POR UMA ASSEMBLEIA
CONSTITUINTE LIVRE E SOBERANA NA CATALUNHA EM TODO O ESTADO
ESPANHOL
Jorge Altamira
(Membro da
Direção Nacional do Partido Obrero da Argentina)
A intervenção da Catalunha por parte do Reino da Espanha
converteu ao conjunto do regime político espanhol num “estado de
exceção”. Alegar que foi aplicada uma cláusula constitucional é uma
falácia, porque a admissão duma suspensão dos direitos
constitucionais por parte da mesma Constituição é uma contradição em
termos. É o que havia introduzido o artigo 21 da Constituição da República de
Weimar (1919), para combater a ação política do proletariado alemão. Cumpre
essa função, na Argentina, a faculdade que outorga a Constituição ao
Congresso e ao Poder Executivo para declarar o estado de sitio e a
intervenção federal nas províncias. A negação dos direitos constitucionais
pela mesma Constituição converte a esta, primeiro numa ficção, depois numa
camisa de força.
O estabelecimento do “estado de exceção”
constitui uma habilitação política para a intervenção das forças armadas. Nessa
fonte é onde procuram sua ‘legitimidade’ os golpes de Estado. “O rei”,
literalmente, “ficou nu”. Nem Rajoy nem Sánchez podem alegar que a secessão da
Catalunha responde à pressão de interesses externos (como já acontecera, por
exemplo, com o Panamá em relação à Colômbia, ou a separação das Províncias
Unidas do Rio da Prata), quando todos eles se pronunciaram contra a
independência catalã. A intervenção da Catalunha é uma declaração de inviabilidade
do Estado espanhol. De acordo com as versões não confirmadas, Rajoy teria
aceitado uma reforma da Constituição, que propugna o PSOE, mas que não poderá
ser soberana, ou seja, por em xeque o regime monárquico. É uma manobra rebaixada
para dissimular a putrefação veloz da ‘ala esquerda’ do Partido Socialista.
A precipitação, contudo, apenas dissimula um
recuo. O projeto de Rajoy estabelecia um período de seis meses de intervenção,
com direito à prorrogação, que agora foi reduzido para 53 dias. A tentativa de
substituir com pessoal próprio os escalões da administração regional e os
municípios teria desatado uma rebelião popular em escala histórica. Rajoy
preferiu administrar a Catalunha à prudente distância de 600 km. Após um compromisso
com o PSOE, com o propósito de explorar, eventualmente, uma quebra da frente
independentista. Rajoy e seu amigo Sánchez não teriam dificuldade em tomar o
exemplo de Nicolás Maduro, quem também convocou eleições regionais com
opositores proscritos e com a exigência de reconhecer “a Constituinte
fraudulenta (“ A la grande Maduro”, dito em espanhol). As eventuais eleições de
dezembro estão condicionadas ao desconhecimento do referendo separatista do 1º
de outubro passado, e à aceitação da Constituição monárquica. A democracia
espanhola transferiu à Catalunha o ‘estado de direito’ que repudia na
Venezuela.
Dá a impressão de que o Estado espanhol e seus
mentores da UE pretendem repetir na Catalunha o ‘grande Tsipras’, primeiro
ministro grego, que desconheceu um referendo, convocado por ele mesmo, quando
se comprovou que rejeitava os acordos de dívida com a ‘troika’ integrada pelo
FMI, o BCE e a Comissão Europeia. Naquele momento, a banda internacional de
usurários não se incomodou com esta violação dos princípios da democracia
canalizados pela via legal. Hoje, todos rasgam suas vestimentas contra a
‘ilegalidade’ catalã. Como consequencia, Carlés Puidgemont tentou evitar a
intervenção, com uma proposta de adiantar ele mesmo as eleições, inclusive para
a mesma data, e soltar uma declaração de independência por parte do Parlamento
catalão. Não foi suficiente para a camarilha de Madrid, que não tem intenção de
que as eleições de dezembro discutam a independência, nem de que participem os
líderes do independentismo. As mencionadas eleições anunciam um agravamento da
crise política e a passagem a um “estado de exceção” mais extremo.
O independentismo representa a maioria
popular. O 1º de outubro passado, em condições de repressão e sabotagem, reuniu
43% do eleitorado e 90% de votos a favor; nas eleições imediatas prévias ao
referendo havia obtido 48% dos votos apurados. Os observadores atribuem ao
campo contrário da independência 36% do eleitorado e entre 12 e 15% aos que
oscilam entre uma e outra posição. Com estas cartas na mesa, a resistência à
intervenção de Rajoy deve conduzir a uma situação de duplo poder. A
convocatória para dezembro é um traço feito na areia.
A declaração da independência por parte do
Parlamento catalão, na última sexta-feira, estabelece a convocação para uma
Assembleia Constituinte, que deveria dar forma à República da Catalunha. A
instalação imediata da Constituinte – livre e soberana – deveria liderar a luta
contra a intervenção do Estado espanhol. Aliás, permite uma palavra de ordem de
maior alcance: a convocação de uma Assembleia Constituinte livre e soberana
para toda Espanha. Oferece a oportunidade para se fazer um chamado à classe
operária da Catalunha a apresentar seu próprio programa republicano: um
programa que ponha fim ao ‘ajuste’ e à precariedade das relações trabalhistas,
por meio do controle operário, e a nacionalização de todos os meios financeiros
e produtivos estratégicos. Um programa que substitua a burocracia permanente do
Estado por um Estado deliberativo e executivo dos trabalhadores. É um instrumento
político vital para convocar a unidade de todo o proletariado do Estado
espanhol.
À cabeça do movimento independentista se
encontram a pequena burguesia e uma burguesia fragmentada. Isto é o que dá
origem a um campo de manobras do Estado espanhol. A burguesia catalã se
encontra integrada ao Estado espanhol e à Europa do capital financeiro, que lhe
foi útil para enriquecer durante quarenta anos. A crise alcança a toda Espanha;
comove a todas as classes sociais do Estado e à classe operária. A UGT e as Comissões
Operárias funcionam como agentes da monarquia espanhola contra o direito à
liberdade da Catalunha e contra os operários da Espanha; os sindicatos catalães
(vão a reboque) da burguesia local.
A intervenção da classe operária em defesa da
autodeterminação da Catalunha deve desenvolver-se, não sobre uma base nacional
senão de conjunto, ou seja, que deve servir para recuperar a consciência
histórica de classe do proletariado espanhol. Com esta perspectiva estratégica tem
que ser enfrentada a intervenção de Rajoy-Sánchez, reivindicar uma Assembleia
Constituinte livre e soberana, e desenvolver um bloco operário de toda a
geografia do Estado espanhol, por uma República Federativa e Socialista dos
povos ibéricos.