domingo, 16 de fevereiro de 2014

NA ARGENTINA: A FRENTE DE ESQUERDA E DOS TRABALHADORES MOSTRA UM CAMINHO...

                                                                 


David Lucius

         Nas eleições argentinas do ano passado, a Frente de Esquerda e dos Trabalhadores obteve mais de um milhão e meio de votos, uma votação histórica e significativa atraindo uma grande parcela da juventude, da esquerda e da classe trabalhadora. A FIT também chamou a atenção dos setores classistas da esquerda latino-americana por ser (ao contrario da esmagadora maioria das frentes de esquerda latino-americanas) uma aliança de partidos militantes, classistas e revolucionários (compostos majoritariamente por forças que reivindicam sua origem trotskista), sem nenhuma participação de partidos da esquerda pequeno burguesa tradicional, que tem em seu histórico alianças estratégicas com setores da burguesia nacional e estrangeira.
A Frente de Esquerda e dos Trabalhadores (FIT) foi formada em 14 de abril de 2011 pelo Partido Obrero - PO, o Partido dos Trabalhadores - PTS e a Esquerda Socialista - IS, como uma frente para disputar as eleições que se realizavam nesse ano, mas que se propunha ser uma frente que atuasse em toda a cena política e na luta de classes argentina como um todo, e não meramente apenas como uma frente eleitoral, tendo desdobramentos de sua política na militância do movimento popular, sindical e estudantil, assim como em grandes mobilizações populares como as que ocorreram posteriormente nos atos de 1º de maio, e nas greves gerais organizadas contra o governo Kirchner.
A esquerda revolucionária da Argentina consolidou política e programaticamente o ascenso obtido após o argentinazo de 2001, ganhando amplas camadas na juventude e na classe trabalhadora. Posteriormente em 2010, o assassinato pelas chamadas “patotas sindicais” (grupos armados ligados a burocracia sindical) do militante do Partido Obrero, Mariano Ferreyra, causou uma comoção nacional com multitudinárias marchas protagonizadas por amplos setores da população, contra o governo kirchner, que acobertou desde o princípio a burocracia sindical assassina, e que sofreu um duro golpe com o processo judicial e a mobilização da esquerda contra seus aliados da burocracia sindical.
É importante ressaltar que a FIT foi formada não como um mero acordo eleitoral, mas sim uma frente programática classista que impulsiona uma política alternativa à situação vigente no país, que propõe um conjunto de propostas para a população e que intervêm nos mais distintos setores da sociedade (movimento estudantil, sindicatos, movimento operário e de desempregados, mobilizações populares, etc, etc), o seu programa de ação pode ser lido na página da Internet: http://po.org.ar/sitio/pag/programa (programa o qual, o PO, deu um duro combate de delimitação e discussão política para que ali fossem sintetizados os princípios básicos e classistas que norteiam a FIT) 
A FIT foi ganhando rapidamente uma representatividade junto aos trabalhadores e a esquerda, o que garantiu, no ano de 2011 a superação de seu candidato presidencial, Jorge Altamira (Partido Obrero), nas primarias (espécie de primeiro turno em que os partidos precisam obter 1,5% nacionalmente para ir para as eleições gerais). Nesse ano uma campanha na internet virou febre entre a juventude, chamava-se: “Um Milagro por Altamira”, o objetivo dessa campanha era chamar votos para a esquerda revolucionária e classista agrupadas na FIT. Conseguindo passar pelo primeiro desafio, que era as primárias, logo após seguiu-se as eleições gerais presidenciais onde obteve mais de 500 mil votos (2,31% dos votos).
Nas eleições legislativas de 2013 o Partido Obrero e a Frente de Esquerda obtiveram cerca de um milhão e meio de votos, triplicando o número de votos obtidos anteriormente na primeira eleição, elegendo uma pequena bancada de deputados federais, vários deputados provinciais (estaduais) e vereadores, atraindo uma enorme massa de simpatizantes entre a juventude, a esquerda e os trabalhadores.
Poucos dias após as eleições nacionais houve eleições em Salta (província localizada no norte do país), onde houve um resultado estrondoso em favor do Partido Obrero, os números eleitorais foram todos superiores aos 20 %, sendo que para os consejales (nome dado aos vereadores) o resultado chegou a 30 % (14% a frente do peronismo governista do PJ), o PO elegeu vários deputados provinciais e chegou pelo primeira vez ao senado provincial. A vitória em Salta também se reveste de importância pelo fato da igreja católica ter realizado uma campanha feroz contra o Partido Obrero e a defesa dos direitos da mulher (anticoncepcionais, direito ao aborto, etc.). O resultado demonstra que a FIT está em um grande ascenso e que enquanto o Kirchnerismo afunda cada vez mais, a esquerda combativa vai ganhando milhares de militantes em todo o país.
O resultado eleitoral refutou de forma definitiva a tese do governo, segundo a qual a esquerda é funcional à direita, pelo contrário a vitória da FIT causou uma derrota esplendorosa dos partidos de direita, como em Salta em que os partidos mais a direita não conseguiram eleger nem um candidato. A FIT desenvolveu uma alternativa política no mesmo momento em que o governo Kirchner retorna ao Banco Mundial, ao FMI, ao Club de París, etc. A FIT abre uma perspectiva política classista e revolucionária ao conjunto da esquerda da América Latina.
A expressiva votação da Frente de Esquerda e dos Trabalhadores é uma manifestação clara da bancarrota capitalista e do esgotamento do nacionalismo burguês tardio. Também expressa a compreensão da situação histórica por parte da FIT e de um imenso trabalho de delimitação política com o kirchnerismo, no plano das idéias e da luta de classes. A Frente não progride devido às forças que aglomera, mas sim devido a claridade política que preside seu desenvolvimento, e ao método que é utilizado diante de seus novos desafios. É uma frente única em situações concretas. A FIT desenvolve-se diante de outro colapso político que ameaça toda a sociedade, ou seja, uma transição política que volta a colocar na agenda o destino da sociedade capitalista, porém desta vez com um ascenso das forças revolucionárias. Diante das crises que se avizinham de nosso continente, a fisionomia que a FIT deu à esquerda da Argentina tem uma importância estratégica.
Temos uma frente que procura organizar os trabalhadores para serem os protagonistas na conquista do poder político e não para ficarem a reboque de setores oligárquicos ou de outras frações da burguesia.
A FIT coloca uma nova perspectiva para a esquerda latino-americana em sua luta pela conquista do poder político. Com isso temos uma divisão clara entres as diferentes perspectivas da esquerda em nosso continente: de um lado temos a esquerda pequeno-burguesa tradicional que preferiu administrar a crise do capitalismo (em aliança com o próprio) e em vez de lutar contra ele procurou adaptar-se às suas necessidades com uma série de variações na forma política, mas que manteve no conteúdo a defesa do capitalismo e uma aliança estratégica com a burguesia; do outro lado temos, com a formação da FIT, um setor da esquerda classista e revolucionária que procura conscientemente lutar contra o capitalismo (diante de seu declínio e de uma crise histórica do mesmo), impulsionar e organizar os trabalhadores para essa luta estratégica e com uma importância estratégica devido à crise histórica do capitalismo e do impacto que essa crise está tendo ao penetrar em nosso continente.
A velocidade do desenvolvimento da crise econômica e financeira, coloca diante da Argentina a possibilidade de um cenário de bancarrota eminente, que o governo Kirchner procura conjurar com “tarifaços”, com a desvalorização do peso frente ao dólar e desencadeando um processo inflacionário. Receita que não está descartada de ser aplicada em nosso país após as eleições deste ano, muito pelo contrário.

A constituição de uma Frente de Esquerda que tenha um caráter classista (de sua constituição até o seu programa) e que se incorpore nas lutas populares e dos trabalhadores como um fator organizativo e que se torne um protagonista impulsionando a mobilização da esquerda e dos trabalhadores (e não dispersando, atomizando e traindo essas lutas, como amiúde ocorre em nosso continente), é um fator altamente progressista e até mesmo revolucionário para toda a esquerda. O acompanhamento da situação política na Argentina, e particularmente o desenvolvimento da FIT e da esquerda, são hoje de uma importância capital para a esquerda latino-americana e para a esquerda brasileira. Com a FIT, esquerda latino-americana tem uma nova referência para suas lutas, e uma nova perspectiva para seu desenvolvimento histórico.