TESES DA CONFERÊNCIA LATINO-AMERICANA
CONVOCADA PELO PO DA ARGENTINA E O PT DO URUGUAI
Nos dias 15, 16 e 17 de julho de 2016 ocorreu em Montevidéu a Conferência da América Latina da esquerda e do movimento operário, convocada pelo Partido dos Trabalhadores (PT) do Uruguai e pelo Partido Obrero (PO) da Argentina. Mais de 300 companheiros participaram nas três jornadas. Estiverem presentes delegações do POR do Chile, Tribuna Classista do Brasil, Opción Obrera da Venezuela, companheiros do Paraguai, do Partido Obrero da Argentina e, evidentemente, militantes e simpatizantes uruguaios.
Segue abaixo o texto completo que foi aprovado como resultado de um profundo debate na plenária final, que se caracteriza como um documento programático para a ação revolucionária em toda a América Latina.
1. O aspecto político mais relevante que enfrenta a esquerda da
América Latina é o colapso dos governos nacionalistas ou de
centro-esquerda, do chavismo na Venezuela até o petismo, o Kirchnerismo e
o 'luguismo' no Brasil, Argentina e Paraguai, respectivamente. Dentro
desta tendência aparecem no radar a “Frente Cidadã”, no Equador, o
indianismo na Bolívia e a Frente Ampla no Uruguai. Outro aspecto crucial
é o destino da Revolução Cubana.
A situação política em que se encontra a esquerda na nova etapa está
determinada, em grande medida, por sua política durante a experiência
nacionalista. Por isso, para lidar com o novo período é necessário um
balanço rigoroso da ação política na fase anterior. O conjunto das
forças políticas presentes, sejam burguesas e principalmente a esquerda,
não entram nesta etapa como um papel em branco, que estaria aberto
abstratamente a todas as possibilidades oferecidas pelo novo período.
Pelo contrário, estão condicionadas pelos seus programas e por suas
políticas precedentes e até pelos compromissos amarrados na fase que
agora está se esgotando.
Nacionalismo burguês
2. O colapso das experiências nacionalistas em questão é, antes de
mais nada, um resultado político concreto da bancarrota mundial capitalista,
que assumiu um caráter de conjunto da crise bancária-hipotecária de
meados de 2007. É uma consequência política objetiva do colapso
capitalista. Em graus diferentes, a bancarrota capitalista tem afetado a
todos os regimes do mundo inteiro, desde, por exemplo, as revoluções
árabes até o recente referendo sobre a separação da Grã-Bretanha da
União Europeia. Na América Latina, é evidente de Porto Rico e Cuba até a
Colômbia. É retomada com toda força a atualidade da questão da
independência nacional de Porto Rico. É necessária a análise
materialista deste colapso político.
Empurrado para o poder político por bancarrotas econômicas
extraordinárias, desde o início da década de 1990, o nacionalismo de
conteúdo burguês esgota-se agora como resultado do aumento e
aprofundamento daquelas bancarrotas. O chavismo e o nacionalismo militar
venezuelano emergiram do ajuste criminoso do governo da Ação Democrática, em 1989, e do
caracaço; o kirchnerismo, uma metamorfose do menemismo como consequência
do argentinaço; o longo processo de desenvolvimento do PT culmina no
governo de Frente Popular, em 2003, após a bancarrota brasileira que se
sucedeu à crise asiática, o colapso financeiro da Rússia e explosão, de
alcance sistêmico, do fundo LCTM dos Estados Unidos. Os ascensos de Evo
Morales e Rafael Correa, nesse mesmo período, 2000/4, foram o resultado
retardatário e distorcido de grandes insurreições das massas, detonadas
pelas crises das privatizações anteriores.
Como resposta defensiva à crise mundial, o nacionalismo burguês
encontra seus limites intransponíveis nesta mesma crise mundial e no
declínio histórico do capitalismo.
3. O processo nacionalista burguês das últimas duas décadas
caracteriza-se, além disso, por uma proposta de desenvolvimento
capitalista fortemente parasitário. Nos meandros da crise mundial, a
América Latina assistiu a dois ciclos de grandes aumentos dos preços
internacionais das matérias-primas. Foram descritos como o fim da
tendência à deterioração dos resultados negativos do intercambio
comercial. Os superávits comerciais causados por estes aumentos deram
origem, por sua vez, a um novo ciclo do endividamento internacional
(público e privado), promovido pelo apoio oferecido pelo crescimento das
reservas internacionais. O pagamento da dívida externa herdada foi
feito com a emissão de dívida interna e o esvaziamento dessas reservas. A
abundância de liquidez foi aplicada à expansão sem precedentes do
crédito ao consumo, a taxas de juros excepcionais ou subsidiadas pelo
Estado.
Desenvolveu-se, dessa forma, um populismo “bancário”, que engordou os
benefícios financeiros em detrimento de uma hipoteca crescente das
famílias. Foi uma versão latino-americana dos créditos "subprime", que
detonaram a crise nos Estados Unidos. Os chamados planos sociais, em
muitos casos financiados pelo Banco Mundial, embelezados pelo 'conto' do
fomento do consumo, esconderam a falta de criação de emprego e a quase
nenhuma industrialização, e agora estão ameaçados por enormes déficits
fiscais (que eles obedecem, é claro, a outras razões, em primeiro lugar o
pagamento de juros usurários da dívida pública e o financiamento
público subsidiado para os capitalistas). O mito da criação de uma
classe média se derrete agora à vista de todos como a neve às vésperas
do verão.
Longe de ter se esquivado da bancarrota capitalista mundial, a gestão
política nacionalista (às vezes chamada de progressista) operou para
converter a nações da América Latina em um despejo de lixo do capital
financeiro internacional - que encontrou nessas gestões o mercado para
seus excedentes de produção, rentabilidade dos investimentos financeiros
e a recuperação de seus créditos incobráveis. As empreiteiras de obras
públicas 'nacionais' tiveram uma expansão sem precedentes no Brasil
(claro!), na América Central, Venezuela, Cuba, Peru e Argentina,
acompanhadas de um elevado endividamento internacional e um festival de
superfaturamentos.
O colapso das experiências nacionalistas vem acompanhado pelas
falências das empresas estatais e privadas (da Odebrecht e o complexo em
volta da Petrobras até as Telecom ou a siderurgia no Brasil, ou a YPF e
sistema energético na Argentina e PDVSA; déficits fiscais
extraordinários e, finalmente, o default de fato da dívida externa, que só
é honrada com novas dívidas de taxas onerosas e a venda de ativos
industriais).
4. As experiências nacionalistas das duas décadas recentes estão
muito aquém das realizações das que a precederam – como o primeiro
peronismo, o varguismo, o nacionalismo boliviano desde a guerra do Chaco
ou o velazquismo equatoriano. Rafael Correa segue empenhado ainda em
conciliar a proposta nacionalista com a dolarização e a autonomia
econômica com o rentismo petroleiro. Para isso contraiu, da mesma
maneira que a Venezuela, uma dívida impagável com a República Chinesa,
contra a garantia da entrega do petróleo. Ao “eterno retorno” do
nacionalismo aplica-se aquela frase de Marx em relação à repetição da História. O sujeito histórico do nacionalismo – a burguesia nacional -,
que, além disso, se faz por movimentos pequeno burgueses, militares ou
inclusive de “trabalhadores” (PT), é mais impotente que nunca para
encarar uma iniciativa nacional autônoma, no marco da decadência do
capitalismo mundial. As segundas versões não foram, então, melhores; o
nacionalismo é uma proposta historicamente em retrocesso, inclusive
quando assume posições nacionais progressivas de caráter parcial. O
chavismo destacou-se como uma tentativa de ir mais longe que os que lhes
precederam, os desacreditados da Ação Democrática, e a distribuição corrupta do
aparato do estado pelo Pacto do Ponto Fixo (acordo político firmado em 31 de outubro de 1958, entre os três grandes partidos venezuelanos - a Ação Democrática (AD) e a União Republicana Democrática (URD), de centro-esquerda, e o social-cristão Comitê de Organização Eleitoral Independente (Copei) (cristianismo de direita) -, para assegurar estabilidade ao país, após a derrocada da ditadura de Marcos Perez Gimenez alguns meses antes das eleições de dezembro do mesmo ano. Seus efeitos se fizeram sentir até o início dos anos 90).
O socialismo do século XXI
5. O esforço do chavismo por fundamentar sua experiência em termos
bolivarianos (unidade continental) ficou sem destino - até mesmo as
iniciativas do gasoduto do Sul ou do banco do sul. Estas propostas não
foram levadas em conta quando se aprovou a entrada da Venezuela no
MERCOSUL, ou quando se criou o Unasul (um veículo de exportação das
empreiteiras brasileiras e da Embraer), ou menos ainda na ocasião da
criação do Banco de Desenvolvimento proposto pela China. A questão
bolivariana foi reduzida a uma invocação nacionalista romântica, com a
finalidade reacionária de realçar as forças armadas. Foi usada como um
instrumento de propaganda política contra o colombiano Uribe, que foi
designado como um descendente direto do general Santander - que dividiu a
então Grã - Colômbia.
Por outro lado, ignora-se o conteúdo contra-revolucionário que contém
o rótulo do socialismo do século XXI - inventado, além disso, não por
Chavez, mas por um acadêmico diletante, Heinz Dietrich, que já faz tempo
deu marcha à ré e passou a alardear a conciliação com os esquálidos.
Dietrich não foi o único conselheiro que conseguiu a atenção superficial
de Chávez; outros lhe aconselharam a promover a criação da V
Internacional, que não teve a menor importância. A etiqueta do século
XXI é uma réplica de negativa, não já para a Revolução Bolchevique de
1917, mas à Revolução Cubana, o estágio mais elevado que atingiu a
revolução latino-americana. A Revolução Cubana (século XX) começou com
uma abordagem democrática e chegou à expropriação massiva do capital
estrangeiro e nacional. Os simpatizantes mais politizados do chavismo
ignoram o significado estratégico do recuo programático e estratégico
que está contido nesta preferência pelo século XXI.
A atualidade da revolução socialista emana do ingresso do capitalismo
na época do seu declínio ou decadência histórica, da época em que o
desenvolvimento das forças produtivas assume um caráter cada vez mais
parasitário e destrutivo, quando a contradição delas com as relações de
produção e as estruturas estatais e nacionais torna-se mais violenta. O
rótulo de Século XXI, que não é usado somente para banalização ao
socialismo, mas é invocado para troco de nada, não passa de recurso
publicitário ou de marketing político.
O ponto de partida desta decolagem política que, iniciou de fato, o
movimento Sandinista, que, ao contrário da Revolução Cubana, atolou a
revolução vitoriosa de papel mais importante das massas na História da
América Latina (uma guerra civil de massas que deixou 50 mil mortos em
poucos meses), através de uma política de conciliação com a burguesia
democrática... Fê-lo em total acordo com a antiga burocracia da URSS e o
castrismo, que por essa época já tinha abandonado o foquismo e buscava
essa mesma conciliação com as burguesias latino-americanas e os EUA.
Anos mais tarde, o movimento Sandinista voltou ao governo como um
gendarme da ordem capitalista, comandado por Daniel Ortega. O socialismo
do século XXI postula uma mudança social nos marcos do capitalismo, sem
revolução, ou seja, sem a destruição do aparato de estado existente e
sem governo de trabalhadores (ditadura do proletariado). A roupagem
militar e o apoio popular não convertem ao chavismo em socialismo de
qualquer tipo, mas em um 'replay' da demagogia socialista que tem
caracterizado todos os movimentos nacionalistas no mundo. Isso tem sido
assim desde o declínio da Revolução Francesa e, em particular, de
Napoleón III e Bismarck - os 'populistas' por excelência (caracterizados
por promover a maior acumulação de capital no século XIX).
Nacionalizações
6. Aonde mais se observa o declínio do nacionalismo de conteúdo
burguês é no campo das nacionalizações. Em geral, a nacionalização
parcial do capital estrangeiro obedece ao propósito de promover o
desenvolvimento das forças produtivas que a burguesia nacional é incapaz
de fazer por causa da pressão do capital financeiro internacional.
Neste sentido, as nacionalizações procuram melhorar o campo de
exploração social da burguesia nacional e oferecer uma base mais sólida
para o Estado capitalista. No momento oportuno, estas nacionalizações
podem reverter-se em privatizações em benefício dessa mesma burguesia
nativa na medida em que está se desenvolvendo em forma suficiente para
isso. As nacionalizações mais avançadas do nacionalismo latino-americano
foram a do petróleo mexicano por Lázaro Cárdenas; a da United Fruit, na
Guatemala; a mineração na Revolução Boliviana de 1952 e a do petróleo
em 1970; e as do petróleo e as fazendas da Costa pelo governo militar
peruano. A esquerda insiste em confundir as nacionalizações burguesas
com a expropriação do capital que tem como sujeito o proletariado e o
governo dos trabalhadores. A expropriação sem indenização do capital por
parte da Revolução Cubana constituiu uma transição histórica entre as
nacionalizações burguesas mais avançadas e as nacionalizações que fazem
os governos dos trabalhadores que emergem das revoluções proletárias. O
conteúdo histórico delas está condicionado pelo curso posterior da luta
de classes, nacional e internacional. A esquerda é responsável pela
abertura de uma discussão deste processo, com base em uma investigação,
ao invés de substituí-lo com simples etiquetas.
Em numerosos casos, as nacionalizações burguesas operam como um
resgate do capital estrangeiro cobrado das finanças públicas. Esta
renúncia fiscal conspira contra o posterior desenvolvimento das forças
produtivas proposto pela nacionalização. Os casos mais conhecidos são o
executado pelo primeiro Peronismo em relação ao capital britânico que
precisava bater em retirada. O caso das ferrovias é paradigmático, porque
eles enfatizaram uma deterioração que já faz quase um século. Para
atingir seus fins, o imperialismo britânico bloqueou os créditos da
Argentina depositados em Londres. O mesmo pode ser dito da
nacionalização do petróleo da Venezuela, na década de 70, que serviu
para financiar uma especulação imobiliária enorme e ainda maior
corrupção.
Num contexto diferente, o governo de Chavez fez o mesmo com a
nacionalização das telecomunicações (Verizon) e siderurgia (Sidor), às
custas das enormes receitas de petróleo. Em um caso às compensou por um
preço elevado da Bolsa (que se estabelece, especulativamente, pela
rentabilidade esperada, em vez do valor dos ativos), ou seja, com um
prêmio sobre o capital. A nacionalização beneficiou a Verizon em outro
aspecto, porque, em seguida, sua cotação caiu em forma acentuada como
resultado da crise financeira internacional. Em outro, Sidor, o Estado
assumiu todas as dívidas ocultas (passivo trabalhista) do Grupo Techint,
que resultou em uma enorme indenização. A nacionalização deste tipo
constitui uma transferência de renda dos trabalhadores para os
capitalistas estrangeiros, através da renúncia fiscal. Representam uma
descapitalização e, portanto, uma hipoteca para o desenvolvimento das
forças produtivas. O colapso das empresas nacionalizadas, na Venezuela,
tem levado a um declínio nas expectativas estatizantes na consciência
das massas, que se utiliza a direita para promover o retorno do programa
privatizador.
A nacionalização de 51% do capital da Repsol-YPF, por Kirchner, se
fez às custas de uma substancial indenização por uma empresa que tinha
esgotado as reservas de petróleo e gás. O 'conto' nacionalizador
escondeu uma reprivatização do petróleo na Argentina, pois a YPF se
converteu numa empresa mista que cotiza nas bolsas internacionais. O
conto 'nacional e popular' do Kirchnerismo é, também, particularmente
'curioso', porque seu principal esforço foi direcionado para preservar,
com subsídios, para eles, as empresas privatizadas do Menemismo. O
resultado tem sido, em geral, um grande esvaziamento produtivo e
industrial na área de energia. Na onda da demagogia estatizante, a
Frente de Esquerda, na Argentina, desenvolveu uma forte denúncia contra a
reprivatização do petróleo, que foi então confirmada pela associação
secreta da YPF com a americana Chevron.
O manifesto político apresentado pelo Partido Obrero à FIT para a
campanha eleitoral de 2013, focou-se em uma crítica marxista das
nacionalizações capitalistas, suas contradições e limitações.
Outra questão que deve ser discutida é a nacionalização do petróleo
na Bolívia, que está mal contada. Consiste de uma grande mudança na
tributação do capital internacional de petróleo, que tirou as finanças
públicas do déficit crônico. O indigenismo oficial conseguiu, por esta
via, desviar a reivindicação da nacionalização total que fez a
insurreição de outubro de 2003. A mesma coisa aconteceu com a questão
agrária, culminando em um compromisso com a burguesia sojeira de Santa
Cruz e do leste da Bolívia, materializada em uma nova Carta
Constitucional. O compromisso com as companhias de petróleo foi possível
devido ao enorme aumento dos preços internacionais dos combustíveis.
Numerosos agrupamentos de esquerda e sociais que apoiam a FIT na
Argentina, apoiam o indigenismo pequeno burguês do Alti-plano sem
definir uma posição programática sobre este pseudo nacionalismo de
conteúdo capitalista. A doutrina estratégica do indigenismo boliviano é o
desenvolvimento do "Capitalismo andino" (tinha sido batizado de
"Socialismo Andino"), definido como uma aliança entre o capital
estrangeiro, o Estado boliviano e o pré-capitalismo agrário. A proposta
comete a gafe 'teórica' de apontar o Estado como uma categoria social e
de classe, ao lado de outras classes, ou seja, que não está acima das
classes, porque é uma superestrutura política, refletindo e protegendo,
como tal, a estrutura social dominante (é o “marxismo do século XXI").
Durante o período recente, a Bolívia tornou-se um negócio próspero das
empreiteiras brasileiras incluídas na “lava-jato”.
Brasil
7. As limitações colossais deste nacionalismo explicam, por um lado, o
escasso desenvolvimento das forças produtivas na década e meia passada,
assim como o impacto que causou a bancarrota capitalista mundial, nos
dois episódios principais – a queda de preços internacionais e a fuga de
capitais de 2009 e, com mais severidade, a atual. O sempre esgrimido
crescimento do PIB não capta esse desenvolvimento. O desenvolvimento das
forças produtivas é medido pela qualidade do investimento reprodutivo, a
aplicação de tecnologia, o nível de capacidade da força de trabalho, o
desenvolvimento da educação, da saúde, o progresso habitacional e a
infraestrutura urbana. Uma centralização produtiva dos recursos
econômicos existentes deveria operar como uma alavanca industrializadora
potente.
O governo PT/PMDB do Brasil tentou converter a Petrobrás, companhia
mista majoritariamente estatal, nesta alavanca industrial: mediante o
investimento da maior parte dos lucros; o monopólio operacional das
associações com o capital estrangeiro; um importante trabalho de
tecnologia; e o desenvolvimento de um entorno de serviços tecnológicos,
de prestadores de serviços e empreiteiras nacionais sem proceder a
nacionalizações, desenvolveu até certo ponto um nacionalismo burguês e
da grande burguesia. Utilizou as contribuições operárias nos fundos de
pensões e impulsionou a arrecadação fiscal ao banco público de
desenvolvimento – BNDES, com essa mesma finalidade. Tentou, inclusive,
impulsionar a criação de uma burguesia petroleira nacional, através do
apoio ao aventureiro Eike Batista. O colapso fenomenal desta tentativa
estabelece uma conclusão sucinta, porque terminou na quebra de todos os
setores envolvidos, golpe de Estado, que partiu de dentro do próprio
oficialismo, e na venda acelerada de ativos industriais e na revogação das
principais limitações impostas ao capital estrangeiro. A queda vertical
dos preços internacionais do petróleo, as pressões provocadas por um
elevado endividamento internacional, a desvalorização do capital
cotizante e, não menos importante, a difusão da enorme corrupção de toda
esta trama política e econômica (por parte dos setores interessados em
derrubá-lo), tudo isto está metendo o Brasil em uma crise de maior
alcance que a dos anos trinta. O ataque ao movimento operário é
devastador.
8. A esquerda brasileira, frente à crise de conjunto do capitalismo,
depara-se com a obrigação de desenvolver um programa operário e
socialista, ou seja, um governo de trabalhadores, a nacionalização sem
pagamento dos bancos e dos monopólios petroleiros e de toda a
empresa que feche, a escala móvel de salários e horas de trabalho, a
abertura dos livros de todos os monopólios capitalistas, o controle
operário e a convocação de um plano de ação com toda a esquerda e
setores combativos da América Latina.
Ocorre, no entanto, o contrário: propõe a fórmula da democracia, ou
seja, sem transição revolucionária, nem governo dos trabalhadores.
Quando ainda nem se encerrou a etapa do golpe de Estado que destituiu
Dilma Roussef (longe disso, o governo golpista reúne uma base
parlamentar precária), a agenda dominante na esquerda brasileira são as
eleições municipais de outubro próximo e a possibilidade de consagrar
prefeita de São Paulo a uma candidata patronal, Luiza Erundina, que já
governou esta cidade em termos puramente capitalistas. Erundina é uma
ex-petista, oriunda da ala clerical, ministra do governo de Itamar
Franco e até há pouco membro do partido de direita, PSB, e apoiadora do
candidato Eduardo Campos, que morreu em um acidente na campanha
eleitoral do ano passado. A candidata foi lançada pelo PSOL, uma frente
de esquerda e das comunidades de base que romperam com o PT há mais de
uma década. O grupo ligado ao PTS na Argentina pediu seu ingresso no
PSOL. No entanto, em sua terra natal, sua casa central, reivindica a
independência política da classe operária e a hostilidade às
candidaturas patronais. Esta duplicidade entre o principismo e o
oportunismo, é característica de todas as correntes centristas. O PSOL,
em contraste com a FIT da Argentina, que chamou o voto em branco contra
Scioli e Macri na Argentina, apoiou no segundo turno eleitoral das
eleições passadas a candidatura de Dilma Roussef.
Em oposição ao julgamento político de Dilma Roussef, o PT e grande
parte da esquerda tem se refugiado na reivindicação de um plebiscito que
autorize a antecipação das eleições para a presidência (que deveria ter
lugar em 2018), o qual deve ser votado pelo mesmo parlamento golpista e
de ladrões. A proposta conta até certo ponto, com a simpatia de uma
parte da imprensa golpista, que visualiza a impossibilidade de um ajuste
a fundo da economia sem um governo eleito desvinculado dos políticos burgueses submetidos aos processos judiciais contra a corrupção. No Brasil
existe uma desintegração expressa da burguesia contratista
(empreiteiras) e o desenvolvimento de uma reconfiguração capitalista
acompanhada por quebras, resgates e concentração de capitais. A proposta
de eleições presidenciais ou gerais de parte da esquerda, não faz
referência à derrubada do governo Temer por meio de uma ação direta das
massas, que ligue a luta contra as demissões, a carestia e as
privatizações aos métodos da greve e da Greve Geral. Os observadores
políticos preveem que a realização de novas eleições daria a vitória a
uma das diversas coalizões direitistas presentes. A palavra de ordem
eleitoral não educa aos trabalhadores em uma política de luta de
classes. Busca-se uma saída imediata à crise política, ou seja, um
compromisso, em lugar da preparação sistemática da classe operária para
lutar por um governo dos trabalhadores.
No Brasil, a esquerda integrada ao PT impulsionou a chegada desse
partido ao governo em coalizão com o PMDB. Isto ocorreu inclusive depois
que Lula firmou o acordo com o FMI, na campanha eleitoral de 2002 e
nomeou o atual ministro da Fazenda de Temer para a presidência do Banco
Central, depois de um acordo fechado entre Lula e William Rhodes, então
presidente do Citibank (W. Rhodes, Financial Times, 24.06.2004). O PSOL
reivindica, de conjunto, o PT “das origens”, ou seja, que segue aderindo
à perspectiva estratégica traçada pela direção fundadora do PT,
inclusive depois da experiência e os resultados políticos de quase
quatro décadas. A partir desta reivindicação do ponto de partida está
seguindo a seu modo o rumo do seu espelho retrovisor.
Em oposição a esta linha estratégica, é necessário um debate que
estabeleça um novo ponto de partida, ou seja, um programa e uma política
realmente socialistas.
A este debate deveria integrar-se o PSTU, o qual acaba de sofrer uma
cisão em torno à questão do recente golpe de Estado, por um lado, e do
caráter das mobilizações anti-governamentais a partir de 2013. As
propostas democratizantes da esquerda demonstram toda sua inconsistência
frente à derrubada dos processos nacionalistas e à crise de regime que
emergiu como sua consequência. A América Latina ingressa em uma nova
etapa de maiores confrontações sociais e políticas que superam os
limites de seus Estados.
Golpismo
9. O impeachment contra a presidenta Dilma Roussef e sua eventual
destituição constituem um golpe de Estado “tout court (curto e grosso)”,
sem acréscimos, porque implicam uma virada política reacionária nas
relações de classe existentes. Substitui a um governo que revelou sua
inconsistência para aplicar a política de ajuste que reivindica o
capital e para salvar os políticos burgueses e aos grandes capitalistas
dos processos judiciais por corrupção. Inaugura uma nova proposta de
ofensiva contra as massas, sem esperar as novas eleições, nem obter um
novo mandato eleitoral. O governo de Temer não é uma tentativa de
interinato constitucional, mas sim uma nova coalizão política para uma
nova política, que encare o resgate da quebra capitalista e uma ofensiva
mais decidida contra os trabalhadores. Não existe uma mudança no
caráter de classe do governo, mas sim uma tentativa de modificar a
relação pré-existente entre as distintas classes.
Para a esquerda revolucionária, a luta contra o golpe é uma questão
de princípios, porque significa defender as posições conquistadas pela
classe operária frente à ofensiva capitalista – de nenhum modo apoiar ao
governo capitalista destituído. Não defendemos “o mal menor”, mas sim a
posição conquistada pelo proletariado dentro da sociedade e o Estado
capitalista; por isso não esconde sua hostilidade com o governo
estabelecido. A esquerda democratizante, ao contrário, atribui um
caráter progressivo à gestão ajustadora de Roussef, inclusive quando
muitos, entre essa esquerda haviam criticado e até enfrentado a política
ajustadora dessa gestão. Por outro lado, aqueles que discordam da
caracterização de um golpe de Estado, destacam a identificação de
classes entre ambos os bandos capitalistas, ignorando que representa um
salto de qualidade do ataque do Estado capitalista contra as massas.
Àqueles a quem as formas constitucionais se identificam com o
golpismo é oportuno recordar que o governo constitucional que iniciou em
1973, na Argentina, desenvolveu-se por meio de uma sucessão de golpes
“constitucionais”, que primeiro eliminaram ao mandatário eleito,
Câmpora, depois a governadores do mesmo campo político, inclusive por
meios policiais; mais tarde, à criação da Triple A (Aliança Anticomunista Argentina, um grupo parapolicial e terrorista criado dentro do peronismo, da gendarmeria e das Forças Armadas ligados à maçonaria anticomunista Propaganda Due, que assassinou artistas, intelectuais, militantes de esquerda,
estudantes, historiadores e sindicalistas, além de utilizar como
métodos as ameaças, as execuções sumárias e o desaparecimento forçado
de pessoas durante a década de 1970. Foi responsável pelo desaparecimento e morte de quase 700 pessoas e à militarização do
país) – um processo que culminou com a ditadura militar. Naquele momento,
o Partido Obrero advertiu acerca da sequência de golpes, que foram
escamoteados nas formas parlamentares e na popularidade de Perón.
Apesar da falácia dos termos do “impeachment” (pedalada contábil de
contas fiscais), Dilma Roussef, o PT e a burocracia dos sindicatos se
recusaram a desconhecer o voto do Congresso e propor um conflito entre
poderes. A razão é que poderia ter aberto uma brecha para a intervenção
das massas, por um lado, e para a intervenção das forças armadas, por
outro, que teria sido em apoio ao Congresso. O árbitro do golpe de Estado são as forças armadas, ainda que não se trate de um golpe
militar. O golpe de Estado no Brasil não é mais que o segundo ato
golpista depois da derrubada de Lugo no Paraguai, o qual também se
constituiu em um “impeachment” de seus próprios aliados de governo – o
partido Liberal. A burguesia brasileira apoiou com força esse golpe, em
uma espécie de ensaio geral do que se daria depois no Brasil. O
movimento operário e camponês retrocedeu fortemente no Paraguai como
consequência da vitória do golpe, enquanto que, por outro lado,
facilitou uma avalanche de compras de empresas e terras por parte da
burguesia brasileira, com a cumplicidade do governo de Dilma Roussef. A
destituição de Lugo e de Roussef por parte de seus próprios aliados
constitui uma prova contundente da falácia que aposta na colaboração de
classes entre os partidos operários ou pequeno burgueses populares com a
grande burguesia nacional e inclusive com o capital financeiro
internacional.
Uruguai e Chile
10. A Frente Ampla do Uruguai passou por um processo parecido ao do
governo da Frente Brasil Popular. Tabaré Vasquez chegou ao governo em 2005
depois de um longo período de colaboração política com o imperialismo
desde sua gestão em Montevidéu e o respaldo aos ataques patronais ao
movimento operário (greve da construção civil). A FA se constituiu como
uma frente “policlassista”, a princípio com o argumento que era o
veículo das transformações democráticas, agrárias e antiimperialistas. O
balanço é um aumento do submetimento ao capital financeiro, a
primarização maior da economia, a concentração da terra, a
desindustrialização e o avanço da especulação bancária-imobiliária.
A Frente Ampla leva adiante um ajuste contra o movimento operário,
rebaixando salários e aposentadorias, aumentando as tarifas e os
impostos ao salário, e cortando o gasto social na saúde e educação. A
tentativa de proibição de greves (medida que já havia aplicado Mujica
contra os municipários) provocou uma rebelião das bases dos sindicatos
na educação, ao mesmo tempo em que reforçou a integração da burocracia
sindical ao Estado (o caso de Castillo é um dos mais exemplares). Está
se processando um aprofundamento da tendência à ruptura de um setor do
ativismo com o governo. Neste quadro, a direita da FA se desloca até um
governo de “unidade nacional”; de outro lado, as massas, na busca de um
novo polo político de caráter anticapitalista. A tese da ala esquerda da
FA e em especial do Partido Comunista, de que os governos
frenteamplistas não são governos do capital, mas sim “governos em
disputa” é uma justificativa para continuar seu trabalho de retaguarda
do imperialismo e neutralizar os protestos populares para um conflito
interno dentro da Frente Ampla e do próprio governo.
No Uruguai, no entanto, revela-se uma crise semelhante à que pôs fim
ao governo patronal liderado pelo PT, no Brasil, incluindo a pretensão
de Tabaré Vazquez de desenvolver, como tentou Dilma Rousseff, um ajuste
econômico e social sem ter que, primeiro, proceder com uma mudança de
alianças e regime político. Em oposição às correntes frenteamplistas
atual, ou que já romperam com a FA (Assembléia Popular) de recompor "a FA
das origens" ou copiar um chavismo a la uruguaio, o PT do Uruguai
convoca os trabalhadores avançados a construir um partido
revolucionário.
O Chile, após o retorno de Bachelet ao governo, assiste a uma
profunda crise política há somente dois anos que um esgotado
concertacionismo tentou reviver a "Unidade Popular", integrando ao
governo o Partido Comunista. A crise da Nova Maioria enraíza-se na
incapacidade de conter aos diferentes movimentos de lutadores que cortam
o país, no marco de um capitalismo chileno que confiscou de uma maneira
abismal os salários dos trabalhadores e a dilapidação dos recursos
naturais. Trabalhadores terceirizados da mineração, florestais,
portuários, do comércio e o varejo, ao lado de uma luta tenaz do
movimento estudantil por uma educação gratuita, nos últimos dez anos têm
sido a manifestação do estrangulamento das condições de vida das massas
populares nas mãos de uma burguesia nativa aliada com o capital
imperialista internacional. O resultado de quatro décadas de políticas
"neoliberais" de abertura comercial, privatizações (incluindo o profundo
confisco da poupança dos aposentados pelas AFP) e um trabalho
flexibilizado em todas as áreas tem sido a base de um ataque brutal sobre os
trabalhadores, que desenvolvem hoje respostas de luta em todo o país.
Esta versão ultra reacionária da colaboração de classe, que é a Nova
Maioria, sofreu desde o início um retrocesso político, chegando ao
governo com 60% de abstenção. Esta tendência continua se desenvolvendo
como consequência de uma profunda crise política que coloca no centro a
todos os partidos tradicionais que têm defendido por décadas a herança
da ditadura. Esta versão degradada da política frente populista está
fadada ao fracasso, já que suas pretensões de propor um plano de
"reformas" sem alterar as bases sociais nem as instituições criadas sob a
ditadura, não pode representar, sob qualquer termo, a canalização das
aspirações sociais dos trabalhadores e dos setores populares... Estamos
diante de uma política de resgate da herança deixada por Pinochet. Esta
situação se agravará, produto dos golpes da bancarrota capitalista,
donde a queda dos preços do cobre está diminuindo a arrecadação fiscal,
empurrando uma política de ajuste e limitando um regime de arbitragem
por meio da assistência social. As demissões começaram a massificarem-se
no país, o que está dando origem a diferentes greves no setor do
comércio e a luta dos trabalhadores do salmão em Porto Montt, que está
marcando um ressurgimento do movimento operário baseado em piquetes,
assembleias de base e greves ilegais.
Neste quadro da
situação é colocada a tarefa central da batalha pela delimitação
política da Frente Popular, baseada na iniciativa de recuperar as
organizações operárias e estudantis para uma alternativa de
independência política. O Chile começa a entrar em uma nova etapa política,
onde o esgotamento da experiência da Concertação abre um campo de ação
para a construção de uma alternativa operária e socialista.
Chavismo
11. Outro
elemento que se destaca para o posicionamento da esquerda nesta nova
etapa é a experiência do nacionalismo Bolivariano como movimento popular
ou de massas. O Chavismo realizou a maior transferência de renda dos
rendimentos do petróleo em empreendimentos sociais (habitação, educação,
saúde), possivelmente de toda História da América Latina. Esta agenda
foi a menina dos olhos do seu programa. Vê agora, tardiamente, os
limites de aço de uma economia rentista, cuja bonança havia calculado
para um século; o povo da Venezuela assiste, não já a descontinuidade
desses planos sociais, mas a incerteza da preservação do que foi feito e
a possibilidade da sua reversão. Isto se manifesta na disputa aberta
da titularização da propriedade das casas construídas, devido à
insegurança jurídica criada pela crise e a incapacidade do Estado para
garantir toda a infraestrutura de manutenção e reparos, que estariam nas
mãos das famílias beneficiárias.
Este gigantesco
empreendimento social foi realizado por uma organização paralela ao
Estado, as chamadas "missões". O Chavismo, com uma proposta em princípio
mobilizadora, 'saltou' para dentro do Estado, em vez de destruir o aparato
burocrático desse Estado e transformá-lo em uma máquina dirigida por
órgãos de poder das massas. Salientou-se, desta forma, a desqualificação
e a precarização dos trabalhadores e dos serviços públicos desse
Estado, o que explica a oposição gerada na saúde e educação. A mesma
coisa aconteceu com as cooperativas que substituíram as empresas que
aderiram à sabotagem do petróleo de 2002/3. É também o que fez o
kirchnerismo, em versão farsesca com as cooperativas de trabalho ou de
habitação dirigidas pela camarilha de Shocklender e Milagro Salas, entre
outros. Assinalou-se, em geral, uma cooptação e arregimentação dos
movimentos populares. A empresa capitalista, na Venezuela, não foi
substituída por empreendimentos de gestão operária sob um plano
econômico único e o desenvolvimento de uma legislação trabalhista mais
avançada. As grandes empresas estatizadas crescem sob a negligência e a
corrupção de uma burocracia oficial. O resultado da gestão Bolivariana
não foi a consolidação do proletariado, mas uma atomização poderosa.
Este é um risco fundamental da desintegração econômica que tem lugar nos
dias de hoje.
O processo Bolivariano penetrou profundamente na esquerda da
Venezuela, que tornou-se uma cobertura do chavismo, alegando que isso
desenvolvia um processo revolucionário; por exemplo, o Ccura e Maré
Socialista. O chamado maoísmo tornou-se "minguado" como alguns ex
lambertistas. Durante os eventos eleitorais, a esquerda tem participado,
em locais diferentes, de frentes díspares e sem princípios determinados
pelos cálculos oportunistas ocasionais.
É com este pano de fundo que entra em uma nova fase extraordinária,
que anuncia mudanças radicais de regime, em um quadro de crise que
envolve todas as classes sociais e todos os níveis do Estado, incluindo
as forças armadas. Envolve diretamente ao imperialismo ianque, bem como
Cuba e a vizinha Colômbia, para toda a América Latina e grande parte da
União Europeia. Os países 'aliados' do Unasul mudaram sua posição
política, passaram ao campo diplomático que pressiona por uma mudança de
regime na Venezuela, como o ilustrado pela posição do Uruguai. O
macrismo argentino trocou sua hostilidade inicial por uma posição
favorável para uma transição acordada, como reivindica a administração
de Obama.
12. Na Venezuela, um importante retrocesso político é processado. O
regime plebiscitário de Chavez, que reivindicava para si a solidez do
voto popular, tornou-se um regime de fato, que governa por decreto,
violentando a soberania da Assembleia Nacional dominada pela direita
esmagadoramente nas recentes eleições. Este governo por decreto está se
sustentando pelo apoio da cúpula militar, no quadro de uma rejeição
majoritária da população, de acordo como indicam as pesquisas que não
são questionadas. As forças armadas se encarregam da distribuição dos
alimentos. Do lado econômico está em curso um plano de ajuste e de
desvalorização externa do bolivar, que visa garantir o pagamento da
vultosa dívida externa do Tesouro e da PDVSA. Circulam propostas, no
governo, para vender ativos estatais para pagar a dívida externa e
melhorar a capacidade de importação do país. O que resta do capital
estrangeiro se retira da Venezuela.
A "guerra econômica" que denuncia o chavismo desenvolve-se no âmbito
desta desorganização econômica e da prioridade ao pagamento da dívida
externa. O fechamento das contas dos bancos privados e do Banco Central,
pelo Citibank, é, por um lado, uma expressão do estado de suspensão de
pagamentos da Venezuela e, por outro lado, traduz a pressão de um setor
do capital financeiro para acelerar o desfecho da crise política. O
capital internacional se sente encorajado pela vitória do macrismo na
Argentina, o golpe de Estado no Brasil e o giro anti-chavista do governo
do Uruguai. Os trabalhadores são chamados a lidar com fábricas que são
esvaziadas, ou não tem financiamento. A militarização crescente do
Estado, mesmo que seja uma militarização 'Bolivariana', não é
progressiva, mas reacionária. Historicamente, esses governos de fato
presidiram as transições entre regimes políticos e até sociais, mediando
entre as forças em disputa. Lembramos do golpe de Estado 'Comunista' de
Jaruzelsky, na Polônia, que contou com o apoio do Vaticano e serviu
para a transição a um novo regime político. Precisamente por esta razão,
setores cada vez mais vociferantes da direita venezuelana reivindicam
um golpe contra Maduro às forças armadas chavistas.
Uma parte representativa da oposição esquálida (direita) construiu um programa
próprio para a crise. Mendoza, o proprietário da empresa nacional
principal, a Polar, levantou um programa de aguçado caráter 'macrista':
eliminação do controle das mudanças e dos preços regulados, apoiado por
uma 'ajuda' ou socorro financeiro internacional, cujas fontes não
definiu. O impacto deste 'rodrigazo' seria na Venezuela,
consideravelmente mais catastrófico que o do macrismo - que, aliás, tem o
apoio de todo arco político, especialmente do peronismo e do PJ. A
transição política marcha a toda a velocidade, embora na superfície
prime o imobilismo.
Entendemos que a esquerda venezuelana deve chegar a um acordo prático
em torno a uma reivindicação política de conjunto. É a condição para
que possa intervir como protagonista político independente nesta crise;
pode reagrupar aqueles setores que romperam com o PSUV com propostas
progressistas. Deve abrir essa discussão com máxima urgência. Em
oposição ao governo militarizado de fato por um lado e a uma revogação
de conteúdo direitista, que também parece incompatível com o acelerado
ritmo da crise, a nossa proposta é a chamada para uma Assembleia
Constituinte livre e soberana. A proposta deve servir para construir as
assembleias populares que podem postular-se, eventualmente, como
convocadores da Assembleia Constituinte. Uma proposta deste tipo iria
servir, em qualquer caso, para que a esquerda apareça como uma postulante autônoma para o poder, que permita intervir nas diferentes
fases pelas quais vão passar por esta crise, que promete ser explosiva e
prolongada.
Crise mundial
13. A crise aberta na América Latina não é uma simples evidência de
limitações políticas subjetivas, quer dizer de classe, programa e
estratégia da diversidade de governos nacionalistas. É, antes de tudo,
uma crise de conjunto de suas estruturas sociais e políticas, nos marcos
de uma bancarrota capitalista de caráter mundial. A queda dos fenômenos
nacionalistas opera como um acidente histórico que põe a descoberto o
declínio capitalista e a gravidade da crise em curso. Isto condiciona e
contamina os processos políticos de mudança que encabeça a direita. A
tentativa “restauradora” da direita inaugura uma etapa de maior
potencial revolucionário. Não inaugura uma etapa de arrefecimento da
luta de classes, mas sim de acentuação desta luta. Parte da ruptura do
equilíbrio político precedente e inicia um período de desequilíbrios
políticos maiores.
Um exemplo eloquente é o México, onde assistimos a um início de
rebelião contra o governo e a perseguição exercida contra os
trabalhadores e a juventude. Em Oaxaca, capital de Estado, a Coordenação
Nacional dos Trabalhadores da Educação (CNTE) liderou uma demonstração
massiva em repúdio ao massacre de seis professores e para exigir
"punição para os culpados" e o aparecimento com vida de 22 pessoas
desaparecidas. A demonstração chegou ao Zócalo e ao Instituto Estatal de
Educação Pública. A CNTE, do sindicato dos professores, rejeita a
reforma da educação porque estipula que os postos de ensinos dos
professores devem ser atribuídos pelo governo e não pelos sindicatos,
como ocorria antes, impõe avaliações dos professores e denunciam a
privatização da educação. Segue ainda não esclarecido o massacre de 43
alunos da Escola Normal Rural de Ayotzinapa em 2014. O confronto
crescente entre os explorados, a juventude e o governo de Peña Nieto
está colocando uma bomba-relógio nos próprios portões do imperialismo
ianque, um país-chave para o Tratado Trans-Pacífico (TTP). A luta de
classes no México articula a América Latina com a revolução no centro do
imperialismo mundial.
Esta fase, na América Latina, tem lugar em um marco internacional
concreto. A ruptura da União Europeia, com a saída da Grã-Bretanha, é um
salto de qualidade na bancarrota capitalista. A UE foi o empreendimento
contra-revolucionário político mais importante da burguesia mundial,
após a segunda guerra. É um bloco econômico, político e militar - neste
último como sucursal da OTAN. Foi um instrumento de disciplinamento do
proletariado e a arma política mais relevante para sustentar a
restauração capitalista na ex União Soviética, encarada pela burocracia
de cunho stalinista. Um quarto de século após a dissolução da URSS se
destaca a desintegração de seu coveiro. As violentas contradições do
capitalismo são impostas acima dos reveses e derrotas do proletariado.
O chamado Brexit expôs a vulnerabilidade do mercado internacional dos
capitais mais importantes do mundo. Obriga o Estado a operar um segundo
resgate capitalista no centro nervoso do capital financeiro, quando nem
sequer fecharam ainda as fissuras financeiras deixadas pelo resgate de
2008 – e nem inclusive foram superadas. Combina com a bancarrota
declarada pelos bancos italianos; a corrida bancária parcial na Espanha;
e acima de tudo a insolvência dos dois principais bancos na Alemanha.
Na zona do euro se desenvolve um processo de desintegração, crises
políticas e luta da classe operária - como é o caso da Grécia e a
França, por um lado, e na Europa central, por outro. A dívida nacional
desses países, à força de salvamentos de bancos, beira 300% do PIB. Um
termômetro enérgico do impasse econômico é a dívida pública colocada a
taxas de juros negativas, que passou entre janeiro e junho passado de U$
1,3 bilhões para U$ 13,5 bilhões. Isso implica em uma ameaça para o
sistema bancário e às companhias de seguros e um registro inapelável da
tendência à deflação monetária e à depressão econômica. A retirada da
Grã-Bretanha e a crise da zona do euro podem levar, alternativamente, a
uma desintegração desses territórios, ou sua transformação em um
território colonial da Alemanha seguida pela França. Nos Estados Unidos,
a vitória do Trump na interna republicana revela uma tendência
chauvinista, que responde a um crescimento da rivalidade econômica e
mesmo militar entre as potências capitalistas, manifestada no mar da
China, na Ucrânia e na agressão imperialista no Oriente Médio e norte da
África.
Este quadro mundial condiciona os recursos disponíveis para as
burguesias latino-americanas para sair das experiências nacionalistas sob
suas próprias bases. A enorme superprodução de mercadorias e capital
explica que a frente nacionalista internacional dos chamados BRICS
passou para uma vida melhor, pois todos os seus membros enfrentam
ameaças de falência. A aliança do Brasil com a China abriu caminho para
uma reivindicação de ruptura comercial de parte da indústria siderúrgica
instalada no Brasil.
A crise mundial tem um desenvolvimento desigual, bem como acontece
com o capitalismo e a História em geral. A China, por exemplo, rebateu
com um enorme gasto público o impacto da crise mundial em sua economia, o
que levou a um 'boom' dos preços internacionais das matérias-primas. As
derivações destas despesas foram responsáveis por 30% do PIB dos países
produtores destes bens (Martin Wolf, "The Shifts and the Shocks"). A
China enfrenta agora uma hipoteca da dívida fenomenal e, pela primeira
vez, autorizou os procedimentos de falência. Nos últimos meses, a
acentuação da queda das taxas de juro nos mercados internacionais de
dívida pública, produziu um retorno parcial dos capitais de curto prazo
para a América Latina, por suas altas taxas de juros. A falência
econômica também produz seus próprios negócios: a venda de ativos da
Petrobras lhe reabriu, embora de forma precária, o mercado da dívida
externa. Esta volatilidade produto da crise não deve confundir-se com o
financiamento de uma expansão econômica que, por ora, não tem
fundamentos. A Argentina tem expandido sua dívida pública em U$ 25
bilhões, nos últimos meses, para pagar aos fundos abutres e financiar a
saída de lucros e dividendos. Um novo ciclo de endividamento
internacional tem bases mais restritas que no passado e as consequências
mais explosivas.
Se a experiência macrista serve de guia de rota para as tentativas
semelhantes que se esboçam na América Latina, o balanço provisório é
claro: um aumento fenomenal da inflação, um crescimento do elevado
déficit fiscal herdado, uma suba enorme das taxas de juros e uma aguçada
recessão econômica. Os esboços democrático-eleitorais e o apoio massivo
da oposição patronal para as suas medidas mais decisivas, não foram
suficientes para evitar uma resistência, que já é enorme, ao 'rodrigazo'
tarifário. O macrismo foi posto na defensiva, em seu curto período de
governo por uma revolta popular contra o tarifaço, que também causou um
princípio de fratura no aparato estatal (amparo judicial a favor dos
usuários). Perfila-se, além disso, um novo ciclo de reivindicações
salariais, apesar do apoio da burocracia sindical à nova gestão. O
governo macrista ainda tem de encontrar os recursos econômicos e
políticos para sua política de ajustes, e então impô-los através de uma
intensa luta de classes. É um regime dividido entre camarilhas
capitalistas, sem base parlamentar própria, condicionado no governo pela
exigência de ganhar as eleições parlamentares no próximo ano.
A esquerda na nova etapa
14. Na Argentina e na América Latina, esta crise de conjunto coloca o
desafio de que a esquerda se torne uma alternativa política de
conjunto, desta vez já não sob formas democratizantes, como na década e
meia passada, mas sim operária e socialista. Faria em confronto com os
partidos patronais históricos em desintegração, burocracias sindicais
desprestigiadas e a chegada em menor número das forças reformistas ou
democratizantes. Para isso é necessário um debate político e uma
compreensão adequada da situação presente.
Na Argentina, a Frente de Esquerda tornou-se um canal político desta
alternativa, particularmente em 2013, quando alcançou seu melhor
desempenho eleitoral e até mesmo derrotando o peronismo - governante e
opositor - na capital de Salta. Seguiu se desenvolvendo no movimento
operário, especialmente entre delegados e comissões internas. Em abril
passado, uma lista de esquerda e classista, encabeçada em todos os
sentidos pelo Partido Obrero, ganhou o sindicato dos pneumáticos
(Pirelli, Firestone, Fate, etc.); com este mesmo caráter foram
conquistadas posições no sindicato dos professores, entre as estatais,
em seções da CTA (Central de centro-esquerda), na indústria da
construção civil, da alimentação, na grande indústria de alumínio, entre
outros. O programa da Frente de Esquerda propõe o desenvolvimento da
independência política dos trabalhadores e o governo dos trabalhadores.
Em contraste com esta perspectiva é que se desenvolveu na Frente de
Esquerda uma tendência em direção ao Kirchnerismo, por parte do PTS. É
uma repetição histórica degradada da dissolução dessa mesma corrente no
peronismo, especialmente após o golpe de 55; o suporte para o retorno de
Perón, em 1972; a incorporação de parte do peronismo à Frente do Povo,
em 1985. Em cada encruzilhada histórica, essa corrente posou seu olhar
em uma frente com o peronismo e na adaptação política à verborragia
nacionalista. Colocou inclusive em marcha uma revisão histórica
favorável ao foquismo montonero; combina sem pudor o eleitoralismo com
uma pose militarista (em 2011 na campanha eleitoral estava reivindicando
em particular os escritos militares de Von Clausewitz; em 2013, o
desenvolvimento da democracia pela igualdade dos salários dos
legisladores com os professores). Esta adaptação é manifestada também na
Bolívia, aonde se abstiveram na reeleição de Evo Morales, ao invés de
rejeitá-la, ou no pedido de entrada no Psol, que impulsiona a Luiza
Erundina como candidata nas próximas eleições municipais de São Paulo.
Em diversas tentativas de coordenação sindical, tanto o PTS como a
Esquerda Socialista rejeitaram, como inoportuna, a reivindicação da
independência política da classe trabalhadora, em razão da necessidade
de atender a ideologia de ativistas peronistas. O seguidismo é postulado
como uma tática política. Na lista Negra nos pneumáticos, no entanto,
existem ativistas de primeiro nível que permanecem romanticamente
ligados ao peronismo, que defendem a independência política dos
trabalhadores. A ruptura do PTS com a FIT, em ocasião do 1 ° de Maio,
explica essa linha. O pretexto pueril, a saber, que a IS não
caracterizava como golpe o movimento contra Dilma Rousseff, obedeceu a
uma orientação de dar um sinal de aproximação ao Kirchnerismo, que tinha
se expressado em uma frente parlamentar do PTS com a oposição burguesa
em defesa incondicional do governo de Dilma - para pior, com o objetivo
posto nos resultados que poderiam obter para as eleições de renovação
parlamentar de 2017.
O pretexto da luta contra o golpe de estado no Brasil operou como uma
cortina de fumaça contra o desenvolvimento da alternativa política da
FIT ao governo de Macri e seus partidários políticos. O mesmo sentido
teve a votação parlamentar do PTS a favor do plebiscito proposto pelo
Kirchnerismo para um pagamento dos fundos abutres nos termos da
reestruturação regida para o conjunto da dívida permutada, em oposição à
posição revolucionária do parecer do PO propondo o não-pagamento da
dívida, no que constituiu uma formidável denúncia do regime como um todo
e em particular do kirchnerismo, que garantiu o pagamento serial da
dívida externa com os fundos dos aposentados. A mídia digital do PTS
aponta claramente nessa direção, porque tornou-se uma tribuna para o
Kirchnerismo, que está oculto com entrevistas jornalísticas de
porta-vozes da direita. As diferenças políticas, como aconteceu com a
posição da IS, devem ser discutidas com tempo e método e a participação
ativa do conjunto dos militantes. As perspectivas políticas da FIT
exigem uma clara delimitação do centrismo político das forças que a
integram. O Partido Obrero tem se destacado por uma delimitação rigorosa
e uma crítica sem concessões à experiência auto-proclamada "nacional e
popular" - que é o conteúdo principal do avanço da esquerda. Isto está
em contraste com a oposição ao Kirchnerismo da chamada "esquerda plural"
(MST, Libres del Sur), que ignorou esta tarefa ao aliar-se à oligarquia
agrária no conflito de 2008 e formar listas eleitorais com os
representantes políticos da indústria automobilística de Córdoba e
também seguidores do macrismo.
A nova etapa encontra a FIT em uma encruzilhada. A adaptação ao
Kirchnerismo por parte do PTS – o levou a uma ruptura política, como
aconteceu com o boicote ao ato do 1º de maio (há uma ruptura já faz
tempo dos acordos de co-gestão das representações parlamentares e,
portanto, uma usurpação política das bancadas conquistadas). Em oposição
a esta adaptação e às tendências democratizantes presentes, o PO
caracteriza que a etapa política atual oferece uma possibilidade
consideravelmente maior para que a esquerda revolucionária se coloque
como uma alternativa política ao colapso capitalista e ao esgotamento e
até mesmo desintegração dos partidos patronais da Argentina. A luta pela
independência de classe do proletariado é o degrau político para
estabelecer um governo socialista da classe trabalhadora.
15. O balanço geral revela a falência completa e definitiva do
chamado Fórum de São Paulo, cujos governos ruíram como resultado de suas
limitações políticas e até mesmo sua colaboração com o imperialismo.
A esquerda latino-americana aborda a nova etapa de bancarrotas
capitalistas e de regimes políticos na América Latina, delimitada em
três blocos. Por um lado, uma direita que reivindica o frentismo
'plural' e democratizante e que se esforça para apagar qualquer
distinção entre a classe trabalhadora e os explorados, de um lado, e a
burguesia de outro, e que se manifesta no apoio e na promoção de
candidatos patronais. Por outro lado, uma esquerda centrista, que oscila
entre o frentismo democratizante e especialmente na adaptação ao
nacionalismo ou democratismo burguês (como ocorre na Bolívia, Brasil e
Argentina). Finalmente, um polo revolucionário, que defende o princípio
de acordos práticos com todas as correntes presentes quando se trata de
promover uma luta de massas, mas combate pela independência do
proletariado como trabalho preparatório para um governo da classe
operária. A estratégia desta última corrente está resumida na palavra de
ordem dos Estados Unidos Socialistas da América Latina, incluindo Porto
Rico.
Parlamentarismo, sindicatos
16. As últimas décadas caracterizaram-se pelo lugar histórico sem
precedentes dos processos eleitorais, resultado de um cruzamento de
processos históricos latino-americanos e internacionais. Seja como for,
resultou em um protagonismo eleitoral, também inédito, da esquerda e em
particular da trotskista. Em alguns países levaram a organizações
trotskistas aos Congressos ou Assembleias nacionais. Esta circunstância
pôs à prova a capacidade dessas organizações para desenvolver uma
atividade revolucionária no campo eleitoral e no Parlamento. Obviamente,
a capacidade para satisfazer este objetivo depende, em primeiro lugar,
dos programas e das estratégias das forças da esquerda presentes, que
são, na sua maioria, democratizantes, ou seja, eleitoralistas e
reformistas. Como tem se denunciado na imprensa de esquerda do Brasil, o
PSOL aceitou contribuições de grandes corporações para suas campanhas
eleitorais e o mesmo PSOL justificou esta aceitação. As oportunidades de
reconhecimento político que oferecem os processos eleitorais para
correntes confinadas a uma atividade sindical ou marginalizadas na luta
política, quando não diretamente sectárias, funcionaram como um poderoso
fator de pressão para a adaptação eleitoral aos prejuízos da chamada
"opinião pública". É o caso já mencionado da proposta de equiparar o
salário dos parlamentares aos professores para acabar com "a casta
política" e "avançar a democracia". Não é mais do que o charlatanismo do
Podemos da Espanha. Ao igualar com esta “casta política” a persistência
dos dirigentes socialistas mais antigos, o palavreado democrático se
converteu agora em contra-revolucionário.
Para que processos democráticos possam ser explorados pela esquerda
revolucionária é necessário fazer uma caracterização adequada deles. O
mesmo se aplica ao parlamentarismo: são, por um lado, a oportunidade de
levar a propaganda socialista para as grandes massas, mas ao mesmo tempo
um mecanismo de legitimação do Estado e uma pressão para substituir a
luta de classes pela arbitragem do sufrágio e da representação popular.
No campo da burguesia, as frações democratizantes ou simplesmente
demagógicas, usam o trabalho legislativo para bloquear a ação direta dos
trabalhadores, quase sempre instigadas pela burocracia dos sindicatos
ou com sua colaboração. Na Argentina, os parlamentares do PTS deram seu
apoio aberto a uma legislação 'anti-demissões' "acordada" por frações de
oposição da burguesia, que visava substituir a luta dos trabalhadores
pela arbitragem da justiça do trabalho e justificar a inanição dos
sindicatos frente às suspensões e demissões. O Partido Obrero denunciou,
desde o primeiro momento, a "parlamentarização" da reivindicação da
burocracia sindical, usando a tribuna parlamentar durante 50 dias de
crise e debate sobre o item, para defender, no seu projeto, um programa
baseado na distribuição das horas de trabalho sem afetar o salário -
escala móvel de horas de trabalho, em função das greves e ocupações de
fábricas para enfrentar as demissões e da proposta de Greve Geral contra
o conjunto do ajuste. Curiosamente, o PTS havia combatido, no início da
FIT, propostas de legislação feitas pela esquerda, como puro
eleitoralismo. Ignorava o trabalho legislativo do PO, no âmbito
municipal, que obteve aprovação parlamentar para a redução das horas de
trabalho dos metroviários e desencadeou uma enorme luta dos
trabalhadores, impulsionando o trabalho na empresa para derrubar a
burocracia sindical e, mais recentemente, um grande movimento pelas seis
horas da enfermagem. Assim como no parlamento nacional reanimamos um
movimento nacional pela reparação de 36 mil trabalhadores da YPF e
depois para o sindicato dos telefonistas abrindo rotas de
desenvolvimento do classismo.
Os golpes de Estado em vários países, embora não diretamente militar;
os massacres no México e a aliança entre o Estado e o narcotráfico; os
massacres de camponeses no Paraguai; os paramilitares na Colômbia; o
assassinato de ativistas de esquerda por capangas patronais na
Venezuela; os assassinatos sistemáticos dos trabalhadores e líderes
sem-terra e indígenas no Brasil; as mortes dos lutadores na Argentina,
por gangues da burocracia e da polícia e o chamado gatilho fácil; tudo
isto demonstra a fragilidade e a improvisação da tão comentada etapa
democrática na América Latina. A política que tem por base a perspectiva
de durabilidade e aprofundamento dos processos democratizantes carece
de sustentação.
17. O ascenso da esquerda e das correntes trotskistas na América
Latina manifesta-se fortemente nos sindicatos. Novos progressos, no
entanto, podem ser bloqueados por um agudo faccionalismo. Este
faccionalismo exacerbado é, por um lado, o reflexo de um período
prolongado de desenvolvimento marginal e sectário e, por outro lado, de
uma imaturidade que se caracteriza pela substituição da delimitação
política pela briga de aparatos. Isto tem impedido o desenvolvimento
sindical que poderia ter sido mais enérgico, especialmente no Brasil,
Argentina e Venezuela. Na luta contra este bloqueio, defendemos a frente
única de todas as tendências combativas nos sindicatos.
A Revolução Cubana
18. Nas últimas
décadas, a Revolução Cubana ficou retraída como foco de referência para
as massas da América Latina, até mesmo para o surgimento de novas
experiências políticas que provocaram enormes ilusões políticas nos
explorados. A principal razão pela qual, no entanto, tem sido o impasse
completo que atingiu o regime político da Ilha é sua política de
colaboração com as burguesias nacionais e o próprio imperialismo. Há uma
tendência para desqualificar seu resultado histórico, no entanto segue
representando uma referência para os trabalhadores da América Latina,
especialmente por sua capacidade de resistência ao maior imperialismo de
todos os tempos - a 90 milhas de suas costas. Manteve-se, também, sua
peculiaridade histórica frente à restauração capitalista na URSS e seu
entorno geopolítico e à penetração vigorosa do capitalismo na China e
Vietnam. A aceitação, por parte dos EUA, de relações diplomáticas com
Cuba, constitui um recuo político do imperialismo, após mais de meio
século de bloqueio, independentemente de ter a mesma finalidade de
retomar a colonização capitalista da Ilha. O bloqueio permanece de pé,
embora diminuído, como arma de extorsão para impor ao país as pretensões
do imperialismo.
Com evidentes ziguezagues, Cuba está encarando uma solução para a sua
estagnação econômica pela via da colaboração do capital internacional, e
por uma política de ajuste e maior diferenciação social. Não tem a
possibilidade, no entanto, de que se reproduzam as características do
caminho da China na direção do capitalismo, porque não tem a capacidade de oferecer um mercado interno ao capital internacional,
mas tornar-se uma plataforma de exportação e um paraíso turístico e
imobiliário. Em última análise, que faria de Cuba uma espécie de
República Dominicana, Porto Rico e de Haiti. Porto Rico, a menor ilha
das Antilhas enfrenta agora um default econômico generalizado que tem
reduzido a nada seu status de Estado associado dos EUA, porque passou a
ser governado por um Comitê de supervisão financeira e fiscal, com o
compromisso de pagar sua dívida externa enorme. O caminho chinês levou a
própria China a uma crise de potencial monumental e ao mesmo tempo cada
vez mais impetuoso desenvolvimento da luta de classes dos
trabalhadores. A bancarrota mundial capitalista opera, por um lado, como
um fator de pressão para a abertura completa de Cuba ao capital
internacional e, por outro lado, como um limite intransponível de suas
possibilidades, porque isso vai acentuar o impasse do regime político e a
luta dos trabalhadores.
Cuba continua sendo uma sociedade em transição, com a particularidade
de que está governada por uma burocracia estatal forte e uma crescente
tendência interna, que favorece a privatização da propriedade pública.
Esta condição dá à proposta de parceria com o capital estrangeiro uma
forte conotação restauracionista. Um regime proletário procuraria atrair
investimentos estrangeiros, em condições de isolamento e de crise, de
acordo com um fortalecimento da ditadura do proletariado. Os grandes
debates no bolchevismo, na década de 1920, mostram a rejeição do
esquematismo hierárquico. Se o processo da China serve de exemplo, a
perspectiva de uma renovação revolucionária em Cuba passa pela luta em defesa da
organização independente dos sindicatos, o desenvolvimento da autonomia
política da classe trabalhadora e a perspectiva de um governo dos
trabalhadores.
Os governos de Cuba e dos Estados Unidos são os principais promotores
do processo de paz na Colômbia, que tem o apoio da União Europeia e da
ONU. O longo processo guerrilheiro na Colômbia, há muito tempo, entrou
em uma clara decomposição e sofreu derrotas militares contundentes. As
conversações de paz visam integrá-lo ao regime político e ao Estado
capitalista, o propósito indicado pelas próprias Farc. O resultado, no
entanto, permanece incerto devido ao rápido crescimento do
paramilitarismo e ao agravamento da questão agrária. Um acordo de paz
não vai resolver nenhuma das contradições explosivas da Colômbia. As
novas condições políticas deveriam ser usadas para convocar a construção
de um partido revolucionário.
Tarefas
19. O propósito dessas teses e da Conferência sobre a América Latina é
de servir para o debate político e a elaboração de um programa. Não
pode haver um partido sem programa, ainda que seja isto o que está
ocorrendo na América Latina. Os participantes da conferência adotam um
plano de trabalho de difusão das teses e a sua discussão na esquerda, no
movimento operário e na juventude.
Assinam: Partido dos Trabalhadores (Uruguai), Partido Obrero
(Argentina), Partido Obrero Revolucionário (Chile), Tribuna Classista
(Brasil), Opção Obrera (Venezuela), Emigdio Idoyaga (Paraguay), Osvaldo
Coggiola (Brasil).