sexta-feira, 23 de dezembro de 2022

França: a ruptura do Novo Partido Anticapitalista - NPA

Artigo extraído e traduzido do link: https://prensaobrera.com/internacionales/francia-la-ruptura-del-npa




O V Congresso do Novo Partido Anticapitalista (NPA), que foi o modelo dos "partidos amplos", concretizou a tão anunciada cisão da organização em duas metades, durante o primeiro dia de congresso na última sexta-feira. O motivo central da cisão é a vontade do setor liderado pelo NPA, maioria histórica do Secretariado Unificado (SU), de dissolver a organização dentro da frente “institucional” de centro-esquerda encabeçada por Jean-Luc Mélenchon, o Nupes; e a rejeição de um setor da esquerda do partido, liderado por L'etincelle (La Chispa) e Anticapitalismo y Revolución (AyR), a essa perspectiva aberta de colaboração de classes.

 A responsabilidade do Secretariado Unificado

O trabalho conjunto da antiga maioria do NPA com Mélenchon não é novo. Deve remontar, pelo menos, às candidaturas comuns às eleições na cidade de Bordéus em 2021, onde o principal porta-voz público do NPA, Philippe Poutou, foi eleito vereador e formou um bloco no complexo com os representantes de Mélenchon . Na ocasião, a integração de uma lista comum foi imposta pela direção nacional do NPA, apesar de a maioria dos militantes regionais ter votado contra.

 O acordo da liderança do NPA com Mélenchon foi replicado em todas as instâncias eleitorais. Primeiro, nos municípios da Nova Aquitânia, agregando um setor dissidente do Partido Socialista. Depois, na convocação para votar nas listas de Mélenchon em todas as eleições regionais onde o NPA não compareceu. Por fim, nas eleições presidenciais, retirando apenas no último minuto a proposta de integrar-se a Mélenchon, embora convocando a votar no Nupes nas legislaturas imediatamente posteriores.

 A política da maioria histórica do SU de convergência com Mélenchon não é, a rigor, uma virada, mas um passo lógico em sua linha de colaboração de classe. A autodissolução da antiga Liga Comunista Revolucionária (LCR, seção francesa do Secretariado Unificado) para dar lugar ao NPA, em 2009, foi precedida pela eliminação da estratégia da revolução operária, inclusive do programa!

O lançamento original do NPA respondeu à vontade da direção da SU francesa de enterrar definitivamente a construção do partido revolucionário para constituir uma assembleia “ampla”, com vista às manobras eleitorais. A LCR veio, embora aprofundando a sua adaptação ao regime, de uma “ascensão” eleitoral. Mas o experimento logo mostrou seus limites. A esquerda “tradicional” francesa (PC e PS entre outros), conseguiu uma inesperada recomposição nos cálculos da SU, que trouxe o NPA de volta a números eleitorais muito reduzidos.

 O colapso eleitoral do NPA repercutiu em um revés militante. Dos dez mil membros iniciais, reduziu-se para quatro mil, cifra que não parou de cair até chegar a dois mil neste último Congresso. A desmoralização face aos falsos atalhos eleitorais juntou-se a um setor de direita que, tirando todas as conclusões, saiu do NPA para abraçar a integração sem mediação no regime.

 O apoio do USec a variantes de fronteiras de classes difusas em todas as latitudes (Podemos na Espanha, Syriza na Grécia, PSOL no Brasil, Chavismo) teve sua correlação na França com a adaptação do NPA ao regime da Quinta República Francesa. O NPA, embora com oposição interna, convocou o ex-presidente François Hollande e o atual Emmanuel Macron a votar, invocando “o mal menor” entre as variantes burguesas reacionárias.

O SU prestou um serviço inestimável à burguesia ao bloquear, com seu tom eleitoralista, a construção de soluções revolucionárias. O que, por sua vez, contribuiu para o surgimento de revezamentos institucionais – como o que atualmente se cristaliza no Nupes. Não surpreende, portanto, que tenha sido o USec quem tomou a iniciativa de quebrar o NPA e entrar na manobra de Mélenchon, mesmo que isso o tenha levado a acabar com sua fachada democrática (partido "amplo") para preservar suas aspirações eleitorais . Estamos diante de uma força que há décadas abandonou o campo da revolução.

A proposta da "Plataforma C" (A Chispa e AeR)

 As forças atuantes no NPA que se dizem revolucionárias (A Chispa e AeR) estavam do outro lado da ruptura, opondo-se a um acordo com Mélenchon.

 Após o Congresso, esses grupos apresentaram um documento anunciando que assumirão a responsabilidade de continuar com o NPA, apesar da saída da maioria histórica do Secretariado Unificado. Sua Plataforma para o Congresso (denominada "C") também havia sido apoiada por pequenos núcleos ou grupos de esquerda.

 Nas assembleias preparatórias, que elegeriam delegados ao Congresso do NPA, a “Plataforma C” obteve 45,55% dos votos, e é muito possível que alguns setores que não a apoiaram acabem aderindo de qualquer maneira – principalmente na juventude. Os pontos fortes da Plataforma C advêm do pouco crescimento, o que contrasta com as dificuldades do SU. A sua inserção em ramos chave, como correios e transportes, e a sua presença em inúmeros distritos colocam o desafio de construir uma nova organização de âmbito nacional.

 Seu documento inicial se pronuncia pela "necessidade e possibilidade de construir um partido revolucionário, porque o rechaço dos patrões e, em última análise, à tomada do poder deles não se fará por meio de eleições". Tanto La Chispa quanto AyR rejeitaram oportunamente as várias convergências com Mélenchon, contrariando as resoluções da maioria da direção do NPA.

 A construção de um partido revolucionário no coração da Europa implica a necessidade de formular conclusões substantivas sobre a ruptura do NPA. O desvio eleitoralista do SU não se reduz a uma série de episódios. O acordo com Mélenchon é o corolário de uma estratégia deliberadamente não revolucionária. E, consequentemente, de um método não revolucionário de estruturação militante.

 O documento da Plataforma C afirma que “o NPA sempre se concebeu como um pólo de reagrupamento dos revolucionários, rumo a um partido revolucionário de trabalhadores e trabalhadoras”. Mas o NPA nunca foi além de um acordo de tendências com sua própria disciplina interna, onde conviviam perspectivas políticas divergentes. Na ausência de uma estratégia revolucionária homogênea que lançasse o partido na luta de classes como um só punho, o que prevaleceu foi o confinamento do NPA a um selo eleitoral. Sob o guarda-chuva comum, a maioria histórica do SU sempre imprimiu sua orientação e suas figuras públicas. Mesmo quando ele estava circunstancialmente em minoria.

 A reivindicação do NPA como “polo” para agrupar os revolucionários, deixando a construção do partido para um futuro difuso, corre o risco de reeditar - em outra escala - à mesma política que levou o NPA aos seus compromissos de classe, ou seja , abrem o jogo para pressões oportunistas para substituir a luta pela independência política dos trabalhadores.

A importância de uma delimitação revolucionária com o SU e restante da esquerda, e de um balanço minucioso do NPA, não contradiz a importância de utilizar todos os acordos táticos para alcançar a mais ampla unidade de ação, sobretudo face ao ativismo que ainda hoje coloca expectativas no NPA.

 Esta é a política promovida pelo Partido Obrero na Frente de Esquerda Unidade, na Frente de Luta Piqueteira ou no Plenário do Sindicalismo Combativo. Encorajamos qualquer passo real no movimento de luta, e o fazemos sem sacrificar nosso programa ou nossa estratégia. No quadro da frente única, desenvolvemos um debate franco com as correntes que a compõem, procurando esclarecer e definir as diferenças que nos separam.

 Ao abordar o plano internacional, a Plataforma C afirma que “por responsabilidade internacionalista, [chamamos] para lutar contra a fragmentação da extrema esquerda e do movimento revolucionário em escala global”. Acreditamos que aqui também é necessária uma delimitação com a esquerda.

 A grande maioria das forças que afirmam fazer parte da Quarta Internacional fazem parte ou apoiam as frentes de colaboração de classes em todos os países. No Brasil, o PSOL, com candidatos burgueses, desde sua origem. Na Alemanha, o Die Linke. Na Itália, o ex-prefeito de Nápoles Luigi De Magistris. Na Espanha, dissolveu-se em forças nacionalistas. A rejeição da frente com a burguesia é válida para a França... e para todas as latitudes. Caso contrário, a Plataforma C pode acabar reproduzindo em sua estratégia internacional exatamente o que criticou na maioria histórica da Secretaria Unificada no desmembramento do NPA.

 Nossa proposta

Em oposição à construção de formações eleitorais, voltadas para a obtenção de cargos parlamentares, propomos a constituição de partidos de combate da classe trabalhadora. É lá que se forjam os quadros, organizadores e tribunos socialistas. A etapa que está abrindo a guerra, acompanhada de crises e rebeliões, põe em evidência a questão do poder e clama pela construção de partidos revolucionários fundados na luta estratégica pelo governo operário e pelo socialismo.

 A dissolução política – mesmo entre forças que se dizem revolucionárias - em “partidos amplos”, sem uma estratégia comum, mina a estruturação política independente dos trabalhadores. É o terreno ideal para que a pressão da burguesia se infiltre e o oportunismo prospere, tanto no nível “nacional” quanto na luta por uma liderança mundial dos trabalhadores.

 Em uma ruptura, mais do que nunca, é necessário que as diferenças sejam resolvidas e discutidas abertamente, até suas últimas consequências. Os camaradas da Plataforma C, que propõem “a necessidade e a possibilidade de construir um partido revolucionário”, têm o desafio de priorizar a estratégia leninista e enfrentar as tendências que lutam para distorcer um genuíno reagrupamento.