sexta-feira, 10 de março de 2017

A LUTA CONTRA A OPRESSÃO DA MULHER


JORGE ALTAMIRA - Partido Obrero da Argentina
 (traduzido e compilado da Revista En Defensa del Marxismo Nº 48)



A prostituição de mulheres não é machismo, é exploração capitalista
A organização independente das mulheres é a chave. Nenhuma penalidade contra o machismo pode substituí-la

Entre machismo e escravidão organizada para obter lucro existe uma diferença qualitativa

A prostituição de mulheres e crianças é machismo? O traficante é igual ao metalúrgico?

Os operários e inclusive numerosos socialistas são machistas, mas não negociam com a exploração sexual de mulheres

Um regime determinado de exploração social não é economicismo, é – define – a estrutura histórica de uma sociedade


O chamado machismo comporta uma discriminação e uma desqualificação da mulher por parte do homem, que marcou de um modo diferente na estrutura de cada sociedade. No caso histórico atual é o capitalismo, ainda que diferenciado pelas peculiaridades históricas próprias de cada nação, que podem chegar a ser enormes. Essa discriminação tem lugar no trabalho, na vida doméstica e, mais precisamente, na família, ela mesma um produto social que variou enormemente no tempo e entre sociedades dentro de um mesmo tempo histórico. É uma forma de opressão que a corrente histórica do marxismo estabeleceu desde seu começo – ou seja, muito antes que aparecesse a literatura sobre a questão de gênero. A posição subalterna da mulher em relação ao homem cumpre sempre uma função social, da qual o discurso cultural não é mais do que sua manifestação ideológica. Por isso, a questão da opressão da mulher é de natureza classista: serve à reprodução do sistema dominante. A mulher não sofre essa opressão de um modo homogêneo, nem sequer a percebe da mesma maneira: não são iguais a esposa de Donald Trump e uma trabalhadora do Egito ou Arábia Saudita, ou uma mulher trabalhadora negra nos EUA e em outros países, como no Brasil. Trabalhadora, mulher e negra pode resumir uma tripla opressão social da condição feminina.

Os trabalhadores não somente reproduzem a ideologia da classe dominante, como a praticam socialmente, inclusive nas formas mais grosseiras ou brutais, pelas limitações da condição da opressão proletária e a miséria social correspondente. Ali aonde a maioria da esquerda levanta um programa penal para a violência da mulher e o feminicídio, o marxismo defende a aprovação de medidas de proteção da mulher por parte do Estado, acompanhadas pelo controle de sua execução pelas próprias mulheres, pela organização independente da mulher e, por sobretudo, pela luta teórica e prática contra a violência à mulher no seio da classe trabalhadora. Quer dizer, por romper a barreira que bloqueia a unidade política efetiva das mulheres, jovens e homens da classe proletária. A luta contra a opressão da mulher é uma luta de classes: se a classe trabalhadora quer emancipar-se do machismo ou, muito melhor, da opressão de suas companheiras de classe dentro da própria classe dos proletários. Este é ponto de divergência entre o marxismo, por um lado, e as correntes democratizantes, por outro lado. 

Para os marxistas, o programa do socialismo e o programa da mulher trabalhadora são um programa de emancipação geral, um programa de emancipação humana: o proletariado não poderá conquistar sua emancipação fora de uma emancipação universal. Para o democratizante, meter a luta de classes na questão da mulher é estreitá-la; o democratizante propõe uma soma programática algébrica das reivindicações que se expressam nas outras classes sociais, que estariam oprimidas por uma razão comum. Uma mulher da burguesia votaria a favor de um imposto ao capital para que todas as empresas tenham creches para as trabalhadoras? Enquanto que a mulher operária não poderia emancipar-se sem uma mudança da condição assalariada dos trabalhadores, nas outras classes sociais a emancipação é concebida e projetada, se isto for possível, no marco de uma sociedade exploradora.

A prostituição de pessoas com a finalidade de exploração social representa uma mudança de qualidade no que se refere à posição subalterna da mulher. Supera a cafetinagem, como a grande produção supera a pequena. É um comércio em grande escala com métodos de lesa humanidade. Do mesmo modo que Marx distinguiu ao trabalho assalariado de outras formas de remuneração do trabalho no passado, não é o mesmo o machismo que sobrevive nas sucessivas sociedades de classe, que a exploração econômica em massa da mulher, em que o “valor de uso” seria sexual. A prostituição se encontra animada pela proteção internacional que goza dos Estados – ou seja, por uma conveniência oficial – e por uma taxa de lucro superior à média do capital. Isto já não é machismo, que, enquanto tal, e como ocorreu com a remuneração do trabalho, atravessou formações sociais das mais diversas na História. Trata-se de um bandoleirismo capitalista armado contra a mulher e as massas – porque as massas possuem filhas, mulheres, mães, primas e amigas – algo que parece esquecerem-se. Está associado com um grande negócio mundial, o turismo, cuja cadeia econômica inclui o transporte, a hotelaria, o circuito gastronômico, os prostíbulos, o comércio varejista e até a especulação monetária. Intervém inclusive o clero. Não poderia desenvolver-se sem a intervenção de numerosas instituições do Estado, em primeiro lugar as repressivas. A prostituição é a manifestação do capitalismo em sua completa decomposição, como as guerras de extermínio do imperialismo. É uma expressão da barbárie.

Bastou esta advertência contra a exploração em escala industrial da mulher, para que se levantassem nas redes sociais pessoas que se indispuseram, que se sentiram molestadas pela introdução do capital em uma questão que seria um círculo fechado do tema de gênero – e socialmente transversal. Entre os incomodados figuram notórios esquerdistas que se caracterizam por sua capacidade de adaptação às pressões e inclusive às modas do momento. Estes sujeitos não possuem o menor constrangimento em utilizar métodos lúmpens. O ponto é que, em lugar de recorrer à advertência sobre a dimensão da barbárie da exploração sexual capitalista da mulher, muitas e muitos saltaram como leite fervendo quando leram a palavra “capitalismo”. A prostituição envolve a totalidade do sistema existente, em suas mais variadas relações, incluído o poder do Estado. Na luta para que não morra nenhuma mulher mais, deve figurar de forma destacada a luta contra o capitalismo, que se nutre a exploração capitalista sexual da mulher, e do seu Estado.

Portanto, por sobretudo, também nesta questão, que os capitalistas paguem a conta da crise!

A revolução proletária inscreve em seu programa a abolição de toda forma de opressão e de degradação humana, não a liberdade para escolher a forma de sua humilhação. A denúncia de toda forma de discriminação e de violência deve servir à luta por acabar com o capitalismo, que é o edifício que sustenta ao machismo, ao racismo, ao chauvinismo e a todos os flagelos sociais na época atual.

Pôr um sinal de igual entre o machismo, a prostituição e exploração sexual de mulheres e meninos/as por parte das máfias capitalistas não constitui somente uma mediocridade teórica, mas sim inclusive uma mediocridade moral. Entre os maus tratos e a violência contra a mulher e os filhos nas relações pessoais, de casais e, por sobretudo, na família, por um lado, e a estrutura social e política da prostituição, que abarca ao negócio capitalista “normal” (todos os aspectos do turismo) e às instituições do Estado, por outro lado, existe uma diferença de qualidade. O capital subordina às suas próprias leis as relações da sociedade patriarcal em geral, como tem feito também com a escravidão e as relações de servidão. As plantações escravistas e a prostituição de negros não eram menos capitalistas, mas sim maiores, que o próprio capitalismo industrial, porque deixavam a nu, sem maquiagens, a lógica fundamental de extração de mais-valia. De acordo com as estatísticas recentes, cerca de 40 milhões de pessoas estão sujeitas à escravidão a nível mundial.

Dissimular o caráter capitalista da prostituição, sob a expressão genérica de “machismo”, é uma operação ideológica. Na época do capitalismo em decadência, quando a barbárie encerra sua época “civilizatória”, esta operação é ainda mais reacionária. A escravidão da mulher na família se converte, sob o capitalismo, em uma dupla opressão para as trabalhadoras. Marx observa, no capítulo metodológico dos Gundrisse, que o capitalismo não é uma formação pura em relação às que a precederam, mas sim que submete às suas leis a todas estas e às adapta a seu processo de reprodução. Isto refuta a “primazia” que o machismo teria sobre a exploração capitalista, porque afeta somente as mulheres. É claro que Marx não conclui que se tenha que “limpar” o capitalismo dos resíduos históricos que se subordinaram às suas exigências, mas sim aboli-lo. A igualdade jurídica total para a mulher não vai erradicar as condições da opressão feminina em uma sociedade regida pelos antagonismos de classe; uma crise capitalista pode fazer retroceder, de fato, muitas conquistas, como já ocorre. Esquece-se do fato de que a incorporação massiva da mulher ao trabalho nas empresas implicou, de forma progressiva, uma redução do salário real médio dos trabalhadores (menor para as trabalhadoras), porque agora uma família dispunha de dois salários para atender às despesas familiares. Isto implica que um grande avanço social foi convertido pelo capital em um fator de extração maior de mais-valia. Quando se consideram as numerosas formas de opressão social que existem sob o capitalismo, inclusive de umas nações contra outras, conclui-se que estão ligadas para desqualificar a força de trabalho humana e reduzir seu valor. Logo, o capital esmera-se em explorar estas diferenças para acentuar o racismo e o machismo dentro dos próprios trabalhadores.

Muitos dos que asseguram que o “machismo” está acima do capitalismo na prostituição, em qualidade de categoria social, promovem, sem que lhes mova um pelo, o “direito” da mulher a prostituir-se, como ocorre com tantos esquerdistas e centro-esquerdistas “antimachistas”, que para isso convertem a prostituta em “trabalhadora sexual”.

A instauração do patriarcado não foi o resultado de uma luta de gênero, mas sim da passagem do comunismo primitivo à apropriação privada do excedente econômico. Isso mudou de forma radical os papéis da mulher e do homem. A opressão da mulher pelo homem leva na frente o selo da propriedade privada. O mesmo ocorre com a família nuclear, que substitui ao sistema de clãs. A família é uma adaptação da reprodução humana de um sistema coletivo, que tem por centro a mulher, a outro de acumulação. Do produto para o consumo imediato, de onde a lei suprema é a distribuição, passa-se à produção social do excedente e à acumulação. É claro, então, que a emancipação da mulher coloca a abolição da propriedade privada dos meios de produção.

Desqualificar esta conclusão como “reducionismo” é, de novo, uma operação ideológica. Reducionismo é reduzir tudo ao patriarcado – ou seja, fazendo abstração da forma social concreta que assume nas diferentes formações de classe antagônicas. A crítica ao “reducionismo” que se dirige contra o marxismo reivindica a “pluricausalidade” – ou seja, que substitui o método científico pela especulação. “É machismo e é capitalismo”, dizem os socialistas ecléticos. Não: o capitalismo é a estrutura de dominação, que se serve das heranças históricas e do núcleo familiar fechado - o complemento “doméstico” da exploração econômica geral. O marxismo é reducionista quando se eleva do concreto caótico ao abstrato, para chegar à mercadoria, à lei do valor. “Reduz” a base da formação social ao trabalho abstrato. Depois retorna do abstrato ao concreto com uma multiplicidade de determinações, às quais dão ao conhecimento a forma do real. Este detalhamento e a posterior reconstrução do tecido esmiuçado é o método do marxismo. É o oposto ao ecletismo pluricausal, do tipo “capitalismo mas ‘também’ machismo ou machismo, mas ‘também’ capitalismo.” Este método plurifatorial é especulativo. Os que alegam que nosso “reducionismo” é útil às críticas feministas aos socialistas, centram todos os seus ataques de maneira faccionalista ao marxismo.

Não compactuamos com aqueles que fazem uma frente única e demagogia com os movimentos feministas e convertem em sujeito histórico ao feminismo, separando-o da luta de classes. Um feminismo socialista que não desenvolve a luta de classes é um verso. Não faltam aqueles que dizem apoiar as reivindicações da mulher e até fazem gestos neste sentido, mas se aborrecem quando as mulheres ocupam e boqueiam as vias para defenderem seus direitos. Isto deixa exposto uma questão fundamental: a ausência da luta de classes nestes mestres ignorantes do feminismo, os quais pretendem se fazer passar como marxistas.

O problema do “machismo” e o capitalismo se reduz a isto? Luta cultural e denuncismo ou luta de classes? O proletariado não necessita diluir-se em movimentos pluriclassistas para defender direitos de todas as mulheres sem exceção, frente a qualquer manifestação de opressão ou violência, porque os direitos que defende o proletariado são universais - a abolição de toda a forma de opressão. Por isso mesmo, é necessário desenvolver um forte movimento de classe da mulher, se esse movimento quer ser consequente. Citamos Rosa Luxemburgo, uma mulher de altíssimo nível: “Enquanto mulher burguesa, a mulher é uma parasita da sociedade; sua função consiste em usufruir do consumo dos frutos da exploração. Enquanto pequeno-burguesa, é o burro de carga da família. Enquanto proletária moderna, a mulher se transforma em um ser humano pela primeira vez na História, posto que a luta (proletária) é a primeira que prepara aos seres humanos para fazer uma contribuição à cultura, à História da humanidade.” (A mulher proletária, 1914)

Em lugar de mesclar programas e bandeiras, é necessário delimitar com a maior clareza a posição de classe da mulher operária e trabalhadora.

O policlassismo neste caso esforça-se para, em primeiro lugar, minimizar o papel fundamental do capitalismo na exploração para seus fins de patriarcado e de sua correspondente forma familiar e, em segundo lugar, por abandonar todo programa de classe na luta pela mobilização e organização da mulher; quer dizer, da organização das mulheres da classe trabalhadora. Só pode sustentar-se com um programa que opere como um mínimo denominador comum do movimento da mulher, ou seja, o programa da mulher burguesa – a igualdade jurídica para a condição específica da mulher. Não diferencia os interesses das mulheres em termos de classe. Significativamente não fala da luta contra o “machismo” no seio da classe trabalhadora, um ponto de partida decisivo para mobilizar ao proletariado inteiro até a revolução. Substitui a necessidade da organização autônoma da mulher pelos apelos legislativos; está ausente a política do controle operário em relação às reivindicações femininas.

Estamos diante de uma corrente que, em todos os campos, abrevia ecleticamente o que se encontra na moda no campo acadêmico. A importância das posições políticas expostas consiste em que traça uma delimitação de princípios acerca da luta de classes em todos os múltiplos conflitos que possuem lugar na sociedade atual – sejam estes nacionais, religiosos, raciais ou de gênero.

Aqueles que querem realmente acabar com a prostituição têm que apontar o caminho da destruição do Estado burguês.