quarta-feira, 12 de outubro de 2016

BRASIL: ELEIÇÕES EM TEMPOS DE CRISE

                                                                                                 



David Lucius


As eleições no Brasil ocorreram diante de uma profunda crise política e econômica, na qual a recessão dá claros sinais desenvolver-se como depressão econômica pelo próximo período.

O regime político desgastou-se profundamente, o golpe parlamentar sofreu movimentos massivos pelo "Fora Temer", com inúmeras passeatas nas principais capitais do país. As operações contra a corrupção tem sido utilizadas como factoides, com claro interesse político. O caldo dessa mistura de mobilizações, crise do regime, corrupção, recessão e depressão econômica, impactaram de tal forma a consciência das massas, que as eleições ficaram literalmente em um segundo plano.

Diante dessa profunda crise, uma grande parte da população reagiu com pouco interesse às eleições, o próprio calendário eleitoral foi modificado para ser mais curto (45 dias), promovendo uma maior despolitização e um grande desinteresse crescente na maioria dos eleitores. A crise do regime aliada ao calendário eleitoral provocou uma das maiores taxas de abstenção somados aos votos brancos e nulos. Foram cerca de 25 milhões de abstenções (17,5 %), os brancos e nulos ainda não foram todos computados, mas as projeções apontam a casa dos 13 %. Nas capitais esses índices foram ainda maiores, em 22 capitais o número de votos brancos, nulos e abstenções superou o primeiro ou o segundo colocado, ou seja, nas grandes cidades a grande maioria deu um grande não ao regime político e às suas instituições democráticas vigentes.

O PT foi, sem sombra de dúvida, o grande derrotado das eleições, tinha a prefeitura de 630 cidades em 2012, agora tem apenas 256. Das capitais só conseguiu vencer em Rio Branco, no extremo norte do país, e vai disputar o segundo turno apenas no Recife, entre as capitais.

Além disso o PT perdeu em São Paulo, e de forma humilhante (16 % dos votos, após ficar algumas semanas nos míseros 10 %), sem ao menos um segundo turno, e para o PSDB (principal partido da oposição burguesa), de João Dória, um empresário que nunca havia disputado uma eleição, aliado do governador Alckmin, com um discurso privatista e reacionário, marcado pelo slogam de que era um gestor e não um político, Dória obteve 53 % dos votos, e liquidou a fatura no primeiro turno.
Em grandes capitais o desempenho do PT caiu muito, principalmente nos bairros das periferias, onde viva a população mais pobre, mesmo no nordeste, onde tinha grande penetração, sua votação caiu.

Tudo leva a crer que após as eleições a crise se aprofundará dentro do PT levando o partido a rachar e perder mais militantes a apoio entre a população. O futuro do PT e algo obscuro e incerto, a única certeza é de que nada será como antes. A possibilidade de recuperar seu crédito político e zero. De um lado os trabalhadores sentiram-se traídos e abandonaram o partido, de outro a burguesia, que sustentava os governos do PT, mudou de lado, impossibilitando até mesmo alianças com grandes partidos burgueses, em várias capitais, o PT foi obrigado a desfazer-se das alianças com a burguesia e seus partidos e voltar a aliar-se com partidos que são apenas a expressão de sua sombra, não por opção, mas por imposição da realidade política. De todas as formas a política do PT é o de um balcão de negócios, o que falta é alguém do outro lado para negociar.

A direita, de um modo geral, os partidos que dão sustentação ao governo Temer e os partidos de sua base aliada no Congresso, foram os grandes vitoriosos dessas eleições.

O PMDB, partido de Michel Temer, praticamente manteve o número de prefeituras, de 1015 no total, que possuía em 2012, passou para 2028 nessas eleições. Ganharam a capital de Boa Vista, e vão disputar o segundo turno em 6 capitais. Em São Paulo e Rio de Janeiro perderam também de forma humilhante, na capital paulista com a ex-prefeita Marta Suplicy (ex-PT) e no Rio de Janeiro com Pedro Paulo, em que pese todo a pressão da máquina da prefeitura e do estado que são governados pelo PMDB, foi ultrapassado pelo PSOL, com Marcelo Freixo, que só possuía apenas 11 segundos de tempo na TV, e que vai disputar o segundo turno com um bispo ligado à Igreja Universal, Marcelo Crivella, antigo aliado do PT e ex-ministro do governo Dilma, coisa que boa parte da esquerda não gosta de lembrar.

O PSDB foi o partido que conseguiu as maiores vitórias, não tanto pelo número de prefeituras, tinha 686 e agora vai ter 793, ou mais, mas pelo peso das capitais conquistadas. Venceu em São Paulo com Dória, um empresário ao estilo Macri, que tem um projeto mega liberal e privatizador. Ganhou 14 prefeituras das 93 cidades mais importantes do país e vai disputar outras 19 cidades. Além de São Paulo ganhou na capital do Piauí, Teresina e disputará o segundo turno em 9 capitais. A vitória em São Paulo irá potencializar a candidatura de seu padrinho político, o governador Geraldo Alckmin, mas de outro lado abrirá uma disputa acirrada com os outros concorrentes, em especial, José Serra (Ministro das Relações Exteriores) e o Senador Aécio Neves.

A organização de extrema direita MBL (Movimento Brasil Livre), que organizou grande parte dos protestos a favor do impeachment e pelo golpe, e que sempre pouparam e se aliaram ao antigo presidente da Câmara, Eduardo Cunha (articulador do golpe), elegeu 7 vereadores (quatro delas pelo PSDB) e um prefeito.

Outros partidos de direita tiveram uma expressiva votação, DEM, PSD, PR, PP, etc.

O PSOL ganhou apenas em duas prefeituras. Mas vai ao segundo turno em duas capitais. Em Belém do Pará e no Rio de Janeiro.

A ida ao segundo turno no Rio de Janeiro foi um fato inusitado e coloca a possibilidade real de uma vitória contra um bispo ligado aos setores mais reacionários da sociedade. No RJ o PSOL fez a segunda maior bancada da cidade com 6 vereadores. Além disso o Rio de Janeiro teve um candidato de extrema direita, Flávio Bolsonaro, com 16% dos votos e que por apenas 2% não ultrapassa o candidato do PSOL.

A votação do PSOL nas capitais foi muito diferenciada, variou de 3% em São Paulo a 29 % em Belém.

A campanha do PSTU, que sofreu um racha de metade de seus militantes no meio desse ano, e de grande parte de seus militantes históricos, de seus quadros, foi muito tímida, isso para dizer o mínimo. Em alguns lugares a campanha quase inexistiu. Sua votação em São Paulo foi cerca de 4 mil votos (0,08 %), no Rio de Janeiro cerca de 5 mil (0,19 %), em São José dos Campos, onde dirigem o sindicato dos metalúrgicos há mais de uma década, foi de pouco mais de 4 mil votos (1,24%). Em Natal onde possuíam uma das vereadora mais bem votadas proporcionalmente, Amanda Gurgel (que saiu com o recente racha que formou o MAIS), a candidatura foi lançada pelo partido, mas não atingiu o coeficiente mínimo para se eleger. Tinha dois vereadores e não reelegeu nenhum. O PSTU foi abalado profundamente, por suas posições equivocadas diante do golpe, seu isolamento diante da crise, e pelo último racha.

Diante da crise que se aprofunda a burguesia vendeu, através dos meios de comunicação, a ideia de que toda crise econômica seria culpa única e exclusiva do PT e da esquerda de um modo geral. A solução seria um ajuste monstruoso e privatizar ao máximo todo o Estado.

O atual governo é uma continuidade (inclusive com vários ministros do governo anterior) do antigo governo, mas com o PSDB no lugar do PT e uma maior ferocidade em aplicar os ajustes, assim como, com o apoio do parlamento, o que o governo anterior não tinha. A burguesia unificou-se diante do golpe, o parlamento que era quase um duplo poder, transformou-se em aliado do governo. Sem o parlamento como aliado será impossível o governo impor qualquer tipo de ajuste, por isso a importância do acordo entre o o governo e o legislativo. Os interesses de classe falaram mais alto, e as divergências foram adiadas, pelo menos por hora.

A esquerda ficou aturdida e atônita diante da votação expressiva e esmagadora da direita. Todos agora tentam tecer teorias. Poucos analisam o papel do PT como articulador de um governo de colaboração de classes, que esmagou as tendências de luta no interior da esquerda e do movimento operário. Grande parte da burguesia golpista foi, anteriormente, aliada do PT, exceção feita ao PSDB.

A vitória dos setores mais direitistas, burgueses e favoráveis ao golpe e ao ajuste foi notório e acachapante.

A grande questão é que a crise mundial do capitalismo continuará a abalar a economia e o regime político do Brasil com a mesma força e intensidade, se não maior. A receita dos partidos que ganharam será aprofundar o ajuste, privatizar e tentar esmagar os movimentos sociais, e em especial o movimento operário e a classe trabalhadora.

A vitória da direita e o golpe parlamentar são a expressão cabal de que estamos diante de uma enorme crise. A profunda crise desloca setores inteiros da população para a polarização política, e até mesmo para a direita. Mas a crise não será superada por um ajuste mais duro contra as massas e por uma política liberal privatizadora, muito pelo contrário, em pouco tempo a política dos setores vitoriosos se chocará diretamente com a maioria esmagadora das massas.

Se a política perpetrada pelo governo do PT, com tímidos ajustes diante da crise, e com uma política econômica que sempre favoreceu os grandes bancos, colocaram grande parte da população contra o governo e contra o PT, de forma nunca antes vista, o que ocorrerá com um governo que planeja ajustes draconianos e raivosos contra a maioria da população brasileira?

A crise brasileira é alimentada diretamente pela crise econômica. O governo e boa parte da burguesia acreditam que o pior já passou, mas os dados concretos, o desemprego, e os demais índices econômicos vão de mal a pior.

A vitória da direita nas eleições não estabiliza o governo e nem diminui a crise, muito pelo contrário, será o combustível que alimentará o aprofundamento da crise e a colisão inexorável das massas com todo o regime político.

A pressão do ajuste a da crise, econômica e política, de forma combinada, transformam o Brasil em uma grande panela de pressão, prestes a explodir. Toda a vitória recente das eleições são uma guinada à direita de uma parcela significativa das massas, mas essa guinada se move por cima de uma crise gigantesca, no qual a burguesia e seus partidos não irão acalmar e estabilizar os fatores objetivos e econômicos, nem seus efeitos sociais, ao contrário, com a vitória irão tentar garantir seus lucros às custas de uma maior opressão da maioria da população.

O Brasil vive hoje uma crise histórica, essas eleições que sinalizaram uma vitória da burguesia apenas aprofundarão a crise, suas contradições, e seus efeitos sobre a população. Os mesmos partidos que cantam e brindam suas vitórias hoje, terão que enfrentar a continuidade da crise e a fúria das massas no dia de amanhã.


A esquerda necessita debater de forma crítica a crise histórica e conjuntural que atravessa o nosso país, analisar de forma profunda o papel que desempenha a crise mundial do capitalismo nessa crise e o papel funesto que cumpriu a política de colaboração de classes, levada adiante pelo PT nos últimos trinta anos, e seus atuais desdobramentos, sem superar criticamente sua trajetória, a esquerda não conseguirá se transformar em um norte para a classe trabalhadora, que sofre em toda sua plenitude os efeitos desta crise histórica no qual o capitalismo se encontra totalmente submerso.