terça-feira, 9 de fevereiro de 2021

Menchevismo e Bolchevismo na Espanha

 Trótsky nesse texto expõe de maneira magnífica e com uma precisão milimétrica o estrangulamento da revolução civil espanhola pelas forças que em nome da abstração da democracia, enquanto um ente metafísico, como se os interesses materiais de uma ou de outra classe social não fossem o que realmente determina o desenlace de uma feroz luta de classe.

Este debate está atualíssimo em nosso país num momento em que a maioria da centro esquerda que domina os sindicatos e as organizações de massa se preparam para reeditar de maneira mais ampla, sem limites à direita, uma aliança com setores da burguesia que ficaram marginalizadas em relação ao centro que gravita o regime político, esporadicamente, por ora no famigerado Centrão (que está se partindo pelo meio), no interior do Congresso Nacional, o qual Bolsonaro e o bolsonarismo instalado no Palácio do Planalto são obrigados a se apoiar, em função da sua profunda instabilidade política.

A revolução proletária que propugna Trótsky neste texto já foi há muito abandonada por estes setores centro-esquerdistas, que na verdade nunca a defenderam. A tumba do governo Bolsonaro, responsável político por um genocídio de milhares de seres humanos por conta da pandemia não será construída nos limites de um regime político que tem a única e exclusiva função tentar de maneira cada vez mais precária manter o sistema capitalista agonizando por mais tempo, nos marcos de uma catástrofe humanitária.



Leão Trotsky - 1936

As operações militares da Abissínia e do Extremo Oriente são meticulosamente estudadas por todos os estados-maiores militares que preparam a futura grande guerra. Os combates do proletariado espanhol, estes relâmpagos anunciadores da futura revolução internacional, devem ser estudados com não menos atenção pelos estados-maiores revolucionários; é com esta condição somente que os acontecimentos que se aproximam não nos tomarão desprevenidos.

Três concepções enfrentam-se, com forças desiguais, no campo dito republicano: o menchevismo, o bolchevismo e o anarquismo. No que concerne aos partidos republicanos burgueses, eles não têm nem idéias, nem importância política independente e não fizeram mais que manter-se sobre as costas dos reformistas e dos anarquistas. Além do mais, não seria mais que um exagero dizer que os chefes do anarco-sindicalismo espanhol fizeram de tudo para desmentir sua doutrina e reduzir a sua importância praticamente a zero. De fato, no campo republicano, duas doutrinas se estão enfrentando: o bolchevismo e o menchevismo.

Segundo as concepções dos socialistas e dos stalinistas, vale dizer, os mencheviques da primeira e segunda debandada, a revolução espanhola devia resolver mais que as tarefas democráticas; eis porque era necessário constituir um bloco com a burguesia "democrática". Toda tentativa do proletariado de sair dos quadros da democracia burguesa era, deste ponto de vista, não apenas prematura como verdadeiramente funesta. Além disso, o que estava na ordem-do-dia não era a revolução, mas a luta contra Franco. O fascismo é não a reação feudal, mas burguesa: que contra esta reação burguesa não se possa lutar com sucesso a não ser com os métodos da revolução proletária é uma noção que o menchevismo, ele próprio um ramo do pensamento burguês, não quer e não pode tornar sua.

O ponto de vista do bolchevismo, expresso, hoje, somente pela jovem seção da IV Internacional, procede da teoria da Revolução Permanente, a saber, que mesmo as tarefas puramente democráticas, tais como a liquidação da propriedade fundiária feudal, não podem ser solucionadas sem a conquista do poder pelo proletariado, isto, por sua vez, coloca na ordem-do-dia a revolução socialista. Ademais, os próprios operários espanhóis, dos primeiros passos da revolução, atribuíram a si mesmos, na prática, não apenas tarefas democráticas, mais, também, tarefas puramente socialistas. Exigir que não se saia da democracia burguesa é, de fato, não apenas brincar de revolução democrática, mas renunciar a ela. Somente pela transformação das relações sociais no campo é que se pode fazer do camponês, principal massa da população, uma poderosa arma contra o fascismo. No entanto, os proprietários fundiários são ligados por laços indissolúveis à burguesia bancária, industrial e comercial e à inteligentsia burguesa que depende dela. O partido do proletariado encontra-se, deste modo, diante da necessidade de escolher: ou com as massas camponesas ou com a burguesia . Incluir na mesma coalizão os camponeses e a burguesia liberal, não pode ter senão um objetivo: ajudar a burguesia a enganar os camponeses e a isolar os operários. A revolução agrária somente pode ser realizada contra a burguesia, em conseqüência, somente pelas medidas da ditadura do proletariado. Não existe nenhum regime médio intermediário.

Do ponto de vista da teoria, o que choca sobretudo na política de Stálin é o completo esquecimento do ABC do leninismo. Com um atraso de algumas dezenas de anos –; e que anos! –;, a Internacional Comunista restabeleceu completamente em seus direitos a doutrina do menchevismo. Mais ainda, esforçou-se para dar a esta doutrina uma expressão mais "conseqüente" e, por isso mesmo, mais absurda. Na Rússia czarista, no início de 1905, a fórmula "revolução puramente democrática" tinha a seu favor, em todo caso, infinitamente mais argumentos que em 1937 na Espanha. Não é de se espantar que, na Espanha contemporânea, a política "operária liberal" do menchevismo tenha se tornado a política anti-operária, reacionária do stalinismo. De um golpe, a doutrina do menchevismo, esta caricatura do marxismo, foi, por sua vez, caricaturizada.

A Teoria da Frente Popular

Seria, no entanto, ingenuidade pensar que, na base da política do Comintern (1N) na Espanha estivessem alguns "erros" teóricos. O stalinismo não se guia pela teoria marxista, nem por qualquer teoria que seja, mas, empiricamente, pelos interesses da burocracia soviética. Entre eles mesmos, os cínicos de Moscou riem-se da "filosofia" da Frente Popular à la Dimitrov (2N). Eles têm, porém, à sua disposição, para enganar as massas, numerosos quadros de propagandistas desta fórmula sagrada, sinceros ou canalhas, ingênuos ou charlatães. Louis Fischer, com sua ignorância e auto-suficiência, seu estado de espírito de argumentador provinciano organicamente surdo para a revolução, é o representante mais repugnante desta confraria pouco atraente. A "união das forças progressistas", o "triunfo das idéias da Frente Popular", o "dano causado pelos trotskistas à unidade das fileiras antifascistas"... Quem acreditaria que o Manifesto Comunista foi escrito há 90 anos?

Os teóricos da Frente Popular não vão, no fundo, além da primeira regra da aritmética, a da adição: a soma dos comunistas, dos socialistas, dos anarquistas e dos liberais é superior a cada um dos termos desta soma. No entanto, a aritmética não é suficiente neste caso. É necessário utilizar, no mínimo, a mecânica: a lei do paralelogramo de forças verifica-se inclusive na política. A resultante é, como se diz, tanto menor quanto mais as forças divergem entre si. Quando os aliados políticos puxam em direções opostas a resultante é igual a zero. O bloco dos diferentes agrupamentos políticos da classe operária é absolutamente necessário para resolver as tarefas comuns. Em determinadas circunstâncias histórias, onde um bloco como este é capaz de arrastar para si as massas pequeno-burguesas oprimidas cujos interesses são próximos dos do proletariado, a força comum de tal bloco pode mostrar-se muito maior que a resultante das forças que o constituem. Ao contrário, a aliança do proletariado com a burguesia , cujos interesses, no momento atual, nas questões fundamentais, formam um ângulo de 180 graus, não pode, via de regra, mais que paralisar a força revolucionária do proletariado.

A guerra civil, onde a força da violência apenas tem pouca ação, exige dos seus participantes um devotamento supremo. Os operários e os camponeses só são capazes de assegurar a vitória quando eles travam a luta pela sua própria emancipação. Submetê-los nestas condições à direção da burguesia, é assegurar antecipadamente sua derrota na guerra civil.

Estas verdades não são, de modo algum, o fruto de uma análise puramente teórica. Ao contrário, elas representam a conclusão irrefutável de toda a experiência histórica, ao menos a partir de 1848. A história moderna das sociedades burguesas está repleta de frentes populares de todos os tipos, quer dizer, combinações políticas as mais diversas para enganar os trabalhadores. A experiência espanhola é um novo elo trágico.