sexta-feira, 3 de novembro de 2017

ABAIXO A INTERVENÇÃO DA CATALUNHA



POR UMA ASSEMBLEIA CONSTITUINTE LIVRE E SOBERANA NA CATALUNHA EM TODO O ESTADO ESPANHOL
Jorge Altamira 
(Membro da Direção Nacional do Partido Obrero da Argentina)
 




A intervenção da Catalunha por parte do Reino da Espanha converteu ao conjunto do regime político espanhol num “estado de exceção”. Alegar que foi aplicada uma cláusula constitucional é uma falácia, porque a admissão duma suspensão dos direitos constitucionais por parte da mesma Constituição é uma contradição em termos. É o que havia introduzido o artigo 21 da Constituição da República de Weimar (1919), para combater a ação política do proletariado alemão. Cumpre essa função, na Argentina, a faculdade que outorga a Constituição ao Congresso e ao Poder Executivo para declarar o estado de sitio e a intervenção federal nas províncias. A negação dos direitos constitucionais pela mesma Constituição converte a esta, primeiro numa ficção, depois numa camisa de força.
O estabelecimento do “estado de exceção” constitui uma habilitação política para a intervenção das forças armadas. Nessa fonte é onde procuram sua ‘legitimidade’ os golpes de Estado. “O rei”, literalmente, “ficou nu”. Nem Rajoy nem Sánchez podem alegar que a secessão da Catalunha responde à pressão de interesses externos (como já acontecera, por exemplo, com o Panamá em relação à Colômbia, ou a separação das Províncias Unidas do Rio da  Prata), quando todos eles se pronunciaram contra a independência catalã. A intervenção da Catalunha é uma declaração de inviabilidade do Estado espanhol. De acordo com as versões não confirmadas, Rajoy teria aceitado uma reforma da Constituição, que propugna o PSOE, mas que não poderá ser soberana, ou seja, por em xeque o regime monárquico. É uma manobra rebaixada para dissimular a putrefação veloz da ‘ala esquerda’ do Partido Socialista.
A precipitação, contudo, apenas dissimula um recuo. O projeto de Rajoy estabelecia um período de seis meses de intervenção, com direito à prorrogação, que agora foi reduzido para 53 dias. A tentativa de substituir com pessoal próprio os escalões da administração regional e os municípios teria desatado uma rebelião popular em escala histórica. Rajoy preferiu administrar a Catalunha à prudente distância de 600 km. Após um compromisso com o PSOE, com o propósito de explorar, eventualmente, uma quebra da frente independentista. Rajoy e seu amigo Sánchez não teriam dificuldade em tomar o exemplo de Nicolás Maduro, quem também convocou eleições regionais com opositores proscritos e com a exigência de reconhecer “a Constituinte fraudulenta (“ A la grande Maduro”, dito em espanhol). As eventuais eleições de dezembro estão condicionadas ao desconhecimento do referendo separatista do 1º de outubro passado, e à aceitação da Constituição monárquica. A democracia espanhola transferiu à Catalunha o ‘estado de direito’ que repudia na Venezuela.
Dá a impressão de que o Estado espanhol e seus mentores da UE pretendem repetir na Catalunha o ‘grande Tsipras’, primeiro ministro grego, que desconheceu um referendo, convocado por ele mesmo, quando se comprovou que rejeitava os acordos de dívida com a ‘troika’ integrada pelo FMI, o BCE e a Comissão Europeia. Naquele momento, a banda internacional de usurários não se incomodou com esta violação dos princípios da democracia canalizados pela via legal. Hoje, todos rasgam suas vestimentas contra a ‘ilegalidade’ catalã. Como consequencia, Carlés Puidgemont tentou evitar a intervenção, com uma proposta de adiantar ele mesmo as eleições, inclusive para a mesma data, e soltar uma declaração de independência por parte do Parlamento catalão. Não foi suficiente para a camarilha de Madrid, que não tem intenção de que as eleições de dezembro discutam a independência, nem de que participem os líderes do independentismo. As mencionadas eleições anunciam um agravamento da crise política e a passagem a um “estado de exceção” mais extremo.
O independentismo representa a maioria popular. O 1º de outubro passado, em condições de repressão e sabotagem, reuniu 43% do eleitorado e 90% de votos a favor; nas eleições imediatas prévias ao referendo havia obtido 48% dos votos apurados. Os observadores atribuem ao campo contrário da independência 36% do eleitorado e entre 12 e 15% aos que oscilam entre uma e outra posição. Com estas cartas na mesa, a resistência à intervenção de Rajoy deve conduzir a uma situação de duplo poder. A convocatória para dezembro é um traço feito na areia.
A declaração da independência por parte do Parlamento catalão, na última sexta-feira, estabelece a convocação para uma Assembleia Constituinte, que deveria dar forma à República da Catalunha. A instalação imediata da Constituinte – livre e soberana – deveria liderar a luta contra a intervenção do Estado espanhol. Aliás, permite uma palavra de ordem de maior alcance: a convocação de uma Assembleia Constituinte livre e soberana para toda Espanha. Oferece a oportunidade para se fazer um chamado à classe operária da Catalunha a apresentar seu próprio programa republicano: um programa que ponha fim ao ‘ajuste’ e à precariedade das relações trabalhistas, por meio do controle operário, e a nacionalização de todos os meios financeiros e produtivos estratégicos. Um programa que substitua a burocracia permanente do Estado por um Estado deliberativo e executivo dos trabalhadores. É um instrumento político vital para convocar a unidade de todo o proletariado do Estado espanhol.
À cabeça do movimento independentista se encontram a pequena burguesia e uma burguesia fragmentada. Isto é o que dá origem a um campo de manobras do Estado espanhol. A burguesia catalã se encontra integrada ao Estado espanhol e à Europa do capital financeiro, que lhe foi útil para enriquecer durante quarenta anos. A crise alcança a toda Espanha; comove a todas as classes sociais do Estado e à classe operária. A UGT e as Comissões Operárias funcionam como agentes da monarquia espanhola contra o direito à liberdade da Catalunha e contra os operários da Espanha; os sindicatos catalães (vão a reboque) da burguesia local.
A intervenção da classe operária em defesa da autodeterminação da Catalunha deve desenvolver-se, não sobre uma base nacional senão de conjunto, ou seja, que deve servir para recuperar a consciência histórica de classe do proletariado espanhol. Com esta perspectiva estratégica tem que ser enfrentada a intervenção de Rajoy-Sánchez, reivindicar uma Assembleia Constituinte livre e soberana, e desenvolver um bloco operário de toda a geografia do Estado espanhol, por uma República Federativa e Socialista dos povos ibéricos.