quinta-feira, 20 de fevereiro de 2014

ESTE TEXTO É A CONTRIBUIÇÃO DE UM SIMPATIZANTE E LEITOR, PORÉM NÃO REPRESENTA A POSIÇÃO DOS EDITORES DO JORNAL E DO BLOG TRIBUNA CLASSISTA, É APENAS UM SUBSÍDIO AO DEBATE SOBRE A FRENTE DE ESQUERDA NA ARGENTINA E SUAS PERSPECTIVAS:

                                                                   

FRENTE DE ESQUERDA E DOS TRABALHADORES: ALGUMAS REFLEXÕES SOBRE UMA VITÓRIA

 José de Mello Junior

Neste início de 2014 a Argentina ganha o noticiário devido o aprofundamento de uma crise econômica que ameaça a frágil estabilidade política mantida nos últimos anos. Como reflexos da crise temos uma desvalorização constante da moeda, o aumento galopante da inflação e uma dolarização da economia que leva as famílias a guardarem dólares em casa. Antes mesmo do aprofundamento da atual crise, um fenômeno político vem se desenvolvendo no seio da esquerda socialista do país vizinho desde 2011. Refiro-me a ascensão de uma alternativa de esquerda, a FIT (Frente de Esquerda e dos Trabalhadores) formada pela aliança entre diversas forças políticas, em sua grande maioria referenciadas no trotskismo.
A primeira experiência importante ocorreu nas eleições 2011 quando entrou em vigor uma lei que passou a exigir 1,5% dos votos das candidaturas partidárias ou de frentes, para que os partidos ou blocos mantivessem o pleno usufruto de suas legalidades institucionais, esta iniciativa foi batizada de “PASO”. A perda desta condição significaria para qualquer agremiação uma série de restrições, como por exemplo, estar fora da utilização da televisão e do rádio em sua comunicação. Projeto semelhante está em andamento no Congresso brasileiro, como parte da pretendida reforma política cujo ponto mais polêmico é exatamente a clausula de barreira, algo semelhante ao “passo”, mas que aqui pretende ser de 3% dos votos válidos. Nas edições de 2011 uniram-se PO ( Partido Operário), PTS ( Partido dos Trabalhadores Socialista) e IS (Esquerda Socialista), formando a FIT, também apoiou a iniciativa o nascente PSTU argentino, que sem personalidade eleitoral, recebeu da FIT a legenda para abrigar seus candidatos. A iniciativa desacreditada por muitos, logrou o êxito de passar pela clausula de barreira de 1,5% levando a candidatura presidencial de Jorge Altamira a disputa eleitoral
efetiva, que ocorre em uma segunda rodada, tendo recebido uma votação de 520.000 mil votos.
Mas foi nas recentes eleições parlamentares de meio de mandato, ocorridas no segundo semestre de 2013, que a aliança política obteve um sucesso realmente espetacular. Na Argentina, metade das câmaras de deputados e senados estaduais e nacionais se renovam no meio do mandato. Novamente o PO, que no Brasil possui relações com o grupo que constrói o Tribuna Classista e a nível internacional faz parte da CRQI, o PTS que no Brasil possui relações com o grupo LER-QI e internacionalmente se organiza na FTQI, e a IS, que em nosso país tem como organização solidária a CST-PSOL e internacionalmente a UITQI, lançaram a FIT com o apoio do PSTU (LITQI) ainda sem personalidade eleitoral e outros pequenos agrupamentos e coletivos da esquerda. Com uma política de crítica dura as candidaturas burguesas e ao governo Kirchner, a coligação apresentou um programa de transição para a saída da crise, no qual o centro foi a defesa dos trabalhadores e de suas conquistas históricas, bem como o rechaço das políticas que privilegiam a banca financeira em detrimento das policias sociais.
Como resultado, foi a única representante da esquerda a conseguir romper a barreira do Passo, tendo recebido quase 1 milhão de votos na primeira votação e por fim, mais de 1, 2 milhão na disputa pelas cadeiras da Câmara Nacional, obtendo 4 cadeiras e quase duas dezenas de deputados estaduais, com destaque para a província (estado) de Salta na qual um quarto do parlamento (como nossas assembleias legislativas estaduais) passou a ser formado por deputados da FIT. Para se ter noção do expressivo resultado estavam em jogo 50% das cadeiras nacionais, com seus 4 deputados, a FIT obteve 3% das vagas, no Brasil significaria 16 deputados. Hoje o PSOL única organização da esquerda socialista com representação no Congresso possui apenas 3.

Para refletir

 Algumas lições desta vitoriosa performance merecem destaque e poderiam despertar em nós ativistas brasileiros de esquerda uma reflexão:

1. Manutenção do programa classista: A FIT foi formada por organizações socialista que não abriram mãos de seus discursos, ou de suas bandeiras históricas para agradar o eleitorado, e sim fortaleceram sua crítica usando o palanque eleitoral como um importante palco da disputa de consciência dos trabalhadores.

2. Importantes alianças apenas no campo da esquerda socialista: Aquelas organizações da esquerda como MST (Movimento Socialista dos Trabalhadores), no Brasil representado pelo MES-
PSOL, que apostaram por alianças fora do espectro da esquerda revolucionaria, foram punidos nas urnas, não obtendo sequer a condição de transpor a clausula de barreira.

3. Uma aliança para além das eleições: Desde 2011, as organizações da FIT vem realizando ações conjuntas nos movimentos sociais e nas principais lutas, mantendo suas individualidades, mas também levando a unidade da esquerda onde ela é necessária.

4. Menos aparato, mais política: Apesar das organizações terem pesos diversos no movimento sendo o PO a maior delas, seguido por PTS e finalmente a IS, os mandatos obtidos serão ocupados em rodízio, algo permitido na legislação Argentina, por exemplo, o mandato de Nestor Pitrola mais conhecido candidato eleito da FIT, será divido em parte com um representante do PTS e outro da IS.  Isto somado a concessão de legenda ao PSTU demonstra uma política de unidade que vai muito, além da mera retórica. Os mandatos pertencem aos trabalhadores representados pelo programa da FIT, a frente é maior que suas partes.

5. Desafios: A unidade na luta cotidiana, na disputa sindical e estudantil, nas ações públicas, para além do eleitoral é o maior desafio desta aliança. E isto se dá na forma de uma disputa entre as forças políticas presentes na frente. Grande parte destas diferenças são debatidas publicamente em seus periódicos e fóruns do movimento. Acordos provisórios e êxitos na luta contra a burocracia sindical e os aparatos burgueses poderão manter firmes os pilares desta aliança dos setores mais significativos da esquerda socialista argentina. E o êxito poderá atrair outras organizações da esquerda.

Em 2014 o que fará a esquerda brasileira?

 O exemplo argentino pode servir de inspiração para uma reflexão entre nós ativistas brasileiros. Aqui, como lá existe uma grande fragmentação da esquerda, que tem servido apenas aos interesses do grande capital e dos aparatos burocráticos. Inverter esta lógica pode ser o primeiro passo rumo a uma recomposição da esquerda após o abandono completo de suas bandeiras promovido por PT e PCdoB. Neste cenário PSOL, PSTU e PCB são as forças que podem conformar este polo político aglutinando dezenas de outros grupos políticos e organizações de combate, bem como aqueles milhares de lutadores que, decepcionado com PT e PC do B, procuram um referencial de esquerda e uma política que anime suas lutas e ecoe sua revolta. As jornadas de junho foram o começo, já vemos sinais de fortes mobilizações se formando no primeiro semestre de 2014. A unidade das forças da esquerda socialista pode propiciar a estes movimentos um programa que vá além de reivindicações pontuais passando a questionar as mazelas produzidas pelo próprio sistema. Sabemos que as tradições da esquerda argentina e brasileira são diferentes.

Porém, questões como unidade e a luta anticapitalista, extrapolam as fronteiras nacionais, afinal trata-se de uma luta contra um capital globalizado e que articula mundialmente sua atuação. Uma frente que esquerda no Brasil seria uma novidade que poderia animar, como a FIT está fazendo, a milhares de lutadores e para além de vitórias eleitorais poderá disputar a liderança das diversas lutas que estão porvir.