sexta-feira, 9 de junho de 2023

Brasil: NÃO É UM PASSO EM FALSO DE LULA, É UMA DECISÃO

 Vide link: https://prensaobrera.com/internacionales/brasil-no-es-un-traspie-de-lula-es-una-entregada


Por Rafael Santos

Os jornais do mundo falam do fato de que Lula teve vários reveses importantes nas últimas semanas, onde suas propostas foram derrotadas em votações parlamentares.

A realidade é que o novo presidente brasileiro promoveu um programa de ajuste contra o povo. Primeiro, com uma lei de teto orçamentário. Foi imposta pelo golpe que levou ao governo de Michel Temer, com um limite “intransponível” de gastos do Estado, proibindo todo tipo de aumento salarial e concursos públicos e dada continuidade por Bolsonaro. E Lula, que havia prometido -em sua campanha eleitoral - revogar no Orçamento do Estado essa verdadeira camisa-de-força contra os trabalhadores e antigasto social, volta a validá-la com outro nome. "O mesmo cachorro com quase a mesma coleira." Todo esse esquema de contenção de gastos do governo é para reduzir qualquer tipo de déficit primário das finanças (promete que em 2024 o déficit será igual a zero e a partir daí haverá um superávit fiscal de 1% a cada ano). O objetivo é garantir o pagamento da dívida pública com o capital financeiro nacional e imperialista! 

Cerca de 1.700 bilhões de reais de "ajustes" orçamentários foram retirados dos ministérios e redirecionados para pagar propinas a deputados parlamentares (sob o eufemismo de orçamento secreto para obras), algo que... Lula também havia prometido revogar definitivamente na campanha eleitoral. 

A outra área de ataque é a “ambientalista”, a defesa do meio ambiente e dos direitos dos povos indígenas. Esta foi uma bandeira central da campanha eleitoral de Lula e sua Frente Ampla. Muitos dos que quiseram se iludir com o papel progressista de Lula afirmaram que, embora ele não propusesse a recuperação das conquistas operárias retiradas pelo bolsonarismo, ele acabaria com a depredação ambiental e o extermínio das comunidades indígenas. 

Para tanto, Lula criou dois ministérios - do Meio Ambiente e dos Povos Indígenas - colocando à frente os esquerdistas-progressistas da aliança Rede-PSOL (membros da governista Frente Ampla). 

Mas... O Parlamento votou leis abertamente contrárias à defesa dos direitos dos povos indígenas e do meio ambiente. Embora o governo Lula tenha apresentado projetos limitados e formalmente “progressistas”, a Câmara dos Deputados votou ataques abertos a essas questões. Por exemplo: a hierarquia dos novos Ministérios dos Povos Indígenas e do Meio Ambiente diminuiu, tirando funções transcendentais que passaram para as mãos de outros ministérios e reduzindo drasticamente seu orçamento operacional. Deixando-os formalmente como “conchas vazias de conteúdo”, apenas aptos a fazer afirmações genéricas e homenagens à “natureza”. Os próprios ministros dessas pastas protestaram dizendo que Lula deveria ter se envolvido mais para defender as prerrogativas com as quais foram constituídas. 

Mas os ataques mais abertos foram "flexibilizando" as normativas para iniciar novas explorações sem cumprir as condições de proteção ambiental. Assim abriu-se a porta para que se iniciasse a perfuração de petróleo na chamada “Mata Atlântica” e outras. E o mais importante: o reconhecimento dos direitos de adjudicação de terras aos povos indígenas é drasticamente reduzido. A Câmara dos Deputados votou que apenas os direitos indígenas seriam reconhecidos sobre as terras que já estavam ocupadas até 1988. Eles não somente deixam de fora territórios ancestrais reivindicados há mais de meio século; ao contrário, possibilita até mesmo o despejo dessas terras que foram ocupadas décadas atrás. 

O pacote de leis anti-indígenas e contrárias à defesa do meio ambiente contra a depredação promovida por fazendeiros e o chamado agronegócio, tem sido promovido pela chamada Frente Parlamentar Agrária que reúne de forma transversal os deputados que defendem o interesses desta “agropotência”. E foi articulado diretamente pelo presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira. O governo não foi derrotado, deu liberdade de voto em vários desses projetos e dezenas de deputados da frente governista votaram pelas modificações reacionárias. Começando pelo partido do vice-presidente, Geraldo Alckmin, e seguindo pelos deputados do partido, também governista, da ministra do Planejamento e Orçamento, Simone Tebet, que votou na legislação antitrabalhadores, antiindígena e antiambiental. Mas, também dezenas de integrantes da própria bancada do presidente Lula, do PT, votaram a favor. É uma política de Estado que continua os ataques de Temer e Bolsonaro e que inclui não apenas o chamado Centrão (bloco de centro-direita amalgamado), mas deputados do PT e até setores bolsonaristas. 

A bancada do PSOL – que preside os ministérios acima citados e também a vice-presidência da Câmara – depois de “lutar” para modificar alguns dos pontos mais retrógrados, decidiu não apoiar as leis reacionárias. É apenas uma saudação à bandeira, para manter a validade de sua pertencimento ao governo Lula. 

O repúdio e reação de setores das comunidades indígenas foi imediato. No dia 30, centenas de indígenas do povo Guarani Mbya, da Terra Indígena Jaraguá, bloquearam a rodovia dos Bandeirantes, marchando em direção ao rio, para ali realizar um ato. Foram fortemente reprimidos pela polícia com helicópteros, gás, balas de borracha, etc. 

O afastamento “expresso” destas leis deve-se ao fato de, a 7 de junho, o Tribunal de Justiça deverá definir a constitucionalidade das reclamações fundiárias apresentadas em tribunal. Dos 3 membros desse Tribunal, um foi favorável às reivindicações dos povos indígenas e outro as rejeitou. Na quarta-feira, dia 7, o terceiro integrante deveria ser definido pelo desempate. 

O agropoder com o parlamento por trás já votou. Em troca, a Central Sindical (CUT) liderada pelo PT de Lula convocou... uma rádio aberta! 

Não é um passo em falso de Lula, foi uma decisão direta e simples. Isso abre novas perspectivas antitrabalhadoras e antipopulares. 

Lula se apressou em se reunir com o presidente da Câmara dos Deputados, Lira, para "acordar" uma política permanente de governo. Lira afirmou estar disposto a que Lula "concilie" com ele e com o Centrão. Não se trataria mais de uma Frente Ampla com setores da direita, mas de um co-governo sui generis do governo Lula-Alckmin, com Lira e o Centrão. 

Ninguém pode se enganar. Já denunciamos durante a campanha eleitoral o caráter direitista que a candidatura presidencial de Lula assumiu na “frente da esperança” com a direita. Não só não recuperou nenhuma reivindicação dos trabalhadores (revogação da reforma trabalhista e previdenciária antitrabalhadora, etc.), como está salvando e reforçando os avanços reacionários do bolsonarismo. 

Claro que o PSOL, corrompido por sua participação em ministérios e com dirigentes dos governos nacional, estadual e municipal, lamenta os "erros" de Lula, mas pede - mais do que nunca - cerrar fileiras em torno do governo para impedir o avanço do bolsonarismo.

O PSOL tornou-se diretamente um partido do governo. Isso levou à desmoralização de trabalhadores, estudantes e ativistas ambientais que confiavam na verborragia de Lula. E mais ainda ao fato de que a pequena corrente da UIT-CI, a Corrente Socialista dos Trabalhadores, anunciou sua retirada do PSOL (da qual falaremos na próxima nota). 

A luta pela independência política e organizacional dos trabalhadores está mais do que nunca na ordem do dia. Implica não apenas na superação do PT, do PCdoB, do PSOL e de todos os partidos oportunistas, mas também a colocação do governo burguês de frente-ampla de Lula como inimigo direto das massas, para defender (e recuperar) as conquistas do trabalhadores e as massas. 

Exigir que os sindicatos e organizações de massas rompam com o governo e seus partidos e avancem em um plano de luta para derrotar a “ofensiva dos ajustadores”.