quinta-feira, 22 de setembro de 2016

A LUTA CONTRA O GOLPE, O AJUSTE E A CRISE DO REGIME POLÍTICO

                                                                        

A análise do período atual deve considerar a gigantesca crise que estamos passando, seu significado econômico, político e social e quais as perspectivas que podemos ter para modificar o atual panorama para dar uma saída a esta crise, principalmente sob o ponto de vista da classe trabalhadora e da maioria esmagadora da população.

A crise que vivenciamos é parte de uma crise maior, uma crise histórica do capitalismo, que está, nitidamente, em seu período de declínio, um período de colapso de suas relações sociais, em que a estabilidade econômica e social já não pode ser assegurada nem mesmo nos países imperialistas, que constituem o centro da economia mundial. Estamos diante de uma bancarrota de todo o sistema, levando a queda de regimes políticos inteiros, a uma crise que afeta diretamente a União Europeia, os Estados Unidos, a China, o Japão e toda Ásia, e consequentemente a América Latina. Sem uma análise que coloque a crise mundial do sistema capitalista como o eixo central, como pano de fundo, todos os grandes fatos históricos que vivenciamos no último período perdem a sua concatenação lógica intrínseca, e tornam-se um amálgama de crises sem sentido e nem direção.

A queda internacional dos preços das matérias-primas é apenas mais um episódio nessa luta, que afetou diretamente as economias nacionais de todo o continente e abalou profundamente grande parte dos regimes políticos do Cone Sul. Se num primeiro momento a crise mundial desenvolveu-se e irradiou-se a partir dos EUA e da Europa, em seguida afetou de forma inexorável toda a sociedade latino-americana, e o Brasil, nesse contexto, sofreu uma de suas maiores crises, onde a economia, a política e as relações sociais foram afetadas profundamente.

Durante um longo período, o PT desenvolveu uma política de colaboração de classes com a burguesia, colocou os movimentos sociais, o movimento operário (através da CUT) e seus militantes, em uma camisa de força na qual tentava impedir qualquer tipo manifestação independente das massas com vistas a lutar contra a opressão nacional e de classe. Seu papel foi subordinar e arregimentar todos os movimentos sociais a reboque de sua política de aliança com um amplo setor de frações da burguesia e que tinha, em última análise, apenas o objetivo de preservar e aumentar os grandes lucros do capital como um todo, e o capital financeiro de forma particular. O próprio Lula sempre repetiu o sermão de que "os empresários nunca ganharam tanto dinheiro como no meu governo". Somente o lucro dos bancos foi oito vezes maior no governo Lula do que no governo FHC, que o precedeu (R$ 279,9 bilhões contra R$ 34,4 bi).

A crise mundial manifestou-se no final do governo Lula e colocou em xeque os grandes lucros e a estabilidade de todo o sistema. Um dos maiores fatores de lucros dos bancos foi o altíssimo endividamento da população e seus juros astronômicos. Temos, além disso, o endividamento público do Estado como um todo, que paga uma das maiores taxas de juros mundiais (acima de 14%). A dívida bruta brasileira já cresce em ritmo grego. Grande parte da burguesia (não somente os bancos) investiu nos títulos da dívida pública, não se precisa de muita astúcia para se chegar a conclusão que um "ajuste" para frear o déficit fiscal foi quase um instinto de sobrevivência para a burguesia, que parasita de forma sistemática o Estado, garantir e sustentar os seus lucros. O risco de um default (calote) por parte do Estado ameaça os altos lucros da burguesia, nacional e internacional, como um todo. O sistema de endividamento financeiro é um dos combustíveis da crise.

O PT, que sustentava um governo de colaboração de classes com uma das frações da burguesia e do grande capital, começou a perder o controle da economia e do poder político diante do agravamento da crise econômica e de suas consequências. Seus sócios políticos e econômicos foram “abandonando” o barco diante do desmoronamento do governo e com a perda de popularidade, não só nas camadas médias, mas principalmente nas camadas mais oprimidas. O grande capital que parasita o Estado e que até ontem estava com o governo, transformou-se no principal promotor de um golpe parlamentar através do impeachment, especialmente os setores industriais paulistas agrupados na FIESP. A burguesia e seus partidos foram abandonando paulatinamente o PT, enquanto o golpe foi estruturando-se dentro do próprio governo Dilma, com o PMDB e seus aliados como principais protagonistas, liderados por Michel Temer, pelo presidente da Câmara, Eduardo Cunha, e pelo presidente do Senado, Renan Calheiros.
Capítulo a parte merece a frente popular de colaboração de classes, entre o PT e os demais partidos burgueses (com PMDB e demais aliados), que conseguiu eleger com seu aval, o que muitos consideram, o Congresso mais reacionário de nossa República, recheado de evangélicos, latifundiários e deputados ligados a oligarquias regionais. As chamadas bancada BBB (boi, bíblia e bala) e do Centrão de Eduardo Cunha, foram, em grande parte, eleitos em alianças regionais com o PT. Políticos e deputados burgueses foram capitalizados e eleitos através da aliança eleitoral com o Partido dos Trabalhadores e com o PCdoB, não apenas o seu vice golpista, Michel Temer, que foi colocado em uma posição privilegiada para a articulação do golpe, mas também os deputados do Centrão e de boa parte da BBB, assim como os demais partidos burgueses, que o PT acobertou em seus ministérios, como o PSD de Kassab, entre outros, e que continuam no poder, graças a um golpe parlamentar que constituiu-se num golpe da burguesia como classe, com interesses definidos e apoiado claramente pela imprensa e pela mídia burguesa.

A possibilidade de neutralizar a Operação Lava-Jato (e outras operações em curso), também foi um dos objetivos do golpe, já que foi utilizada como cavalo de batalha contra o PT (que se utilizou dos esquemas criados pelos próprios partidos burgueses), era lugar comum que só se conseguiria abafar os "escândalos" e operações com o impeachment contra Dilma, o PT e a conclusão do golpe parlamentar. Vazamentos "delataram" os objetivos do golpe antes mesmo que o golpe estivesse concluído, a realidade foi mais fantástica do que qualquer ficção.
O governo Temer constituiu um verdadeiro ministério de processados na Lava-Jato e de outras operações, dando assim foro privilegiado a vários acusados e demonstrando que há dois pesos e duas medidas, conforme os interesses de classe, assim como em toda sociedade. Como disse um notório político brasileiro: "aos amigos tudo, aos inimigos a lei".

Com a conclusão do processo de impeachment no Senado, o golpe parlamentar chega ao seu último e derradeiro capítulo. O PT, que durante 13 anos governou o país numa frente de colaboração de classes com uma parcela significativa da burguesia nativa, uma frente popular, foi derrubado por essa mesma burguesia (organizada dentro do PMDB, PSD e seus partidos acólitos), e que agora se rearticulou junto com a oposição burguesa (PSDB, DEM e partidos menores).

A burguesia unificou suas forças, momentaneamente, diante de suas inúmeras contradições, para tomar o poder através de uma manobra, um golpe parlamentar, que não visa de forma alguma liquidar ou diminuir a corrupção (característica histórica da burguesia em seu parasitismo estatal), ou substituir um governo que não geriu de forma “eficiente” a máquina do Estado, longe disso, o golpe visa garantir a continuidade da corrupção como “modus operandi” da burguesia e da política burguesa e o aprofundamento dos ajustes e reformas (trabalhista, previdenciária, aumento de impostos, etc), fazendo com que o ônus da crise recaia única e exclusivamente sobre as costas da classe trabalhadora, e da maioria esmagadora da população, aprofundando assim a recessão e a consequente depressão econômica, aumentando o desemprego e a desindustrialização do país. O Estado cada vez mais é desmantelado (cortes nas áreas sociais, de saúde, educação, etc), levando seguramente a um colapso de todo o sistema.
Se para uma parcela da sociedade, a luta contra o golpe e pelo Fora Temer confundia-se com o Fica Dilma, agora concluído o processo de impeachment delimita-se claramente quem é a favor do regime político (e consequentemente do golpe) e quem é contra esse regime e tudo que o simboliza. A contradição de que o Fora Temer significa-se ao mesmo tempo um Volta Dilma foi superado pela fria realidade dos fatos. A situação política que era sinuosa e emaranhada, vai aos poucos ficando clara para amplos setores das massas que foram iludidas pelo grande capital e seus agentes. A política de ajuste fiscal do novo governo, que visa descarregar a crise sobre a classe trabalhadora e a maioria explorada vai sendo exposta, paulatinamente, a nu, e sem nenhum pudor, diante de uma parcela da população que não tinha ainda compreendido a natureza e o caráter desse governo e nem o seu profundo significado político.

O PT (sua direção) e uma parcela significativa da esquerda, que não só capitularam como participaram de conluios e acordos espúrios com os golpistas, jogam uma cartada decisiva ao tentar amarrar a esquerda e os movimentos sociais, que apontam uma tendência independente de luta contra o regime político de conjunto, com a consigna de "eleições antecipadas" e de "frente de esquerda", utilizam-na para desviar a luta dos que tentam, lutar contra o regime político vigente. Os mesmos setores que agora defendem essa política, como se fosse uma guinada à esquerda, são os mesmo que compuseram durante décadas uma frente com a burguesia e que foram chutados e golpeados por essa mesma burguesia, enquanto faziam descer pela goela abaixo dos trabalhadores o ajuste fiscal, iniciado no governo Dilma, com Mantega e depois com Joaquim Levy.

Esses setores que agora querem uma frente, não para lutar contra o golpe, mas para desviar a tendência de luta das massas, legitimar o golpe através de eleições antecipadas, em que se legitimaria o golpe e tudo que nele foi aprovado, assim como todos os ajustes constituídos e realizados.

Antecipar as eleições visa apenas capitalizar um novo governo e logicamente realizar um ajuste mais "brando" e "flexível", com um governo "legitimado" por novas eleições, numa tentativa de "estabilizar" a crise e o regime político, evitando assim, que o governo golpista corra o "risco" de ser ele próprio "golpeado" pela reação das massas.

A legitimação do golpe através de eleições antecipadas é, em última análise, um acordo político espúrio, como foi realizado no final ditadura militar para que o governo que o sucedesse não derrubasse o regime anterior, não desmontasse o Estado e não punisse os que participaram de todo o regime golpista. As eleições visam apenas ser a garantia do acordo em que ambas as partes "esqueceriam" as pugnas anteriores e o ajuste seria aplicado às massas, de forma paulatina, em troca de um acordo de "governabilidade".

A crise que se desenvolve tem uma base material bem definida. Para os incrédulos poderíamos citar os cerca de 2 milhões de empregos que foram aniquilados com a atual crise em apenas dois anos.

A maioria explorada necessita de um programa de luta que defenda claramente os interesses da classe trabalhadora. Sob essa perspectiva é que defendemos um Congresso da Classe Trabalhadora, para debater e elaborar um programa classista, que seja organizado pela base, pelos sindicatos e pelas Centrais sindicais combativas. A organização metódica de uma greve geral para lutar contra o ajuste é, no atual momento, não só uma arma, como um laboratório de organização para toda a classe operária, e o movimento popular pelo Fora Temer, com a consequente derrubada do regime político vigente, e a constituição de um governo dos trabalhadores, independente da burocracia e da burguesia, é o caminho para a superação dessa crise. Lógico que para isso temos que dar um combate para clarificar as ideias que norteiam a nossa luta, assim como nos delimitarmos, de forma intransigente, com aqueles que defendem a política de colaboração de classe, e defender assim uma política classista.