terça-feira, 26 de dezembro de 2017

“CRIANDO UMA ESQUERDA MAIOR”


Jorge Altamira


Até onde se pode observar, é a primeira vez que desde o ‘establishment’ do país (neste caso jornalístico) se prognostica o crescimento da esquerda revolucionária na Argentina. É o que faz Jorge Fontevecchia, precisamente, no diário Perfil do dia 17/12 (“Criando uma esquerda maior”). Sua conclusão aparta-se da cruzada macartista dos ‘6,7,8’ da confraria midiática do macrismo. Ele destaca “A significativa capacidade de mobilização da esquerda na contramão da reforma previdenciária”.

Para Fontevecchia, o fim dos blocos antagônicos, a globalização e a onipresença da economia de mercado delineia o roteiro do peronismo que pactua com Macri, deixando um vazio opositor. Aqui há um lapso, porque deixa de lado a experiência do menemismo, que conduziu à bancarrota econômica, à rebelião de 2001 e à etapa K. Na realidade, sobre a base dessa globalização, desenvolvem-se crises enormes, guerras comerciais, monetárias e fiscais, ou seja uma tendência à fragmentação do mercado mundial. O “ajuste” macrista já está dando com a cabeça contra esta parede, e até o peronismo já sabe disso. Também há uma fragmentação política crescente: Brexit, a ascensão da direita pró-fascista na Europa; o piromaníaco Trump. Existe um desequilíbrio sistêmico na política mundial; da dissolução da URSS passamos à da UE. Desde “a queda do comunismo”, como adjetiva Fontevecchia, há uma onda de guerras internacionais e de crises humanitárias sem paralelo desde a segunda guerra mundial. O ‘estado de bem-estar’ está relegado ao baú das lembranças e cresce a desigualdade social. As contradições do capitalismo são mais agudas que quando existia a URSS.
A ascensão da esquerda explica-se neste contexto; não é uma derivação da virada “ao centro” do peronismo ou de sua cooptação por parte do macrismo. Durante doze anos, na maior parte da América Latina, prosperou uma tendência diferente, a chavista, distante do ‘longo caminho do meio’. Seu fracasso é uma consequência da própria crise mundial, e da insuficiência histórica das respostas burguesas nacionalistas. A esquerda está crescendo na Argentina delimitando-se do kirchnerismo, o qual agora contribui com a maior parte de seu “pessoal superior” à coalizão com o macrismo. Trata-se da esquerda que combateu politicamente ao stalinismo, em condições dificílimas, em defesa do futuro histórico do socialismo.

Neste contexto de ideias, Fontevecchia diz: “Ou (a esquerda) cresce porque o kirchnerismo incorpora-se, ou cresce porque o kirchnerismo dissolve-se…”. Ambas variantes, no entanto, supõem um casamento ou uma clonagem; ou um kirchnerismo de esquerda ou uma esquerda kirchnerista. Não tem lugar uma mudança de perspectiva histórica. Semelhante união levaria a esquerda a um impasse mortal. A tarefa da esquerda é de outra natureza: fundir-se com sua base social, a classe operária, único modo de projetar um governo de trabalhadores e o socialismo internacional. Uma alternativa híbrida inseriria a esquerda no quadro político que deve superar.

A perspectiva da esquerda depende, em última instância, de uma mudança radical na percepção da realidade histórica por parte do movimento operário. ‘That’s the question’. A esquerda socialista é o instrumento político consciente de um sujeito histórico: os trabalhadores – não uma especulação ideológica. A juventude trabalhadora e estudantil deve ser ganha para uma perspectiva antagônica à que tem se vinculado. Nisto consiste o desenvolvimento de uma consciência de classe socialista. Nesta perspectiva é necessária uma nova direção do movimento operário – a atual é uma agência da patronal e do Estado.

Promover a derrota da guerra de classe do capital, desatada pelo macrismo contra o mundo do trabalho, é a tarefa que deve converter a esquerda em direção política.