitimação do golpe através de eleições antecipadas é, em última análise, um acordo político espúrio, como foi realizado no final ditadura militar para que o governo que o sucedesse não derrubasse o regime anterior, não desmontasse o Estado e não punisse os que participaram de todo o regime golpista. As eleições visam apenas ser a garantia do acordo em que ambas as partes "esqueceriam" as pugnas anteriores e o ajuste seria aplicado às massas, de forma paulatina, em troca de um acordo de "governabilidade".

A crise que se desenvolve tem uma base material bem definida. Para os incrédulos poderíamos citar os cerca de 2 milhões de empregos que foram aniquilados com a atual crise em apenas dois anos.

A maioria explorada necessita de um programa de luta que defenda claramente os interesses da classe trabalhadora. Sob essa perspectiva é que defendemos um Congresso da Classe Trabalhadora, para debater e elaborar um programa classista, que seja organizado pela base, pelos sindicatos e pelas Centrais sindicais combativas. A organização metódica de uma greve geral para lutar contra o ajuste é, no atual momento, não só uma arma, como um laboratório de organização para toda a classe operária, e o movimento popular pelo Fora Temer, com a consequente derrubada do regime político vigente, e a constituição de um governo dos trabalhadores, independente da burocracia e da burguesia, é o caminho para a superação dessa crise. Lógico que para isso temos que dar um combate para clarificar as ideias que norteiam a nossa luta, assim como nos delimitarmos, de forma intransigente, com aqueles que defendem a política de colaboração de classe, e defender assim uma política classista.

BRASIL: A CLASSE OPERÁRIA DEBATE A GREVE GERAL



Rafael Santos


De 1 a 3 de setembro aconteceu, em Florianópolis, o IX Congresso do SINTRASEM (Sindicato dos Trabalhadores municipais da capital catarinense). Com a presença de 200 delegados, representando 8.000 filiados, debateu-se durante três dias a situação política do Brasil e as tarefas que devem encarar o movimento sindical e a classe operária na nova etapa pós-golpista. Apresentaram teses, que foram editadas e distribuídas no caderno oficial do Congresso, 6 organizações da esquerda brasileira: Esquerda Marxista (Corrente O Militante Internacional), Unidade Classista (PCB), ConLutas-PSTU, Unidos Vamos à Luta-CUT (O Trabalho, ex lambertistas), Intersindical Central da Classe Trabalhadora (Psol) e Tribuna Classista (CRQI no Brasil). O PO da Argentina foi convidado por Tribuna Classista, com o apoio da direção do Sintrasem, para intervir no debate nacional e internacional.

O debate central girou sobre o balanço do governo do PT e a necessidade de enfrentar a ofensiva do governo Temer com a greve geral. A palavra de ordem “FORA TEMER” dominou as deliberações do congresso e serve como medida do repúdio que desperta o novo governo entre os trabalhadores.

Algumas correntes chamam a impulsionar a greve geral, mas esta proposta não é acompanhada por um balanço e uma ruptura política com o PT e suas burocracias nas organizações operárias. Ao contrário, para alguns setores estaria colocado uma pressão sobre a direção da CUT, para que a Central “volte a ser o ponto de apoio de nossas lutas, pressionando para que sua direção passe do discurso à ação.” Mas a CUT foi o veículo que restringiu a luta independente da classe trabalhadora, convertendo os sindicatos em escritórios do PT e do governo. Em nove meses do processo de impeachment golpista, estas direções burocráticas bloquearam toda a mobilização independente contra os golpistas, subordinando-se ao governo Dilma, que levava adiante o “ajuste” contra os trabalhadores. Concluído o julgamento político, a política do PT é assegurar a governabilidade. A CUT vem propondo uma medida de força, enquanto se acentuam e multiplicam em todo o país as mobilizações populares.

Opondo-se a estas tendências se encontravam correntes defensoras ativas de um plano de luta e da greve geral, partidárias, além disso, de rechaçar a política de colaboração de classes. O eixo desse rechaço girou em torno da ruptura do Sintrasem e de todas as organizações operárias com a CUT, a desfiliação e a saída da mesma. Isto é defendido pela Unidade Classista (PCB), uma ala do velho PC que enfrentou ao PT, e o PSTU, que dirige uma pequena central alternativa (CSP/CONLUTAS). A ruptura das organizações operárias com a burguesia se transformou na ruptura da CUT; a batalha por uma proposta, reagrupamento e programa de independência de classe é substituída por uma luta faccional de aparatos. O ABC dos que se reivindicam classistas é a defesa da frente única da classe operária em todos os níveis, e lutar em todos os sindicatos e centrais por uma nova direção revolucionária baseada em um programa revolucionário de independência política.

As deliberações do Congresso dos servidores municipais é um exemplo de amostragem da necessidade e da possibilidade de uma resposta coletiva dos trabalhadores. A esquerda classista tem uma oportunidade de apresentar um programa de conjunto frente à crise e de propor uma alternativa política de classe. No entanto, tende a limitar suas perspectivas às eleições municipais de outubro, a qual – importante registrar – passou desapercebida no congresso. Não houve propostas de apoio a qualquer candidatura. A esquerda não vai unificada em torno de posições de independência política. Alguns apóiam a frações do PT (que vão inclusive em alianças com seus antigos aliados convertidos em golpistas) ou a candidaturas burguesas ou oportunistas (PSOL). O PSTU se oferece como um canal independente, mas minoritário e com algumas propostas confusas.

Urge abrir um debate para desenvolver a palavra de ordem “FORA TEMER” e a greve geral, em função de uma crise de poder com uma possível irrupção das massas.

Esta perspectiva foi desenvolvida pelo TRIBUNA CLASSISTA – e apoiada por muitos delegados, que chamou a impulsionar a convocação de Congresso de trabalhadores nacional, para discutir as propostas políticas que permitam construir uma alternativa política e sindical independente dos trabalhadores.

A experiência de luta do PO na Argentina e a construção da FIT despertou um grande interesse nos delegados. Nossa proposta de luta contra o golpe sem apoiar o governo Dilma, a necessidade de uma delimitação implacável do nacionalismo burguês e do frentepopulismo, o rechaço às pseudo frentes de resistência contra Macri que agora diz impulsionar o Kircnerismo e o combate por um plano de luta independente contra os planos ajustadores do governo nacional de Macri e dos governos provinciais do PJ e a luta por uma nova direção com um programa classista revolucionário em todas as centrais e sindicato

Um fato marcante: no encerramento do congresso, os delegados assistiram um vídeo do deputado federal do PO, Néstor Pitrola, enfrentando a deputada Elisia Carrió, para repudiar o golpe de Temer e assinalando que no Brasil está se abrindo o caminho da luta pela Greve Geral .

terça-feira, 20 de setembro de 2016

TRIUNFO DA GRANDE GREVE DOS MUNICIPÁRIOS DE FLORIANÓPOLIS



Alfeu Bittencourt Goulart (Tribuna Classista e delegado do Conselho do Sintrasem)


Os servidores municipais de Florianópolis acabaram ocupando o gabinete do prefeito, o que levou a este a pedir à Câmara de Vereadores que o Projeto Lei nº 1560 fosse arquivado. Assim terminou a greve por tempo indeterminado contra o Prefeito César Souza (PSD) que se estendeu por onze dias com piquetes, assembleias e marchas massivas. Um dia antes aconteceu uma grande mobilização frente à Câmara de Vereadores sob uma chuva torrencial em uma clara demonstração da vontade de luta existente para que se investigue o roubo dos fundos públicos (operação Ave de Rapina). O projeto pretendia aprovar a fusão dos fundos de pensão e financeiros em uma operação de privatização destinada a cobrir o déficit de quatrocentos milhões de reais acumulados pelo executivo. Em uma greve anterior realizada em março, os trabalhadores que realizaram piquetes e manifestações foram ameaçados com processos policiais-judiciais. Agora, da mesma maneira que aconteceu naquela ocasião, os trabalhadores da educação, vigilância sanitária, construção, etc. aderiram massivamente à greve.

A retirada do Projeto privatizador fez com que todas as forças políticas representadas no comando de greve avaliassem isso como um triunfo e decidissem acabar a greve. O Tribuna Classista considerava que estavam dadas as condições para impor outras reivindicações pendentes na pauta: pagamento dos dias da greve de março aos contratados que se mobilizaram nos atos, etc. Mas ficamos em minoria frente ao resto dos agrupamentos. Ainda que houvesse uma insatisfação em setores da base da categoria, porque naquela oportunidade, depois de 20 dias de greve, o prefeito não cumpriu várias promessas. O Tribuna Clasista propôs que podíamos recuperá-las agora, continuando a luta. Por outro lado, o secretário da Saúde ameaçou aos trabalhadores e se negou a pagar as horas extras devidas, etc. De fato, o prefeito César Souza leva adiante os planos de ajuste iniciados pelo governo de Dilma e agora continuados pelo golpe de Temer que quer aprofundá-los para que sejam os trabalhadores que paguem a bancarrota capitalista.,

Como se propôs e se aprovou no Congresso da categoria realizado recentemente: pela escala móvel de salários e horas de trabalho, o controle operário da produção, a nacionalização sem indenização dos bancos e dos monopólios e de toda empresa que feche suas portas, abertura dos livros dos monopólios capitalistas, reforma agrária sob controle dos trabalhadores, não pagamento da dívida externa e interna.

Greve geral é a palavra de ordem que guia nossa. 

                                                                 

quarta-feira, 7 de setembro de 2016

FORA TEMER! ORGANIZAR A GREVE GERAL!

                                                                                               


É impossível analisar a crise econômica e política no Brasil sem caracterizar que o grande pano de fundo em que é projetado o filme da história mais recente do país é o da crise mundial do capitalismo que abala fortemente todo o planeta e particularmente nosso continente no último período.

Com a conclusão do processo de impeachment no Senado, o golpe parlamentar chega ao seu último e derradeiro capítulo. O PT, que durante 13 anos governou o país numa frente de colaboração de classes com uma parcela significativa da burguesia nativa, uma frente popular, foi derrubado por essa mesma burguesia (organizada dentro do PMDB, PSD e seus partidos acólitos), e que agora se rearticulou junto com a oposição burguesa (PSDB, DEM e partidos menores) para colocar um fim em um governo que tentou de todas as maneiras superar suas contradições internas e realizar uma política que sempre colocou em primeiro lugar os lucros das grandes empresas, dos grandes bancos e das grandes corporações em detrimento das necessidades básicas da população. Não podemos agora passar a mão na cabeça e ignorar que durante todo o tempo que governaram, criaram paulatinamente as condições para o estado de colapso no qual chegamos. Não é a toa que todos os ajustes e reformas que o governo golpista de Michel Temer discute e deseja implementar, tiveram início, em germe, dentro do governo do PT. 

A impossibilidade e incapacidade do PT realizar esses mesmos ajustes, favoráveis ao grande capital, pela franca oposição de sua base política, levou à queda do ministro Joaquim Levy, e depois acabou acentuando a tendência golpista dentro e fora do governo, afinal Temer e o PMDB que hoje são a expressão dos golpistas traidores, foram, até bem pouco tempo atrás, os cumplices e aliados principais do PT, e se o Congresso é considerado um dos mais reacionários da história, boa parte de seus deputados foram eleitos em alianças com esse mesmo PT, com o seu aval e utilizando o seu capital político, como é o caso do famigerado Eduardo Cunha, antigo aliado do PT, que se transformou em seu “grande inimigo”.

Com a conclusão do processo de impeachment, a burguesia unificou suas forças para tomar o poder através de uma manobra, um golpe parlamentar, que não visa de forma alguma liquidar ou diminuir a corrupção (característica histórica da burguesia em seu parasitismo estatal), ou substituir um governo que não geriu de forma “eficiente” a máquina do Estado, longe disso, o golpe visa garantir a continuidade da corrupção como “modus operandi” da burguesia e da política burguesa e o aprofundamento dos ajustes e reformas (trabalhista, previdenciária, aumento de impostos, etc), fazendo com que o ônus da crise recaia única e exclusivamente sobre as costas da classe trabalhadora, e da maioria esmagadora da população, aprofundando assim a recessão e a consequente depressão econômica, aumentando o desemprego e a desindustrialização do país. O Estado será cada vez mais desmantelado (cortes nas áreas sociais, de saúde, educação, etc), o que levará, seguramente a um colapso de todo o sistema (o que já podemos ver antecipadamente em alguns estados como o RJ e RGS em que não se consegue nem mais fazer o efetivo pagamento de salários do funcionalismo público em dia, quanto mais os demais pagamentos necessários para o funcionamento do Estado).

As manifestações de 2013 abriram uma luta política contra um regime opressor que deixava grande parte da população à margem da sociedade para garantir os grandes lucros da burguesia, essa mesma burguesia, açoitada pela crise mundial, também entrou em campo para garantir um governo que lhe pudesse garantir esses mesmos lucros, mas com a execução de um programa que lhe trouxesse ainda mais privilégios, diante de uma crise sem precedentes que atingia diretamente todas as classes sociais. Assim, 2013 abriu uma pugna pelo poder, no qual a burguesia conseguiu, após longas disputas e manobras, concluir seu golpe para tentar reestruturar o poder do Estado, o impeachment finaliza o golpe e a batalha pelo poder do Estado, mas apenas inicia mais um capitulo, mais profundo e visceral, na guerra da luta de classes.

Com o golpe concluído, finda em meio de um grande setor das massas que se opunha ao governo, mas que não apoiava o golpe, a contradição de que o Fora Temer significa-se ao mesmo tempo um Volta Dilma, o caráter do Fora Temer tem agora uma projeção e um eco que antes não era visto, e nem fora previsto, separando nitidamente os que estão a favor do governo e do regime político e os que estão contra.

O PT, PCdoB e seus satélites mostraram sua capitulação diante do golpe, acovardaram-se e estrangularam as organizações de massa que controlam para não haver uma luta massiva contra o golpe. Seu receio é de que as massas tenham uma intervenção independente diante da atual crise.

A classe média de direita que saiu às ruas para ser o porta-voz da burguesia e de sua imprensa golpista agora deixa de ser franco-atirador, transforma-se, junto de seu governo, numa enorme e frágil vidraça.

É hora de iniciarmos uma ampla organização das massas, preparar e organizar uma greve geral para lutar contra o regime político e contra o ajuste, fazer um chamado para se organizar um congresso da classe trabalhadora, para dar um norte e um programa a essa luta e aprofundar e nacionalizar o Fora Temer por todo o Brasil, como expressão da luta dos setores explorados e da maioria da população, para que a derrubada desse governo se expresse na luta por governo dos explorados, dos trabalhadores e das trabalhadoras da cidade e do campo e pelo socialismo.

                                                                                         
                    



  TRIBUNA CLASSISTA
tribunaclassista@hotmail.com
http://tribunaclassista.blogspot.com.br/
https://www.facebook.com/groups/TRIBUNACLASSISSTA

segunda-feira, 5 de setembro de 2016

OS ESTADOS UNIDOS NO OLHO DO TEMPESTADE: UMA NOVA FASE DA CRISE CAPITALISTA MUNDIAL

                                                                           


Publicado originalmente em Prensa Obrera Nº 1424 (http://www.po.org.ar/)

Pablo Heller

Até há pouco tempo atrás se dizia que o pior da crise econômica mundial já havia passado. Para isso se exibiam sintomas da recuperação dos Estados Unidos. A partir dessas expectativas o Federal Reserve (banco Central norte-americano) resolveu aumentar a taxa de juros no final do ano passado, e adiantou sua intenção de proceder a novas altas nos trimestres seguintes. The Wall Street Journal adverte sobre “o descenso mais prolongado da produtividade do trabalho nos Estados Unidos desde o final da década de 1970 (que) ameaça as perspectivas a longo prazo da economia do país e poderia levar o Federal Reserve a manter as taxas de juros baixas por vários anos” (WSJ, 11/08).

Assistimos ao terceiro trimestre seguido de baixa de produtividade (o período mais longo desde 1979), o que ilustra a estagnação da economia. O crescimento econômico dos Estados Unidos no segundo trimestre foi de somente 1,2%. Porém este impasse integra uma tendência mundial. Na Europa, teve um crescimento de apenas 0,3%. O crescimento chinês continua em queda livre, e grande parte da América Latina continua em retrocesso.

O pano de fundo desses dados é uma enorme crise de superprodução, ou seja, um excesso de capitais e mercadorias comparado com suas possibilidades de valorização. Isso nutre as tendências deflacionárias, a queda dos lucros e uma retração do investimento. As tendências deflacionárias se expressam no crescimento da dívida pública que hoje estão colocadas a uma taxa de juros negativa, e que passou no último ano de 1,3 trilhões a 14 trilhões de dólares a nível mundial. A ausência de rendimentos financeiros positivos implica uma ameaça ao sistema bancário e às companhias de seguros, e constitui um registro inapelável da tendência à depressão econômica. Atividade petroleira é um exemplo eloquente desse processo: alguns viram na queda de preços dos combustíveis como uma reativação da economia, uma oportunidade para a redução de custos industriais e para o aumento do consumo. Longe disso, a queda dos preços de combustíveis somente conduz à derrubada da industria petroleira, com sua sequência de fechamentos, demissões e concentração industrial.

Em 2015, o informe anual do FMI assinalava que a queda de investimento privado estava no centro do fracasso da recuperação da economia global desde a crise de 2008, apesar do crédito com baixíssimas taxas de juro e do resgate multimilionário dos bancos que realizaram os Estados das principais potências e seus respectivos bancos centrais. No último trimestre, o investimento privado dos EUA caiu 9,7%, a terceira pior queda trimestral. Esta queda de investimento nos países capitalistas avançados está na base do desmoronamento da produtividade.

                                                                  



As grandes empresas acumularam trilhões de dólares em espécie e não os investiram nem na produção e nem no desenvolvimento tecnológico. Utilizam esses fundos para recomprar ações, aumentar seus lucros e levar a cabo fusões e aquisições.

Isto explica o paradoxo de que o desempenho produtivo seja cada mais magro, enquanto o preço das ações nas bolsas mundiais alcançam níveis elevados. Quando examina-se os balanços, observa-se que uma parcela significativa de seus proventos advém de seus investimentos financeiros.

Esta hipertrofia do setor financeiro terminou por socavar a base industrial norte-americana. Seu contraponto é um aumento da especulação e uma inflação dos ativos, que não é outra coisa que capital fictício. A economia dos Estados Unidos está sentada em cima de uma nova e explosiva bolha, que prepara uma crise de maiores proporções que a de 2008. Isto vai de encontro com as tendências à desintegração da União Europeia, que ganharam um novo impulso com o Brexit e o estado de falência que se encontra o sistema bancário do continente europeu; com o impasse da economia japonesa, que não consegue sair da recessão mesmo com os abundantes recursos colocados pelo Estado; com a crise na China e nos países emergentes.

O agravamento da bancarrota capitalista explica a crescente rivalidade entre os Estados e, com isso, as tendências à guerra comercial, monetária e à própria guerra se consolidam. Isso evidencia-se agora nos EUA, no uso crescente dos candidatos à demagogia social e chauvinista, que floresce de forma proporcional à desintegração dos partidos tradicionais. Porém esta crise de fundo também é o laboratório e o caldo em que se cultiva as grandes explosões sociais, e ao ritmo delas, as profundas reviravoltas políticas das massas.

                                                                             


segunda-feira, 15 de agosto de 2016

FORA TEMER - ORGANIZAR A GREVE GERAL

                                                                   


O presidente golpista Michel Temer falou na cerimônia de abertura dos Jogos Olímpicos do Rio de Janeiro. Foram menos de dez segundos, sem aviso prévio, suficientes para uma forte vaia do público, que logo se tornou estremecedora. O regime político, supostamente responsável por tirar o país da sua pior crise, não pode mostrar seu presidente em público.

A impopularidade do governo não alimenta, no entanto, nenhuma possibilidade de reverter a destituição da presidente Dilma Rousseff (PT) pelo Senado, no final de agosto. Não estamos diante de um movimento político pendular da esquerda para a direita, mas perante uma crise vertical e transversal do poder político. A hipótese que circula agora é a troca do governo de Temer e a substituição do sistema presidencialista pelo parlamentarista.

Está colocada a queda, não só do PT, mas do conjunto do governo eleito em 2014, e a possibilidade de mudança do regime político e constitucional, substituindo o presidencialismo pelo parlamentarismo, ou por um híbrido de ambos. O fortalecimento ilusório do Poder Judiciário (simbolizado na figura do juiz curitibano Sérgio Moro), elevado à condição de salvador da pátria por suas investigações sobre a corrupção estatal e beneficiado por um corruptíssimo aumento de 60 % em seus "salários", em momentos de congelamento salarial público e privado, não é uma evidência do fortalecimento das instituições republicanas, mas sim da decomposição do Estado.   

O programa econômico do governo consiste em um resgate da burguesia e do Estado falido por meio de um ajuste dos salários, do emprego e dos investimentos sociais, em especial do sistema previdenciário, acompanhado por um endividamento feroz tanto do setor público como do privado. Cresce o número de empresas em concurso de credores, o que habilita seu leilão a preços de bananas. O mesmo acontece com a dívida pública. O plano oficial congela, por lei e por vinte anos, as despesas estatais, e aumenta a desvinculação da receita fiscal com os investimentos em saúde, educação e despesas sociais, vínculo este estabelecido na Constituição. A crise econômica com uma significativa queda do PIB foi o pretexto para eliminar mais de 530 mil empregos "legais" no primeiro semestre deste ano. O desemprego é de 12% (mais de doze milhões de trabalhadores).

s valores nominais de 2013, sem contar a inflação. O PIB per capita retrocedeu ao nível de cinco anos atrás, e o salário real médio sofreu um retrocesso ainda maior. O endividamento público e privado beira a 150 % do PIB; a carteira dos bancos tem uma proporção crescente de 'não performing' (inadimplentes). O déficit orçamentário está calculado para este ano em R$ 170 bilhões (quase US$ 50 bilhões), o déficit real, incluindo os chamados "esqueletos fiscais", está estimado entre R$ 300 e 600 bilhões! O Governo anunciou sua intenção de cobrir o morto com novas privatizações (petróleo - já foram vendidas as reservas mais promissoras, como as de Carcará - e eletricidade, bancos públicos e sistema previdenciário). A perspectiva de um default, anunciada pelo aumento do "Risco Brasil", pelas agências de classificação internacionais, está muito longe de ter sido descartada. Existe uma forte disputa entre capitalistas chineses e norte-americanos pelas privatizações, para iniciar novas garantias e isenções fiscais, sem falar da completa abertura dos setores econômicos, até agora reservados para o capital nacional.

A crise política é alimentada pela "ilegitimidade" de um governo supercorrupto, eleito por ninguém. "Fora Temer" pode ser o mote da unificação do conjunto das lutas em curso, pelo emprego, o salário, a casa, a terra, a educação pública, os direitos sociais. No segundo semestre haverá campanhas salariais de petroleiros, metalúrgicos, químicos, bancários, correios e várias empresas estatais. As burocracias das centrais sindicais, no entanto, foram integradas às negociações com o governo sobre a privatização do sistema da previdência social. A esquerda classista tem uma oportunidade única de apresentar um programa de conjunto frente à crise, e de propor uma alternativa política de classe. No entanto, tende a limitar suas perspectivas nas eleições municipais de outubro. A esquerda do PT, em nome da "Reprogramação da Esquerda", repete sua tática de pressionar a direção do partido, que está em uma crise praticamente terminal, para que ela faça (ou pelo menos diga que vai fazer) o que não fez durante os treze anos em que governou, sem nenhum balanço sobre a estratégia política e a base social dessa direção.

Nas questões decisivas (a candidatura Haddad em São Paulo) está subordinada à direção do PT. O PSOL está concentrado na possibilidade de chegar ao segundo turno nas eleições de quatro capitais (São Paulo sustenta a candidatura de Luiza Erundina - ex-ministrade Itamar Franco e ex-prefeita de São Paulo), e inclusive de vencer em Porto Alegre (com Luciana Genro). O PSTU, por sua vez, foi dividido, com uma cisão de 30-40 % dos seus militantes (que constituiu o MAIS numa plenária realizada em São Paulo), em torno da questão da frente de esquerda e da política da direção partidária, que ignorou o caráter golpista do julgamento político de Dilma Rousseff. Assistimos a uma adaptação democratizante, cada vez mais acentuada, da esquerda brasileira, sem exceções, em um período de crise excepcional.

É necessário abrir um debate para desenvolver a campanha pelo FORA TEMER e a GREVE GERAL, em função de uma crise de poder com uma possível irrupção de massas.


TRIBUNA CLASSISTA:
Sede - Rua Riachuelo 1450 / Sala 42 -
Edifício Garupá - Porto Alegre / RS
tribunaclassista@hotmail.com
http://tribunaclassista.blogspot.com.br/
https://www.facebook.com/groups/TRIBUNACLASSISSTA


    



domingo, 14 de agosto de 2016

CAMILO É ZERO! A GREVE DEVE CONTINUAR!

                                                                     

 Epitácio Macário - Professor de Economia Política da Uece - Diretor do Andes-SN

 A longa audiência ocorrida na quinta-feira, 11/08, entre o movimento grevista das estaduais e o secretário Hugo Figueiredo terminou num impasse. Acompanhada por reitores e quatro deputados estaduais, a reunião durou quase dez horas e deixou três incontestes provas: a intransigência do governo de Camilo Santana, seu desejo de aplicar antecipadamente os ajustes regressivos do PL 257/16 e sua obstinação em impor perdas aos serviços e servidores públicos do Estado do Ceará.
Foi intransigente quanto a posição já assumida publicamente de não remunerar os rendimentos dos servidores pela inflação acumulada no ano passado (10,67%), ou por qualquer índice que seja, impondo uma perda salarial que, a preços atuais, alcança os 17% em relação a janeiro de 2015. Os sindicalistas insistiram e já nos estertores, quando o punho direito do secretário explodiu sobre a mesa mais uma vez, lembraram das possibilidades de recomposição inflacionária em alguma gratificação e solicitaram a instauração de um Grupo de Trabalho (GT) para examinar a questão.Os sindicalistas queriam manter o diálogo aberto. A resposta foi NÂO!
Ele mesmo, o secretário da Seplag, dissera em suas considerações iniciais que o governo se dispunha a corrigir distorções salariais porventura existentes no seio de cada categoria. Os sindicalistas apresentaram, então, a grave distorção salarial observada no magistério superior do Estado, uma vez que os professores substitutos – que são mais de um terço de toda a mão de obra docente – auferem salários correspondentes a 50% do que ganham os efetivos. Sem saída e depois de muita insistência, o secretário admitiu a possibilidade de constituição de um GT para verificar o caso, quando deveria ter já apresentado proposta para a questão – que é de há muito conhecida de todo o governo e um clamor de dignidade dos que entregam suas vidas no trabalho docente nas três universidades estaduais.
Nenhuma novidade mais havia na pauta de reivindicações, pois os demais pontos tratados eram simplesmente a cobrança de cumprimento de acordo celebrado pelo governo no dia 6 de janeiro de 2015. Também constavam exigências de que o governo cumpra o ordenamento jurídico do Estado e respeite os direitos já adquiridos pelos professores, a exemplo do lote de processos de ascensão, promoção, estágio probatório, dedicação exclusiva que mofa nos escaninhos da Seplag e do gabinete do governador – imputando graves prejuízos para a carreira e a remuneração da categoria.
A seriedade insincera do secretário traiu-se, mais uma vez, quando resolveu exigir que o cumprimento dos pontos que são obrigação legal e doutros que são obrigação moral e política (porque parte do acordo celebrado em 2015) era condicionado ao fim da greve em curso. Pois, chegou mesmo a alegar que a solenidade de nomeação dos 84 professores da UECE, anunciada no site do governo e no site da universidade para o dia 15 de abril passado, não ocorrera por falta de tempo de S. Excia., o governador Camilo Santana, e porque fora deflagrado o intempestivo movimento grevista. Um sindicalista repôs as coisas no seu devido lugar, fazendo lembrar ao secretário que os concursados estavam aptos a assumirem suas funções desde dezembro passado e, ainda, que a greve fora deflagrada no dia 3 de maio deste ano.
Essa artimanha, que tem a intenção de inflamar os ânimos dos concursados contra seus colegas grevistas, desvendou-se quando a mesma autoridade anunciou que a implantação de Gratificação por Dedicação Exclusiva (GDE) seria condicionada à disponibilidade de recursos para tal, sinalizando a possibilidade da suspensão das solicitações e, desconfiamos, a proibição da oferta de vagas com a referida gratificação em concursos vindouros – se houverem!
Fosse sincera a seriedade esboçada no rosto secretarial, teria a autoridade confessado que o governo do Ceará se antecipa ao PL 257/16 e à PEC 241/16, imputando a responsabilidade da “crise fiscal do Estado” – este mantra que justifica cortes de toda natureza nas verbas das políticas sociais, menos nas renúncias fiscais para o capital e nos salários dos togados e dos parlamentares – sobre os serviços e os servidores públicos. Fosse um pouquinho mais descolado teria dito que os cortes orçamentários se fazem em função da geração de superávit fiscal que garanta a continuidade do pagamento de juros, amortizações e rolagem da dívida pública, que nunca foi auditada, e consome cerca de 45% de todo o orçamento da União.
Tem direito o secretário de representar tão bem os interesses de minorias privilegiadas que dominam o Estado do Ceará – mesmo que exceda, aqui e ali, na insinceridade ou na cara de pau! Mas não são seus o direito nem a prerrogativa de iniciar ou por fim ao movimento grevista de uma categoria feita de homens e mulheres honestos, trabalhadores, que com seus esforços contribuem decisivamente para a disseminação e elevação da cultura e do conhecimento científico do povo cearense.
E em caso de se prevalecerem da função de comando para vilipendiar as condições de vida dos servidores – como no caso em lide, impondo restrições salariais que significarão a inadimplência nas contas (escola dos filhos, planos de saúde, moradia) e até no sagrado direito de comer e beber – que os prejudicados exerçam seu jus sperniandis e reajam com vigor, pois é disto que é feita a cidadania.
Que a arrogância e a intransigência dos governantes e os discursos vazios e servis das magnificências sejam combatidos à altura: QUE A GREVE CONTINUE! ATÉ A VITÓRIA!

quarta-feira, 3 de agosto de 2016

TESES DA CONFERÊNCIA LATINO-AMERICANA, CONVOCADA PELO PO DA ARGENTINA E O PT DO URUGUAI

                                                                   



1. O aspecto político mais proeminente que confronta a esquerda da América Latina é o colapso dos governos nacionalistas ou de centro-esquerda, do chavismo na Venezuela até o petismo, o Kirchnerismo e o 'luguismo' no Brasil, Argentina e Paraguai, respectivamente. Dentro desta tendência aparecem no radar a “Frente Cidadã”, no Equador, o indianismo na Bolívia e a Frente Ampla no Uruguai. Outro aspecto crucial é o destino da Revolução Cubana.

A situação política em que se encontra a esquerda na nova etapa está determinada, em grande medida, por sua política durante a experiência nacionalista. Por isso, para lidar com o novo período é necessário um balanço rigoroso da ação política na fase anterior. O conjunto das forças políticas presentes, sejam burguesas e principalmente a esquerda, não entram nesta etapa como um papel em branco, que estaria aberto abstratamente a todas as possibilidades oferecidas pelo novo período. Pelo contrário, estão condicionadas pelos seus programas e por suas políticas precedentes e até pelos compromissos amarrados na fase que agora está se esgotando.

Nacionalismo burguês

2. O colapso das experiências nacionalistas em questão é, antes de mais, um resultado político concreto da bancarrota mundial capitalista, que assumiu um caráter de conjunto da crise bancária-hipotecária de meados de 2007. É uma conseqüência política objetiva do colapso capitalista. Em graus diferentes, a bancarrota capitalista tem afetado a todos os regimes do mundo inteiro, desde, por exemplo, as revoluções árabes até o recente referendo sobre a separação da Grã-Bretanha da União Européia. Na América Latina, é evidente de Porto Rico e Cuba até a Colômbia. É retomada com toda força a atualidade da questão da independência nacional de Porto Rico. É necessária a análise materialista deste colapso político. 

Empurrado para o poder político por bancarrotas econômicas extraordinárias, desde o início da década de 1990, o nacionalismo de conteúdo burguês esgota-se agora como resultado do aumento e aprofundamento daquelas bancarrotas. O chavismo e o nacionalismo militar venezuelano emergiram do ajuste criminoso do governo AD, em 1989, e do caracaço; o kirchnerismo, uma metamorfose do menemismo como conseqüência do argentinaço; o longo processo de desenvolvimento do PT culmina no governo de Frente Popular, em 2003, após a bancarrota brasileira que se sucedeu à crise asiática, o colapso financeiro da Rússia e explosão, de alcance sistêmico, do fundo LCTM dos Estados Unidos. Os ascensos de Evo Morales e Rafael Correa, nesse mesmo período, 2000/4, foram o resultado retardatário e distorcido de grandes insurreições das massas, detonadas pelas crises das privatizações anteriores.

Como resposta defensiva à crise mundial, o nacionalismo burguês encontra seus limites intransponíveis nesta mesma crise mundial e no declínio histórico do capitalismo.

3. O processo nacionalista burguês das últimas duas décadas caracteriza-se, além disso, por uma proposta de desenvolvimento capitalista fortemente parasitário. Nos meandros da crise mundial, a América Latina assistiu a dois ciclos de grandes aumentos dos preços internacionais das matérias-primas. Foram descritos como o fim da tendência à deterioração dos resultados negativos do intercambio comercial. Os superávits comerciais causados por estes aumentos deram origem, por sua vez, a um novo ciclo do endividamento internacional (público e privado), promovido pelo apoio oferecido pelo crescimento das reservas internacionais. O pagamento da dívida externa herdada foi feito com a emissão de dívida interna e o esvaziamento dessas reservas. A abundância de liquidez foi aplicada à expansão sem precedentes do crédito ao consumo, a taxas de juros excepcionais ou subsidiadas pelo Estado. 

Desenvolveu-se, dessa forma, um populismo “bancário”, que engordou os benefícios financeiros em detrimento de uma hipoteca crescente das famílias. Foi uma versão latino-americana dos créditos "subprime", que detonaram a crise nos Estados Unidos. Os chamados planos sociais, em muitos casos financiados pelo Banco Mundial, embelezados pelo 'conto' do fomento do consumo, esconderam a falta de criação de emprego e a quase nenhuma industrialização, e agora estão ameaçados por enormes déficits fiscais (que eles obedecem, é claro, a outras razões, em primeiro lugar o pagamento de juros usurários da dívida pública e o financiamento público subsidiado para os capitalistas). O mito da criação de uma classe média se derrete agora à vista de todos como a neve às vésperas do verão.

Longe de ter se esquivado da bancarrota capitalista mundial, a gestão política nacionalista (às vezes chamada de progressista) operou para converter a nações da América Latina em um despejo de lixo do capital financeiro internacional - que encontrou nessas gestões o mercado para seus excedentes de produção, rentabilidade dos investimentos financeiros e a recuperação de seus créditos incobráveis. As empreiteiras de obras públicas 'nacionais' tiveram uma expansão sem precedentes no Brasil (claro!), na América Central, Venezuela, Cuba, Peru e Argentina, acompanhadas de um elevado endividamento internacional e um festival de superfaturamentos. 

O colapso das experiências nacionalistas vem acompanhado pelas falências das empresas estatais e privadas (da Odebrecht e o complexo em volta da Petrobras até as Telecom ou a siderurgia no Brasil, ou a YPF e sistema energético na Argentina e Pdvsa; déficits fiscais extraordinários e, finalmente, o defol de fato da dívida externa, que só é honrada com novas dívidas de taxas onerosas e a venda de ativos industriais).

4. As experiências nacionalistas das duas décadas recentes estão muito aquém das realizações das que a precederam – como o primeiro peronismo, o varguismo, o nacionalismo boliviano desde a guerra do Chaco ou o velazquismo equatoriano. Rafael Correa segue empenhado ainda em conciliar a proposta nacionalista com a dolarização e a autonomia econômica com o rentismo petroleiro. Para isso contraiu, da mesma maneira que a Venezuela, uma dívida impagável com a República Chinesa, contra a garantia da entrega do petróleo. Ao “eterno retorno” do nacionalismo aplica-se aquela frase de Marx em relação à repetição da história. O sujeito histórico do nacionalismo – a burguesia nacional -, que, além disso, se faz por movimentos pequeno burgueses, militares ou inclusive de “trabalhadores” (PT), é mais impotente que nunca para encarar uma iniciativa nacional autônoma, no marco da decadência do capitalismo mundial. As segundas partes não foram, então, melhores; o nacionalismo é uma proposta historicamente em retrocesso, inclusive quando assume posições nacionais progressivas de caráter parcial. O chavismo destacou-se como uma tentativa de ir mais longe que os que lhes precederam desacreditados dos adecos, e a distribuição corrupta do aparato do estado pelo Pacto do Ponto Fixo. 

O socialismo do século XXI

5. O esforço do chavismo por fundamentar sua experiência em termos bolivarianos (unidade continental) ficou sem destino - até mesmo as iniciativas do gasoduto do Sul ou do banco do sul. Estas propostas não foram levadas em conta quando se aprovou a entrada da Venezuela no MERCOSUL, ou quando se criou o Unasul (um veículo de exportação das empreiteiras brasileiras e da Embraer), ou menos ainda na ocasião da criação do Banco de Desenvolvimento proposto pela China. A questão bolivariana foi reduzida a uma invocação nacionalista romântica, com a finalidade reacionária de realçar as forças armadas. Foi usada como um instrumento de propaganda política contra o colombiano Uribe, que foi designado como um descendente direto do general Santander - que dividiu a então Grã - Colômbia. 

Por outro lado, ignora-se o conteúdo contra-revolucionário que contem o rótulo do socialismo do século XXI - inventado, além disso, não por Chávez, mas por um acadêmico diletante, Heinz Dietrich, que já faz tempo deu marcha à ré e passou a alardear a conciliação com os esquálidos. Dietrich não foi o único conselheiro que conseguiu a atenção superficial de Chávez; outros lhe aconselharam a promover a criação da V Internacional, que não teve a menor importância. A etiqueta do século XXI é uma réplica de negativa, não já para a revolução bolchevique de 1917, mas à revolução cubana, o estágio mais elevado que atingiu a revolução latino-americana. A revolução cubana (século XX) começou com uma abordagem democrática e chegou à expropriação massiva do capital estrangeiro e nacional. Os simpatizantes mais politizados do chavismo ignoram o significado estratégico do recuo programático e estratégico que está contido nesta preferência pelo século XXI. 

A atualidade da revolução socialista emana do ingresso do capitalismo na época do declínio ou decadência histórica, da época em que o desenvolvimento das forças produtivas assume um caráter cada vez mais parasitário e destrutivo, quando a contradição delas com as relações de produção e as estruturas estatais e nacionais torna-se mais violenta. O rótulo de Século XXI, que não é usado somente para banalização ao socialismo, mas é invocado para troco de nada, não passa de recurso publicitário ou de marketing político.

O ponto de partida desta decolagem política que, iniciou de fato, o movimento Sandinista, que, ao contrário da Revolução Cubana, atolou a revolução vitoriosa de papel mais importante das massas na história da América Latina (uma guerra civil de massas que deixou 50 mil mortos em poucos meses), através de uma política de conciliação com a burguesia democrática... Fê-lo em total acordo com a antiga burocracia da URSS e o castrismo, que por essa época já tinha abandonado o foquismo e buscava essa mesma conciliação com as burguesias latino-americanas e os EUA. Anos mais tarde, o movimento Sandinista voltou ao governo como um gendarme da ordem capitalista, comandado por Daniel Ortega. O socialismo do século XXI postula uma mudança social nos marcos do capitalismo, sem revolução, ou seja, sem a destruição do aparato de estado existente e sem governo de trabalhadores (ditadura do proletariado). A roupagem militar e o apoio popular não convertem ao chavismo em socialismo de qualquer tipo, mas em um 'replay' da demagogia socialista que tem caracterizado todos os movimentos nacionalistas no mundo. Isso tem sido assim desde o declínio da Revolução francesa e, em particular, de Napoleón III e Bismarck - os 'populistas' por excelência (caracterizados por promover a maior acumulação de capital no século XIX).

Nacionalizações

6. Aonde mais se observa o declínio do nacionalismo de conteúdo burguês é no campo das nacionalizações. Em geral, a nacionalização parcial do capital estrangeiro obedece ao propósito de promover o desenvolvimento das forças produtivas que a burguesia nacional é incapaz de fazer por causa da pressão do capital financeiro internacional. Neste sentido, as nacionalizações procuram melhorar o campo de exploração social da burguesia nacional e oferecer uma base mais sólida para o Estado capitalista. No momento oportuno, estas nacionalizações podem reverter-se em privatizações em benefício dessa mesma burguesia nativa na medida em que se está desenvolvendo em forma suficiente para isso. As nacionalizações mais avançadas do nacionalismo latino-americano foram a do petróleo mexicano por Lázaro Cárdenas; a da United Fruit, na Guatemala; a mineração na Revolução Boliviana de 1952 e a do petróleo em 1970; e as do petróleo e as fazendas da Costa pelo governo militar peruano. A esquerda insiste em confundir as nacionalizações burguesas com a expropriação do capital que tem como sujeito o proletariado e o governo dos trabalhadores. A expropriação sem indenização do capital por parte da Revolução Cubana constitui uma transição histórica entre as nacionalizações burguesas mais avançadas e as nacionalizações que fazem os governos dos trabalhadores que emergem das revoluções proletárias. O conteúdo histórico delas está condicionado pelo curso posterior da luta de classes, nacional e internacional. A esquerda é responsável pela abertura de uma discussão deste processo, com base em uma investigação, ao invés de substituí-lo com simples etiquetas.

Em numerosos casos, as nacionalizações burguesas operam como um resgate do capital estrangeiro cobrado das finanças públicas. Esta renúncia fiscal conspira contra o posterior desenvolvimento das forças produtivas proposto pela nacionalização. Os casos mais conhecidos são o executado pelo primeiro Peronismo em relação ao capital britânico que precisava de uma retirada. O caso das ferrovias é paradigmático, porque eles enfatizaram uma deterioração que já faz quase um século. Para atingir seus fins, o imperialismo britânico bloqueou os créditos da Argentina depositados em Londres. O mesmo pode ser dito da nacionalização do petróleo da Venezuela, na década de 70, que serviu para financiar uma especulação imobiliária enorme e ainda maior corrupção. 

Num contexto diferente, o governo de Chávez fez o mesmo com a nacionalização das telecomunicações (Verizon) e siderurgia (Sidor), às custas das enormes receitas de petróleo. Em um caso às compensou por um preço elevado da Bolsa (que se estabelece, especulativamente, pela rentabilidade esperada, em vez do valor dos ativos), ou seja, com um prêmio sobre o capital. A nacionalização beneficiou a Verizon em outro aspecto, porque, em seguida, sua cotação caiu em forma acentuada como resultado da crise financeira internacional. Em outro, Sidor, o Estado assumiu todas as dívidas ocultas (passivo trabalhista) do Grupo Techint, que resultou em uma enorme indenização. A nacionalização deste tipo constitui uma transferência de renda dos trabalhadores para os capitalistas estrangeiros, através da renúncia fiscal. Representam uma descapitalização e, portanto, uma hipoteca para o desenvolvimento das forças produtivas. O colapso das empresas nacionalizadas, na Venezuela, tem levado a um declínio nas expectativas estatizantes na consciência das massas, que se utiliza a direita para promover o retorno do programa privatizador. 

A nacionalização de 51% do capital da Repsol-YPF, por Kirchner, se fez às custas de uma substancial indenização por uma empresa que tinha esgotado as reservas de petróleo e gás. O 'conto' nacionalizador escondeu uma reprivatização do petróleo na Argentina, pois a YPF se converteu numa empresa mista que cotiza nas bolsas internacionais. O conto 'nacional e popular' do Kirchnerismo é, também, particularmente 'curioso', porque seu principal esforço foi direcionado para preservar, com subsídios, para eles, as empresas privatizadas do Menemismo. O resultado tem sido, em geral, um grande esvaziamento produtivo e industrial na área de energia. Na onda da demagogia estatizante, a Frente de Esquerda, na Argentina, desenvolveu uma forte denúncia contra a reprivatização do petróleo, que foi então confirmada pela associação secreta da YPF com a americana Chevron.

O manifesto político apresentado pelo Partido Obrero à FIT para a campanha eleitoral de 2013, focou-se em uma crítica marxista das nacionalizações capitalistas, suas contradições e limitações.

Outra questão que deve ser discutida é a nacionalização do petróleo na Bolívia, que não é bem assim. Consiste de uma grande mudança na tributação do capital internacional de petróleo, que tirou as finanças públicas do déficit crônico. O indigenismo oficial alcançou, por esta via, desviar a reivindicação da nacionalização total que fez a insurreição de outubro de 2003. A mesma coisa aconteceu com a questão agrária, culminando em um compromisso com a burguesia sojeira de Santa Cruz e do leste da Bolívia, materializada em uma nova Carta Constitucional. O compromisso com as companhias de petróleo foi possível devido ao enorme aumento dos preços internacionais dos combustíveis. Numerosos agrupamentos de esquerda e sociais que apoiam a FIT na Argentina, apoiam o indigenismo pequeno burguês do Alti-plano sem definir uma posição programática sobre este pseudo nacionalismo de conteúdo capitalista. A doutrina estratégica do indigenismo boliviano é o desenvolvimento do "Capitalismo andino" (tinha sido batizado de "Socialismo Andino"), definido como uma aliança entre o capital estrangeiro, o Estado boliviano e o pré-capitalismo agrário. A proposta comete a gafe 'teórica' de apontar o estado como uma categoria social e de classe, ao lado de outras classes, ou seja, que não está acima das classes, porque é uma superestrutura política, refletindo e protegendo, como tal, a estrutura social dominante (é o “marxismo do século XXI"). Durante o período recente, a Bolívia tornou-se um negócio próspero das empreiteiras brasileiras incluídas na “lava jato”.

Brasil

7. As limitações colossais deste nacionalismo explicam, por um lado, o escasso desenvolvimento das forças produtivas na década e meia passada, assim como o impacto que causou a bancarrota capitalista mundial, nos dois episódios principais – a queda de preços internacionais e a fuga de capitais de 2009 e, com mais severidade, a atual. O sempre esgrimido crescimento do PIB não capta esse desenvolvimento. O desenvolvimento das forças produtivas é medido pela qualidade do investimento reprodutivo, a aplicação de tecnologia, o nível de capacidade da força de trabalho, o desenvolvimento da educação, da saúde, o progresso habitacional e a infraestrutura urbana. Uma centralização produtiva dos recursos econômicos existentes deveria operar como uma alavanca industrializadora potente.

O governo PT/PMDB do Brasil tentou converter a Petrobrás, companhia mista majoritariamente estatal, nesta alavanca industrial: mediante o investimento da maior parte dos lucros; o monopólio operacional das associações com o capital estrangeiro; um importante trabalho de tecnologia; e o desenvolvimento de um entorno de serviços tecnológicos, de prestadores de serviços e empreiteiras nacionais sem proceder a nacionalizações, desenvolveu até certo ponto um nacionalismo burguês e da grande burguesia. Utilizou as contribuições operárias nos fundos de pensões e impulsionou a arrecadação fiscal ao banco público de desenvolvimento – BNDES, com essa mesma finalidade. Tentou, inclusive, impulsionar a criação de uma burguesia petroleira nacional, através do apoio ao aventureiro Eike Batista. O colapso fenomenal desta tentativa estabelece uma conclusão sucinta, porque terminou na quebra de todos os setores envolvidos e, golpe de Estado mediante, desde o próprio oficialismo, na venda acelerada de ativos industriais e na revogação das principais limitações impostas ao capital estrangeiro. A queda vertical dos preços internacionais do petróleo, as pressões provocadas por um elevado endividamento internacional, a desvalorização do capital cotizante e, não menos importante, a difusão da enorme corrupção de toda esta trama política e econômica (por parte dos setores interessados em derrubá-lo), tudo isto está metendo o Brasil em uma crise de maior alcance que a dos anos trinta. O ataque ao movimento operário é devastador.

8. A esquerda brasileira, frente à crise de conjunto do capitalismo, depara-se com a obrigação de desenvolver um programa operário e socialista, ou seja, um governo de trabalhadores, a nacionalização sem pagamento dos bancos e dos monopólios petroleiros, o mesmo com toda empresa que feche, a escala móvel de salários e horas de trabalho, a abertura dos livros de todos os monopólios capitalistas, o controle operário e a convocação de um plano de ação com toda a esquerda e setores combativos da América Latina.

Ocorre, no entanto, o contrário: propõe a fórmula da democracia, ou seja, sem transição revolucionária, nem governo dos trabalhadores. Quando ainda nem se encerrou a etapa do golpe de Estado que destituiu Dilma Roussef (longe disso, o governo golpista reúne uma base parlamentar precária), a agenda dominante na esquerda brasileira são as eleições municipais de outubro próximo e a possibilidade de consagrar prefeita de São Paulo a uma candidata patronal, Luiza Erundina, que já governou esta cidade em termos puramente capitalistas. Erundina é uma ex-petista, oriunda da ala clerical, ministra do governo de Itamar Franco e até há pouco membro do partido de direita, PSB, e apoiadora do candidato Eduardo Campos, que morreu em um acidente na campanha eleitoral do ano passado. A candidata foi lançada pelo PSOL, uma frente de esquerda e das comunidades de base que romperam com o PT há mais de uma década. O grupo ligado ao PTS na Argentina pediu seu ingresso no PSOL. No entanto, em sua terra natal, sua casa central, reivindica a independência política da classe operária e a hostilidade às candidaturas patronais. Esta duplicidade entre o principismo e o oportunismo, é característica de todas as correntes centristas. O PSOL, em contraste com a FIT da Argentina, que chamou o voto em branco contra Scioli e Macri na Argentina, apoiou no segundo turno eleitoral das eleições passadas a candidatura de Dilma Roussef.

Em oposição ao julgamento político de Dilma Roussef, o PT e grande parte da esquerda tem se refugiado na reivindicação de um plebiscito que autorize a antecipação das eleições para a presidência (que deveria ter lugar em 2018), o qual deve ser votado pelo mesmo parlamento golpista e de ladrões. A proposta conta até certo ponto, com a simpatia de uma parte da imprensa golpista, que visualiza a impossibilidade de um ajuste a fundo da economia sem um governo eleito desvinculado do pessoal político submetido aos processos judiciais contra a corrupção. No Brasil existe uma desintegração expressa da burguesia contratista (empreiteiras) e o desenvolvimento de uma reconfiguração capitalista acompanhada por quebras, resgates e concentração de capitais. A proposta de eleições presidenciais ou gerais de parte da esquerda, não faz referência à derrubada do governo Temer por meio de uma ação direta das massas, que ligue a luta contra as demissões, a carestia e as privatizações aos métodos da greve e da greve geral. Os observadores políticos preveem que a realização de novas eleições daria a vitória a uma das diversas coalizões direitistas presentes. A palavra de ordem eleitoral não educa aos trabalhadores em uma política de luta de classes. Busca-se uma saída imediata à crise política, ou seja, um compromisso, em lugar da preparação sistemática da classe operária para lutar por um governo dos trabalhadores.

No Brasil, a esquerda integrada ao PT impulsionou a chegada desse partido ao governo em coalizão com o PMDB. Isto ocorreu inclusive depois que Lula firmou o acordo com o FMI, na campanha eleitoral de 2002 e nomeou o atual ministro da Fazenda de Temer para a presidência do Banco Central, depois de um acordo fechado entre Lula e William Rhodes, então presidente do Citibank (W. Rhodes, Financial Times, 24.06.2004). O PSOL reivindica, de conjunto, o PT “das origens”, ou seja, que segue aderindo à perspectiva estratégica traçada pela direção fundadora do PT, inclusive depois da experiência e os resultados políticos de quase quatro décadas. A partir desta reivindicação do ponto de partida está seguindo a seu modo o rumo do seu espelho retrovisor. 

Em oposição a esta linha estratégica, é necessário um debate que estabeleça um novo ponto de partida, ou seja, um programa e uma política realmente socialistas.

A este debate deveria integrar-se o PSTU, o qual acaba de sofrer uma cisão em torno à questão do recente golpe de Estado, por um lado, e do caráter das mobilizações anti-governamentais a partir de 2013. As propostas democratizantes da esquerda demonstram toda sua inconsistência frente à derrubada dos processos nacionalistas e à crise de regime que emergiu como sua conseqüência. A América Latina ingressa em uma nova etapa de maiores confrontações sociais e políticas que superam os limites de seus Estados.

Golpismo

9. O impeachment contra a presidenta Dilma Roussef e sua eventual destituição constituem um golpe de estado “tout court (curto e grosso)”, sem acréscimos, porque implicam uma virada política reacionária nas relações de classe existentes. Substitui a um governo que revelou sua inconsistência para aplicar a política de ajuste que reivindica o capital e para resgatar ao pessoal político e aos grandes capitalistas dos processos judiciais por corrupção. Inaugura uma nova proposta de ofensiva contra as massas, sem esperar as novas eleições, nem obter um novo mandato eleitoral. O governo de Temer não é uma tentativa de interinato constitucional, mas sim uma nova coalizão política para uma nova política, que encare o resgate da quebra capitalista e uma ofensiva mais decidida contra os trabalhadores. Não existe uma mudança no caráter de classe do governo, mas sim uma tentativa de modificar a relação pré-existente entre as distintas classes.

Para a esquerda revolucionária, a luta contra o golpe é uma questão de princípios, porque significa defender as posições conquistadas pela classe operária frente à ofensiva capitalista – de nenhum modo apoiar ao governo capitalista destituído. Não defendemos “o mal menor”, mas sim a posição conquistada pelo proletariado dentro da sociedade e o Estado capitalista; por isso não esconde sua hostilidade com o governo estabelecido. A esquerda democratizante, ao contrário, atribui um caráter progressivo à gestão ajustadora de Roussef, inclusive quando muitos, entre essa esquerda haviam criticado e até enfrentado a política ajustadora dessa gestão. Por outro lado, aqueles que discordam da caracterização de um golpe de estado, destacam a identificação de classes entre ambos os bandos capitalistas, ignorando que representa um salto de qualidade do ataque do Estado capitalista contra as massas.

Àqueles a quem as formas constitucionais se identificam com o golpismo é oportuno recordar que o governo constitucional que iniciou em 1973, na Argentina, desenvolveu-se por meio de uma sucessão de golpes “constitucionais”, que primeiro eliminaram ao mandatário eleito, Câmpora, depois a governadores do mesmo campo político, inclusive por meios policiais; mais tarde, à criação da triple A e à militarização do país – um processo que culminou com a ditadura militar. Naquele momento, o Partido Obrero advertiu acerca da seqüência de golpes, que foram escamoteados nas formas parlamentares e na popularidade de Perón.

Apesar da falácia dos termos do “impeachment” (pedalada contábil de contas fiscais), Dilma Roussef, o PT e a burocracia dos sindicatos se recusaram desconhecer o voto do Congresso e propor um conflito entre poderes. A razão é que poderia ter aberto uma brecha para a intervenção das massas, por um lado, e para a intervenção das forças armadas, por outro, que teria sido em apoio ao Congresso. O árbitro do golpe de estado são as forças armadas, ainda que não se trate de um golpe militar. O golpe de estado no Brasil não é mais que o segundo ato golpista depois da derrubada de Lugo no Paraguai, o qual também se constituiu em um “impeachment” de seus próprios aliados de governo – o partido Liberal. A burguesia brasileira apoiou com força esse golpe, em uma espécie de ensaio geral do que se daria depois no Brasil. O movimento operário e camponês retrocedeu fortemente no Paraguai como conseqüência da vitória do golpe, enquanto que, por outro lado, facilitou uma avalanche de compras de empresas e terras por parte da burguesia brasileira, com a cumplicidade do governo de Dilma Roussef. A destituição de Lugo e de Roussef por parte de seus próprios aliados constitui uma prova contundente da falácia que aposta na colaboração de classes entre os partidos operários ou pequeno burgueses populares com a grande burguesia nacional e inclusive o capital financeiro internacional. 

Uruguai e Chile

10. A Frente Ampla do Uruguai passou por um processo parecido ao do governo da Frente Brasil Popular. Vasquez chegou ao governo em 2005 depois de um longo período de colaboração política com o imperialismo desde sua gestão em Montevidéu e o respaldo aos ataques patronais ao movimento operário (greve da construção civil). A FA se constituiu como uma frente “policlassista”, a princípio com o argumento que era o veículo das transformações democráticas, agrárias e antiimperialistas. O balanço é um aumento do submetimento ao capital financeiro, a primarização maior da economia, a concentração da terra, a desindustrialização e o avanço da especulação bancária-imobiliária.

A Frente Ampla leva adiante um ajuste contra o movimento operário, rebaixando salários e aposentadorias, aumentando as tarifas e os impostos ao salário, e cortando o gasto social na saúde e educação. A tentativa de proibição de greves (medida que já havia aplicado Mujica contra os municipários) provocou uma rebelião das bases dos sindicatos na educação, ao mesmo tempo em que reforçou a integração da burocracia sindical ao Estado (o caso de Castillo é um dos mais exemplares). Está se processando um aprofundamento da tendência à ruptura de um setor do ativismo com o governo. Neste quadro, a direita da FA se desloca até um governo de “unidade nacional”; de outro lado, as massas, na busca de um novo pólo político de caráter anticapitalista. A tese da ala esquerda da FA e em especial do Partido Comunista, de que os governos frenteamplistas não são governos do capital, mas sim “governos em disputa” é uma justificativa para continuar seu trabalho de retaguarda do imperialismo e neutralizar os protestos populares para um conflito interno dentro da Frente Ampla e do próprio governo. 

No Uruguai, no entanto, revela-se uma crise semelhante à que pôs fim ao governo patronal liderado pelo PT, no Brasil, incluindo a pretensão de Vazquez de desenvolver, como tentou Dilma Rousseff, um ajuste econômico e social sem ter que, primeiro, proceder com uma mudança de alianças e regime político. Em oposição às correntes frenteamplistas atual ou que já romperam com a FA (Assembléia Popular) de recompor "a FA das origens" ou copiar um chavismo a la uruguaio, o PT do Uruguai convoca os trabalhadores avançados a construir um partido revolucionário.

O Chile, após o retorno de Bachelet ao governo, assiste a uma profunda crise política há somente dois anos que um esgotado concertacionismo tentou reviver a "Unidade Popular", integrando ao governo o Partido Comunista. A crise da Nova Maioria enraíza-se na incapacidade de conter aos diferentes movimentos de lutadores que cortam o país, no marco de um capitalismo chileno que confiscou de uma maneira abismal os salários dos trabalhadores e a dilapidação dos recursos naturais. Trabalhadores terceirizados da mineração, florestais, portuários, do comércio e o varejo, ao lado de uma luta tenaz do movimento estudantil por uma educação gratuita, nos últimos dez anos têm sido a manifestação do estrangulamento das condições de vida das massas populares nas mãos de uma burguesia nativa aliada com o capital imperialista internacional. O resultado de quatro décadas de políticas "neoliberais" de abertura comercial, privatizações (incluindo o profundo confisco da poupança dos aposentados pelas AFP) e um trabalho flexibilizado estendido tem sido a base de um ataque brutal sobre os trabalhadores, que desenvolvem hoje respostas de luta em todo o país.

Esta versão ultra reacionária da colaboração de classe que é a Nova Maioria sofreu desde o início um retrocesso político, chegando ao governo com 60% de abstenção. Esta tendência continua se desenvolvendo como conseqüência de uma profunda crise política que coloca no centro a todos os partidos tradicionais que têm defendido por décadas a herança da ditadura. Esta versão degradada da política frente populista está fadada ao fracasso, já que suas pretensões de propor um plano de "reformas" sem alterar as bases sociais nem as instituições criadas sob a ditadura, não pode representar, sob qualquer termo, a canalização das aspirações sociais dos trabalhadores e dos setores populares... Estamos diante de uma política de resgate da herança deixada por Pinochet. Esta situação se agravará, produto dos golpes da bancarrota capitalista, donde a queda dos preços do cobre está diminuindo a arrecadação fiscal, empurrando uma política de ajuste e limitando um regime de arbitragem por meio da assistência social. As demissões começaram a massificarem-se no país, o que está dando origem a diferentes greves no setor do comércio e a luta dos trabalhadores do salmão em Porto Montt, que está marcando um ressurgimento do movimento operário baseado em piquetes, assembleias de base e greves ilegais.

Neste quadro da situação é colocada a tarefa central da batalha pela delimitação política da Frente Popular, baseada na iniciativa de recuperar as organizações operárias e estudantis para uma alternativa de independência política. No Chile começa a abrir uma nova etapa política, onde o esgotamento da experiência da Concertação abre um campo de ação para a construção de uma alternativa operária e socialista.




Chavismo

11. Outro elemento que se destaca para o posicionamento da esquerda nesta nova etapa é a experiência do nacionalismo Bolivariano como movimento popular ou de massas. O Chavismo realizou a maior transferência de renda dos rendimentos do petróleo em empreendimentos sociais (habitação, educação, saúde), possivelmente de toda história da América Latina. Esta agenda foi a menina dos olhos do seu programa. Vê agora, tardiamente, os limites de aço de uma economia rentista, cuja bonança havia calculado para um século; o povo da Venezuela assiste, não já a descontinuidade desses planos sociais, mas a incerteza da preservação do que foi feito e a possibilidade da sua reversão. Isto é manifestado na disputa aberta da titularização da propriedade das casas construídas, devido à insegurança jurídica criada pela crise e a incapacidade do Estado para garantir toda a infraestrutura de manutenção e reparos, que estariam nas mãos das famílias beneficiárias.

Este gigantesco empreendimento social foi realizado por uma organização paralela ao Estado, as chamadas "missões". O Chavismo, com uma proposta em princípio mobilizadora, 'saltou' para o Estado, em vez de destruir o aparato burocrático desse Estado e transformá-lo em uma máquina dirigida por órgãos de poder das massas. Salientou-se, desta forma, a desqualificação e a precarização dos trabalhadores e dos serviços públicos desse Estado, o que explica a oposição gerada na saúde e educação. A mesma coisa aconteceu com as cooperativas que substituíram as empresas que aderiram à sabotagem do petróleo de 2002/3. É também o que fez o kirchnerismo, em versão farsesca com as cooperativas de trabalho ou de habitação dirigidas pela camarilha de Shocklender e Milagro Salas, entre outros. Assinalou-se, em geral, uma cooptação e arregimentação dos movimentos populares. A empresa capitalista, na Venezuela, não foi substituída por empreendimentos de gestão operária sob um plano econômico único e o desenvolvimento de uma legislação trabalhista mais avançada. As grandes empresas estatizadas crescem sob a negligência e a corrupção de uma burocracia oficial. O resultado da gestão Bolivariana não foi a consolidação do proletariado, mas uma atomização poderosa. Este é um risco fundamental da desintegração econômica que tem lugar nos dias de hoje.

O processo Bolivariano penetrou profundamente na esquerda da Venezuela, que tornou-se uma cobertura do chavismo, alegando que isso desenvolvia um processo revolucionário, por exemplo, o Ccura e Maré Socialista. O chamado maoísmo tornou-se "minguado" como alguns ex lambertistas. Durante os eventos eleitorais, a esquerda tem participado, em locais diferentes, de frentes díspares e sem princípios determinados pelos cálculos oportunistas ocasionais. 

É com este pano de fundo que entra em uma nova fase extraordinária, que anuncia mudanças radicais de regime, em um quadro de crise que envolve todas as classes sociais e todos os níveis do Estado, incluindo as forças armadas. Envolve diretamente ao imperialismo ianque, bem como Cuba e a vizinha Colômbia, para toda a América Latina e grande parte da União Européia. Os países 'aliados' do Unasul mudaram sua posição política, passaram ao campo diplomático que pressiona por uma mudança de regime na Venezuela, como o ilustrado pela posição do Uruguai. O macrismo argentino trocou sua violência inicial por uma posição favorável para uma transição acordada, como reivindica a administração de Obama.

12. Na Venezuela, um importante retrocesso político é processado. O regime plebiscitário de Chávez, que reivindicava para si a solidez do voto popular, tornou-se um regime de fato, que governa por decreto, violentando a soberania da Assembléia Nacional ganhada pela direita esmagadoramente nas recentes eleições. Este governo por decreto está se sustentando pelo apoio da cúpula militar, no quadro de uma rejeição majoritária da população, de acordo como indicam as pesquisas que não são questionadas. As forças armadas se encarregam da distribuição dos alimentos. Do lado econômico está em curso um plano de ajuste e de desvalorização externa do bolívar, que visa garantir o pagamento da vultosa dívida externa do Tesouro e da Pdvsa. Circulam propostas, no governo, para vender ativos estatais para pagar a dívida externa e melhorar a capacidade de importação do país. O que resta do capital estrangeiro se retira da Venezuela.

A "guerra econômica" que denuncia o chavismo desenvolve-se no âmbito desta desorganização econômica e da prioridade ao pagamento da dívida externa. O fechamento das contas dos bancos privados e do Banco Central, pelo Citibank, é, por um lado, uma expressão do estado de suspensão de pagamentos da Venezuela e, por outro lado, traduz a pressão de um setor do capital financeiro para acelerar o desfecho da crise política. O capital internacional se sente encorajado pela vitória do macrismo na Argentina, o golpe de estado no Brasil e o giro anti-chavista do governo do Uruguai. Os trabalhadores são chamados a lidar com fábricas que são esvaziadas ou não tem financiamento. A militarização crescente do Estado, mesmo que seja uma militarização 'Bolivariana', não é progressiva, mas reacionária. Historicamente, esses governos de fato presidiram as transições entre regimes políticos e até sociais, mediando entre as forças em disputa. Lembramos do golpe de estado 'Comunista' de Jaruzelsky, na Polônia, que contou com o apoio do Vaticano e serviu para a transição a um novo regime político. Precisamente por esta razão, setores cada vez mais vociferantes da direita venezuelana reivindicam um golpe contra Maduro às forças armadas chavistas.

Uma parte representativa da oposição esquálida completou um programa próprio para a crise. Mendoza, o proprietário da empresa nacional principal, a Polar, levantou um programa de aguçado caráter 'macrista': eliminação do controle das mudanças e dos preços regulados, apoiado por uma 'ajuda' ou socorro financeiro internacional, cujas fontes não definiu. O impacto deste 'rodrigazo' seria na Venezuela, consideravelmente mais catastrófico que o do macrismo - que, aliás, tem o apoio de todo arco político, especialmente do peronismo e do PJ. A transição política marcha a toda a velocidade, embora na superfície prime o imobilismo.

Entendemos que a esquerda venezuelana deve chegar a um acordo prático em torno a uma reivindicação política de conjunto. É a condição para que possa intervir como protagonista político independente nesta crise; pode reagrupar aqueles setores que romperam com o Psuv com propostas progressistas. Deve abrir essa discussão com máxima urgência. Em oposição ao governo militarizado de fato por um lado e a uma revogação de conteúdo direitista, que também parece incompatível com o acelerado ritmo da crise, a nossa proposta é a chamada para uma Assembléia Constituinte livre e soberana. A proposta deve servir para construir as assembleias populares que podem postular-se, eventualmente, como convocantes da Assembléia Constituinte. Uma proposta deste tipo iria servir, em qualquer caso, para que a esquerda apareça como uma candidatura autônoma para o poder, que permita intervir nas diferentes fases pelas quais vão passar por esta crise, que promete ser explosiva e prolongada.

Crise mundial

13. A crise aberta na América Latina não é uma simples evidência de limitações políticas subjetivas, quer dizer de classe, programa e estratégia da diversidade de governos nacionalistas. É, antes de tudo, uma crise de conjunto de suas estruturas sociais e políticas, nos marcos de uma bancarrota capitalista de caráter mundial. A queda dos fenômenos nacionalistas opera como um acidente histórico que põe a descoberto o declínio capitalista e a gravidade da crise em curso. Isto condiciona e contamina os processos políticos de mudança que encabeça a direita. A tentativa “restauradora” da direita inaugura uma etapa de maior potencial revolucionário. Não inaugura uma etapa de arrefecimento da luta de classes, mas sim de acentuação desta luta. Parte da ruptura do equilíbrio político precedente e inicia um período de desequilíbrios políticos maiores.

Um exemplo eloquente é o México, onde assistimos a um início de rebelião contra o governo e a perseguição exercida contra os trabalhadores e a juventude. Em Oaxaca, capital de estado, a Coordenação Nacional dos Trabalhadores da Educação (CNTE) liderou uma demonstração massiva em repúdio ao massacre de seis professores e para exigir "punição para os culpados" e o aparecimento com vida de 22 pessoas desaparecidas. A demonstração chegou ao Zócalo e ao Instituto Estatal de Educação Pública. A CNTE, do sindicato dos professores, rejeita a reforma da educação porque estipula que os postos de ensinos dos professores devem ser atribuídos pelo governo e não pelos sindicatos, como ocorria antes, impõe avaliações dos professores e denunciam a privatização da educação. Segue ainda não esclarecido o massacre de 43 alunos da Escola Normal Rural de Ayotzinapa em 2014. O confronto crescente entre os explorados, a juventude e o governo de Peña Nieto está colocando uma bomba-relógio nos próprios portões do imperialismo ianque, um país-chave para o Tratado Trans-Pacífico (TTP). A luta de classes no México articula a América Latina com a revolução no centro do imperialismo mundial.

Esta fase, na América Latina, tem lugar em um marco internacional concreto. A ruptura da União Européia, com a saída da Grã-Bretanha, é um salto de qualidade na bancarrota capitalista. A UE foi o empreendimento contra-revolucionário político mais interessante da burguesia mundial, após a segunda guerra. É um bloco econômico, político e militar - neste último como sucursal da OTAN. Foi um instrumento de disciplinamento do proletariado e a arma política mais relevante para sustentar a restauração capitalista na ex União Soviética, encarada pela burocracia de cunho stalinista. Um quarto de século após a dissolução da URSS se destaca a desintegração de seu coveiro. As violentas contradições do capitalismo são impostas acima dos reveses e derrotas do proletariado.

O chamado Brexit expôs a vulnerabilidade do mercado internacional dos capitais mais importantes do mundo. Obriga o estado a operar um segundo resgate capitalista no centro nervoso do capital financeiro, quando nem sequer fecharam ainda as fissuras financeiras deixadas pelo resgate de 2008 – inclusive lhes foram superadas. Combina com a bancarrota declarada pelos bancos italianos; a corrida bancária parcial na Espanha; e acima de tudo a insolvência dos dois principais bancos na Alemanha. Na zona do euro se desenvolve um processo de desintegração, crises políticas e luta da classe operária - como é o caso da Grécia e a França, por um lado, e na Europa central, por outro. A dívida nacional desses países, à força de salvamentos de bancos, beira 300% do PIB. Um termômetro enérgico do impasse econômico é a dívida pública colocada a taxas de juros negativas, que passou entre janeiro e junho passado de U$ 1,3 bilhões para U$ 13,5 bilhões. Isso implica em uma ameaça para o sistema bancário e às companhias de seguros e um registro inapelável da tendência à deflação monetária e à depressão econômica. A retirada da Grã-Bretanha e a crise da zona do euro podem levar, alternativamente, a uma desintegração desses territórios, ou sua transformação em um território colonial da Alemanha seguida pela França. Nos Estados Unidos, a vitória do Trump na interna republicana revela uma tendência chauvinista, que responde a um crescimento da rivalidade econômica e mesmo militar entre as potências capitalistas, manifestada no mar da China, na Ucrânia e na agressão imperialista no Oriente Médio e norte da África.

Este quadro mundial condiciona os recursos disponíveis para as burguesias latino-americanas para sair das experiências nacionalistas em seus próprios termos. A enorme superprodução de mercadorias e capital explica que a frente nacionalista internacional dos chamados BRICS passou para uma vida melhor, pois todos os seus membros enfrentam ameaças de falência. A aliança do Brasil com a China abriu caminho para uma reivindicação de ruptura comercial de parte da indústria siderúrgica instalada no Brasil.

A crise mundial tem um desenvolvimento desigual, bem como acontece com o capitalismo e a história em geral. A China, por exemplo, rebateu com um enorme gasto público o impacto da crise mundial em sua economia, o que levou a um 'boom' dos preços internacionais das matérias-primas. As derivações destas despesas foram responsáveis por 30% do PIB dos países produtores destes bens (Martin Wolf, "The Shifts and the Shocks"). A China enfrenta agora uma hipoteca da dívida fenomenal e, pela primeira vez, autorizou os procedimentos de falência. Nos últimos meses, a acentuação da queda das taxas de juro nos mercados internacionais de dívida pública, produziu um retorno parcial dos capitais de curto prazo para a América Latina, por suas altas taxas de juros. A falência econômica também produz seus próprios negócios: a venda de ativos da Petrobras lhe reabriu, embora de forma precária, o mercado da dívida externa. Esta volatilidade produto da crise não deve confundir-se com o financiamento de uma expansão econômica que, por ora, não tem fundamentos. A Argentina tem expandido sua dívida pública em U$ 25 bilhões, nos últimos meses, para pagar aos fundos abutres e financiar a saída de lucros e dividendos. Um novo ciclo de endividamento internacional tem bases mais restritas que no passado e as conseqüências mais explosivas.

Se a experiência macrista serve de guia de rota para as tentativas semelhantes que se esboçam na América Latina, o balanço provisório é claro: um aumento fenomenal da inflação, um crescimento do elevado déficit fiscal herdado, uma suba enorme das taxas de juros e uma aguçada recessão econômica. Os esboços democrático-eleitorais e o apoio massivo da oposição patronal para as suas medidas mais decisivas, não foram suficientes para evitar uma resistência, que já é enorme, ao 'rodrigazo' tarifário. O macrismo foi posto na defensiva, em seu curto período de governo por uma revolta popular contra o tarifaço, que também causou um princípio de fratura no aparato estatal (amparo judicial a favor dos usuários). Perfila-se, além disso, um novo ciclo de reivindicações salariais, apesar do apoio da burocracia sindical à nova gestão. O governo macrista ainda tem de encontrar os recursos econômicos e políticos para sua política de ajustes, e então impô-los através de uma intensa luta de classes. É um regime dividido entre camarilhas capitalistas, sem base parlamentar própria, condicionado no governo pela exigência de ganhar as eleições parlamentares no próximo ano.

A esquerda na nova etapa

14. Na Argentina e na América Latina, esta crise de conjunto coloca o desafio de que a esquerda se torne uma alternativa política de conjunto, desta vez já não sob formas democratizantes, como na década e meia passada, mas sim operária e socialista. Faria em confronto com os partidos patronais históricos em desintegração, burocracias sindicais desprestigiadas e a procedente em menor número das forças reformistas ou democratizantes. Para isso é necessário um debate político e uma compreensão adequada da situação presente.

Na Argentina, a Frente de Esquerda tornou-se um canal político desta alternativa, particularmente em 2013, quando alcançou seu melhor desempenho eleitoral e até mesmo derrotando o peronismo - governante e opositor - na capital de Salta. Seguiu se desenvolvendo no movimento operário, especialmente entre delegados e comissões internas. Em abril passado, uma lista de esquerda e classista, encabeçada em todos os sentidos pelo Partido Obrero, ganhou o sindicato dos pneumáticos (Pirelli, Firestone, Fate, etc.); com este mesmo caráter foram conquistadas posições no sindicato dos professores, entre as estatais, em seções da CTA (Central de centro-esquerda), na indústria da construção civil, da alimentação, na grande indústria de alumínio, entre outros. O programa da Frente de Esquerda propõe o desenvolvimento da independência política dos trabalhadores e o governo dos trabalhadores.

Em contraste com esta perspectiva é que se desenvolveu na Frente de Esquerda uma tendência em direção ao Kirchnerismo, por parte do PTS. É uma repetição histórica degradada da dissolução dessa mesma corrente no peronismo, especialmente após o golpe de 55; o suporte para o retorno de Perón, em 1972; a incorporação de parte do peronismo à Frente do Povo, em 1985. Em cada encruzilhada histórica, essa corrente posou seu olhar em uma frente com o peronismo e na adaptação política à verborragia nacionalista. Colocou inclusive em marcha uma revisão histórica favorável ao foquismo montonero; combina sem pudor o eleitoralismo com uma pose militarista (em 2011 na campanha eleitoral estava reivindicando em particular os escritos militares de Von Clausewitz; em 2013, o desenvolvimento da democracia pela igualdade dos salários dos legisladores com os professores). Esta adaptação é manifestada também na Bolívia, aonde se abstiveram na reeleição de Evo Morales, ao invés de rejeitá-la, ou no pedido de entrada no Psol, que impulsiona a Luiza Erundina como candidata nas próximas eleições municipais de São Paulo.

Em diversas tentativas de coordenação sindical, tanto o PTS como a Esquerda Socialista rejeitaram, como inoportuna, a reivindicação da independência política da classe trabalhadora, em razão da necessidade de atender a ideologia de ativistas peronistas. O seguidismo é postulado como uma tática política. Na lista Negra nos pneumáticos, no entanto, existem ativistas de primeiro nível que permanecem romanticamente ligados ao peronismo, que defendem a independência política dos trabalhadores. A ruptura do PTS com a FIT, em ocasião do 1 ° de Maio, explica essa linha. O pretexto infantil, a saber, que a IS não caracterizava como golpe o movimento contra Dilma Rousseff, obedeceu a uma orientação de dar um sinal de aproximação ao Kirchnerismo, que tinha se expressado em uma frente parlamentar do PTS com a oposição burguesa em defesa incondicional do governo de Dilma - para pior, com o objetivo posto nos resultados que poderiam obter para as eleições de renovação parlamentar de 2017. 

O pretexto da luta contra o golpe de estado no Brasil operou como uma cortina de fumaça contra o desenvolvimento da alternativa política da FIT ao governo de Macri e seus partidários políticos. O mesmo sentido teve a votação parlamentar do PTS a favor do plebiscito proposto pelo Kirchnerismo para um pagamento dos fundos abutres nos termos da reestruturação regida para o conjunto da dívida permutada, em oposição à posição revolucionária do parecer do PO propondo o não-pagamento da dívida, no que constituiu uma formidável denúncia do regime como um todo e em particular do kirchnerismo, que garantiu o pagamento serial da dívida externa com os fundos dos aposentados. A mídia digital do PTS aponta claramente nessa direção, porque tornou-se uma tribuna para o Kirchnerismo, que está oculto com entrevistas jornalísticas de porta-vozes da direita. As diferenças políticas, como aconteceu com a posição da IS, devem ser discutidas com tempo e método e a participação ativa do conjunto dos militantes. As perspectivas políticas da FIT exigem uma clara delimitação do centrismo político das forças que a integram. O Partido Obrero tem se destacado por uma delimitação rigorosa e uma crítica sem concessões à experiência auto-proclamada "nacional e popular" - que é o conteúdo principal do avanço da esquerda. Isto está em contraste com a oposição ao Kirchnerismo da chamada "esquerda plural" (MST, Libres del Sur), que ignorou esta tarefa ao aliar-se à oligarquia agrária no conflito de 2008 e formar listas eleitorais com os representantes políticos da indústria automobilística de Córdoba e também seguidores do macrismo.

A nova etapa encontra a FIT em uma encruzilhada. A adaptação ao Kirchnerismo por parte do PTS – o levou a uma ruptura política, como aconteceu com o boicote ao ato do 1º de maio (há uma ruptura já faz tempo dos acordos de co-gestão das representações parlamentares e, portanto, uma usurpação política das bancadas conquistadas). Em oposição a esta adaptação e às tendências democratizantes presentes, o PO caracteriza que a etapa política atual oferece uma possibilidade consideravelmente maior para que a esquerda revolucionária se coloque como uma alternativa política ao colapso capitalista e ao esgotamento e até mesmo desintegração dos partidos patronais da Argentina. A luta pela independência de classe do proletariado é o degrau político para estabelecer um governo socialista da classe trabalhadora. 

15. O balanço geral revela a falência completa e definitiva do chamado Fórum de São Paulo, cujos governos ruíram como resultado de suas limitações políticas e até mesmo sua colaboração com o imperialismo.

A esquerda latino-americana aborda a nova etapa de bancarrotas capitalistas e de regimes políticos na América Latina, delimitada em três blocos. Por um lado, uma direita que reivindica o frentismo 'plural' e democratizante e que se esforça para apagar qualquer distinção entre a classe trabalhadora e os explorados, de um lado, e a burguesia de outro, e que se manifesta no apoio e na promoção de candidatos patronais. Por outro lado, uma esquerda centrista, que oscila entre o frentismo democratizante e especialmente na adaptação ao nacionalismo ou democratismo burguês (como ocorre na Bolívia, Brasil e Argentina). Finalmente, um pólo revolucionário, que defende o princípio de acordos práticos com todas as correntes presentes quando se trata de promover uma luta de massas, mas combate pela independência do proletariado como trabalho preparatório para um governo da classe operária. A estratégia desta última corrente está resumida na palavra de ordem dos Estados Unidos Socialistas da América Latina, incluindo Porto Rico.

Parlamentarismo, sindicatos

16. As últimas décadas caracterizaram-se pelo lugar histórico sem precedentes dos processos eleitorais, resultado de um cruzamento de processos históricos latino-americanos e internacionais. Seja como for, resultou em um protagonismo eleitoral, também inédito, da esquerda e em particular da trotskista. Em alguns países levaram a organizações trotskistas aos Congressos ou Assembleias nacionais. Esta circunstância pôs à prova a capacidade dessas organizações para desenvolver uma atividade revolucionária no campo eleitoral e no Parlamento. Obviamente, a capacidade para satisfazer este objetivo depende, em primeiro lugar, dos programas e das estratégias das forças da esquerda presentes, que são, na sua maioria, democratizantes, ou seja, eleitoralistas e reformistas. Como tem se denunciado na imprensa de esquerda do Brasil, o Psol aceitou contribuições de grandes corporações para suas campanhas eleitorais e o mesmo Psol justificou esta aceitação. As oportunidades de reconhecimento político que oferecem os processos eleitorais para correntes confinadas a uma atividade sindical ou marginalizadas na luta política, quando não diretamente sectárias, funcionaram como um poderoso fator de pressão para a adaptação eleitoral aos prejuízos da chamada "opinião pública". É o caso já mencionado da proposta de equiparar o salário dos parlamentares aos professores para acabar com "a casta política" e "avançar a democracia". Não é mais do que o charlatanismo do Podemos da Espanha. Ao igualar com esta “casta política” a persistência dos dirigentes socialistas mais antigos, o palavreado democrático se converteu agora em contra-revolucionário. 

Para que processos democráticos possam ser explorados pela esquerda revolucionária é necessário fazer uma caracterização adequada deles. O mesmo se aplica ao parlamentarismo: são, por um lado, a oportunidade de levar a propaganda socialista para as grandes massas, mas ao mesmo tempo um mecanismo de legitimação do estado e uma pressão para substituir a luta de classes pela arbitragem do sufrágio e da representação popular. No campo da burguesia, as frações democratizantes ou simplesmente demagógicas, usam o trabalho legislativo para bloquear a ação direta dos trabalhadores, quase sempre instigadas pela burocracia dos sindicatos ou com sua colaboração. Na Argentina, os parlamentares do PTS deram seu apoio aberto a uma legislação 'anti-demissões' "acordada" por frações de oposição da burguesia, que visava substituir a luta dos trabalhadores pela arbitragem da justiça do trabalho e justificar a inanição dos sindicatos frente as suspensões e demissões. O Partido Obrero denunciou, desde o primeiro momento, a "parlamentarização" da reivindicação da burocracia sindical, usando a tribuna parlamentar durante 50 dias de crise e debate sobre o item, para defender, no seu projeto, um programa baseado na distribuição das horas de trabalho sem afetar o salário - escala móvel de horas de trabalho, em função das greves e ocupações de fábricas para enfrentar as demissões e da proposta de greve geral contra o conjunto do ajuste. Curiosamente, o PTS havia combatido, no início da FIT, propostas de legislação feitas pela esquerda, como puro eleitoralismo. Ignorava o trabalho legislativo do PO, no âmbito municipal, que obteve aprovação parlamentar para a redução das horas de trabalho dos metroviários e desencadeou uma enorme luta dos trabalhadores, impulsionando o trabalho na empresa para derrubar a burocracia sindical e, mais recentemente, um grande movimento pelas seis horas da enfermagem. Assim como no parlamento nacional reanimamos um movimento nacional pela reparação de 36 mil trabalhadores da YPF e depois para o sindicato dos telefonistas abrindo rotas de desenvolvimento do classismo. 

Os golpes de estado em vários países, embora não diretamente militar; os massacres no México e a aliança entre o estado e o narcotráfico; os massacres de camponeses no Paraguai; os paramilitares na Colômbia; o assassinato de ativistas de esquerda por capangas patronais na Venezuela; os assassinatos sistemáticos dos trabalhadores e líderes sem-terra e indígenas no Brasil; as mortes dos lutadores na Argentina, por gangues da burocracia e da polícia e o chamado gatilho fácil; tudo isto demonstra a fragilidade e a improvisação da tão comentada etapa democrática na América Latina. A política que tem por base a perspectiva de durabilidade e aprofundamento dos processos democratizantes carece de sustentação. 

17. O ascenso da esquerda e das correntes trotskistas na América Latina manifesta-se fortemente nos sindicatos. Novos progressos, no entanto, podem ser bloqueados por um agudo faccionalismo. Este faccionalismo exacerbado é, por um lado, o reflexo de um período prolongado de desenvolvimento marginal e sectário e, por outro lado, de uma imaturidade que se caracteriza pela substituição da delimitação política pela briga de aparatos. Isto tem impedido o desenvolvimento sindical que poderia ter sido mais enérgico, especialmente no Brasil, Argentina e Venezuela. Na luta contra este bloqueio, defendemos a frente única de todas as tendências combativas nos sindicatos.




A Revolução Cubana

18. Nas últimas décadas, a Revolução Cubana ficou recolhida como foco de referência para as massas da América Latina, até mesmo para o surgimento de novas experiências políticas que provocaram enormes ilusões políticas nos explorados. A principal razão pela qual, no entanto, tem sido o impasse completo que atingiu o regime político da Ilha e sua política de colaboração com as burguesias nacionais e o próprio imperialismo. Há uma tendência para desqualificar seu resultado histórico, no entanto segue representando uma referência para os trabalhadores da América Latina, especialmente por sua capacidade de resistência ao maior imperialismo de todos os tempos - a 90 milhas de suas costas. Manteve-se, também, sua peculiaridade histórica frente à restauração capitalista na URSS e seu entorno geopolítico e à penetração vigorosa do capitalismo na China e Vietnam. A aceitação, por parte dos EUA, de relações diplomáticas com Cuba, constitui um recuo político do imperialismo, após mais de meio século de bloqueio, independentemente de ter a mesma finalidade de retomar a colonização capitalista da Ilha. O bloqueio permanece de pé, embora diminuído, como arma de extorsão para impor ao país as pretensões do imperialismo.

Com evidentes ziguezagues, Cuba está encarando uma solução para a sua estagnação econômica pela via da colaboração do capital internacional, e por uma política de ajuste e maior diferenciação social. Não tem a possibilidade, no entanto, de que se reproduzam as características do caminho da China na direção do capitalismo, porque não tem a possibilidade de oferecer um mercado interno ao capital internacional, mas tornar-se em uma plataforma de exportação e um paraíso turístico e imobiliário. Em última análise, que faria de Cuba uma espécie de República Dominicana, Porto Rico e de Haiti. Porto Rico, a menor ilha das Antilhas enfrenta agora um default econômico generalizado que tem reduzido a nada seu status de estado associado dos EUA, porque passou a ser governado por um Comitê de supervisão financeira e fiscal, com o compromisso de pagar sua dívida externa enorme. O caminho chinês levou a própria China a uma crise de potencial monumental e ao mesmo tempo cada vez mais impetuoso desenvolvimento da luta de classes dos trabalhadores. A bancarrota mundial capitalista opera, por um lado, como um fator de pressão para a abertura completa de Cuba ao capital internacional e, por outro lado, como um limite intransponível de suas possibilidades, porque isso vai acentuar o impasse do regime político e a luta dos trabalhadores.

Cuba continua sendo uma sociedade em transição, com a particularidade de que está governada por uma burocracia estatal forte e uma crescente tendência interna, que favorece a privatização da propriedade pública. Esta condição dá a proposta de parceria com o capital estrangeiro uma forte conotação restauracionista. Um regime proletário procuraria atrair investimentos estrangeiros, em condições de isolamento e de crise, de acordo com um fortalecimento da ditadura do proletariado. Os grandes debates no bolchevismo, na década de 1920, mostram a rejeição do esquematismo hierárquico. Se o processo da China serve de exemplo, a perspectiva de uma renovação revolucionária em Cuba passa pela luta pela organização independente dos sindicatos, o desenvolvimento da autonomia política da classe trabalhadora e a perspectiva de um governo dos trabalhadores. 

Os governos de Cuba e dos Estados Unidos são os principais promotores do processo de paz na Colômbia, que tem o apoio da União Européia e da ONU. O longo processo guerrilheiro na Colômbia, há muito tempo, entrou em uma clara decomposição e sofreu derrotas militares contundentes. As conversações de paz visam integrá-lo ao regime político e ao Estado capitalista, o propósito indicado pelas próprias Farc. O resultado, no entanto, permanece incerto devido ao rápido crescimento do paramilitarismo e ao agravamento da questão agrária. Um acordo de paz não vai resolver nenhuma das contradições explosivas da Colômbia. As novas condições políticas deveriam ser usadas para convocar a construção de um partido revolucionário.

Tarefas

19. O propósito dessas teses e da Conferência sobre a América Latina é de servir para o debate político e a elaboração de um programa. Não pode haver um partido sem programa, ainda que seja isto o que está ocorrendo na América Latina. Os participantes da conferência adotam um plano de trabalho de difusão das teses e a sua discussão na esquerda, no movimento operário e na juventude.

Assinam: Partido dos Trabalhadores (Uruguai), Partido Obrero (Argentina), Partido Obrero Revolucionário (Chile), Tribuna Classista (Brasil), Opção Obrera (Venezuela), Emigdio Idoyaga (Paraguay), Osvaldo Coggiola (Brasil).