sexta-feira, 29 de dezembro de 2017

VI CONGRESSO DO PSOL



Por Pablo Heller

A ESTRATÉGIA DA ESQUERDA EM DEBATE
                                                          Uma crítica marxista

Nos dois dias de deliberações do Congresso do PSOL, que se realizou em 2 e 3 de dezembro, muitos delegados assinalaram a necessidade de criar uma alternativa superadora da experiência do PT. O lulismo foi qualificado, em muitas das intervenções, de “ciclo esgotado” e se enfatizou a necessidade de uma reordenação profunda da esquerda. A ala esquerda do PSOL advertiu, inclusive, contra uma tendência contemporizadora com o PT existente em setores do PSOL.

Dique de contenção
Mas, para além de invocações e advertências, a verdade é que o congresso ratificou o rumo oficial de seu partido que se aplica até o momento. O PSOL, por meio de vários de seus dirigentes, participa da Plataforma Vamos, uma coalizão de várias organizações políticas, na qual se destaca o PT e que integra também os movimentos sociais como o MST e MTST (Movimento Sem Terra e Sem Teto, respectivamente). O Vamos surgiu por iniciativa do “Povo sem medo”, uma criação do PT que inclui a CUT, a qual tem sabotado as lutas e mobilizações contra o governo de Temer. A participação do PSOL no Vamos foi ratificada pelo Congresso e, até que saibamos, segundo artigos e comentários publicados, ninguém, incluídas as correntes mais radicais, propôs se retirar dessa coalizão.
A proposta central do Vamos, como do Povo sem Medo, é preparar uma alternativa “progressista” para as eleições presidenciais do fim do ano que vem. Em nome de esperar até 2018, desarticula-se qualquer luta atual. Estamos na presença de uma grande operação de contenção que tem o PT e a CUT, como seus principais articuladores. Sem ir mais longe, a CUT, junto com as demais centrais, suspendeu a greve nacional marcada para o dia 5 de dezembro com o argumento de que o governo tinha resolvido postergar a votação da reforma previdenciária. Precisamente, essas vacilações oficialistas abriam uma oportunidade para infligir um golpe importante ao ajuste. O Congresso do PSOL aplaudiu com entusiasmo a postergação da votação da reforma, mas não mencionou uma crítica à burocracia sindical.
A Plataforma Vamos aponta a disciplinar o resto da esquerda nesse processo de bloqueio da luta popular. Não podemos deixar escapar que dita iniciativa foi concebida como uma base de apoio à candidatura de Lula, e aspira a comprometer aos partidos localizados mais à esquerda do espectro político nessa direção. Lula dá sinais contínuos à burguesia de que não vai fugir das regras impostas e de que é a melhor garantia para que a transição política em curso não perca o controle. O líder petista já adiantou que, em caso de triunfar, seu gabinete incluirá a Mereilles, ex presidente do Banco Central e figura chave do establishment, para dirigir os destinos da economia brasileira.
A candidatura de Lula teria, nestas condições, um caráter bem mais de direita que os dois mandatos precedentes, pois se oferece como opção para administrar o ajuste e a entrega ou como caução para uma fórmula presidencial, no caso de que seja privado dos direitos políticos. O PSOL especula com a possibilidade de que uma eventual condenação à prisão de Lula deixaria o panorama mais “livre” para a disputa presidencial, em que o PSOL poderia conseguir, segundo seus cálculos, um verdadeiro protagonismo. Com esta expectativa, a direção do PSOL teria sondado o líder nacional do Movimento dos Sem Teto, Guilherme Boulus, que esteve presente no congresso, para encabeçar uma possível fórmula presidencial. Isto acendeu as luzes de alerta no PT, e Lula em pessoa se reuniu com o dirigente do MTST para desestimular essa alternativa. Mas qualquer que seja o desfecho final, o concreto é que o PSOL se propõe a outorgar a liderança política a um homem alheio às suas fileiras e é parte da estrutura dirigente do PT. Isto já tem despertado o receio da sua ala esquerda, que quer a candidatura de uma de suas referências, Plínio Sampaio. De todo modo, acima das diferenças, todas as frações internas compartilham um eleitoralismo desenfreado e uma estratégia de conciliação de classes e de submissão a fundo à ordem social vigente. A Plataforma Vamos apresenta como eixo estratégico e excludente a “democratização do Brasil” (o que é um retrocesso, inclusive, em relação a qualquer dos programas que historicamente tenha levantado o PT).

Caracterização
A estratégia do PSOL é uma réplica degradada da “frente antimacrista” que se propugna na Argentina. A frente “anti-Temer” é a desculpa para estabelecer uma convergência com o nacionalismo burguês quando a batalha contra a direita coloca às claras e intensifica a necessidade de uma delimitação implacável com o mesmo.
O PSOL não é um foco organizador das lutas e também não se propõe. Isso ficou claro nas deliberações do congresso, onde, para além de invocações genéricas, as palavras de ordem, propostas e iniciativas para articular a ação direta e enfrentar ao governo Temer e sua ofensiva, brilharam por sua ausência. Precisamente, em momentos em que a questão crucial é derrotar as reformas previdenciárias, trabalhistas e fiscais - e dar continuidade às duas greves gerais últimas -, que ameaçam socialmente ao conjunto do movimento operário. Isto põe sobre o tapete a necessidade de um congresso de bases da CUT, Conlutas e os movimentos sociais. Esta perspectiva está fora do radar do PSOL.
O PSOL tem a aparência de uma frente de esquerda, mas é um aparelho que se encontra sob o arbítrio de uma camarilha parlamentar de velhos dirigentes do aparelho petista. Não pode se falar de um “partido de tendências”, pois as tendências não decidem nem determinam a orientação do partido. Na maioria dos casos, os candidatos centrais têm sido homens e mulheres que têm participado de governos capitalistas (como Erundina, ex-prefeita de São Paulo), que, presente no congresso, segundo o informe publicado no site oficial do PSOL, recebeu um forte aplauso dos assistentes.
Não esqueçamos que nas eleições estaduais do ano passado, no segundo turno, o PSOL fechou um acordo com o PMDB (o partido de Temer) em Belém (capital de Pará) e o candidato do PSOL em Cuiabá (Mato Grosso), foi o procurador Mauro, um evangelista contrário ao direito ao aborto e ao casamento igualitário, entre outros. Vem tendo sistematicamente uma forte influência clerical, consentida pelo arco esquerdista. O candidato do PSOL no Rio de Janeiro, Marcelo Freixo, fez campanha com a proposta de que “seria absurdo demonizar ao capital privado”.

Esquerda
Esta política geral não tem sido um obstáculo para a colaboração das diversas correntes da esquerda “radical”. Tal é o caso do MES (vinculado ao MST argentino), que apoiou entusiasticamente as candidaturas mais reacionárias do PSOL e recebeu inclusive apoio financeiro da siderúrgica Gerdau. A CST, corrente afim à Esquerda Socialista na Argentina, denuncia estas candidaturas, enquanto acompanha-as nas listas. A este arco somou-se o Movimento para uma Alternativa Independente (MAIS), fração que rompeu com o PSTU, favorável a uma campanha pelas ‘diretas’ com o PT. O Movimento Revolucionário de Trabalhadores (MRT-PTS), por sua vez, tem renovado seu pedido de entrada no PSOL. A suposta “autonomia” no interior desta formação política, que se esgrime para justificar a permanência ou a entrada em suas fileiras, serve como pano de fundo para desenvolver uma cumplicidade política com uma proposta e uma direção amarrada por toda sorte de vínculos com os patrões e o estado.
O “entrismo” no PSOL não tem nada que ver com o que, em seu momento, justificou a entrada no PT na década de 80. No caso do Partido Obrero e dos militantes e correntes afins que militavam no Brasil, não só promovemos a entrada no PT, como além disso impulsionamos e jogamos um papel ativo em sua fundação. A constituição do PT encarnou um giro político dos trabalhadores, e como tal representou um passo adiante “real” na estruturação política independente da classe operária. Essa experiência, como já sabemos, terminou abortada, mas isso não desmente seu valor e seu significado. Não é o caso do PSOL, que não passa de um arranjo superestrutural de dirigentes e arrivistas políticos, alheio a um reagrupamento político genuíno da classe operária.
O PSOL é uma das versões mais de direita dos “partidos amplos” e “plurais’ que fracassaram em outras partes do mundo. É bom assinalar que o Congresso do PSOL, fazendo caso omisso à experiência já percorrida, não se privou em fazer uma reivindicação do Podemos, da França Insubmissa (de Melenchon), do Bloco de Esquerda (Portugal) e até do próprio Syriza, ignorando qualquer referência ao ajuste que se leva adiante na Grécia.
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