quinta-feira, 5 de agosto de 2021

SAUDAMOS A CRIAÇÃO DA NOVA FIARI


Publicamos aqui o Manifesto por uma Nova FIARI (Federação Internacional por uma Arte Revolucionária e Independente) que foi apresentado em mais de uma língua em Live realizada no dia 31/07 com a presença de artistas do mundo inteiro.

O Agrupamento Tribuna Classista foi convidado para esta importante atividade internacionalista que pretende reavivar a luta revolucionária da independência da arte para a revolução e da revolução para a independência da arte. Saudamos esta iniciativa tomada por artistas dos mais variados campos da arte.


 MANIFESTO DA NOVA FIARI

 

            No dia 25 de julho de 1938, na cidade do México, um manifesto com análises e propostas que ainda hoje são vigentes foi redigido e divulgado por três grandes revolucionários: Léon Trotski, André Breton e Diego Rivera. Estava fundada a FIARI (Federação Internacional de Artistas Revolucionários e Independentes). 

            Hoje, 83 anos depois, vemos a necessidade de refundação do coletivo internacional, porque a luta empreendida pelos criadores da FIARI precisa ser implementada e renovada neste momento grave em que a crise do capitalismo se expressa também em uma crise das artes e da cultura em geral. 

            FIARI teve vida efêmera porque um ano após sua fundação eclodiu a 2ª Guerra Mundial e dois anos depois Trotsky foi assassinado. Em 1938 o stalinismo e o nazismo impunham a perseguição às artes com o autoritarismo e o dirigismo cultural. A nova FIARI, a que agora damos vida, quer montar barreiras e trincheiras contra a ameaça que paira em várias partes do mundo, com o avanço da extrema-direita

            No Brasil do genocida Bolsonaro, um de seus ministros acenou com intenções de dirigismo cultural, repetindo cenas patéticas de farsa, espelhadas nas trágicas ideias goebelianas. Também em outros países da América do Sul surgiu recentemente o avanço de uma onda conservadora e na Europa assistimos à ascensão de partidos de extrema-direita

            A ameaça à democracia grassa em várias partes do mundo, com projetos voltados ao nacionalismo, ao moralismo religioso, à economia neoliberal, pautados no costume, na educação e na prática cultural alienante e reacionária

            Grupos de extrema-direita se organizam dominando meios de comunicação, redes sociais, igrejas, espaços de poder, praticando o proselitismo do atraso. Usando de recursos infâmes como a mentira, as chamadas “fake news”, e o revisionismo histórico –inclusive no que concerne à história das artes, e em especial à história da música– esses agrupamentos nos ameaçam. Hoje nos cabe repetir a denúncia que Bréton, Rivera e Trotsky fizeram em 1938, com relação a esses grupos que baixam no mundo um “crepúsculo de abjeção e de sangue no qual, disfarçados de intelectuais e de artistas, chafurdam homens que fizeram do servilismo um trampolim, da apostasia um jogo perverso, do falso testemunho venal um hábito e da apologia do crime um prazer”. 

            “Ao defendermos a liberdade de criação, não pretendemos absolutamente justificar o indiferentismo político e longe está de nosso pensamento querer ressuscitar uma arte dita ‘pura’ que de ordinário serve aos objetivos mais do que impuros da reação. Temos um conceito muito elevado da função da arte para negar sua influência sobre o destino da sociedade. Consideramos que a tarefa suprema da arte em nossa época é participar consciente e ativamente da preparação da revolução. No entanto, o artista só pode servir à luta emancipadora quando está compenetrado subjetivamente de seu conteúdo social e individual, quando faz passar por seus nervos o sentido e o drama dessa luta e quando procura livremente dar uma encarnação artística a seu mundo interior.” 

            O imperialismo, o negacionismo, a xenofobia, a intolerância e o fanatismo são algumas das manifestações das forças de extrema direita que ameaçam a paz, a liberdade, a autodeterminação dos povos e também a arte e os bens culturais da humanidade. O nosso repúdio se estende ao gesto hediondo de se destruir uma obra de arte, às guerras e aos crimes nelas cometidos: hoje a destruição deliberada de um bem ou patrimônio cultural durante uma guerra, é considerada como um mero “crime de guerra”. Defendemos a tese e proposta de que esse tipo de ação passe a ser caracterizado, pelo Tribunal Penal Internacional, como “crime contra a humanidade”. Isso dará mais ênfase à gravidade dos atos contra os bens culturais, por se constituírem em verdadeiras ações perniciosas que ferem diretamente a essência da dignidade da pessoa humana. 

            O luxo, o consumo e a ostentação que o universo burguês copiou da aristocracia se constituem em outra ameaça à liberdade na criação artística. O lucro desenfreado, tratado como lógica do progresso, deve ser repudiado. Os interesses mercadológicos da ideologia capitalista, que se revelam no consumismo, provocam a degradação das relações sociais que, por sua vez, compromete o processo de fruição da arte e o interesse pelas novas e revolucionárias propostas artísticas. A obtenção de lucro, desesperadamente buscada pelos donos dos meios de produção, provocam a alienação e a onomania do consumidor. Assim, o supérfluo, a banalidade, o simplório e a mediocridade, presentes na cultura de massas imposta pela indústria da cultura com seu forte poder mercadológico de persuasão, ocupam integralmente o lugar da real satisfação das necessidades. 

          A postura utilitarista na sociedade capitalista determina que aquilo que não gera lucro é inútil para o capital e, portanto, totalmente desnecessário. O capital não tem o menor interesse em erradicar as causas do sofrimento do homem. Assim, os impactos ambientais são sempre difíceis de ser evitados e combatidos porque os grandes grupos econômicos ganham muito com eles. 

            Nesse mesmo cenário não é só o planeta que é vilipendiado, explorado e destruído: o bem estar, a vida humana e a vida de todas as espécies são ameaçadas. Neste momento de pandemia, em que um vírus dizima milhões de seres humanos, a ciência avança rapidamente e, com ela, também a indústria farmacêutica. É hora de nosso combate se voltar à luta pela quebra de patentes para que a vacina passe a ser acessível a toda a humanidade com a maior urgência possível. 

            A nova FIARI busca uma aliança mundial de artistas independentes preocupados com a civilização, com a vida, com a liberdade de expressão e de criação artística, combatendo qualquer tipo de controle e de barreira à arte e à cultura, e também toda e qualquer forma de autoritarismo e dirigismo. 

            Vemo-nos ameaçados pelo capitalismo e pela indústria da cultura que pretendem reduzir a arte a um mero serviçal do capital. Mas ao repudiarmos o capitalismo liberticida e reivindicarmo-nos socialistas, repudiaremos também qualquer projeto de socialismo autoritário

            É urgente a necessidade de os trabalhadores progressistas da área artística se agruparem em uma organização internacionalista, posicionando-se contra posições ideológicas que infelizmente ainda encontramos no ambiente da produção artística, tais como o esnobismo, o sectarismo e o individualismo. 

            As contradições da luta de classes se escancaram no mundo. A ideologia da classe dominante avança sobre os artistas, e não só sobre as obras de arte, tentando massacrar integridades intelectuais, emocionais e criativas. 

            Buscando a emancipação da humanidade e a proteção do planeta Terra, reconhecemos que a arte é questão estratégica nesse mister. Aqueles propósitos só podem ser alcançados com nossa organização revolucionária e internacionalista, praticando e preconizando a verdadeira arte: aquela que não se resume à mera introdução de variações em modelos pré-fabricados, mas que busca expressar os sonhos interiores do homem e da humanidade de nossos dias, ou seja, uma arte revolucionária. 

            As teses da FIARI continuam atuais. Precisamos atualizá-las porque hoje é enorme a quantidade de jovens que buscam a arte como meio de expressão, e não como simples fazer divertido e decorativo. As novas gerações hão de identificar a produção artística como meio de comprometimento com o sentir e o pensar de seu tempo e de sua história. Reverberando, hoje, as ideias da FIARI, oferecemos ferramentas para que artistas, organizados, se reconheçam como trabalhadores que, mesmo com suas especificidades, têm os mesmos problemas que todos os outros trabalhadores. 

            A independência e o compromisso com os problemas da humanidade são condições imprescindíveis para o processo de criação artística em que a imaginação não fica atrelada a constrangimentos e  fórmulas. 

            O inimigos da arte revolucionária estão à espreita. O avanço tecnológico, em especial a robótica, tende a provocar o fim de várias profissões, tornando possível a diminuição da jornada de trabalho do ser humano. A automação do trabalho intelectual prevalecerá. Assim, o tempo dedicado ao lazer deverá ser maior num futuro próximo. De que modo o homem usará seu tempo livre?  

               A escola tem servido para produzir e educar consumidores, em vez de formar cidadãos. O avanço da extrema direita nas instâncias de poder tende a agravar esse problema. A imaginação, a capacidade de crítica e de opção vêm sendo atrofiadas. Os meios de lazer, entretenimento, a arte vulgarizada, a falsa-arte, ofertados pela indústria da cultura, vêm emburrecendo populações. 

               A educação sempre se preocupou em bem formar o indivíduo para o trabalho: agora será preciso que ela também se ocupe de formar o indivíduo para o lazer. 

            O objetivo do presente manifesto é encontrar um terreno para reunir todos os defensores revolucionários da arte, para servir a revolução pelos métodos da arte e defender a própria liberdade da arte contra os usurpadores dos poderes. Milhares e milhares de pensadores e de artistas isolados, cujas vozes são encobertas pelo tumulto odioso dos falsificadores arregimentados, estão atualmente dispersos no mundo. Numerosas pequenas ações locais tentam agrupar à sua volta forças jovens, que procuram vias novas e não subvenções.  

            A arte revolucionária independente deve unir-se para a luta contra as perseguições reacionárias e proclamar bem alto seu direito à existência. Uma tal união é o objetivo da Federação Internacional da Arte Revolucionária Independente (FIARI) que julgamos necessário recriar.  

            Não temos absolutamente a intenção de impor cada uma das ideias contidas neste manifesto, que nós mesmos consideramos apenas um primeiro passo na nova via. A todos os representantes da arte, a todos seus amigos e defensores que não podem deixar de compreender a necessidade do presente manifesto, pedimos que ergam a voz imediatamente. Endereçamos o mesmo apelo a todas as publicações independentes de esquerda que estão prontas a tomar parte na criação da Federação Internacional e no exame de suas tarefas e métodos de ação. 

             Quando os primeiros contatos internacionais tiverem sido estabelecidos pela imprensa, pela correspondência, pelas redes sociais, procederemos à organização de modestos congressos locais e nacionais, exposições, concertos, publicações. Na etapa seguinte deveremos nos reunir em um congresso mundial que consagrará oficialmente a refundação da Federação Internacional. 

            O que queremos: 

            - a independência da arte para a revolução, e a revolução para a liberação definitiva da arte; 

            uma cultura livre de opressão e de vigilância; 

            - um educação livre das regras do mercado e da vigilância, fomentando ideias; 

            - o repudio à lógica do capitalismo de vigilância; 

            - o repúdio à submissão ao mercado; 

            - o repúdio à cultura dominante de vigilância; 

            - o repúdio ao lucro como lógica do progresso; 

             a arte e a cultura livres, independentes e plurais; 

            - uma dimensão ritualística da arte, que inclua a cura, a estética e todos os aspectos mágicos e míticos; 

            - uma epistemologia que inclua arte e ciência, e que se estenda às dimensões do saber ancestral dos povos originários; 

            - a libertação completa, por uma arte rebelde; 

            - a categorização como “crimes contra a humanidade” para as ações de destruição deliberada de bens e patrimônios culturais; 

            - a quebra de patentes de insumos de vacinas contra a covid-19 agora, e sempre que a humanidade for ameaçada por novas pandemias. 

 

Paris,  ….. de junho de 2021 

 

Jorge Antunes (Brasil) 

Luca Forcucci (Suiça) 

Eugénie Kuffler (França)