terça-feira, 26 de outubro de 2021

Brasil: a mobilização do 15N pelo "Fora Bolsonaro" não deve ser suspensa

 Extraído e traduzido do site Prensa Obrera da Argentina



Por Rafael Santos

Há poucos dias corria a versão de que o super-ministro da Economia do governo Jair Bolsonaro, Paulo Guedes, havia apresentado a renúncia. Depois de horas de incerteza, isso foi negado por uma conferência conjunta de ambas as figuras. Os que acabaram renunciando foram quatro secretários do Ministério da Economia, da maior importância.

A crise ministerial, duramente contida, se deve ao fato de que a crise social está atingindo a estrutura política do país. Nos últimos dias, foram exibidos vídeos em que grupos de desempregados brigavam na porta de supermercados para ver quem era o privilegiado que poderia extrair um pouco de comida do lixo. Cerca de 20 milhões de brasileiros quase não comem diretamente. E outros 150 milhões estão subnutridos. As calçadas das grandes metrópoles estão cheias de moradores de rua sem teto. A inflação está disparando. A renda média caiu 10% no último ano e meio. Mas, o dos mais pobres caiu 2,5% a mais.

Isso levou o próprio Bolsonaro a propor um subsídio de R$ 400 para 16 milhões de desempregados, a partir de novembro próximo. Este, que vem sendo "estudado" há meses, foi bloqueado pela legislação "constitucional" que estabelece um teto, proibindo gastar mais do que havia sido orçado no ano para aquele item. Peça-chave - “votada” pelo governo golpista de Temer e continuada por Bolsonaro - para “ajustar” todos os itens sociais (Educação, Saúde, Previdência Social, etc.). O presidente fascista retirou subsídios para desempregados no final de 2020 - o que acelerou a deterioração social - argumentando que a reativação da economia estava começando. Mas isso é muito lento (mesmo em um mês o PIB voltou a cair) e os poucos empregos “novos” são altamente precários.

Provavelmente, a recente eleição argentina, onde o peronismo governante caiu vertiginosamente nos votos, produto direto da revolta social contra o "ajuste" fondomonetarista que vem promovendo, tenha levado Bolsonaro a romper com a regra que havia defendido de vento e popa. Como diz o ditado popular: "quando vir a barba do vizinho queimar, coloque a sua de molho".

A versão da demissão de Guedes (e a efetiva demissão dos seus principais colaboradores) produziu imediatamente uma forte reação dos "mercados": a bolsa caiu 3% e o real desvalorizou 2%.

O grande capital teme que a política de "reformas" e "ajustes" seja abandonada. Junto com a pressão dos desempregados (“os mais frágeis”, como Guedes os chama), há a forte reivindicação dos caminhoneiros. A gasolina aumentou quase 40% em um ano. Em setembro passado, o aumento foi de 9%. A causa desses aumentos é a política de preços que o governo autorizou a Petrobras. O cálculo é regido pelo preço internacional (em constante aumento), ao qual se acrescenta o custo hipotético de importação. Mas o petróleo não é importado no Brasil, é produzido localmente, com custos menores. O governo, assim, garante superlucros aos acionistas privados da Petrobras.

A ameaça de greve dos caminhoneiros para 1º de novembro, pedindo redução no preço do combustível, obrigou Bolsonaro a prometer um bônus de 400 reais para 750 mil caminhoneiros. Esse bônus único é ridículo para eles e eles manteriam a greve de 1º de novembro. É uma medida desesperada de Bolsonaro para não baixar, nem congelar, os preços da Petrobras. É o que Guedes prometeu na semana passada em encontro com grupos financeiros em Nova Iorque.

Ajuste e privatizações

A continuidade do plano de “reforma e ajuste” de Bolsonaro-Guedes aparece –no quadro da crise capitalista mundial ainda não superada– como cada vez mais inviável.

Já em outubro do ano passado, houve crise semelhante com o Ministério da Economia: os secretários de Privatizações e de Desburocratização renunciaram, acusando que estavam empacados, que não andavam. Dias antes da crise atual, Guedes declarou que embora as privatizações fossem lentas, agora iam se acelerar com a entrega direta dos Correios e da Eletrobras (ver matéria na Prensa Obrera sobre o desmembramento da Petrobras ). Mas agora outra perna de seu plano foi ferida: a do "ajuste" para reduzir o déficit fiscal e continuar pagando a dívida pública.

Algo que ainda está "andando" é o ataque aos salários e ganhos dos trabalhadores. Não só a Câmara dos Deputados aprovou (e passou ao Senado) o projeto de lei que acaba com a estabilidade no emprego e  boa parte de suas conquistas sindicais de grande parte dos servidores públicos federais (está autorizado a contratação de novos trabalhadores com salários mais baixos e precarizados), mas há uma competição real entre os bolsonaristas e os "oponentes" burgueses "antibolsonaristas". O governador do megaestado de São Paulo, João Doria, acaba de aprovar sua própria reforma trabalhista (a segunda desde o golpe de Michel Temer) contra trabalhadores estaduais e municipais (aumenta em cinco anos a idade de aposentadoria, retira licenças de trabalho que foram incorporadas nos Acordos Coletivos de Trabalho, etc.). Doria apoiou a ascensão do Bolsonaro na época e agora aparece como candidato a formar uma terceira via (nem Bolsonaro, nem Lula) para as próximas eleições. Não há discordância no desejo de que a crise seja descarregada sobre os trabalhadores.

O movimento operário

Os governos e os patrões se animam porque contam com a paralisia colaboracionista das burocracias dos sindicatos e das centrais operárias, politicamente subordinadas ao PT, Lula e à “frente ampla” que este está montando vistas às eleições de outubro de 2022.

Algumas greves estouraram (General Motors de São Caetano, trabalhadores estaduais e municipais de São Paulo, etc.), mas permanecem isoladas. Com as burocracias que os “apóiam” verbalmente, mas não adotam um plano nacional de luta para barrar esses ataques.

No último final de semana, a principal central sindical, a CUT, liderada por uma burocracia diretamente ligada com PT e Lula, acaba de realizar sua 16ª Plenária Nacional com a “participação” (por zoom) de 950 delegados sindicais. O objetivo declarado era definir uma “nova estratégia” para a CUT.

“A defesa da vida foi incluída como bandeira prioritária da maior central sindical da América Latina”, diz o comunicado oficial. Mas de que vida fala para o trabalhador? Com salários baixos, perda de conquistas e precariedade em muitos casos de semi-escravidão?

“Há um novo cenário no mundo do trabalho na pós-pandemia e com o avanço das tecnologias”, disse o dirigente da CUT que apresentou o relatório central. “O novo modelo organizacional do movimento sindical” foi o tema central do Plenário Nacional da CUT. “A nossa tarefa neste encontro é pensar neste novo modelo organizacional, não podemos usar os mesmos métodos do século passado”, disse.

Entre as medidas mais importantes do “novo modelo” sindical está - a nível organizacional - a criação de uma rede nacional de comunicação da CUT para “enfrentar o fascismo de forma organizada e com argumentos eficazes”. O objetivo traçado pela Plenária da CUT (porque os objetivos foram traçados) é armar "6.000 brigadas" com "60.000 brigadistas" da CUT. Sem desvalorizar a luta e os argumentos ideológicos (desta vez subordinados à campanha eleitoral do PT para as eleições de 2022), o que a classe trabalhadora precisa é de um plano de luta consistente e permanente até chegar à greve geral para enfrentar e derrotar os ataques do Bolsonaro, dos Dorias e os patrões. O governo Bolsonaro se apóia em sua política de ofensiva contra as massas trabalhadoras, principalmente porque as organizações sindicais de massas não desempenham nenhum papel de oposição ativa, de luta contra esses ataques. A força social da luta dos trabalhadores, camponeses, estudantes, indígenas, caminhoneiros (para o qual é necessário propor a retração dos aumentos de combustível) faria voar pelos ares a construção da arrogância bolsonarista. Se trata da velha luta de classes, de recuperação dos velhos métodos de greve e de montagem.

Os operários paulistas do gás estão em campanha salarial. Pedem aumento salarial: recuperação de 10,42% por conta da inflação, mais aumento real de 3% e renúncia do empregador à intenção declarada de retirar conquistas (bônus de antiguidade, etc.). O empregador se opôs apenas a 8% e mantém a poda das reivindicações que constam na Convenção Coletiva. Diante disso, a direção burocrática do sindicato propõe ... buscar a “mediação” do Tribunal Regional do Trabalho. Ela declara que não fará greve para não afetar a distribuição estratégica do gás. Você só está disposto a fazer greve se isso não afetar os interesses dos patrões ou do governo? Voltemos aos velhos - e garantidos - métodos de luta: greve e assembleias!

O movimento sindical brasileiro precisa ser reconstituído em termos de classe, rompendo com o colaboracionismo das burocracias sindicais. É preciso exigir um verdadeiro congresso de base, com delegados eleitos por assembléias, da CUT e outras centrais para definir uma lista de reivndicações nacionais e votar um plano de luta para impô-la.

Em vez disso, a CUT e o PT resolveram, de acordo com outras burocracias, levantar o dia nacional de luta convocado para 15 de novembro pela campanha de Fora Bolsonaro. Este tipo de jornada assustaria - dizem - os setores burgueses da oposição com os quais pretende constituir a frente ampla para as eleições de 2022. Em vez disso, afirma-se, convocariam uma "sessão plenária" para a participação destes dirigentes burgueses da oposição.

Estão substituindo mobilizações (mesmo restritas e inconsequentes) como a convocada para 15 de novembro, por "plenárias" da frente popular antibolsonarista.

O pólo socialista revolucionário

Há 10 dias foi realizada uma Plenária Nacional (por zoom), com a assistência de 1.400 colegas, para constituir uma Frente Socialista Revolucionária, promovida pelo PSTU e apoiada por organizações de esquerda (MRT, etc.) e numerosos dirigentes sindicais combativos. Foi proposto reagrupar a classe trabalhadora em torno de uma abordagem de independência política. É um passo em frente que pode ser importante. Esta Frente Socialista Revolucionária deveria se projetar colocando-se à frente de uma forte agitação (e na medida do possível de organização) pela manutenção do dia nacional 15 de novembro, por um plano de luta nacional, pela ruptura da CUT e as organizações de trabalhadores de sua subordinação política aos partidos e frentes populares.