David
Lucius
As
eleições no Brasil ocorreram diante de uma profunda crise política
e econômica, na qual a recessão dá claros sinais desenvolver-se
como depressão econômica pelo próximo período.
O
regime político desgastou-se profundamente, o golpe parlamentar
sofreu movimentos massivos pelo "Fora Temer", com inúmeras
passeatas nas principais capitais do país. As operações contra a
corrupção tem sido utilizadas como factoides, com claro interesse
político. O caldo dessa mistura de mobilizações, crise do regime,
corrupção, recessão e depressão econômica, impactaram de tal
forma a consciência das massas, que as eleições ficaram
literalmente em um segundo plano.
Diante
dessa profunda crise, uma grande parte da população reagiu com
pouco interesse às eleições, o próprio calendário eleitoral foi
modificado para ser mais curto (45 dias), promovendo uma maior
despolitização e um grande desinteresse crescente na maioria dos
eleitores. A crise do regime aliada ao calendário eleitoral provocou
uma das maiores taxas de abstenção somados aos votos brancos e
nulos. Foram cerca de 25 milhões de abstenções (17,5 %), os brancos e nulos
ainda não foram todos computados, mas as projeções apontam a casa
dos 13 %. Nas capitais esses índices foram ainda maiores, em 22
capitais o número de votos brancos, nulos e abstenções superou o
primeiro ou o segundo colocado, ou seja, nas grandes cidades a grande
maioria deu um grande não ao regime político e às suas
instituições democráticas vigentes.
O
PT foi, sem sombra de dúvida, o grande derrotado das eleições,
tinha a prefeitura de 630 cidades em 2012, agora tem apenas 256. Das
capitais só conseguiu vencer em Rio Branco, no extremo norte do
país, e vai disputar o segundo turno apenas no Recife, entre as
capitais.
Além
disso o PT perdeu em São Paulo, e de forma humilhante (16 % dos
votos, após ficar algumas semanas nos míseros 10 %), sem ao menos
um segundo turno, e para o PSDB (principal partido da oposição
burguesa), de João Dória, um empresário que nunca havia disputado
uma eleição, aliado do governador Alckmin, com um discurso
privatista e reacionário, marcado pelo slogam de que era um gestor e
não um político, Dória obteve 53 % dos votos, e liquidou a fatura
no primeiro turno.
Em
grandes capitais o desempenho do PT caiu muito, principalmente nos
bairros das periferias, onde viva a população mais pobre, mesmo no
nordeste, onde tinha grande penetração, sua votação caiu.
Tudo
leva a crer que após as eleições a crise se aprofundará dentro do
PT levando o partido a rachar e perder mais militantes a apoio entre
a população. O futuro do PT e algo obscuro e incerto, a única
certeza é de que nada será como antes. A possibilidade de recuperar
seu crédito político e zero. De um lado os trabalhadores
sentiram-se traídos e abandonaram o partido, de outro a burguesia,
que sustentava os governos do PT, mudou de lado, impossibilitando até
mesmo alianças com grandes partidos burgueses, em várias capitais,
o PT foi obrigado a desfazer-se das alianças com a burguesia e seus
partidos e voltar a aliar-se com partidos que são apenas a expressão
de sua sombra, não por opção, mas por imposição da realidade
política. De todas as formas a política do PT é o de um balcão de
negócios, o que falta é alguém do outro lado para negociar.
A
direita, de um modo geral, os partidos que dão sustentação ao
governo Temer e os partidos de sua base aliada no Congresso, foram os
grandes vitoriosos dessas eleições.
O
PMDB, partido de Michel Temer, praticamente manteve o número de
prefeituras, de 1015 no total, que possuía em 2012, passou para 2028
nessas eleições. Ganharam a capital de Boa Vista, e vão disputar o
segundo turno em 6 capitais. Em São Paulo e Rio de Janeiro perderam
também de forma humilhante, na capital paulista com a ex-prefeita
Marta Suplicy (ex-PT) e no Rio de Janeiro com Pedro Paulo, em que
pese todo a pressão da máquina da prefeitura e do estado que são
governados pelo PMDB, foi ultrapassado pelo PSOL, com Marcelo Freixo,
que só possuía apenas 11 segundos de tempo na TV, e que vai
disputar o segundo turno com um bispo ligado à Igreja Universal,
Marcelo Crivella, antigo aliado do PT e ex-ministro do governo Dilma,
coisa que boa parte da esquerda não gosta de lembrar.
O
PSDB foi o partido que conseguiu as maiores vitórias, não tanto
pelo número de prefeituras, tinha 686 e agora vai ter 793, ou mais,
mas pelo peso das capitais conquistadas. Venceu em São Paulo com
Dória, um empresário ao estilo Macri, que tem um projeto mega
liberal e privatizador. Ganhou 14 prefeituras das 93 cidades mais
importantes do país e vai disputar outras 19 cidades. Além de São
Paulo ganhou na capital do Piauí, Teresina e disputará o segundo
turno em 9 capitais. A vitória em São Paulo irá potencializar a
candidatura de seu padrinho político, o governador Geraldo Alckmin,
mas de outro lado abrirá uma disputa acirrada com os outros
concorrentes, em especial, José Serra (Ministro das Relações
Exteriores) e o Senador Aécio Neves.
A
organização de extrema direita MBL (Movimento Brasil Livre), que
organizou grande parte dos protestos a favor do impeachment e pelo
golpe, e que sempre pouparam e se aliaram ao antigo presidente da
Câmara, Eduardo Cunha (articulador do golpe), elegeu 7 vereadores
(quatro delas pelo PSDB) e um prefeito.
Outros
partidos de direita tiveram uma expressiva votação, DEM, PSD, PR,
PP, etc.
O
PSOL ganhou apenas em duas prefeituras. Mas vai ao segundo turno em
duas capitais. Em Belém do Pará e no Rio de Janeiro.
A
ida ao segundo turno no Rio de Janeiro foi um fato inusitado e coloca
a possibilidade real de uma vitória contra um bispo ligado aos
setores mais reacionários da sociedade. No RJ o PSOL fez a segunda
maior bancada da cidade com 6 vereadores. Além disso o Rio de
Janeiro teve um candidato de extrema direita, Flávio Bolsonaro, com
16% dos votos e que por apenas 2% não ultrapassa o candidato do
PSOL.
A
votação do PSOL nas capitais foi muito diferenciada, variou de 3%
em São Paulo a 29 % em Belém.
A campanha do PSTU, que sofreu um racha de metade de seus militantes no meio desse
ano, e de grande parte de seus militantes históricos, de seus
quadros, foi muito tímida, isso para dizer o mínimo. Em alguns
lugares a campanha quase inexistiu. Sua votação em São Paulo foi
cerca de 4 mil votos (0,08 %), no Rio de Janeiro cerca de 5 mil (0,19
%), em São José dos Campos, onde dirigem o sindicato dos
metalúrgicos há mais de uma década, foi de pouco mais de 4 mil
votos (1,24%). Em Natal onde possuíam uma das vereadora mais bem
votadas proporcionalmente, Amanda Gurgel (que saiu com o recente
racha que formou o MAIS), a candidatura foi lançada pelo partido,
mas não atingiu o coeficiente mínimo para se eleger. Tinha dois
vereadores e não reelegeu nenhum. O PSTU foi abalado profundamente,
por suas posições equivocadas diante do golpe, seu isolamento
diante da crise, e pelo último racha.
Diante
da crise que se aprofunda a burguesia vendeu, através dos meios de
comunicação, a ideia de que toda crise econômica seria culpa única
e exclusiva do PT e da esquerda de um modo geral. A solução seria
um ajuste monstruoso e privatizar ao máximo todo o Estado.
O
atual governo é uma continuidade (inclusive com vários ministros do
governo anterior) do antigo governo, mas com o PSDB no lugar do PT e
uma maior ferocidade em aplicar os ajustes, assim como, com o apoio
do parlamento, o que o governo anterior não tinha. A burguesia
unificou-se diante do golpe, o parlamento que era quase um duplo
poder, transformou-se em aliado do governo. Sem o parlamento como
aliado será impossível o governo impor qualquer tipo de ajuste, por
isso a importância do acordo entre o o governo e o legislativo. Os
interesses de classe falaram mais alto, e as divergências foram
adiadas, pelo menos por hora.
A
esquerda ficou aturdida e atônita diante da votação expressiva e
esmagadora da direita. Todos agora tentam tecer teorias. Poucos
analisam o papel do PT como articulador de um governo de colaboração
de classes, que esmagou as tendências de luta no interior da
esquerda e do movimento operário. Grande parte da burguesia golpista
foi, anteriormente, aliada do PT, exceção feita ao PSDB.
A
vitória dos setores mais direitistas, burgueses e favoráveis ao
golpe e ao ajuste foi notório e acachapante.
A grande questão é que a crise mundial do
capitalismo continuará a abalar a economia e o regime político do
Brasil com a mesma força e intensidade, se não maior. A receita dos
partidos que ganharam será aprofundar o ajuste, privatizar e tentar
esmagar os movimentos sociais, e em especial o movimento operário e
a classe trabalhadora.
A
vitória da direita e o golpe parlamentar são a expressão cabal de
que estamos diante de uma enorme crise. A profunda crise desloca
setores inteiros da população para a polarização política, e até
mesmo para a direita. Mas a crise não será superada por um ajuste mais
duro contra as massas e por uma política liberal privatizadora,
muito pelo contrário, em pouco tempo a política dos setores
vitoriosos se chocará diretamente com a maioria esmagadora das
massas.
Se
a política perpetrada pelo governo do PT, com tímidos ajustes
diante da crise, e com uma política econômica que sempre favoreceu
os grandes bancos, colocaram grande parte da população contra o
governo e contra o PT, de forma nunca antes vista, o que ocorrerá
com um governo que planeja ajustes draconianos e raivosos contra a
maioria da população brasileira?
A
crise brasileira é alimentada diretamente pela crise econômica. O
governo e boa parte da burguesia acreditam que o pior já passou, mas
os dados concretos, o desemprego, e os demais índices econômicos
vão de mal a pior.
A
vitória da direita nas eleições não estabiliza o governo e nem
diminui a crise, muito pelo contrário, será o combustível que
alimentará o aprofundamento da crise e a colisão inexorável das
massas com todo o regime político.
A
pressão do ajuste a da crise, econômica e política, de forma
combinada, transformam o Brasil em uma grande panela de pressão,
prestes a explodir. Toda a vitória recente das eleições são uma
guinada à direita de uma parcela significativa das massas, mas essa
guinada se move por cima de uma crise gigantesca, no qual a burguesia
e seus partidos não irão acalmar e estabilizar os fatores objetivos
e econômicos, nem seus efeitos sociais, ao contrário, com a vitória
irão tentar garantir seus lucros às custas de uma maior opressão
da maioria da população.
O Brasil vive hoje uma crise histórica,
essas eleições que sinalizaram uma vitória da burguesia apenas
aprofundarão a crise, suas contradições, e seus efeitos sobre a
população. Os mesmos partidos que cantam e brindam suas vitórias
hoje, terão que enfrentar a continuidade da crise e a fúria das
massas no dia de amanhã.
A
esquerda necessita debater de forma crítica a crise histórica e
conjuntural que atravessa o nosso país, analisar de forma profunda o
papel que desempenha a crise mundial do capitalismo nessa crise e o
papel funesto que cumpriu a política de colaboração de classes,
levada adiante pelo PT nos últimos trinta anos, e seus atuais
desdobramentos, sem superar criticamente sua trajetória, a esquerda
não conseguirá se transformar em um norte para a classe
trabalhadora, que sofre em toda sua plenitude os efeitos desta crise
histórica no qual o capitalismo se encontra totalmente submerso.