Artigo extraído e traduzido do link:
https://revistaedm.com/edm-22-10-9/brasil-a-20-anos-del-ascenso-de-lula-al-gobierno/
O cenário
político em vista do segundo turno.
O processo
eleitoral em curso no Brasil ocorre exatamente 20 anos após a ascensão de Luiz
Inácio Lula da Silva ao governo daquele país, coincidência propícia para
analisar o panorama atual à luz do que aconteceu nessas duas décadas.
Em outubro de
2002, Lula, do Partido dos Trabalhadores (PT), venceu as eleições presidenciais
sobre o candidato do PSDB, José Serra, por 46,44 a 23,29% no primeiro turno e
61,27 a 38,72 % na votação final. Serra era a continuação do atual governo de
Fernando Henrique Cardoso, que havia levado a situação econômica a uma grave
deterioração, em decorrência do agravamento da crise mundial.
O crescimento de
Lula nas pesquisas anteriores, que o colocaram acima de Cardoso-Serra, foi
visto com apreensão por importantes setores das classes dominantes. A máquina
de propaganda do grande capital desenvolveu uma campanha na qual pintou um
quadro de catástrofe econômica se Lula triunfasse. Lula acabou dando uma guinada: publicou
uma "Carta ao Povo Brasileiro" em que, para aliviar os temores do
grande capital, renunciou a ser um "governo de transição para uma economia
socialista" - algo que propunham antigas plataformas petistas.
Para dar mais
segurança, Lula escolheu José Alencar, empresário têxtil milionário que apoiou
ativamente o golpe de 1964 e era então vice-presidente da Confederação Nacional
da Indústria e senador federal associado ao Partido Liberal (PL), como
vice-presidente candidato sob cuja sigla Jair Bolsonaro é apresentado
atualmente. A escolha de Alencar não foi "por acaso", mas uma
garantia extra de que, em caso de falta de confiança do capital em seu governo,
Lula pudesse ser substituído "constitucionalmente" por um homem do
establishment. Aliás, foi o que aconteceria anos depois com a sucessora de
Lula, Dilma Rousseff, destituída e substituída por Michel Temer, o deputado de
direita que ela havia colocado como "garantia". Para as eleições
atuais, Lula mais uma vez dá a “garantia renovada”, nomeando como companheiro
de chapa, Geraldo Alckmin, líder do PSDB e um homem ligado à Opus Dei, participante
do golpe que afastou Dilma Rousseff e depois apoiador de Temer.
Voltando a 2002:
após a vitória no primeiro turno, Lula redobrou sua adaptação à direita entreguista. Antes do segundo turno, ele concordou em assinar, pressionado pelo
governo norte-americano e junto com o presidente Fernando Henrique Cardoso e os
candidatos dos demais partidos, um compromisso público com o Fundo Monetário
Internacional (FMI) para respeitar os "contratos" existentes. Leia: a
renúncia a qualquer tipo de nacionalização e o juramento de pagar a dívida
externa.
Dívida e
militarização
Lula garantiu
que impediria um "Argentinazo" no Brasil, em relação ao levante
popular que meses antes, no país vizinho, havia levado à destituição do
presidente Fernando De la Rúa. Ele se apresentou como o homem que poderia
garantir a “ordem” burguesa, e estava determinado a fazê-lo. Em dezembro
de 2005, anunciou que estava “progredindo para a descolonização”... pagando
toda a dívida brasileira com o FMI, de 15,5 bilhões de dólares. Assim, ele
estava à frente de seu par, Néstor Kirchner, que um mês depois concordaria em
pagar toda a dívida argentina com o Fundo (9.800 milhões de dólares).
Da mesma forma,
o líder petista incentivou a crescente militarização da vida política e social
brasileira. Em 2004, a pedido do imperialismo ianque e com o selo do Conselho
de Segurança das Nações Unidas, criou uma força militar para
"pacificar" as revoltas populares no Haiti: a Mission des Nations
Unies pour la stabilization en Haïti (Minustah ), que permaneceu ativa até
2017. O general Augusto Heleno Ribeiro Pereira estava à frente dessa força
eminentemente latino-americana, da qual também participou o governo de Néstor
Kirchner. Na Minustah, foram "forjados"um grupo de comandantes militares, apologistas do golpe
de 1964, reacionários, que mais tarde transformariam o que haviam
"aprendido" no Haiti em operações especiais de repressão contra as
favelas do Rio de Janeiro.
Esse núcleo de belicistas militares foi o que manipulou a retirada de Dilma Rousseff do golpe, a subsequente ascensão de Temer à presidência e depois a de outro golpista militar, Bolsonaro, em 2018, prendendo Lula para que ele não pudesse se apresentar como um candidato. Hoje eles compõem grande parte da equipe ministerial de Bolsonaro, e muitos deles foram eleitos para o parlamento, constituindo uma bancada da “bota” militar. A trajetória do próprio Heleno é exemplar: integrante do regime nascido pelo golpe de 1964, após passar pelo Comando da Minustah, promoveria o golpe pseudoparlamentar contra Dilma e depois ingressaria no gabinete de Bolsonaro, primeiro como Ministro da Defesa e depois em outros cargos como Chefe do Gabinete de Segurança Institucional. Hamilton Mourão, vice-presidente de Bolsonaro, também teve uma operação de "paz" a seu crédito, nesse caso, em Angola.
Vento a favor, Mensalão e reformas
As primeiras
presidências de Lula foram favorecidas pelo "vento a favor" que foi o
boom de preços e volumes de exportação de matérias-primas dos países atrasados
(assim como Kirchner e outros governos latino-americanos que se diziam
antineoliberais). As maiores receitas resultantes não foram usadas para
promover um plano nacional de desenvolvimento, mas serviram para lançar
sistemas de corrupção generalizada, como o famoso "mensalão", nome
atribuído à distribuição permanente de uma "mensalidade mensal"
clandestina entre deputados e senadores relacionados ... e cúmplices. De sua
parte, como o próprio Lula apontou, grandes grupos empresariais como Odebrecht
e Petrobras se encheram de dinheiro, também por meio da corrupção.
Em relação aos
ganhos e condições de vida dos trabalhadores, Lula ousou colocar em prática a
primeira reforma reacionária da previdência contra os servidores federais.
A redução de suas aposentadorias foi uma reivindicação do FMI para conter o
déficit fiscal e garantir o pagamento da dívida pública, e foi a gota d'água
que transbordou o copo para produzir uma crise no PT, que culminou no ruptura de uma ala constituindo o Partido Socialismo e a Liberdade
(PSOL) à sua esquerda. Lula se gaba de ter tirado milhões da pobreza, quando o
que fez foi uma política assistencialista (Bolsa Brasil) semelhante à de Duhalde e
Kirchner na Argentina e em outros regimes latino-americanos, diante da ameaça
das massas famintas e com fortes tendências à irrupção combativa.
“Defensor da democracia”?
Uma das
bandeiras com que Lula mais se adornou é a de "defensor da liberdade e da
democracia". A verdade é que, para além do palavreado, foi o melhor
exemplo de como, no pano de fundo da democracia parlamentar, quem toma as
decisões é o grande capital, o imperialismo e as forças armadas – com a
corrupção incluída.
Por sua vez,
quando a presidente Dilma Rousseff teve que ser defendida da ofensiva golpista,
ele se escondeu atrás de manobras e palavras. Enquanto uma presidente eleita
por mais de 50 milhões de brasileiros foi derrubada pelo voto de 61 senadores,
ele foi incapaz - tendo o domínio da CUT, do Movimento Sem Terra,
da UNE, dos Sem-tetos e das grandes organizações de massas - de
resistir. Além de alguns atos simbólicos, Lula não convocou para mobilizar e
rechaçar o golpe, que acabou sendo realizado sem muita resistência. Ele repetiu
a atitude de covardia política de muitos líderes que se proclamaram
nacionalistas, a começar por Juan Domingo Perón, que fugiu da Argentina em
1955, quando a classe trabalhadora queria uma greve geral contra o golpe dos
gorilas e pedia armas para defender o governo.
Ele teve a mesma
atitude pusilânime quando a "Justiça" golpista o declarou culpado de
corrupção (sem provas contra ele) e o mandou para a cadeia, anulando seus
"direitos políticos" para que não pudesse se candidatar. Parou todas
as tentativas de mobilização de massa, entregou as ruas ao golpe de direita e
cumpriu "com bom comportamento" a resolução judicial fraudada pelas
Forças Armadas, que fizeram sentir suas ameaças sobre o que aconteceria se Lula
não fosse excluído da disputa eleitoral.
Após pagar 580
dias de prisão por sua docilidade ao sistema, foi solto pelo mesmo Tribunal
Superior que o havia sentenciado, agora declarando "erros
processuais" e qualificando-o como candidato. Foi uma medida preventiva
contra um vulcão social em ebulição na América Latina (atravessado por grandes
revoltas em massa) e no Brasil. A burguesia notou que nas piores condições
materiais (prisão), Lula continuou a ter uma conduta “cívica” irrepreensível
como defensor da “ordem” burguesa.
Ataques e
contenção
Temer e
Bolsonaro realizaram um forte ataque às condições de vida dos trabalhadores,
com dois episódios fundamentais das reformas trabalhista e previdenciária.
Junto com isso, avançaram em termos de privatização de empresas estatais e
cortes nos gastos sociais. Também no aspecto repressivo, dando maiores margens
à polícia e às forças armadas e criando em alguns casos, como no Rio de
Janeiro, “milícias” de lumpens protegidos pela polícia.
A pandemia de
Covid evidenciou o desastre da saúde pública e a miopia reacionária do
presidente Bolsonaro, que descartou a ameaça, se opôs à quarentena e desafiou
as vacinas, defendendo “remédios” caprichosos sem qualquer apoio. Quase 700 mil
mortes por Covid colocaram o Brasil no topo das vítimas. Por que não houve
reação popular a tantos desastres sociais, sanitários e de todo tipo por parte
do governo supervisionado pelas Forças Armadas? Porque Lula e o PT criaram um
espartilho para impedir qualquer tentativa de resistência geral das massas,
usando seu controle burocrático da Central Única dos Trabalhadores (CUT) e
outras organizações de luta de massas para impedir qualquer irrupção das lutas
operárias e populares.
Lula argumentou
que era preciso evitar "provocações" de Bolsonaro. Foi assim que ele
cedeu, dando assim a rua às manifestações da direita bolsonarista em várias
ocasiões. Ele se opôs ao slogan "Fora Bolsonaro", derivando a rejeição
popular do presidente de direita para a apresentação de pedidos parlamentares
de impeachment (julgamento político pelo parlamento) sem resultados, a ponto de
serem mais de 150 pedidos de abertura de impeachment presentes que dormem o
sono dos justos. Em seguida, Lula pretendia direcionar toda a oposição combativa
a Bolsonaro para a substituição presidencial de 2022. Assim como o kirchnerismo
na Argentina, após a forte irrupção da luta contra a reforma previdenciária em
2017, buscou conter com o slogan “Há 2019” ( para as eleições presidenciais
daquele ano), Lula fez o mesmo com 2022. Durante um ano e meio quase todo tipo
de movimento de luta de massas foi aplacado e submetido ao isolamento e
desgaste, para não "provocar".
Bolsonaro tirou
sua “força” da paralisia do movimento de massas. A burocratização das organizações
de massa atingiu níveis nunca antes vistos, com a CUT impedindo qualquer
coordenação que lançasse o grande gigante social do movimento operário. O
conhecido e outrora combativo movimento agrário Movimento dos Trabalhadores
Rurais Sem Terra (MST) tornou-se um lugar-comum, processando “cooperativas” e
reivindicando apenas terras improdutivas que não estão nas mãos dos
latifundiários. Na verdade, esse processo remonta à primeira presidência de
Lula, com um acelerado processo de cooptação: na época, Lula criou dois
ministérios para assuntos agrários, colocando um funcionário encarregado do
mais importante, aquele que define política agrária, semelhante ao “agropoder”,
e deixando um esquerdista como regente do outro, da “colonização agrária”; Com
isso, procurou conter o MST e os movimentos de pequenos agricultores e
trabalhadores em um campo onde, em algumas áreas, ainda sobrevivem situações de
escravidão ou servidão laboral. Na atual campanha eleitoral, Lula saiu para
reivindicar esse novo MST atualizado, propondo que se alguma terra que tem dono
for ocupada, ele será despejada pelas forças da "ordem".
O ponto mais recente foram as mobilizações por
ocasião dos 200 anos da independência do Brasil. No dia 7 de setembro, três semanas
antes das eleições gerais, Bolsonaro organizou grandes mobilizações de massa no
Rio de Janeiro, Brasília e outras capitais, com o apoio de propaganda das
Forças Armadas. Em vez disso, Lula bloqueou qualquer possibilidade de sair à
rua para... "não provocar".
A "frente da esperança" constituída por
Lula desenvolveu uma campanha indescritível, na qual se dedicou a se proclamar
contra a fissura do "ódio" de Bolsonaro e a favor do
"amor" e da volta à "alegria". Os problemas sociais não
foram apenas deixados de lado na campanha, mas Lula cansou de repetir que não
pretendia revogar os avanços reacionários em temas como a reforma anti-operária ou a
reforma previdenciária. Da mesma forma indicou que não tomaria nenhuma medida
que não fosse por "consenso" com as câmaras patronais. Essas negociações
serão confiadas ao vice-presidente Alckmin... o mesmo que originalmente apoiou
as reformas anti-operárias. É colocar a raposa no comando do galinheiro. A
burocracia petista da CUT renuncia ao seu papel de organizadora do movimento operário por trás do apoio a esse candidato de direita que virou
"Esperança". Quando Lula o apresentou a um plenário sindical como seu
vice-candidato, recebeu vaias por sua trajetória. Mas a direção da CUT pode se
gabar de ser tolerada.
O centro da campanha eleitoral da "Frente da
Esperança" está em levantar o dilema entre fascismo (Bolsonaro) e
democracia (Lula). Os problemas sociais e nacionais antiimperialistas foram
deslocados pela "luta" pela "democracia", que passaria pelo
voto em Lula. Assim como em 1983 na Argentina, quando no fim da ditadura
Alfonsín fez a promessa de que todas as "emergências sociais" seriam
resolvidas pela democracia no centro de sua campanha, Lula se preocupou em não
incitar - nem mesmo com promessas eleitorais - qualquer reivindicação popular. Consciente da
explosividade das reivindicações contidas, não quis criar ilusões que pudessem
promover, no dia seguinte às eleições, mobilizações das massas trabalhadoras.
O governo
norte-americano de Joe Biden e a maioria das representações diplomáticas
europeias também apoiaram diretamente Lula. O imperialismo ianque e europeu e o
grande capital desconfiam da capacidade de Bolsonaro de conter e canalizar a
crescente pressão popular, exceto pelo perigoso caminho da repressão direta,
com a intervenção das Forças Armadas (último recurso em defesa da dominação do
Estado burguês). Bolsonaro se alinhou com Donald Trump e mantém essa afinidade;
Foi seu homem de governo na América Latina, promovendo os acordos da “mesa de
Lima” contra o regime venezuelano e apoiando o golpe de direita que destituiu
Evo Morales. Mas aquele golpe Trump-Bolsonarista (também apoiado por Mauricio
Macri na Argentina) provou ser uma aventura, causando finalmente uma greve
geral e a queda do governo golpista de Jeanine Añez. O imperialismo passa a
desconfiar do caráter bonapartista e aventureiro de Bolsonaro e da facção
militar que o apoia e co-governa (são mais de 6.000 militares ativos e/ou
aposentados que participam de cargos decisivos no Poder Executivo, entre
ministros, secretários e outros ). Apoiou abertamente Lula e sua política de
Frente Popular, de "colaboração de classes" para bloquear qualquer
irrupção independente das massas e defender a "ordem" do Estado
burguês. Nas semanas que antecederam a última eleição, uma impressionante
campanha publicitária dos principais meios de comunicação brasileiros e
estrangeiros se desenrolou em apoio a Lula, levando os pesquisadores a prever
que Lula não apenas manteria a diferença de 10 pontos de distância de Bolsonaro
(45 a 35% ), mas ia aumentar, impondo a vitória no primeiro turno (para o qual
são necessários mais de 50% dos votos).
As eleições
Mas os
resultados marcaram uma nova realidade. Lula obteve 57.257.473 votos contra
51.071.106 de Bolsonaro. Uma diferença de mais de 6 milhões de eleitores, que
deixou Lula a uma distância de mais de 5 pontos (48,43% dos votos contra
43,20%) de seu rival, mas que não lhe permitiu evitar o segundo turno da
votação. O mais notável foi que Lula cresceu cerca de 3 pontos (de 45 para 48%)
entre as pesquisas pré-eleitorais e a realidade da contagem, mas Bolsonaro
aumentou 8 (de 35 para 43%). Mais importante ainda é a nova realidade política
no parlamento e nos governadores, com avanços de Bolsonaro e da direita (que
conquistou importantes governos estaduais como Rio de Janeiro e Minas Gerais, e
disputa outros como São Paulo e Rio Grande do Sul) .
Bolsonaro passou
a ter 99 deputados diretos, a maior bancada da Câmara, que, juntando seus
aliados, dá uma forte maioria de 273 parlamentares, contra 138 de Lula e seus
associados. Em Senadores, por outro lado, foram eleitos 14 bolsonaristas contra
8 lulistas e 5 independentes.
Ministros
bolsonaristas, conhecidos reacionários que se demitiram de seus cargos para se
apresentar como candidatos, foram eleitos majoritariamente para o parlamento,
como o atual vice-presidente Hamilton Mourão, o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles (acusado de cumplicidade no desmatamento patronal da Amazônia) e
o general Eduardo Pazuello, que atuou como Ministro da Saúde durante a pandemia
com os resultados catastróficos mencionados acima. As Forças Armadas mantêm um
forte bloco de legisladores, assim como a direita do agropoder e do bloco
evangélico – o chamado “3B”: Botas, Boi e Bíblia, tripé basal da ascensão de
Bolsonaro.
Se Lula vencer
no dia 30 de outubro, estará fortemente condicionado e terá que conviver com a
direita, sem excluir a maioria de Bolsonaro no Congresso e à frente de Estados importantes e estratégicos.
Campanha e
análise
Vinte anos
depois de sua ascensão ao governo, Lula volta às eleições presidenciais
liderando uma "frente ampla" com setores da burguesia, que vão da
centro-esquerda à centro-direita (incluindo as esquerdas).
Alguns analistas
políticos e de esquerda atribuem a ascensão imprevista de Bolsonaro à
existência de uma corrente intrinsecamente conservadora e reacionária em uma
grande massa da população. Assim acusam parte do povo do que é consequência
direta das ações políticas de Lula, do PT e da frente de centro-direita que o
acompanha. O povo não foi convocado e muito menos mobilizado para lutar pela
recuperação das conquistas arrebatadas por Temer e Bolsonaro, pela revogação
das reformas reacionárias trabalhista e previdenciária, ou pela expropriação da
Petrobras, cujos acionistas privados estão se enchendo de dinheiro como nunca
antes, alimentados por aumentos de preços pagos pelo povo e por subsídios de
"consumo" do governo. Nem pela expropriação dos monopólios privados
de saúde e a constituição de um sistema de saúde estatal que deixe para trás o
desastre causado pelo massacre da pandemia do Covid e possa enfrentar com
eficiência os males que atingem especialmente os pobres (chagas, hepatite,
dengue, zika) . Ou pela revogação da reforma constitucional de 2016, que
bloqueia o aumento das despesas sociais (habitação, educação e saúde) no
orçamento nacional (e na qual o STF acaba de apoiar para rejeitar como
"inconstitucional" a fixação de um piso salarial dos trabalhadores
hospitalares).
Na semana
anterior às eleições, as câmaras empresariais manifestaram preocupação de que
Lula anulasse essa lei, que visa conter o déficit fiscal em detrimento do
padrão de vida das massas. Para afugentar qualquer fantasma, o candidato disse
que pretendia colocar Henrique Meirelles em seu gabinete, herói do capital
financeiro, foi ministro do governo golpista de Michel Temer e promotor dessa
lei de gastos antissociais. Este anúncio, publicado em primeira mão pela coluna
Radar Econômico, “deixou o mercado animado”, a ponto de o principal índice de
ações, o Ibovespa, “atingir o pico de 110 mil pontos, uma alta de mais de 2%,
aproximadamente uma hora depois que a notícia foi divulgada, refletindo o
otimismo com o nome.”
Mas em segundo lugar, você tem que escapar do
impressionismo. A eleição foi altamente polarizada entre Lula e Bolsonaro
(91,6% entre eles), deixando o terceiro e quarto candidatos com apenas 4,16%
(Simone Tebet, do Movimento Democrático Brasileiro) e 3,04% (Ciro Gomes, do
Partido Democrático Trabalhista). Bolsonaro sugou todos os votos das forças de direita
que regrediram notavelmente e estão em estado de desintegração.
O atual presidente, por outro lado, implementou - no
período pré-eleitoral - um amplo programa previdenciário-social concedendo um
aumento dos subsídios aos desempregados em mais de 50%, eliminando impostos
sobre o consumo e baixando o preço da gasolina e dando subsídios a taxistas e
caminhoneiros, entre outras medidas. Para tanto, deve ter violado as limitações
anti-orçamentárias, com uma emenda especial, que a “Frente da Esperança” de Lula
foi obrigada a votar, mas denunciando que se tratava de medidas “demagógicas”.
Agora, na campanha pelo segundo turno, Bolsonaro
voltou a enviar novos projetos com conteúdo social, como a criação de um 13º
pagamento (bônus) do subsídio para mães desempregadas, que a frente Lulista
deveria mais uma vez ter apoiado . Também concedeu outros subsídios, como o
consumo doméstico de gás, e incorporou quase meio milhão de brasileiros a mais
nos planos do Auxílio-Brasil (uma extensão que o governo kirchnerista se recusa a
fazer com seu equivalente argentino, apesar do aumento da miséria social).
Bolsonaro declarou, demagogicamente, que a campanha eleitoral lhe permitiu
tomar nota da difícil situação do povo, que agora tentaria reverter.
De sua parte, Lula não cogita nenhuma proposta
mobilizadora. Uma parte de sua campanha atual está focada na luta para
conquistar o voto evangélico mostrando que ele “não é o diabo”. Lula afirma em
vários de seus últimos vídeos de campanha que é guiado por Deus: "Eu não
teria chegado onde estou se não fosse a mão de Deus dirigindo meus passos e
guiando meu comportamento". A “mão de Deus” o leva a levantar um
“programa” gatopardista, para mudar algo superficial para manter de pé as
conquistas reacionárias impostas por Temer e Bolsonaro?
A
centro-esquerda oportunista usará o espantalho da ameaça fascista o tempo todo
para deter a organização e a luta independente das massas e subordiná-las a um
eventual governo de frente populasr. O PSOL, que rompeu com o PT e Lula há 15
anos por seu direitismo, deu uma guinada que o reconduz à integração com o
lulismo. Decidiu ingressar na Frente da Esperança, apoiando a candidatura de
Lula e recusando-se a apresentar seu próprio candidato independente. E isso não
só na eleição presidencial: na importante eleição para o governo de São Paulo,
deu um passo atrás com a candidatura de Guilherme Boulos (que havia tido alta
votação nas eleições municipais há dois anos), permitindo sua substituição por
Fernando Haddad do PT, que entrou na votação, mas como segundo candidato, com
bem menos votos.
O PSOL, outrora tido como modelo de "partido amplo" por setores da esquerda internacional, está culminando sua trajetória basicamente eleitoral, juntando-se às listas da Frente da Esperança com Lula. A esquerda que se diz socialista e até trotskista, e que permaneceu por uma década e meia (fazendo uma espécie de entrismo) dentro do PSOL, acaba não rompendo com isso. Uma parte (integrante da Liga Socialista Internacional, do Movimento Socialista dos Trabalhadores -MST) apresentou algumas candidaturas nas listas do PSOL. Outro setor (inscrito na Unidade Internacional dos Trabalhadores) apresentou candidaturas no último momento no Polo Socialista e Revolucionário, mas permanece dentro do PSOL; um oportunismo eleitoralista que foi permitido pelo construtor do Polo Socialista e Revolucionário, o PSTU. A pequena corrente Socialismo e Barbárie, aderente ao Novo Mas argentino, aderiu ao Polo caracterizando que o problema central era derrotar Bolsonaro, com o qual conclamou indiretamente o voto em Lula.
Vinte anos após
a primeira ascensão de Lula ao governo, a história se repete, mas de forma mais
bastarda. Se o petista vencer, o neoliberalismo estará diretamente dentro do
governo.
A necessidade de
lutar pela independência política da classe trabalhadora e dos explorados não
só da direita, mas também – e fundamentalmente – de Lula e de um eventual
governo de frente popular, é essencial. Trata-se de lutar para que os
sindicatos e organizações de massas rompam com sua subordinação ao PT e às
variantes estatal e patronal, pela independência política e organizativa da
classe trabalhadora e dos explorados, com uma visão estratégica da luta por um
governo dos trabalhadores. Preparar -a partir de agora- um congresso operário
que estabeleça a plataforma de luta dos explorados e avance para um plano de
luta nacional com greves e mobilizações. A frente popular de conciliação de
classes leva as massas à derrota e à entrega de seu programa reivincativo. As
demandas das massas serão impostas pela ação direta dos explorados.