quarta-feira, 10 de fevereiro de 2021

POR UMA PANDEMIA DE LUTAS E GOVERNOS DE TRABALHADORES




Carmanim Elisalde

As cortinas do ano de 2021 mal abriram e uma série de acontecimentos irrompem abruptamente no cenário político nacional e internacional, em alguns casos de maneira espetacular, como na invasão do Capitólio nos EUA por uma horda de supremacistas organizados e mobilizados pelo ex-presidente Donald Trump, que está passando por dois processos de impeachment no Congresso americano, acirrando a crise política no centro do imperialismo norte-americano, e a eleição do Democrata Joe Biden, ao contrário das aparências, é um componente  acelerador dessa crise que está somente sendo incubada, a qual deve acirrar a guerra comercial EUA x China, e o mesmo já reconheceu a oposição pró-imperialista de Juan Guaidó na Venezuela.

Em Myanmar, na antiga Birmânia, no sudeste asiático, o país da "revolução dos monges', que ficou conhecido como a "Revolta do Açafrão", em 2007, um golpe militar comandado pelas forças armadas  derrubou Aung San Suu Kyi, eleita prêmio Nobel da paz em 1991, reeleita primeira-ministra em novembro do ano passado pela Liga Nacional pela Democracia, e as massas estão enfrentando a repressão policial nas ruas, pedindo a derrubada da junta militar. "Não queremos a junta militar", "Nós nunca quisemos esta junta. Ninguém quer isso. Todas as pessoas estão prontas para lutar contra eles", disse um manifestante na cidade de Yangon. (O Estado de São Paulo, 09/02/2021) Há nas ações de rua intervenção do movimento operário através de sindicatos, como o dos professores que fez um chamado à desobediência civil. A "redemocratização" do país, em 2008 ocorreu com uma reforma constitucional controlada pelas forças armadas permitindo assim em 2011 que uma coalizão nacional assumisse o governo, que ficou marcado por uma violenta repressão às minorias étnicas, sob o comando da própria Aung San e os militares. Esta aliança se rompeu agora, e o fim desta tentativa muita efêmera de consenso está nas ruas. A classe trabalhadora pode emergir dessa crise entre as frações dominantes de maneira independente.

No Brasil, a crise humanitária agravada com a pandemia atingiu em cheio o elo mais fraco da cadeia de um capitalismo em decadência a nível mundial e, neste caso, periférico. A região norte do país, em especial o Estado do Amazonas e sua capital, Manaus, sofreu uma verdadeira carnificina provocada pela ação criminosa do governo Bolsonaro, com centenas de pessoas que morreram por falta de oxigênio em pleno pulmão da selva amazônica. Esta situação se alastrou para toda a região, e com o aparecimento de novas cepas do coronavírus, longe de arrefecer, o que está colocado é o completo colapso hospitalar que em última instância é o colapso de um regime político todo que tem como consequências sociais a mortandade da população pauperizada, a mais vulnerável à pandemia. 

O governo genocida de Bolsonaro e os representantes do regime político devem ser julgados como verdadeiros criminosos de guerra por um tribunal popular frente à carnificina promovida na região norte do país.

O país está convivendo com um recrudescimento da pandemia, atingindo cerca de 240 mil mortos pelo coronavírus, numa média de 1300 óbitos diários. A campanha de vacinação é um fracasso total. Os interesses do lucro capitalista prevaleceram a tal ponto da FIESP e da CNI, duas das principais entidades patronais, terem proposto a compra direta das vacinas pelo capital privado.

Por detrás da crise das vacinas instalada no mundo inteiro estão os interesses de meia-dúzia de monopólios, os quais cabem na palma da mão, que atuam no setor e dos governos capitalistas que se constituíram como sócios históricos desses laboratórios e da indústria farmacêutica.

A crise provocada pela eleição das presidências da Câmara e do Senado Federal no Congresso Nacional está longe de ser estancada. Se por um lado escancarou a disposição da oposição entre aspas dos partidos de centro esquerda que atuam no parlamento em colaborar inclusive com o governo Bolsonaro, como na eleição do Senado, em que o candidato escolhido pelo PT era o mesmo de Bolsonaro, por outro lado expressou uma vitória de pirro do famigerado Centrão e do próprio governo. A luta de foice no escuro entre a ala dirigida por Rodrigo Maia e ACM Neto no interior do DEM, resultado direto dessa eleição, acelerou a crise da frágil base constituída pelo governo com denúncias de compra de votos e uma nababesca corrupção. Frente à iniciativa de Rodrigo Maia de bater em retirada, a ala dirigida por ACM Neto, o presidente eleito no Senado e Arthur Lira na Câmara se apressaram em negar o adesismo automático ao governo, o que não se confirmou na primeira votação sob o comando de Lira, na Câmara, que pautou como primeiro ponto do seu mandato, a reivindicação histórica do capital financeiro que se constitui a autonomia do Banco Central, que será a consumação em última instância da entrega derradeira e definitiva do país aos bancos e ao sistema monetário e sua política cambial. O imperialismo através de Paulo Guedes, ministro da Economia, põe suas garras definitivamente no centro do controle das finanças do país. Já está aventada o retorno da CPMF, que se constituirá como mais um imposto sobre os salários e o consumo dos trabalhadores para compensar a aprovação de um novo auxílio emergencial de miseráveis R$ 200,00. Os trabalhadores pagam caríssimo a conta da crise capitalista. 

O eixo da política anunciada pelo governo Bolsonaro é realizar a reforma administrativa que se aprovada vai corroer ainda mais as condições de vida já combalidas da maioria dos servidores públicos federais, estaduais e municipais do país e colocar em marcha as privatizações das estatais, ampliação das terceirizações, etc. Combinada estas medidas que visam salvar o verdadeiro entulho capitalista com medidas de precaução contra uma provável rebelião de massas estão propostas como o infame projeto de "excludente de ilicitude policial", que é uma carta branca para matar nas manifestações de massa latentes e inevitáveis frente à situação insuportável das massas pauperizadas.

O prefeito de Florianópolis, Gean Loureiro do DEM, antecipando-se à reforma administrativa que tramita no Congresso Nacional, encaminhou para a Câmara Municipal de vereadores da cidade um infame projeto apelidado cinicamente de "direitos iguais", o qual com sua aprovação emendada pela "oposição" revogou na prática a Convenção Coletiva dos trabalhadores da COMCAP, empresa municipal estatal responsável pelo recolhimento e reciclagem do lixo, preparando o caminho para, através da terceirização dos serviços, privatizar uma empresa que às custas da exploração da força de trabalho tornou-se um modelo de eficiência no setor. Bem como aconteceu com os trabalhadores dos Correios no ano passado que viram o poder executivo e o judiciário agirem contra seus interesses, com a retirada da maioria dos seus direitos conquistados em Convenção Coletiva, os trabalhadores da COMCAP assistiram escorrer pelo ralo cerca de 50% do seu poder aquisitivo. Como se não bastasse, o Ministério Público quer punir a organização sindical dos trabalhadores com R$ 1 milhão de multas ao sindicato da categoria, SINTRASEM, e investigação dos dirigentes da greve com punição por dano moral, medida essa que um aparelho repressor do estado burguês não tem nenhuma preocupação de esconder de que é para evitar que uma poderosa greve dos trabalhadores como essa ocorra de novo e tenha se tornado um verdadeiro símbolo de lutas, de abnegação, comovendo e conseguindo o apoio entusiasta da maioria da população que são os trabalhadores.

Os professores de alguns Estados da federação, como em São Paulo, deram início a uma greve sanitária contra o retorno às aulas que gradativamente está sendo imposto à comunidade escolar, em todo o país. Esta pressão iniciou é claro com os mercadores do ensino das escolas e universidades privadas, em  nome do lucro, e da mercadoria que eles transformaram a educação. 

Os bancários do Banco do Brasil já estão realizando pela segunda vez paralisações de um dia contra o anúncio de fechamento de agências e demissão de 5 mil trabalhadores, visando enxugar o banco para a sua privatização. Como se vê, os governos capitalistas não possuem outra estratégia política senão a de leiloar e liquidar com o capital que num passado recente serviu como financiamento de setores da própria burguesia nacional. Essas medidas possuem como alvo principal os trabalhadores dessas estatais, que pela sua luta histórica, esta mesma burguesia foi obrigada para não perder os dedos conceder e transferir uma parte da massa nacional da mais-valia arrancada da força de trabalho produtora de mercadoria, como meio de remunerar melhor o tempo de trabalho socialmente necessário destas categorias. 

Como se pode ver, os trabalhadores não estão dispostos a entregar as suas conquistas históricas pro bandido de graça, há várias demonstrações disso que estão ficando dispersas e isoladas, e que terminam por serem derrotadas parcialmente. O que falta é uma direção política que organize e dirija esta luta contra o centro do poder político da burguesia, papel esse que foi motivo de criação da CUT, em 1983, que no seu nome já embutia a necessidade de centralizar a luta contra o poder do estado burguês. A natureza e a condição social de uma verdadeira burocracia que se adonou da direção da principal e maior central sindical da América Latina não lhe permite nenhuma iniciativa de centralizar através de um Comitê nacional independente dos trabalhadores da cidade e do campo a luta contra as consequências letais da pandemia. Os chamados comitês de contingências criados com a pandemia estão nas mãos das raposas cuidando do galinheiro como no caso do Ministro da Saúde, o general Pazzuelo, especialista em logística a passos de tartaruga, que pode ser motivo de uma CPI (para por panos quentes, provavelmente, no Congresso nacional). Longe de um juízo de valor, de um julgamento moral, a situação ocupada por essa burocracia dentro da sociedade que nos cerca iniciou muito antes de que ela própria pudesse assim determina-la.

A crise capitalista agravada com a pandemia coloca a burguesia no desespero tal, que a mesma é obrigada a se desfazer do manto que se esforçou historicamente em dar a entender que os seus interesses correspondem aos interesses gerais de toda a sociedade. Não há mais margem de manobra de dissimulação dessa dominação histórica, o choque de interesses sociais e políticos está à beira de uma explosão e a tendência a uma pandemia de lutas e mobilizações revolucionárias percorre os quatro quadrantes do planeta Terra. Está colocado na ordem do dia para combater a pandemia que está levando à morte milhões de trabalhadores no mundo inteiro, uma pandemia de lutas que nos conduza a um programa político por governo de trabalhadores.