terça-feira, 30 de janeiro de 2024

HÁ CEM ANOS ATRÁS, NO DIA 21/01/1924, MORRIA O PRINCIPAL DIRIGENTE DA REVOLUÇÃO DE OUTUBRO, NA RÚSSIA, LÊNIN, JUNTO COM LEON TROTSKY

Guilherme Giordano

O Agrupamento Internacionalista TRIBUNA CLASSISTA presta uma homenagem a Vladimir LÊNIN, no Centenário da sua morte, em 21/01/1924, reivindicando a vigência das suas ideias e da sua luta.  

Nesse sentido traduziremos alguns artigos da histórica Revista Em Defesa do Marxismo, no formato de um Dossiê on line, editada e publicada pelo Partido Obrero da Argentina.

Algumas conclusões em relação às homenagens a LÊNIN que podem ser tiradas é que várias correntes políticas estão celebrando no centenário da sua morte um LÊNIN que não existiu.

LÊNIN, que segundo Leon Trótsky, em Lições de Outubro, em abril de 1917, em seu retorno do exílio, teria condenado a política de Stálin e Kamenev, os quais na condição de dirigentes da redação do jornal, como conciliacionista, por defenderem o que era bom e criticarem o que era ruim do governo provisório de Kerenski, governo de conciliação de classes, que LÊNIN e os bolcheviques lutaram obstinadamente para derruba-lo e assim o fizeram tomando o poder político da burguesia em Outubro daquele ano. 

Nas mesmas Lições de Outubro, Trótsky conta que frente à tentativa de golpe de estado do general Kornilov, LÊNIN teria mobilizado todo o partido para derrota-lo, deixando bem claro que a derrota de Kornilov não se tratava em nenhum instante em dar um tostão de apoio ao governo de colaboração de classes de Kerensky, antes pelo contrário, serviria como facilitador da preparação da tomada do poder pelos bolcheviques.

Da mesma maneira podemos citar o caso da Primeira Guerra Mundial em que os bolcheviques tiveram uma posição derrotista da Rússia na guerra, para tira-la da guerra. Antes, LÊNIN teria em 1907 junto com Rosa Luxemburgo assinado uma resolução internacionalista que dizia pura e simplesmente: "No caso de que apesar de tudo exploda uma guerra, é obrigação do proletariado intervir a fim de por fim à mesma o mais rapidamente possível, e com toda a sua força aproveitar a crise econômica e política criada pela guerra para agitar entre os estratos mais profundos do povo e precipitar a derrubada da dominação capitalista." 

Um LÊNIN nacionalista burguês, frentepopulista, chauvinista, etc. é o que várias correntes políticas da esquerda procuram apresentar nos dias de hoje frente aos governos colaboracionistas como o de Lula, no Brasil, ou como no caso da guerra imperialista desenvolvida pela OTAN na Ucrânia, em que uma parte da esquerda está na rabeira do imperialismo e do seu lacaio, Zelensky, como é o caso do PSTU/LIT e da maioria das correntes morenistas, senão todas; e outra parte indo a reboque do chauvinismo grão russo do czar, representado pela camarilha restauracionista de Putin. 

Defendemos intransigentemente os princípios que ficaram marcados por Lênin e León Trótsky na direção do Partido Bolchevique, em Outubro de 1917, que levaram a classe operária à tomada do poder, vitoriosamente, pela primeira vez na História da humanidade e que para nós significou tão somente o primeiro sinal da Revolução Mundial do proletariado que está por vir.


Vide links: https://revistaedm.com/edm-24-01-21/el-fantasma-de-lenin-recorre-el-mundo/ e

https://revistaedm.com/


100 ANOS APÓS SUA MORTE

O fantasma de Lenin ronda o mundo


Validade e atualidade da revolução socialista

O dia 21 de janeiro marca o centenário da morte de Lenin. A Revolução de Outubro está integralmente associada à sua figura, uma não pode estar dissociada da outra. O líder bolchevique não só liderou com firmeza e convicção a insurreição que levou à tomada do poder, mas também esteve na vanguarda do imenso trabalho preparatório realizado durante várias décadas em todos os níveis – político, organizacional, militante. Sem esta preparação teria sido impossível coroar tal empreendimento com sucesso. A Revolução de Outubro é o culminar de uma construção histórica que teve Lenin como principal arquiteto.

Lenin enfrentou o desafio de estabelecer o primeiro Estado operário de mãos dadas com uma revolução triunfante, removendo a burguesia do poder. O antecedente mais próximo, a Comuna de Paris, foi uma experiência efêmera e de curta duração que sucumbiu à contrarrevolução burguesa. O proletariado, pela primeira vez, assumiu as rédeas e a liderança da sociedade, inaugurando uma nova era da humanidade.

Apelando às próprias palavras de Lenin, a importância histórica universal do bolchevismo, liderado por ele e mais tarde incorporado na Terceira Internacional, a Internacional Comunista, "reside no fato de ter começado a pôr em prática o slogan mais importante de Marx, o slogan que resume o desenvolvimento secular do socialismo e do movimento operário, a palavra de ordem expressa neste conceito: ditadura do proletariado. Esta previsão brilhante, esta teoria brilhante está a tornar-se realidade (….). Estas palavras latinas estão atualmente traduzidas para as línguas de todos os povos da Europa contemporânea, na verdade, para todas as línguas do mundo. Uma nova era começou na história universal. A humanidade livra-se da última forma de escravatura: a escravatura capitalista, isto é, a escravatura assalariada. Ao libertar-se da escravidão, a humanidade adquire pela primeira vez a verdadeira liberdade.”

Lenine assume este desafio de entrar pela porta da frente da história, superando todas as pressões e hesitações, incluindo a atitude hesitante da liderança do seu próprio partido.

A Revolução Russa

Não podemos escapar ao fato de que o primeiro Estado operário acabou por abrir caminho num país atrasado e semifeudal, um fato que não estava nas previsões marxistas originais. Marx e Engels previram que a transição para o socialismo iria ocorrer nos países capitalistas mais avançados. Não é demais assinalar que os fundadores do socialismo científico já começaram a mudar de ideias, ao acompanharem o metabolismo que ocorreu no desenvolvimento do capitalismo, na sua difusão à escala global e na criação de uma classe trabalhadora em diferentes cantos do mundo. A Rússia não é exceção e dentro dela emerge um proletariado cujo peso social e político estaria se tornando mais importante. Já Marx e, em maior medida, Engels observaram como, de covil da reação, o império czarista estava a tornar-se num dos centros mais vitais da atividade revolucionária. O marxismo expandiu-se no império czarista no calor deste desenvolvimento capitalista e é o que está na base da emergência dentro da intelectualidade e entre os setores mais lúcidos da classe trabalhadora de uma geração excepcional de revolucionários que abraçaram a causa do socialismo. Lenin é o expoente mais brilhante desta geração.

O marxismo não é um dogma, mas um guia para interpretar a realidade e assim ter a capacidade de transformá-la. Isto foi novamente corroborado pela abordagem de Lenin ao caráter da Revolução Russa, à dinâmica das diferentes classes sociais dentro do império czarista e às conclusões e tarefas que surgiram desta caracterização. Em vez de se apegar a um esquema, a qualidade que distingue Lenin é que ele se aprofunda na análise do cenário que tem de enfrentar e, o mais importante, não hesita em levar até ao fim as consequências que derivam dessa análise. :

“Como foi possível que tenha sido precisamente um dos países mais atrasados ​​da Europa o primeiro a estabelecer a ditadura do proletariado, a organizar a República Soviética? (….) É surpreendente que a implementação da ditadura do proletariado tenha mostrado, acima de tudo, a “contradição” entre o atraso da Rússia e o seu “salto” acima da democracia burguesa? Seria surpreendente se a história nos oferecesse a possibilidade de implementar uma nova forma de democracia sem uma série de contradições. Qualquer marxista, incluindo qualquer homem familiarizado com a ciência moderna em geral, a quem perguntássemos se é possível a passagem uniforme e harmonicamente proporcional dos vários países capitalistas em direcção à ditadura do proletariado, responder-nos-ia sem dúvida pela negativa. No mundo do capitalismo houve e nunca poderia haver nada de uniforme, harmonioso ou proporcional. Cada país tem vindo a desenvolver com particular ênfase um ou outro aspecto ou traço, ou todo um conjunto de traços, inerentes ao capitalismo e ao movimento operário. O processo de desenvolvimento ocorreu de forma desigual. (…) A história mundial conduz inevitavelmente à ditadura do proletariado. Mas não o faz, longe disso, em estradas lisas, planas e retas.” 1

Quando se trata de escrever a sua biografia e reconstruir a trajetória do líder da Revolução de Outubro, não se tem dado a devida atenção a uma das primeiras e grandes obras: “Desenvolvimento do Capitalismo na Rússia”, na qual faz uma análise rigorosa das características e peculiaridades do desenvolvimento capitalista no império czarista. Isto leva-o no campo político a uma delimitação com os populistas que propõem a ilusão de partir das propriedades comunais da terra existentes no campo russo para avançar para uma coletivização da terra, sem ter que passar pelo capitalismo. Lenin salienta que as formas comunais eram típicas do atraso semifeudal russo e de um regime de servidão dos camponeses sujeitos ao despotismo e à opressão dos proprietários de terras e da nobreza. Um impulso transformador não pode vir daí. Lenin argumenta que este desenvolvimento capitalista já estava ocorrendo e era inevitável. O autogoverno comunal era inviável, porque a própria comuna camponesa já estava atravessada pelos antagonismos típicos do modo de produção capitalista.

A Rússia tinha pela frente uma transformação radical da sua estrutura social (revolução agrária) que já tinha ocorrido no passado nas nações capitalistas avançadas no quadro das chamadas “revoluções burguesas” modernas. Em torno desta questão, um divisor de águas se estabelece na Rússia, mesmo nas fileiras daqueles que se dizem marxistas. Há quem defenda que, visto que a revolução que a Rússia teve antes era burguesa, esta tarefa deveria ser liderada e desenvolvida pela burguesia liberal. O proletariado teve que acompanhar este processo como segundo violino. Esta foi a posição dos marxistas legais e mais tarde dos mencheviques. Os bolcheviques sustentavam, por outro lado, que, devido aos seus laços com a nobreza, ao seu entrelaçamento com o capital estrangeiro, à sua covardia e adaptação ao czarismo, a burguesia não podia e não queria assumir as transformações democráticas burguesas sobre os seus ombros. Estas tarefas (revolução agrária, república) foram reservadas aos trabalhadores e camponeses. Estas duas classes seriam as forças motrizes da revolução que deveria ser enfrentada através de uma aliança entre elas. Lenin não está vinculado a nenhum esquema. A crença mais difundida entre este marxismo mais domesticado era que a revolução socialista seguiria o mesmo esquema das revoluções burguesas. Que a transição para o socialismo seria semelhante aos processos pelos quais, as burguesias revolucionárias acederam ao poder político a partir das mesmas bases materiais da velha sociedade. Mas não foi assim. A história propôs caminhos mais intrincados e contraditórios e é isso que está na base das propostas de Lenin. Não havia necessidade de esperar pela burguesia liberal, tínhamos que preparar a revolução na Rússia, que ele resumiu numa fórmula algébrica: a ditadura democrática do proletariado e do campesinato. As condições estavam maduras e não dependiam de um desenvolvimento capitalista prolongado das forças produtivas, mas da crise política e da disposição revolucionária das classes oprimidas.

O próprio curso dos acontecimentos revelou que, devido à sua heterogeneidade, diferenciação interna e dispersão geográfica, os camponeses foram incapazes de se estabelecerem como uma força política independente. A disputa pela representação dos seus interesses é corporificada pelas classes e partidos da cidade, ou seja, entre a burguesia e o proletariado. A partir desta constatação, Lenin substituiu o slogan original do poder pelo da ditadura do proletariado. A classe trabalhadora foi chamada a assumir as rédeas do poder político, atuar como força dirigente e liderar o resto das massas exploradas, começando pelas massas camponesas.

Ditadura do proletariado e democracia burguesa

As obras de Lenin são de natureza acadêmica, mas definem e sustentam uma estratégia política e são um guia para a ação. O líder da Revolução de Outubro tinha uma premissa muito clara: sem teoria revolucionária não há movimento revolucionário. O livro O Estado e a Revolução não surgiu como consequência da Revolução Russa, mas sim o contrário. A Revolução Outubro é inspirada e alimentada pelas premissas e concepções gerais que se refletem na referida obra. É aí que se faz a defesa e a reivindicação da ditadura do proletariado em oposição ao Estado capitalista e se desmascara a impostura da democracia burguesa.

Esta premissa é o que está na base granítica da construção da Terceira Internacional: “A república burguesa mais democrática sempre foi e não poderia ser outra coisa senão uma máquina de opressão dos trabalhadores pelo capital, um instrumento de poder político de capital, a ditadura da burguesia. A república democrática burguesa prometeu poder à maioria, proclamou-o, mas nunca foi capaz de alcançá-lo, uma vez que existia propriedade privada da terra e de outros meios de produção.

Pela primeira vez no mundo, a democracia soviética ou proletária criou uma democracia para as massas, para os trabalhadores, para os trabalhadores e para os pequenos camponeses. Nunca existiu no mundo um poder estatal exercido pela maioria da população, um poder efetivamente desta maioria, como o poder soviético.

Isto reprime a “liberdade” dos exploradores e dos seus auxiliares, priva-os da “liberdade” de explorar, da “liberdade” de enriquecerem à custa da fome, da “liberdade” de lutar pela restauração da poder do capital, da “liberdade” de conspirar com a burguesia estrangeira contra os trabalhadores e camponeses da sua pátria.” 2

A obra Imperialismo, fase superior do capitalismo  orienta-se na mesma direção, pois aponta para uma compreensão da fase histórica em que o capitalismo, sob o domínio dos monopólios e do capital financeiro, passa por um ponto de inflexão e entra numa fase de decomposição e decadência. O imperialismo é a reação ao longo de toda a linha em que todas as contradições capitalistas são exacerbadas ao extremo. Não se trata de regressar ao passado – ao capitalismo de livre concorrência – o que é impossível, mas de olhar para o futuro. Trata-se de preparar os trabalhadores para acabar com o capitalismo e abrir o caminho para o socialismo. O imperialismo é caracterizado como uma “fase de transição” entre uma organização social exausta que deve e merece ser enterrada e o advento de uma organização social superior.

Imperialismo e revolução

O texto do imperialismo, escrito no meio e no calor da maré revolucionária que sacode a Europa, reforça o alcance geral da batalha estratégica pela ditadura do proletariado na medida em que a economia mundial sob o imperialismo elimina definitivamente a distinção entre países maduros e imaturos para o socialismo. A exportação de capitais, que passa a ter um papel mais importante que a exportação de mercadorias, faz com que o capital entre nos lugares mais remotos do planeta e crie, a partir do desembarque e da penetração capitalista, uma classe trabalhadora. Como resultado destes investimentos capitalistas, o atraso coexiste com as indústrias modernas. O desenvolvimento desigual e combinado do capitalismo cria o sujeito capaz de liderar um processo de transformação revolucionária.

Por outro lado, a análise de Lenin sobre o imperialismo destrói definitivamente a possibilidade de um país atrasado se transformar num país industrializado, sem fazer uma revolução. Ao discutir o desenvolvimento burguês na Rússia, Lenin especulou sobre dois caminhos possíveis e alternativos. Uma delas foi a transformação da economia latifundiária, que gradualmente se tornaria cada vez mais burguesa. A outra foi a liquidação das propriedades fundiárias e o livre desenvolvimento da economia capitalista. Ele chamou o primeiro de caminho “prussiano” e o segundo de caminho “norte-americano”. Na primeira, o latifundiário continuaria a espremer o camponês enquanto se formava gradativamente uma burguesia agrária, que estava ligada a uma política protecionista da indústria nacional, colocando limites à concorrência externa. No segundo, os camponeses foram libertados para se tornarem agricultores capitalistas – ou seja, uma via revolucionária –, promovendo um levante agrário geral contra os latifundiários. A partir do momento em que o capital estrangeiro se instala no país com subsidiárias próprias, o protecionismo deixa de ser eficaz. O capitalismo independente não pode ser alcançado sem confrontar e acabar com a dominação imperialista, que excede a capacidade e a vontade das burguesias nacionais. Os limites intransponíveis que os bolcheviques encontraram em relação à burguesia liberal ocorreram com igual e ainda maior força em relação à classe capitalista local nos países atrasados. A libertação nacional e social é uma mola da classe trabalhadora no poder na qual as tarefas da revolução democrática burguesa (revolução agrária, democracia política) são combinadas com as transformações de uma revolução socialista. Estas são as premissas da revolução permanente formuladas por Leon Trotsky e que Lenin chamou em alguns dos seus textos de “revolução ininterrupta”.

O partido

Trotsky chegou a estas conclusões muito antes, já na revolução de 1905. Lenin chegou a elas através de sucessivas aproximações. Mas, no momento decisivo, em 1917, considera-a como o principal motor da estratégia que visava a conquista do poder, desafiando a política de colaboração de classes que prevalecia sobretudo na liderança do partido bolchevique. A “Tese de Abril” é uma peça chave na qual Lenin postula e defende esta orientação.

Aqui está o papel do indivíduo na história. Embora fale da luta de classes como fundamento e força motriz da história, o marxismo não nega o papel do indivíduo. Um exemplo que pode ser apontado sem medo de errar é o de Lenin. Sem ele, teria sido altamente improvável que a revolução culminasse em vitória.

Trotsky teve uma visão precisa, antes de Lenin, sobre o caráter da revolução e o papel que a classe trabalhadora deveria desempenhar. Mas este último tinha uma vantagem incomparável sobre Trotsky: o partido bolchevique, cuja construção é um dos aspectos-chave da trajetória política do principal líder da Revolução de Outubro. Estamos a falar de um partido combatente, formado por militantes revolucionários, treinados e testados na luta de classes, com consciência política, centralizado e com disciplina interna para a ação. Quando Lenin fez a mudança de direção promovida pelo bolchevismo, ele tinha um instrumento para levá-la adiante. Aqui, falando da obra de Lenin, O que fazer merece um lugar privilegiado, onde Lenin defende e estabelece as premissas da luta por um partido revolucionário, concebido como um partido de militantes em oposição ao ponto de vista de outra parte do elenco líder da social-democracia russa que propôs que o partido tivesse um caráter mais flexível, composto por simpatizantes. Este ponto é o que provoca uma fratura na social-democracia russa entre a maioria bolchevique que respondeu a Lenin e a minoria menchevique que apoiou a outra variante. O que parecia ser uma questão aparentemente organizacional revelou-se de âmbito mais amplo. O debate sobre o tipo de organização esteve associado à estratégia política que os socialistas russos deveriam prosseguir, questão que emergiu com mais clareza nos acontecimentos subsequentes. Enquanto o Bolchevismo visava a conquista do poder e isso significava ter uma força altamente coesa, o Menchevismo ficou reduzido a atuar como um grupo de pressão, acompanhando a burguesia, para a qual concebeu uma estrutura organizacional mais flexível e amorfa.

Presente

Esta revisão que fizemos é apenas um retrato do trabalho e da trajetória de Lenin. O legado que Lenin deixou para a história é enorme e obviamente o seu alcance está longe de se esgotar no presente texto. Se tivéssemos que resumir, poderíamos dizer que Lenin escreveu a página principal da história contemporânea. E devemos acrescentar um dos marcos da história porque constitui o ponto de partida de uma nova etapa da convivência humana, uma sociedade sem explorados nem exploradores, ou seja, uma transformação da organização social sobre novas bases, aproveitando o salto sem precedentes na desenvolvimento alcançado pelas forças produtivas. A Revolução de Outubro inaugura a transição da pré-história para a história, como enfatizaram Marx e Engels.

Quando se fala do legado de Lenin, não se pode deixar de referir a sua relevância hoje. No 100º aniversário da Revolução de Outubro, o editorial da revista The Economist (16-12-16) era encabeçado por um título sugestivo: “Os bolcheviques estão de volta”. O editorial destaca que, passados ​​100 anos, o atual cenário internacional coincide em muitos aspectos com aquele que reinou sob a Revolução de Outubro.

Os sinais de desigualdade e polarização social têm-se acentuado e ao mesmo tempo há uma anemia e uma perda de dinamismo na produção e no crescimento econômico que acentuam as disputas e os confrontos capitalistas à medida que a concentração e o poder dos monopólios, que anulam a concorrência, não têm precedentes. A imagem que ele traça é eloquente: “A economia global entregou muitos dos seus benefícios aos mais ricos: nos Estados Unidos, a proporção do rendimento após impostos que vai para o 1% mais rico duplicou, passando de 8% em 1979 para 17%. 2007. E em muitos aspectos o futuro parece pior. O crescimento da produtividade desacelerou. A menos que isto possa ser mudado, a política tornar-se-á inevitavelmente uma luta para dividir o bolo. “Gigantes da tecnologia como Google e Amazon desfrutam de quotas de mercado nunca vistas desde o final do século XIX, a era dos barões ladrões.”

O editorial destaca ainda: “são marcantes as semelhanças entre o colapso da ordem liberal em 1917 e hoje. Eles começam com a atmosfera do fim do século . Os 40 anos anteriores à Revolução Russa foram anos de triunfalismo liberal. O livre comércio (liderado pelos britânicos) uniu o mundo. A democracia liberal triunfou na Grã-Bretanha e nos Estados Unidos e parecia ser o que estava por vir em outros lugares. Os anos a partir de 1980 foram um período semelhante de triunfalismo. A globalização (liderada pelos Estados Unidos) avançou incansavelmente. O número de países que se qualificaram como democracias multiplicou-se. Os políticos da direita e da esquerda competiram para demonstrar a sua lealdade ao “Consenso de Washington”.

A queda do Muro de Berlim e a dissolução da União Soviética abriram um período de euforia na classe capitalista mundial. Os representantes e intelectuais da burguesia foram rápidos em apontar o que chamaram de “o fim da história”: a consagração da supremacia e superioridade do capitalismo e o fim do socialismo. A restauração do capitalismo no antigo espaço soviético, e acrescentemos a China, significou incorporar centenas de milhões de trabalhadores na órbita da exploração e acumulação capitalista e avançar na colonização em benefício de duas nações com enormes recursos e mercados. Estas circunstâncias criaram a expectativa de um novo ciclo de florescimento capitalista.

Longe de avançar nessa direção, a restauração capitalista desencadeou ainda mais as contradições capitalistas, acentuando as tendências à saturação do mercado e à crise da superprodução.

A economia mundial conheceu outro colapso em 2008, que levou à falência do Lehman Brothers e do qual, até hoje, não conseguiu recuperar. Outro editorial do The Economist , na época da crise financeira de 2008, sintetizou esse cenário sob o título “O outro muro caiu”, referindo-se ao colapso de Wall Street, brincando com o fato de que a palavra “ wall ” significa muro em inglês .

A globalização - a premissa da integração e cooperação econômica e política internacional - foi substituída por uma competição cada vez mais violenta entre capitalistas e pela exacerbação de rivalidades e confrontos entre Estados. Do acoplamento chino-norte-americano passamos para um confronto cada vez mais exacerbado. A tendência para a desintegração da União Europeia está a crescer. A ideia de que o fim do comunismo, ao acabar com a ameaça soviética, erradicou a ameaça de guerra foi desmascarada. Longe de inaugurar uma era de paz e solidariedade, como previam os apologistas da globalização, o cenário de guerra intensificou-se. E a tendência recente não é para uma atenuação, mas sim para uma exacerbação deste fenômeno. “Os números confirmam a evidência anedótica de que a guerra está a rebentar em todo o mundo. Um relatório recente do Instituto Internacional de Estudos Estratégicos documentou 183 conflitos em curso em todo o mundo, o número mais elevado em mais de três décadas. E esse número foi alcançado antes do início da guerra em Gaza.” 3

Hoje temos a guerra instalada novamente na Europa com o conflito desencadeado na Ucrânia. O horror da guerra no velho continente, que os gurus da globalização e do fim da história consideravam banida, foi mais uma vez reiterado. A ameaça de um conflito de guerra está presente na África. As tensões aumentam no Pacífico entre os EUA e a China em torno de Taiwan. O genocídio de Gaza é um dos mais atrozes da história. Formalmente, estes são conflitos regionais, mas têm um âmbito internacional em que estão diretamente envolvidas as grandes potências e os principais atores da política mundial. Cada um desses conflitos tende a aumentar. Tal como se viu em Gaza e também na Ucrânia, as hostilidades começam a alastrar-se a novos países, aumentando a tendência para um conflito global.

As grandes depressões do passado levaram à primeira e à segunda guerras mundiais. Esta ameaça está latente num momento em que enfrentamos um novo salto na crise capitalista global. A falência capitalista é tanto e ainda maior que a quebra de 29. Como não poderia deixar de ser, uma crise fundamental como a que atravessamos mina os alicerces do domínio político da burguesia e está tomando conta dos governos e causando o colapso do regime político. As bases de apoio à democracia burguesa estão desgastando-se. A população perde a confiança e a credibilidade no sistema democrático na medida em que percebe que este não oferece solução para as suas necessidades e, mais ainda, é fonte do seu agravamento. No calor disto, florescem tendências bonapartistas, golpes e contragolpes e regimes excepcionais. O fracasso da democracia não é válido apenas para os países atrasados, mas também para os próprios países imperialistas que têm desmantelado o Estado-providência. E é isso que está na base do surgimento dos Trumps ou dos Bolsonaros – e Milei deve ser acrescentada recentemente – como chama a atenção o The Economist em seu editorial.

Mas o impasse capitalista não só engendra crises a partir de cima, mas também iniciativas a partir de baixo e é, portanto, terreno fértil para rebeliões populares e para a criação de situações revolucionárias.

Entramos num novo capítulo de guerras e revoluções. Este é o significado profundo da afirmação cunhada pela The Economist de que “o bolchevismo está de volta”. Isto fala da validade e oportunidade da revolução socialista. O fantasma de Lenin, portanto, ronda o mundo hoje. Em relação a esta circunstância, há uma consciência da burguesia, pelo menos dos seus setores mais lúcidos. Mas esta consciência não é a que reina majoritariamente nas fileiras da esquerda, incluindo aquela que se autodenomina revolucionária, que se apressou em declarar, quando ocorreu a dissolução da URSS, que o ciclo iniciado pela Revolução de Outubro estava encerrado. Em alguns casos, a adaptação à ordem social e ao conservadorismo vigentes é mais sútil e o que prevalece é uma variante parlamentar e democratizante na sua prática e estratégia política.

O legado de Lenin é uma ferramenta fundamental para intervir no presente e no futuro que temos pela frente. Este legado levanta a defesa da independência política dos explorados, a luta estratégica por um governo dos trabalhadores e pelo socialismo, a construção de partidos revolucionários e a reconstrução de uma Internacional revolucionária que, para o Partido Obrero, é a Quarta Internacional.