terça-feira, 7 de novembro de 2017

CEM ANOS QUE SEGUIRAM COMOVENDO O MUNDO



Jorge Altamira (Fundador e membro da Direção Nacional do Partido Obrero da Argentina)

Bolshiness is back” foi a manchete que escolheu faz algumas semanas o semanário The Economist para advertir acerca “das similitudes com o mundo que produziu a Revolução Russa". “O bolchevismo está de volta”, admite a revista, numa impensada admissão do “fantasma que percorre a Europa”. Na gíria do Reino Unido, ‘bolshiness’ aplica-se às pessoas desafiantes e rebeldes. Interessante.
As circunstâncias similares que The Economist assinala com esse passado é, por um lado, a bancarrota financeira corrente e a estagnação da economia e a produtividade, e por outro, as guerras internacionais que proliferam no Oriente Médio e no leste da Europa. É o crescimento do desemprego, da pobreza e a vulnerabilidade trabalhista. A humanidade assiste a uma aguda decadência do capitalismo e inclusive a barbárie. Centenas de milhares de pessoas sucumbem pelos “danos colaterais” dos mísseis e semeiam de cadáveres o Mediterrâneo. A revista do capital financeiro ascende as luzes de alarme.
A Revolução de Outubro, no entanto, que é o que se comemora nesse ano, supera sem dúvida as suas circunstâncias. Por isso recupera um cenário que não abandona nunca. A dissolução da União Soviética e sua conversão na economia de mercado não deu lugar, vinte e cinco anos depois, à esperada expansão do capitalismo senão, pelo contrário, a uma desintegração interminável da União Europeia e à maior crise capitalista desde os anos 30 do século passado. Tem dado lugar a Trump e a uma crise política inédita nos Estados Unidos, ao menos desde a guerra civil. Não tem abandonado "a guerra fria" pela "paz universal", senão que tem engendrado um estado de guerras permanentes. O refluxo que sofreu o processo revolucionário mundial, desde finais dos 70, é circunstancial. A Argentina de 2001 não é um fenômeno local. À ordem do dia se encontra de novo "a catástrofe que nos ameaça e como combatê-la".
O que distingue historicamente a Revolução de Outubro é sua condição universal. Não substitui uma classe exploradora por outra, senão que coloca a abolição de toda forma de exploração. Não afirma um interesse nacional, senão internacional. Entre seu inicio, no mês de fevereiro, e outubro, esgota todas as formas políticas que no mundo ocidental levou duzentos anos: desde um governo burguês, distintas coligações, uma ameaça bonapartista, o golpe militar, um pré-parlamento e uma tentativa final de regime de “democracia pura” de partidos socialistas – os explorados são levados à instauração dum regime político integralmente original. Por meio desta experiência emerge um regime revogável de Conselhos operários e camponeses – onde os trabalhadores deliberam e governam.
Todas as formas de transição política da democracia formal foram incapazes de terminar com a guerra, entregar a terra aos camponeses e estabelecer uma Assembleia Constituinte, o que foi feito  pelo governo soviético em horas e dias. Também revolucionou em seguida a legislação de direitos políticos e sociais – entre eles o divórcio, o aborto seguro, a descriminalização da homossexualidade e o acesso ao ensino público com conteúdos renovados. A reação stalinista, fruto do refluxo revolucionário e duma confiscação do poder político, varreria com esses direitos no curso de uma década. No meio de crises internas e debates imensos, um partido político sem paralelo na história, de dezenas de milhares de membros ativos, se converteu em ferramenta decisiva para levar a revolução à vitória, e evitou a tragédia duma saída pinochetista ou hitlerista.
A universalidade da Revolução de Outubro se resume no seguinte. Foi dirigida pela classe operária num país esmagadoramente camponês; por um partido de intelectuais num país de analfabetos; por um partido internacionalista num império de nacionalidades oprimidas; por um partido ateu numa sociedade mística; e até por um partido com numerosos quadros judeus numa sociedade fortemente anti-semita. A necessidade histórica varreu com as divisões e contingências particulares mais arraigadas.
Este é o legado de Outubro de 1917 para a época atual de bancarrotas, guerras e revoluções.