terça-feira, 9 de março de 2021

Brasil: luz verde para Lula?

Extraído e traduzido do site prensaobrera.com publicado pelo Partido Obrero da Argentina


 

Sobre a decisão do juiz Edson Fachin.

                                                                                                     Por Gustavo Montenegro


O juiz Edson Fachin, do Supremo Tribunal Federal, declarou incompetente a Justiça Federal de Curitiba, que era liderada por Sergio Moro, nos processos que tramitam contra Lula por corrupção, e ordenou que fossem transferidos para o foro do Distrito Federal, Brasília, onde um juiz deve decidir se as condenações contra o ex-presidente são válidas ou não. A Procuradoria-Geral da República antecipou que irá recorrer da decisão, que poderá novamente levar a questão à mais alta instância (desta vez, aos seus onze membros, ou a uma das suas câmaras).

Por enquanto, a decisão do juiz Fachin permite que o ex-presidente seja candidato nas eleições de 2022. Lula é acusado de receber "favores" pessoais - quando era presidente- de empreiteiras em troca de contratos, no âmbito do megaprocesso conhecido como Lava Jato, que envolve os principais partidos e a burguesia brasileira em um esquema de superfaturamento e suborno em obras públicas. Todo esse processo judicial, no entanto, foi caracterizado por sua opacidade e seletividade. Assim, serviu de base para a prisão e, de imediato, para o banimento político de Lula, que não pôde ser candidato nas eleições de 2018, nas quais foi substituído por Fernando Haddad.

A Lava Jato vem sofrendo graves contratempos. No início de fevereiro, a unidade judicial dedicada ao caso foi dissolvida. E o juiz Moro foi fortemente questionado quando as investigações do site The Intercept mostraram seu viés e os rumos do caso. O próprio Moro, por sua vez, bateu a porta do Ministério da Justiça em abril do ano passado, em meio a uma disputa com Bolsonaro, a quem acusou de deslocar um chefe da Polícia Federal para bloquear as investigações contra seus filhos.

A decisão de Fachin ocorre em um momento crítico da situação brasileira, devido a uma péssima gestão da Covid-19 por parte de Bolsonaro (que, como Trump, tinha uma abordagem negativista da pandemia) e dos governos estaduais, que levaram o país ao colapso sanitário . Em Manaus, faltaram tubos de oxigênio para os infectados e valas comuns foram construídas diretamente no ano passado. As UTIs (Unidades de Terapias Intensivas) de Porto Alegre estão 100% superlotadas  e os médicos devem decidir quem deixar morrer. Vários outros Estados estão saturados, incluindo São Paulo. E reclamações desse tipo estão chovendo de todos os lados.

Além disso, a pandemia agravou a situação social, com demissões e suspensões e aumento da pobreza. Bolsonaro tentou aliviar essa situação por meio de uma assistência social de emergência totalmente limitada. A popularidade do presidente caiu para 28%, consumindo a pequena recuperação que teve alguns meses atrás.

A economia brasileira sofreu uma contração de 4% em 2020 (a maior em 25 anos) e os curtos-circuitos entre Bolsonaro e o “super ministro” da economia, Paulo Guedes, que se opõe a qualquer aumento nos gastos públicos para amenizar a crise, estão crescendo. A demissão do economista Roberto Castello Branco, proposto por Guedes, também desencadeou um conflito entre os dois. Com a mudança, o presidente pretende controlar o aumento dos combustíveis (30% neste ano), que pode acabar impedindo a sua reeleição. Bolsonaro colocou um general no comando e os militares ganharão mais posições na liderança da empresa. Tanto o presidente, quanto seu ministro, porém, estão promovendo juntos uma política de privatizações,

Nas condições de crise apontadas, a autorização da candidatura de Lula pode fazer parte de um plano preventivo B de setores da burguesia, que veem o ex-presidente como um potencial instrumento de contenção social. A CUT e o PT, de fato, têm cumprido esse papel ao longo da gestão de Bolsonaro, evitando a todo custo o estabelecimento de um plano de lutas contra os ferozes ataques aos trabalhadores.

O governo Bolsonaro viveu seu momento mais crítico no início da pandemia, há um ano, quando a combinação da crise sanitária, econômica e política colocou o presidente à beira do impeachmentO bolsonarismo, por sua vez, colocou a possibilidade de um golpe de estado. Dessa crise, Bolsonaro saiu com um reforço da ala militar, que ganhou posições, e com um pacto político com o chamado “centrão”, que também foi lubrificado com cobranças e regalias em troca do congelamento do processo de impeachmentÉ importante ter em mente que no governo Bolsonaro há vários setores que se chocam: a ala militar, o ultraliberalismo de Guedes e a camarilha bolsonarista. Por sua vez, há disputas sobre política externa. Quando Bolsonaro quis avançar em um alinhamento mais determinado com os Estados Unidos, seu vice, o general Hamilton Mourão, representante da ala militar, saiu na encruzilhada e fez um tour pela China, principal parceiro comercial do país. É uma administração atravessada por fortes confrontos.

O governo argentino comemorou a decisão judicial que favorece Lula. Não só pela possibilidade de reconstruir um eixo "nacional e popular" na região, mas também pelos processos que assolam Cristina na Argentina.

A acuidade da crise brasileira exige uma abordagem da pandemia (centralização do sistema de saúde, triplicar imediatamente o orçamento, comissões de segurança e higiene no trabalho) e um plano de luta das organizações dos trabalhadores para derrotar o ajuste de Bolsonaro-Guedes. E, ao mesmo tempo, é necessária uma alternativa política dos trabalhadores que vá além da política de colaboração de classes do PT.