terça-feira, 12 de maio de 2020

"SEM TEORIA REVOLUCIONÁRIA NÃO HÁ MOVIMENTO REVOLUCIONÁRIO"

O AGRUPAMENTO TRIBUNA CLASSISTA CONVIDA





A Doutrina EconÔmica de Marx
Lênin


"O objetivo final desta obra, diz Marx no seu prefácio de O Capital, é descobrir a lei econômica do movimento da sociedade moderna", isto é, da sociedade capitalista, da sociedade burguesa. O estudo das relações de produção de uma sociedade historicamente determinada e concreta no seu nascimento, desenvolvimento e declínio, tal é o conteúdo da doutrina econômica de Marx. O que domina na sociedade capitalista é a produção de mercadorias; por isso a análise de Marx começa pela análise da mercadoria.

O Valor


A mercadoria é, em primeiro lugar, uma coisa que satisfaz uma qualquer necessidade do homem; em segundo lugar, é uma coisa que se pode trocar por outra. A utilidade de uma coisa faz dela um valor de uso. O valor de troca (ou simplesmente o valor) é, em primeiro lugar, a relação, a proporção na troca de um certo número de valores de uso de uma espécie contra um certo número de valores de uso de outra espécie. A experiência quotidiana mostra-nos que, através de milhões, de milhares de milhões de trocas deste tipo se comparam incessantemente os valores de uso mais diversos e mais díspares. Que há de comum entre estas coisas diferentes, que são tornadas constantemente equivalentes num determinado sistema de relações sociais? O que elas têm de comum é serem produtos do trabalho. Trocando os seus produtos, os homens criam relações de equivalência entre os mais diferentes gêneros de trabalho. A produção das mercadorias é um sistema de relações sociais no qual os diversos produtores criam produtos variados (divisão social do trabalho) e em que todos estes produtos se equiparam uns aos outros na troca. Por conseguinte, o que é comum a todas as mercadorias não é o trabalho concreto de um ramo de produção determinado, não é um trabalho de um gênero particular, mas o trabalho humano abstrato, o trabalho humano em geral. Numa dada sociedade, toda a força de trabalho representada pela soma dos valores de todas as mercadorias constitui uma só e mesma força de trabalho humano; milhares de milhões de atos de troca o demonstram. Cada mercadoria considerada isoladamente não representa portanto senão uma certa parte do tempo de trabalho socialmente necessário. A grandeza do valor é determinada pela quantidade de trabalho socialmente necessário ou pelo tempo de trabalho socialmente necessário para a produção de determinada mercadoria, de determinado valor de uso. "Ao equiparar os seus diversos produtos na troca como valores, os homens equiparam os seus diversos trabalhos como trabalho humano. Não se dão conta, mas fazem-no." O valor é uma relação entre duas pessoas, disse um velho economista; mas deveria acrescentar: uma relação entre pessoas escondida sob a envoltura das coisas. Só partindo do sistema de relações sociais de produção de uma formação histórica determinada, relações que se manifestam na troca, fenômeno generalizado que se repete milhares de milhões de vezes, é que se pode compreender o que é o valor. "Como valores, todas as mercadorias são apenas quantidades determinadas de tempo de trabalho cristalizado."

 Depois de uma análise detalhada do duplo carácter do trabalho incorporado nas mercadorias, Marx passa à análise da forma do valor e do dinheiro. A principal tarefa que Marx se atribui é investigar a origem da forma dinheiro do valor, estudar o processo histórico do desenvolvimento da troca, começando pelos atos de troca particulares e fortuitos (forma simples, particular ou acidental do valor: uma quantidade determinada de uma mercadoria é trocada por uma quantidade determinada de outra mercadoria), para passar à forma geral do valor, quando várias mercadorias diferentes são trocadas por outra mercadoria determinada e concreta sempre a mesma, e acabar na forma dinheiro do valor, quando o ouro se torna esta mercadoria determinada, o equivalente geral. Produto supremo do desenvolvimento da troca e da produção de mercadorias, o dinheiro encobre e dissimula o carácter social dos trabalhos parciais, a ligação social entre diversos produtores unidos uns aos outros pelo mercado. Marx submete a uma análise extremamente minuciosa as diversas funções do dinheiro, e é especialmente importante notar que também aqui (como nos primeiros capítulos de O Capital) a forma abstrata de exposição que, por vezes, parece puramente dedutiva, reproduz na realidade uma documentação imensamente rica sobre a história do desenvolvimento da troca e da produção de mercadorias. "O dinheiro supõe certo nível de troca de mercadorias. As formas particulares do dinheiro, simples equivalente de mercadorias, meio de circulação, meio de pagamento, tesouro ou dinheiro universal, indicam, conforme o diferente alcance e a preponderância relativa de uma dessas funções, graus muito diversos do processo social de produção" (O Capital, I)

A Mais Valia

Num certo grau do desenvolvimento da produção de mercadorias, o dinheiro transforma-se em capital. A fórmula da circulação de mercadorias era: M (mercadoria) - D (dinheiro) - M (mercadoria), isto é, venda de uma mercadoria para a compra de outra. Pelo contrário, a fórmula geral do capital é: D - M - D, isto é, compra para a venda (com lucro). E a este acréscimo do valor primitivo do dinheiro posto em circulação que Marx chama mais-valia. Este "acréscimo" do dinheiro na circulação capitalista é um facto conhecido de todos. E precisamente este "acréscimo" que transforma o dinheiro em capital, ou seja, numa relação social de produção historicamente determinada. A mais-valia não pode provir da circulação das mercadorias, porque esta só conhece a troca de equivalentes, nem tão pouco pode provir de um aumento dos preços porque as perdas e os lucros recíprocos dos compradores e dos vendedores equilibrar-se-iam; trata-se de um fenômeno social médio, generalizado, e não de um fenômeno individual. Para obter a mais-valia "seria preciso que o possuidor do dinheiro descobrisse no mercado uma mercadoria cujo valor de uso fosse dotado da propriedade singular de ser fonte de valor", uma mercadoria cujo processo de consumo fosse, ao mesmo tempo, um processo de criação de valor. E esta mercadoria existe: é a força de trabalho humana. O seu uso é o trabalho, e o trabalho cria valor. O possuidor de dinheiro compra a força de trabalho pelo seu valor, que, como o de qualquer outra mercadoria, é determinado pelo tempo de trabalho socialmente necessário para a sua produção (isto é, pelo custo da manutenção do operário e da sua família). 

Tendo comprado a força de trabalho, o possuidor do dinheiro fica com o direito de a consumir, isto é, de a obrigar a trabalhar durante um dia inteiro, suponhamos durante doze horas. Mas em seis horas (tempo de trabalho "necessário"), o operário cria um produto que cobre as despesas da sua manutenção, e durante as outras seis horas (tempo de trabalho "suplementar"), cria um "sobreproduto" não retribuído pelo capitalista, que constitui a mais-valia. Por conseguinte, do ponto de vista do processo de produção é necessário distinguir duas partes do capital: o capital constante, investido nos meios de produção (máquinas, instrumentos de trabalho, matérias-primas, etc.), cujo valor passa sem modificação (de uma só vez ou por partes) para o produto acabado, e o capital variável, que é investido para pagar a força de trabalho. O valor deste capital não se conserva invariável; antes aumenta no processo do trabalho, criando mais-valia. Assim, para exprimir o grau de exploração da força de trabalho pelo capital temos de comparar a mais-valia não com o capital total, mas unicamente com o capital variável. A taxa de mais-valia, nome dado por Marx a essa relação, seria, no nosso exemplo, de 6/6 ou de 100%.

A condição histórica para o aparecimento do capital reside, em primeiro lugar, na acumulação de uma certa soma de dinheiro nas mãos de certas pessoas num estádio de desenvolvimento da produção de mercadorias em geral já relativamente elevado; em segundo lugar, na existência de operários "livres" sob dois aspectos - livres de quaisquer entraves ou restrições para venderem a sua força de trabalho, e livres por não terem terras nem meios de produção em geral -, de operários sem qualquer propriedade, de operários-"proletários" que não podem subsistir senão vendendo a sua força de trabalho.

O aumento da mais-valia é possível graças a dois processos fundamentais: o prolongamento da jornada de trabalho ("mais-valia absoluta") e a redução do tempo de trabalho necessário ("mais-valia relativa"). Marx, analisando o primeiro processo, traça um quadro grandioso da luta da classe operária pela redução da jornada de trabalho e da intervenção do poder de Estado primeiro para a prolongar (séculos XIV a XVII) e depois para a diminuir (legislação fabril do século XIX). Depois da publicação de O Capital, a história do movimento operário, em todos os países civilizados do mundo, forneceu milhares e milhares de novos factos que ilustram esse quadro.

Na sua análise da produção da mais-valia relativa, Marx estuda as três etapas históricas fundamentais no processo de intensificação da produtividade do trabalho pelo capitalismo: 1 - cooperação simples; 2 - a divisão do trabalho e a manufactura; 3 - as máquinas e a grande indústria. A profundidade com que a análise de Marx revela os traços fundamentais e típicos do desenvolvimento do capitalismo aparece, entre outras coisas, no facto de o estudo da chamada indústria artesanal russa fornecer materiais muito abundantes para ilustrar as duas primeiras dessas três etapas. Quanto à ação revolucionadora da grande indústria mecanizada, descrita por Marx em 1867, manifestou-se, durante o meio século decorrido desde então, em vários países "novos" (Rússia, Japão, etc.).

Continuemos. O que há de novo e extremamente importante em Marx é a análise da acumulação do capital, isto é, da transformação de uma parte da mais-valia em capital e do seu emprego não para satisfazer as necessidades pessoais ou os caprichos do capitalista, mas para voltar a produzir. Marx assinalou o erro de toda a economia política clássica anterior (desde Adam Smith), segundo a qual toda a mais-valia que se convertia em capital passava a fazer parte do capital variável. Enquanto, na realidade, ela se decompõe em meios de produção e em capital variável. O crescimento mais rápido da parte do capital constante (no montante total do capital) em relação à parte do capital variável tem, no processo de desenvolvimento do capitalismo e da sua transformação em socialismo, uma importância primordial.

Acelerando a substituição dos operários pelas máquinas e criando a riqueza num pólo e a miséria no outro, a acumulação do capital gera assim o chamado "exército de reserva do trabalho", o "excedente relativo" de operários ou "superpopulação capitalista", que se reveste de formas extremamente variadas e dá ao capital a possibilidade de ampliar muito rapidamente a produção. Esta possibilidade, combinada com o crédito e a acumulação de capital em meios de produção, dá-nos, entre outras coisas, a explicação das crises de superprodução que aparecem periodicamente nos países capitalistas, a princípio aproximadamente de dez em dez anos, depois com intervalos menos próximos e menos fixos. Impõe-se a distinção entre a acumulação do capital na base do capitalismo e a chamada acumulação primitiva, quando se desapossa violentamente o trabalhador dos meios de produção, se expulsa o camponês das suas terras, se roubam as terras comunais, e imperam o sistema colonial e o sistema das dívidas públicas, as tarifas alfandegárias protecionistas, etc. A "acumulação primitiva" cria, num pólo, o proletário "livre", no outro, o detentor do dinheiro, o capitalista.

A "tendência histórica da acumulação capitalista" é caracterizada por Marx nestes termos célebres: "A expropriação dos produtores diretos faz-se com o vandalismo mais impiedoso e sob a pressão das paixões mais infames, mais ignóbeis, mesquinhas e odiosas. A propriedade privada, ganha com o trabalho pessoal" (do camponês e do artesão), "e que o indivíduo livre criou, identificando-se de certo modo com os instrumentos e as condições do seu trabalho, é substituída pela propriedade privada capitalista que assenta na exploração do trabalho de outrem, o qual não tem mais que uma aparência de liberdade ... O que se trata agora de expropriar não é já o operário que explora ele próprio a sua própria propriedade, mas o capitalista que explora numerosos operários. Esta expropriação efetua-se pelo jogo das leis imanentes da própria produção capitalista, pela centralização dos capitais. Cada capitalista mata muitos outros. E paralelamente a esta centralização, isto é, à expropriação de muitos capitalistas por alguns, desenvolve-se, numa escala cada vez maior e mais ampla, a forma cooperativa do processo de trabalho, desenvolve-se a aplicação técnica consciente da ciência, a exploração sistemática do solo, a transformação dos meios de trabalho em meios que não podem ser utilizados senão em comum, a economia de todos os meios de produção pela sua utilização como meios de produção de um trabalho social combinado, a incorporação de todos os povos na rede do mercado mundial e, por conseguinte, o carácter internacional do regime capitalista. À medida que diminui constantemente o número dos magnatas do capital, que usurpam e monopolizam todas as vantagens deste processo de transformação, cresce no seu conjunto a miséria, a opressão, a escravidão, a degeneração, a exploração; mas também aumenta, ao mesmo tempo, a revolta da classe operária, que é instruída, unida e organizada pelo próprio mecanismo do processo de produção capitalista. O monopólio do capital torna-se o entrave do modo de produção que se desenvolveu com ele e graças a ele. A centralização dos meios de produção e a socialização do trabalho chegam a um ponto em que se tornam incompatíveis com o seu invólucro capitalista, que acaba por rebentar. Soa a última hora da propriedade privada capitalista. Os expropriadores são por sua vez expropriados."(O Capital, I ).

Outro ponto extraordinariamente importante e novo é a análise feita por Marx no tomo II de O Capital da reprodução do capital social tomado no seu conjunto. Também aqui, ele considera não um fenômeno individual, mas um fenômeno geral, não uma fracção da economia social, mas a economia na sua totalidade. Corrigindo o erro atrás mencionado dos economistas clássicos, Marx divide toda a produção social em duas grandes secções: (I) produção de meios de produção e (II) produção de artigos de consumo; e examina em pormenor, com o apoio de dados numéricos, a circulação do capital social no seu conjunto, tanto na reprodução simples como na acumulação. No tomo III de O Capital resolve-se, de acordo com a lei do valor, o problema da formação da taxa média de lucro. Um imenso progresso foi alcançado na ciência econômica pelo facto de a análise de Marx partir de fenômenos econômicos gerais, do conjunto da economia social, e não de casos isolados ou das manifestações superficiais da concorrência, aos quais se limita geralmente a economia política vulgar ou a moderna "teoria da utilidade marginal". Marx analisa primeiro a origem da mais-valia e passa em seguida à sua decomposição em lucro, juro e renda da terra. O lucro é a relação entre a mais-valia e o conjunto do capital investido numa empresa. O capital de "elevada composição orgânica" (isto é, em que o capital constante ultrapassa o capital variável em proporções superiores à média social) dá uma taxa de lucro inferior à média. O capital de "baixa composição orgânica" dá uma taxa de lucro superior à média. A concorrência entre os capitais, a sua livre passagem de um ramo para outro, reduzem, em ambos os casos, a taxa de lucro à taxa média. A soma dos valores de todas as mercadorias numa dada sociedade coincide com a soma dos preços das mercadorias, mas, em cada empresa e em cada ramo de produção tomado à parte, sob influência da concorrência, as mercadorias são vendidas não pelo seu valor, mas pelo preço de produção, que é igual ao capital investido, mais o lucro médio.

Assim, a diferença entre o preço e o valor e a igualização do lucro, factos incontestáveis e conhecidos de todos, são perfeitamente explicados por Marx com base na lei do valor, porque a soma dos valores de todas as mercadorias coincide com a soma dos seus preços. Mas a redução do valor (social) aos preços (individuais) não se dá de forma simples e direta; segue uma via muito complicada; é absolutamente natural que, numa sociedade de produtores de mercadorias dispersos, apenas ligados uns aos outros pelo mercado, as leis que regem essa sociedade não possam exprimir-se senão através de resultados médios, sociais, gerais, pela compensação recíproca dos desvios individuais num ou noutro sentido.

O aumento da produtividade do trabalho significa um crescimento mais rápido do capital constante em relação ao capital variável. Ora, sendo a mais-valia função apenas do capital variável, compreende-se que a taxa de lucro (a relação entre a mais-valia e todo o capital, e não apenas entre a mais-valia e a parte variável do capital) tenha tendência para baixar. Marx analisa minuciosamente esta tendência, assim como as diversas circunstâncias que a ocultam ou a contrariam. Sem nos determos na exposição dos interessantíssimos capítulos do tomo III, consagrados ao capital usurário, ao capital comercial e ao capital-dinheiro, abordaremos o essencial: a teoria da renda da terra. Sendo a superfície do solo limitada e estando, nos países capitalistas, inteiramente ocupada por proprietários particulares, o custo de produção dos produtos da terra é determinado pelos gastos de produção, não nos terrenos de qualidade média, mas nos da pior qualidade, e pelas condições de transporte (não médias, mas pelas mais desfavoráveis) dos produtos para o mercado. A diferença entre este preço e o preço de produção num terreno de qualidade superior (ou em melhores condições) constitui a renda diferencial. Graças a uma análise pormenorizada desta renda, em que demonstra que ela provém da diferença da fertilidade dos terrenos e da diferença dos capitais investidos na cultura, Marx põe em evidência (ver igualmente as Teorias da Mais-Valia, onde a crítica a Rodbertus merece uma atenção particular) o erro de Ricardo ao pretender que a renda diferencial só se obtém pela conversão gradual dos melhores terrenos em terrenos de qualidade inferior. Pelo contrário, transformações inversas produzem-se igualmente: terrenos de uma categoria transformam-se em terrenos de outra categoria (em virtude do progresso da técnica agrícola, do crescimento das cidades, etc.) e a famosa "lei da fertilidade decrescente do solo" é um profundo erro que atribui à natureza os defeitos, as limitações e as contradições do capitalismo. Além disso, a igualdade do lucro, em todos os ramos da indústria e da economia nacional em geral, supõe uma liberdade completa de concorrência, a liberdade de transferir o capital de um ramo para outro. Mas a propriedade privada da terra cria um monopólio que é um obstáculo a essa livre transferência. Devido a esse monopólio, os produtos de uma agricultura que se distingue por uma baixa composição orgânica do capital e que, por conseguinte, dá uma taxa de lucro individual mais elevada, não entram no livre jogo de igualização da taxa de lucro: o proprietário agrícola, que detém o monopólio da terra, pode manter o preço acima da média; este preço de monopólio dá origem à renda absoluta. A renda diferencial não pode ser abolida em regime capitalista; mas, ao contrário, a renda absoluta pode sê-lo, por exemplo, com a nacionalização da terra quando esta passa a propriedade do Estado. Esta passagem da terra para o Estado significaria a supressão do monopólio dos proprietários agrícolas, uma liberdade de concorrência mais consequente e mais completa na agricultura. E por isso que, diz Marx, os burgueses radicais, mais do que uma vez na história, formularam esta reivindicação burguesa progressiva da nacionalização da terra que todavia apavora a maior parte da burguesia, porque "toca" de demasiado perto um outro monopólio que atualmente é muito mais importante e "sensível": o monopólio dos meios de produção em geral. (Esta teoria do lucro médio sobre o capital e da renda absoluta da terra foi exposta por Marx numa linguagem extraordinariamente popular, concisa e clara na sua carta a Engels de 2 de Agosto de 1862. Ver Correspondência, t. III, pp. 77-81. Ver também a sua carta de 9 de Agosto de 1862, ibid, pp. 86-87). Importa igualmente assinalar, na história da renda da terra, a análise em que Marx demonstra a transformação da renda em trabalho (quando o camponês, trabalhando na terra do senhor, cria um sobreproduto) em renda em produtos ou renda em espécie (quando o camponês cria na sua própria terra um sobreproduto que entrega ao proprietário em virtude de uma "coerção extra-econômica"), depois em renda em dinheiro (que é a renda em espécie transformada em dinheiro - na Rússia antiga o obrok - em virtude do desenvolvimento da produção de mercadorias) e, finalmente, em renda capitalista quando o camponês é substituído pelo empresário agrícola, que cultiva a terra com a ajuda do trabalho assalariado. Relativamente a esta análise da "gênese da renda capitalista da terra", notemos uma série de ideias profundas de Marx (particularmente importantes para os países atrasados, tais como a Rússia) sobre a evolução do capitalismo na agricultura. "Com a transformação da renda em espécie em renda em dinheiro constitui-se necessariamente, ao mesmo tempo, e mesmo anteriormente, uma classe de jornaleiros não possuidores que trabalham a troco de um salário. Enquanto esta classe se constitui e enquanto se manifesta apenas esporadicamente, os camponeses abastados, sujeitos ao pagamento de uma renda, adquirem naturalmente o hábito de explorar por sua própria conta assalariados agrícolas, assim como no regime feudal os servos abastados tinham por sua vez outros servos ao seu serviço. Daqui resultou para eles a possibilidade de juntar, pouco a pouco, uma certa fortuna e de se transformarem em futuros capitalistas. Entre os antigos possuidores da terra que a exploram independentemente, cria-se assim um viveiro de rendeiros capitalistas, cujo desenvolvimento é condicionado pelo desenvolvimento geral da produção capitalista fora da agricultura” (O Capital, III, p. 332). "A expropriação e a expulsão da aldeia de uma parte da população camponesa não só "libertam" para o capital industrial os operários, os seus meios de subsistência e os seus instrumentos de trabalho, como lhe criam, além disso, o mercado interno" (O Capital, I, p. 778). A pauperização e a ruína da população camponesa influem, por sua vez, na formação do exército de reserva do trabalho para o capital. Em todos os países capitalistas, "uma parte da população dos campos está constantemente em vias de transformar-se em população urbana ou manufatureira (isto é, não agrícola). Esta fonte de superpopulação relativa corre continuamente ... Por conseguinte, o operário agrícola está reduzido ao mínimo de salário e tem sempre um pé no pântano do pauperismo" (O Capital, I, p. 668). A propriedade privada do camponês da terra que ele próprio cultiva constitui a base da pequena produção, a condição da sua prosperidade e do seu desenvolvimento na forma clássica. Mas esta pequena produção só é compatível com um quadro estreito, primitivo, da produção e da sociedade. Em regime capitalista, "a exploração dos camponeses só pela forma se distingue da exploração do proletariado industrial. O explorador é o mesmo: o capital. Os capitalistas tomados isoladamente exploram os camponeses isoladamente pela hipoteca e a usura. A classe capitalista explora a classe camponesa por meio dos impostos do Estado" (As Lutas de Classes em França). "A parcela do camponês já não é mais do que o pretexto que permite ao capitalista tirar da terra lucro, juro e renda e deixar ao próprio camponês a preocupação de arranjar como puder o seu salário" (O 18 Brumário). Normalmente, o camponês entrega mesmo à sociedade capitalista, isto é, à classe capitalista, uma parte do seu salário e desce assim "ao nível do rendeiro irlandês, tudo isto sob a aparência de proprietário privado" (As Lutas de Classes em França). Qual é "uma das razões que fazem com que, nos países em que a propriedade parcelaria predomina, o preço do trigo seja menos elevado que nos países de modo de produção capitalista?” (O Capital, III, p. 340). É que o camponês entrega gratuitamente à sociedade (isto é, à classe capitalista) uma parte do sobreproduto. "Estes baixos preços (do trigo e dos outros produtos agrícolas) resultam, portanto, da pobreza dos produtores, e não da produtividade do seu trabalho" (O Capital, t. III, p. 340). Em regime capitalista, a pequena propriedade agrícola, forma normal da pequena produção, degrada-se, é destruída e desaparece. "Pela sua natureza, a propriedade parcelaria é incompatível com o desenvolvimento das forças produtivas sociais do trabalho, as formas sociais do trabalho, a concentração social dos capitais, a criação de gado em grande escala, a utilização progressiva da ciência. A usura e o sistema fiscal arruínam-na necessariamente em toda à parte. O capital investido na compra da terra é subtraído ao cultivo." Dispersão infinita dos meios de produção e disseminação dos próprios produtores. (As cooperativas, isto é, as associações de pequenos camponeses, que desempenham um extraordinário papel progressivo burguês, só podem atenuar esta tendência, sem entretanto a suprimir; é preciso não esquecer também que estas cooperativas dão muito aos camponeses abastados, mas muito pouco ou quase nada à massa dos camponeses pobres, e que tais associações acabam por explorar elas próprias o trabalho assalariado.) "Desperdício enorme de força humana. A deterioração progressiva das condições de produção e o encarecimento dos meios de produção são a lei necessária da propriedade parcelaria.". Na agricultura como na indústria, a transformação capitalista da produção produz-se ao preço do "martirológio dos produtores". "A disseminação dos operários agrícolas em grandes extensões quebra a sua força de resistência, enquanto a concentração aumenta a dos operários das cidades. Tal como na indústria moderna, o aumento da força produtiva e a mais rápida mobilização do trabalho na agricultura capitalista moderna só se obtêm pela destruição e esgotamento da própria força de trabalho. Além disso, todo o progresso da agricultura capitalista não é apenas um progresso da arte de esgotar o operário, mas também de esgotar o solo ... A produção capitalista não desenvolve portanto a técnica e a combinação do processo social de produção senão desgastando, ao mesmo tempo, as fontes de toda a riqueza: a terra e o operário." (O Capital, I, fim do 13.º capítulo.)