sexta-feira, 14 de outubro de 2022

Brasil: por que votar nulo ou em branco no segundo turno

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https://prensaobrera.com/internacionales/brasil-por-que-votar-nulo-o-en-blanco-en-la-segunda-vuelta

O Agrupamento Tribuna Classista comunga da mesma opinião que o Partido Obrero da Argentina em relação às eleições que estão em curso no Brasil. Chamamos os trabalhadores, a juventude e as organizações que reivindicam a independência política dos trabalhadores a refletirem sobre a necessidade de um posicionamento político que longe de significar o abstencionismo na luta política, é um rigoroso chamado ao combate político contra a subordinação dos interesses das mais amplas massas cada vez mais pauperizadas, sofrendo da miséria crescente na esteira da crise mundial capitalista, ao grande capital nacional e internacional, que em última instância é o resumo da ópera tocada sob o comando da orquestra de colaboração de classe de Lula e a direção do PT e contra a política genocida de Bolsonaro e sua horda fascistizante, duas peças centrais de manutenção do atual regime político. O lulismo e o bolsonarismo são duas faces da mesma moeda, de um regime político que não apresenta nenhuma saída para os trabalhadores, a não ser aquela de carregar nos ombros o pesado fardo da crise capitalista.


Por Pablo Heller

A história não se repete duas vezes. Esta vez não será a exceção. Em 2018, na eleição presidencial anterior, a classe capitalista brasileira e o imperialismo inicialmente apostaram suas fichas a favor de Geraldo Alckmin. Essa escolha se baseou no fato de ser um homem da mais alta confiança para o establishment, corroborado por seus muitos anos à frente do governo paulista, no qual acabou sendo ungido governador estadual (por dois mandatos de 4 anos, cada um)*. A partir daí, cultivou e fortaleceu seus laços com a poderosa burguesia paulista, com o poder econômico e com os setores mais conservadores. O direitista Alckmin foi um dos principais opositores de Lula durante grande parte de sua carreira política e um dos principais incentivadores do julgamento que culminou no impeachment de Dilma Rousseff. Como a candidatura de Alckmin não decolou, não encantava as massas com suas velhas receitas neoliberais, foi o exército (que teve papel central no afastamento de Dilma Rousseff, primeiro, e na prisão de Lula depois) que tomou a "iniciativa" promovendo a candidatura "anti-sistema", com mão-dura, de Bolsonaro. Isso levou grande parte da burguesia a dar uma guinada nas últimas semanas das eleições presidenciais de 2018, concentrando seu apoio em Bolsonaro.

Quatro anos depois, o cenário é diferente. O apoio da classe capitalista, nativa e mundial, tornou-se esmagadoramente a favor de Lula. Aí temos os elogios e o apoio que tem despertado nos mais variados meios de comunicação da imprensa internacional. Lula acabou recebendo o apoio da indústria (FIESP), da federação dos bancos (FEBRABAN) e de inúmeras câmaras empresariais.

Não é apenas uma anedota, mas tem seu grande peso simbólico que, desta vez, o neoliberal Alckmin tenha se tornado o principal aliado do lulismo, compartilhando a fórmula presidencial como candidato à vice-presidência com o líder do PT. É um sinal inequívoco dirigido aos círculos do poder que Lula não vai avançar o sinal.

Como se não bastasse, foram acrescentadas outras definições-chave a favor de Lula. À decisão do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso de convocar a vota-lo do primeiro turno, somou-se a de um importante representante financeiro como Henrique Mereilles, ex-presidente do Banco Boston e que foi presidente do Banco Central nos primeiros mandatos de Lula, e logo depois fez parte do governo golpista anti-PT de Michel Temer - que, segundo relatos que vêm se afirmando nos últimos dias, é o provável designado futuro ministro da Economia. Lula não parou de dar sinais de compromisso com a ordem social vigente. Seu slogan de "paz e amor" expressa uma campanha esvaziada de qualquer conteúdo social e reivindicativo e na qual não se espera rever os avanços reacionários impostos sob os mandatos de Temer e Bolsonaro, como a escravagista reforma trabalhista e a reforma da Previdência ou as privatizações já concluídas ou em curso. Nas questões sociais, Bolsonaro está se dando ao luxo de se colocar à "esquerda" do líder petista com o aumento dos planos assistenciais, questão que pretende reforçar, agora, no intervalo para o segundo turno, com novas medidas (13º para as mulheres beneficiárias de auxílios estatais), bem como um corte de impostos que se traduziu na redução do preço dos combustíveis com forte impacto no bolso da população e subsídios ao consumo doméstico de gás. 

Lula deixou claro que a austeridade (leia-se ajuste) prevalecerá em seu governo, ao mesmo tempo em que oferece garantias de que funcionará como veículo dos interesses capitalistas. Já em seu mandato anterior, Lula havia atuado como representante e gestor dos negócios da burguesia brasileira, entre os quais se destacam a Odebrecht e outras empreiteiras e beneficiárias de concessões estatais. Mas o novo mandato não será uma repetição do passado. Marchamos para uma versão ainda mais conservadora. Lula acaba de se declarar, operando uma virada em relação à sua posição anterior, contra o aborto em busca de conciliar-se com os setores clericais e principalmente evangélicos, tradicionalmente mais próximos de seu rival. Os 30 dias até o segundo turno provavelmente nos trarão outras surpresas.

Em suma, no atual cenário brasileiro, a principal carta do grande capital é Lula . É isso que explica por que Simone Tebet, que vem das fileiras de Bolsonaro e Ciro Gomes (que não apoiou o PT em 2018), resolveram rapidamente a convocação para votar nele no segundo turno. Esse apoio obviamente não será gratuito. Por enquanto, a ex-aliada de Bolsonaro estaria negociando um cargo no gabinete. Essa caracterização central é a que deve reger a conduta a ser seguida no segundo turno. A questão-chave é como preparar e armar os trabalhadores para enfrentar o governo Lula e as políticas reacionárias e anti-operárias que dele virão. A própria eleição deve ser usada como terreno para uma demarcação nítida em relação ao PT, seu rumo e orientação, e uma defesa da independência política. Um voto a favor de Lula enterra essa tarefa. Com base nas considerações acima, propomos e conclamamos a promoção do voto nulo ou em branco no segundo turno. Não se deve apoiar e endossar uma opção que hoje é a principal aposta da classe capitalista, que vem para frear a luta das massas e manter a “nova” realidade econômico-social de Temer-Bolsonaro.

Mudança de cenário

 Não podemos perder de vista que não se pode colocar um sinal de igual entre Lula e Bolsonaro. O caráter abertamente fascistizante do atual chefe de Estado brasileiro está fora de questão.

Esse fato, lembremos, suscitou reservas e receios da burguesia na hora de apoiá-lo em 2018, mas naquele momento Dilma estava sendo afastada do cargo e o que se privilegiou foi consolidar o golpe de Estado, que teve amplo apoio cívico e militar. No entanto, é preciso diferenciar a ascensão de um fascista ao governo com o estabelecimento de um regime fascista, que supõe a mobilização da pequena burguesia empobrecida para esmagar as organizações operárias e estabelecer um regime de terror. O governo Bolsonaro não conseguiu atingir esse objetivo sob sua presidência. Durante os 4 anos do seu mandato, assistimos a um regime de tipo bonapartista que não esteve isento de confrontos, rupturas e tensões. Bolsonaro teve que conviver no governo com um espectro heterogêneo de forças.

O signo ideológico da camarilha dominante não mudou, mas... o que mudou foi o contexto. Há uma preocupação extrema do grande capital em evitar uma convulsão na América Latina, que já foi abalada por crises políticas e rebeliões. O Brasil não chegou ao extremo de outras nações do continente, mas não vive de costas do cenário latino-americano. Há um receio instalado no establishment de que a continuidade de Bolsonaro possa acabar sendo um fator desestabilizador. Lembremos que, embora o processo não seja retilíneo, a direita está em retrocesso na América Latina (Chile, Colômbia, Peru). Bolsonaro foi o homem de Trump na América Latina, promovendo os acordos da “mesa de Lima” contra o regime venezuelano, orquestrando o golpe de direita que afastou Evo Morales e acabou provocando uma greve geral e a queda do governo golpista de Jeanine Añez. Hoje, o imperialismo desconfia da natureza aventureira da camarilha bolsonarista, cuja principal base de apoio está nas Forças Armadas, embora mesmo dentro dela esteja longe de ser homogênea. Muito recentemente, Bolsonaro demitiu o ministro da Defesa e colocou em seu lugar um militar mais próximo a ele. O que vem abrindo caminho na política do governo imperialista de Biden para a América Latina é a coexistência com a "onda rosa" de governos nacionalistas e de centro-esquerda que substituíram os governos de direita e cuja função fundamental é desarmar potenciais rebeliões populares ou que ocorreram. Como se vê, a situação atual mantém uma diferença substancial da de 2018, quando a burguesia e o imperialismo apostaram na vitória de Bolsonaro. O voto em Fernando Haddad, naquele momento, foi a forma de se conectar com um movimento de massas, o "Ele Não", e de rejeitar a consolidação dos golpistas no poder.

A nova “onda rosa”, diferentemente do passado, não terá o vento a favor da economia internacional. Caminhamos para um contexto explosivo porque entramos numa fase mais aguda da crise capitalista, marcada por inflação, recessão e guerra, que é acompanhada por uma catástrofe energética e alimentar, que tem causado estragos tanto nas economias centrais como nas dos chamados países emergentes. A América Latina não está isenta desse cenário e tende a se tornar uma panela de pressão que prepara o terreno para grandes convulsões sociais. Os atuais “progressistas” serão forçados a lidar com essas águas turbulentas e sua capacidade de conter as massas e pilotar a crise será testada.

A ameaça bolsonarista e como combatê-la

A ameaça representada pela extrema direita e, mais ainda, pelo fascismo, não pode ser subestimada. Os 43% dos votos que Bolsonaro obteve devem ser tomados como um sério aviso de que não estamos diante de fogos de artifício, mas sim de um perigo real. Mas a luta contra ela coloca na ordem do dia, mais do que nunca, a independência política dos trabalhadores. Longe de combater a Bolsonaro, a tendência predominante em Lula e seus acólitos será uma política de contemporização com a força encabeçada pelo atual presidente, que conquistou governos estratégicos como Rio de Janeiro, Brasília ou Minas Gerais e maiorias substanciais em outros como São Paulo e Rio Grande do Sul para o segundo turno, e uma bancada importante no quadro de um Congresso onde a direita tem maioria. Isso inclui compromissos na área econômica e social, mas também no que diz respeito às forças armadas (onde Bolsonaro detém uma grande parcela de influência) e no aparato de segurança. Não esqueçamos que Alckmin, quando governou o Estado de São Paulo, era conhecido por sua mão-dura em questões repressivas e por incentivar e apoiar a polícia assassina. Os vasos comunicantes entre os dois lados que hoje se enfrentam nas eleições são chamados a ser muito estreitos, pois uma parte da direita e do neoliberalismo estará dentro do próprio governo lulista. Acrescentemos que esta situação abre a porta para repetir o filme cujo final já é conhecido: os atuais aliados - leia-se Alckmin -, como o Temer antes, podem ser os golpistas de amanhã.

Não esqueçamos que o PT capitulou e entregou o poder sem resistência ao golpe de Temer. Se Bolsonaro conseguiu se adiantar primeiro e ficar no poder depois, mesmo em momentos críticos como as 700 mil mortes por Covid, é responsabilidade do PT, que sufocou qualquer tentativa de resistência popular das massas. Lula usou a tutela burocrática que exerce sobre a CUT e outros movimentos sociais de luta para conter uma reação popular. Como parte dessa política, permitiu a aprovação da reforma trabalhista e previdenciária e das privatizações, como a dos Correios, que desencadeou uma greve nacional dos trabalhadores dessa categoria e que acabou sangrando até a morte após várias semanas de luta heróica submetidos ao isolamento pelas cúpulas das centrais sindicais.

Independência do trabalhador

Bolsonaro encontrou nessa paralisia das organizações operárias o oxigênio de que precisava para chegar relativamente vivo e surfando nas eleições presidenciais – e até se empolgou com algumas iniciativas. Se a "serpente" fascista deixou de ser mais que um ovo e se desenvolveu, é diretamente proporcional à pusilanimidade das direções políticas e sindicais das organizações operárias e populares. O futuro político não pode ser dissociado dos altos e baixos da própria luta de classes, cuja dinâmica e resultado condicionam o desenvolvimento e as perspectivas dos diferentes atores sociais e forças políticas em conflito em todas as áreas, inclusive a eleitoral. Muitas coisas podem ser ditas sobre o grau de atraso ou amadurecimento do povo brasileiro, mas é uma impostura, em nome desses limites, acusá-lo da responsabilidade pelo boom bolsonarista quando o povo não foi convocado para uma luta séria, mas as iniciativas que se insinuaram nesse sentido foram frustradas.

Diante do que está por vir, a ação independente e a mobilização dos trabalhadores é essencial para enfrentar essa nova experiência da frente popular que se aproxima e os novos ataques que estão por vir. Enfrentar o governo Lula desde o primeiro minuto e desenvolver uma luta de massas independente para impor uma vitória das reivindicações apresentadas constituirá não apenas um golpe para os planos entreguistas anti-operários, mas também para a direita fascista e não fascista - uma que está dentro de seu governo e outra fora dele - com a qual Lula pretende conviver. Não podemos fugir do fato de que o bolsonarismo tenderá a fazer causa comum com o governo quando se trata de atacar os trabalhadores, embora não seja privado de fazer uma demarcação do governo petista e até uma certa demagogia, fazendo com que a gestão de Lula avalize uma nova fase de ofensiva contra as massas. Nesse contexto, as ameaças e pressões da direita servirão para amarrar as organizações dos trabalhadores a travar uma luta real por suas reivindicações. É preciso quebrar essa armadilha e defender a independência política dos trabalhadores. O voto em branco ou nulo no segundo turno visa desenvolver essa perspectiva.

*Nota do Tradutor - NT