A análise do
período atual deve considerar a gigantesca crise que estamos
passando, seu significado econômico, político e social e quais as
perspectivas que podemos ter para modificar o atual panorama para dar
uma saída a esta crise, principalmente sob o ponto de vista da
classe trabalhadora e da maioria esmagadora da população.
A crise que
vivenciamos é parte de uma crise maior, uma crise histórica do
capitalismo, que está, nitidamente, em seu período de declínio, um
período de colapso de suas relações sociais, em que a estabilidade
econômica e social já não pode ser assegurada nem mesmo nos países
imperialistas, que constituem o centro da economia mundial. Estamos
diante de uma bancarrota de todo o sistema, levando a queda de
regimes políticos inteiros, a uma crise que afeta diretamente a
União Europeia, os Estados Unidos, a China, o Japão e toda Ásia, e
consequentemente a América Latina. Sem uma análise que coloque a
crise mundial do sistema capitalista como o eixo central, como pano
de fundo, todos os grandes fatos históricos que vivenciamos no
último período perdem a sua concatenação lógica intrínseca, e
tornam-se um amálgama de crises sem sentido e nem direção.
A queda
internacional dos preços das matérias-primas é apenas mais um
episódio nessa luta, que afetou diretamente as economias nacionais
de todo o continente e abalou profundamente grande parte dos regimes
políticos do Cone Sul. Se num primeiro momento a crise mundial
desenvolveu-se e irradiou-se a partir dos EUA e da Europa, em seguida
afetou de forma inexorável toda a sociedade latino-americana, e o
Brasil, nesse contexto, sofreu uma de suas maiores crises, onde a
economia, a política e as relações sociais foram afetadas
profundamente.
Durante um longo
período, o PT desenvolveu uma política de colaboração de classes
com a burguesia, colocou os movimentos sociais, o movimento operário
(através da CUT) e seus militantes, em uma camisa de força na qual
tentava impedir qualquer tipo manifestação independente das massas
com vistas a lutar contra a opressão nacional e de classe. Seu papel
foi subordinar e arregimentar todos os movimentos sociais a reboque
de sua política de aliança com um amplo setor de frações da
burguesia e que tinha, em última análise, apenas o objetivo de
preservar e aumentar os grandes lucros do capital como um todo, e o
capital financeiro de forma particular. O próprio Lula sempre
repetiu o sermão de que "os empresários nunca ganharam tanto
dinheiro como no meu governo". Somente o lucro dos bancos foi
oito vezes maior no governo Lula do que no governo FHC, que o
precedeu (R$ 279,9 bilhões contra R$ 34,4 bi).
A crise mundial
manifestou-se no final do governo Lula e colocou em xeque os grandes
lucros e a estabilidade de todo o sistema. Um dos maiores fatores de
lucros dos bancos foi o altíssimo endividamento da população e
seus juros astronômicos. Temos, além disso, o endividamento público
do Estado como um todo, que paga uma das maiores taxas de juros
mundiais (acima de 14%). A dívida bruta brasileira já cresce em
ritmo grego. Grande parte da burguesia (não somente os bancos)
investiu nos títulos da dívida pública, não se precisa de muita
astúcia para se chegar a conclusão que um "ajuste" para
frear o déficit fiscal foi quase um instinto de sobrevivência para
a burguesia, que parasita de forma sistemática o Estado, garantir e
sustentar os seus lucros. O risco de um default (calote) por parte do
Estado ameaça os altos lucros da burguesia, nacional e
internacional, como um todo. O sistema de endividamento financeiro é
um dos combustíveis da crise.
O
PT, que sustentava um governo de colaboração de classes com uma das
frações da burguesia e do grande capital, começou a perder o
controle da economia e do poder político diante do agravamento da
crise econômica e de suas consequências. Seus sócios políticos e
econômicos foram “abandonando” o barco diante do desmoronamento
do governo e com a perda de popularidade, não só nas camadas
médias, mas principalmente nas camadas mais oprimidas. O grande
capital que parasita o Estado e que até ontem estava com o governo,
transformou-se no principal promotor de um golpe parlamentar através
do impeachment, especialmente os setores industriais paulistas
agrupados na FIESP. A burguesia e seus partidos foram abandonando
paulatinamente o PT, enquanto o golpe foi estruturando-se dentro do
próprio governo Dilma, com o PMDB e seus aliados como principais
protagonistas, liderados por Michel Temer, pelo presidente da
Câmara, Eduardo Cunha, e pelo presidente do Senado, Renan Calheiros.
Capítulo
a parte merece a frente popular de colaboração de classes, entre o
PT e os demais partidos burgueses (com PMDB e demais aliados), que
conseguiu eleger com seu aval, o que muitos consideram, o Congresso
mais reacionário de nossa República, recheado de evangélicos,
latifundiários e deputados ligados a oligarquias regionais. As
chamadas bancada BBB (boi, bíblia e bala) e do Centrão de Eduardo
Cunha, foram, em grande parte, eleitos em alianças regionais com o
PT. Políticos e deputados burgueses foram capitalizados e eleitos
através da aliança eleitoral com o Partido dos Trabalhadores e com
o PCdoB, não apenas o seu vice golpista, Michel Temer, que foi
colocado em uma posição privilegiada para a articulação do golpe,
mas também os deputados do Centrão e de boa parte da BBB, assim
como os demais partidos burgueses, que o PT acobertou em seus
ministérios, como o PSD de Kassab, entre outros, e que continuam no
poder, graças a um golpe parlamentar que constituiu-se num golpe da
burguesia como classe, com interesses definidos e apoiado claramente
pela imprensa e pela mídia burguesa.
A
possibilidade de neutralizar a Operação Lava-Jato (e outras
operações em curso), também foi um dos objetivos do golpe, já que
foi utilizada como cavalo de batalha contra o PT (que se utilizou dos
esquemas criados pelos próprios partidos burgueses), era lugar comum
que só se conseguiria abafar os "escândalos" e operações
com o impeachment contra Dilma, o PT e a conclusão do golpe
parlamentar. Vazamentos "delataram" os objetivos do golpe
antes mesmo que o golpe estivesse concluído, a realidade foi mais
fantástica do que qualquer ficção.
O
governo Temer constituiu um verdadeiro ministério de processados na
Lava-Jato e de outras operações, dando assim foro privilegiado a
vários acusados e demonstrando que há dois pesos e duas medidas,
conforme os interesses de classe, assim como em toda sociedade. Como
disse um notório político brasileiro: "aos amigos tudo, aos
inimigos a lei".
Com a conclusão do processo de impeachment no Senado, o golpe parlamentar chega ao seu último e derradeiro capítulo. O PT, que durante 13 anos governou o país numa frente de colaboração de classes com uma parcela significativa da burguesia nativa, uma frente popular, foi derrubado por essa mesma burguesia (organizada dentro do PMDB, PSD e seus partidos acólitos), e que agora se rearticulou junto com a oposição burguesa (PSDB, DEM e partidos menores).
A
burguesia unificou suas forças, momentaneamente, diante de suas
inúmeras contradições, para tomar o poder através de uma manobra,
um golpe parlamentar, que não visa de forma alguma liquidar ou
diminuir a corrupção (característica histórica da burguesia em
seu parasitismo estatal), ou substituir um governo que não geriu de
forma “eficiente” a máquina do Estado, longe disso, o golpe visa
garantir a continuidade da corrupção como “modus operandi” da
burguesia e da política burguesa e o aprofundamento dos ajustes e
reformas (trabalhista, previdenciária, aumento de impostos, etc),
fazendo com que o ônus da crise recaia única e exclusivamente sobre
as costas da classe trabalhadora, e da maioria esmagadora da
população, aprofundando assim a recessão e a consequente depressão
econômica, aumentando o desemprego e a desindustrialização do
país. O Estado cada vez mais é desmantelado (cortes nas áreas
sociais, de saúde, educação, etc), levando seguramente a um
colapso de todo o sistema.
Se
para uma parcela da sociedade, a luta contra o golpe e pelo Fora
Temer confundia-se com o Fica Dilma, agora concluído o processo de
impeachment delimita-se claramente quem é a favor do regime político
(e consequentemente do golpe) e quem é contra esse regime e tudo que
o simboliza. A contradição de que o Fora Temer significa-se ao
mesmo tempo um Volta Dilma foi superado pela fria realidade dos
fatos. A situação política que era sinuosa e emaranhada, vai aos
poucos ficando clara para amplos setores das massas que foram
iludidas pelo grande capital e seus agentes. A política de ajuste
fiscal do novo governo, que visa descarregar a crise sobre a classe
trabalhadora e a maioria explorada vai sendo exposta, paulatinamente,
a nu, e sem nenhum pudor, diante de uma parcela da população que
não tinha ainda compreendido a natureza e o caráter
desse governo e nem o seu profundo significado político.
O
PT (sua direção) e uma parcela significativa da esquerda, que não
só capitularam como participaram de conluios e acordos espúrios com
os golpistas, jogam uma cartada decisiva ao tentar amarrar a esquerda
e os movimentos sociais, que apontam uma tendência independente de
luta contra o regime político de conjunto, com a consigna de
"eleições antecipadas" e de "frente de esquerda",
utilizam-na para desviar a luta dos que tentam, lutar contra o regime
político vigente. Os mesmos setores que agora defendem essa
política, como se fosse uma guinada à esquerda, são os mesmo que
compuseram durante décadas uma frente com a burguesia e que foram chutados e golpeados por essa mesma
burguesia, enquanto faziam descer pela goela abaixo dos trabalhadores
o ajuste fiscal, iniciado no governo Dilma, com Mantega e depois com
Joaquim Levy.
Esses
setores que agora querem uma frente, não para lutar contra o golpe,
mas para desviar a tendência de luta das massas, legitimar o golpe
através de eleições antecipadas, em que se legitimaria o golpe e
tudo que nele foi aprovado, assim como todos os ajustes constituídos
e realizados.
Antecipar
as eleições visa apenas capitalizar um novo governo e logicamente
realizar um ajuste mais "brando" e "flexível",
com um governo "legitimado" por novas eleições, numa
tentativa de "estabilizar" a crise e o regime político,
evitando assim, que o governo golpista corra o "risco" de
ser ele próprio "golpeado" pela reação das massas.
A
legitimação do golpe através de eleições antecipadas é, em
última análise, um acordo político espúrio, como foi realizado no
final ditadura militar para que o governo que o sucedesse não
derrubasse o regime anterior, não desmontasse o Estado e não
punisse os que participaram de todo o regime golpista. As eleições
visam apenas ser a garantia do acordo em que ambas as partes
"esqueceriam" as pugnas anteriores e o ajuste seria
aplicado às massas, de forma paulatina, em troca de um acordo de
"governabilidade".
A
crise que se desenvolve tem uma base material bem definida. Para os
incrédulos poderíamos citar os cerca de 2 milhões de empregos que
foram aniquilados com a atual crise em apenas dois anos.
A
maioria explorada necessita de um programa de luta que defenda
claramente os interesses da classe trabalhadora. Sob essa perspectiva
é que defendemos um Congresso da Classe Trabalhadora, para debater e
elaborar um programa classista, que seja organizado pela base, pelos
sindicatos e pelas Centrais sindicais combativas. A organização
metódica de uma greve geral para lutar contra o ajuste é, no atual
momento, não só uma arma, como um laboratório de organização
para toda a classe operária, e o movimento popular pelo Fora Temer,
com a consequente derrubada do regime político vigente, e a
constituição de um governo dos trabalhadores, independente da
burocracia e da burguesia, é o caminho para a superação dessa
crise. Lógico que para isso temos que dar um combate para clarificar
as ideias que norteiam a nossa luta, assim como nos delimitarmos, de
forma intransigente, com aqueles que defendem a política de
colaboração de classe, e defender assim uma política classista.