segunda-feira, 25 de novembro de 2019

A CONTINUIDADE HISTÓRICA DA LUTA PELA REFUNDAÇÃO DA IV INTERNACIONAL






Publicamos aqui, uma tradução do site https://politicaobrera.com/internacionales/170-la-continuidad-historica-de-la-lucha-por-la-refundacion-de-la-cuarta-internacional, a qual expressa em nossa opinião o início de uma melhor clarificação e compreensão da crise que se instalou nas fileiras do Partido Obrero da Argentina, tendo a mesma repercutido e atingido abruptamente em partidos, organizações e militantes das mais diversas variantes do espectro da esquerda mundial. Pela proximidade histórica dos militantes remanescentes do Agrupamento Tribuna Classista, em especial com o PO argentino e na condição de simpatizantes da CRQI, não nos furtamos ao esforço para tentar entender essa crise, não no sentido de meros expectadores, mas das conclusões práticas que dela há de serem extraídas, para o desenvolvimento da consciência de classe, do ponto de vista do internacionalismo proletário, da luta pela construção de partidos operários revolucionários em cada país, indissoluvelmente ligada à luta pela Internacional Revolucionária, expressa programaticamente e politicamente nas fileiras da CRQI.




A continuidade histórica da luta
pela refundação da iv Internacional
Escreve Savas Michael-Matsas
17/11/2019

As notícias, em maio de 2019, a respeito de uma crise política explosiva que sacudia o Partido Obrero (PO) da Argentina, a seção fundadora e mais forte da Coordenação de Refundação da Quarta Internacional (CRQI), caiu como uma bomba entre as fileiras dos companheiros da Quarta Internacional, quem até então não estavam cientes e inclusive em outros setores. A notícia inesperada do agudo conflito surgido no partido trotskista argentino, que também incluía a seu líder histórico e fundador, Jorge Altamira, está suscitando um interesse mais amplo, não limitado às organizações que reclamam a herança da Quarta Internacional, mas também da esquerda internacional, particularmente a vanguarda operária, seus inimigos e seus aliados.
A razão óbvia é o peso específico conquistado pelo PO em seu combate durante mais de meio século, na luta de classes e na vida política da Argentina, na América Latina e a nível internacional. Mais recentemente, o papel especial do PO no surgimento da Frente de Esquerda e dos Trabalhadores (FIT), desde 2011, em diante, e seu promissor alcance eleitoral inicial, colocando-se no foco de uma atenção política geral, de forças políticas e sociais em conflito, tanto neste país chave da América Latina como internacionalmente.
Esta crise extremamente grave num partido revolucionário de vanguarda, com um grande histórico de luta na turbulenta história da Argentina e da América Latina é a manifestação política de uma mudança mais fundamental, supera os limites de um partido e de um país, refletindo um ponto de inflexão no processo histórico mundial, na contínua, irresoluta e agora novamente exacerbada crise mundial do capitalismo.
Só os pequenos burgueses cínicos e cegos politicamente podem considerar a situação como um episódio marginal, outro incidente na longa saga de uma esquerda internacional fragmentada e em contínuo processo de fragmentação, “mainstream” (que está em voga) ou heterodoxa, particularmente comum e recorrente entre os trotskistas. Um enfoque deste tipo é uma versão vulgar e superficial do mito da eterna volta do mesmo, uma apologia para uma “eternidade” não existente do sistema capitalista no momento mais crítico de sua agonia mortal, uma réplica da ficção neoliberal “não há alternativa”. As advertências de León Trotsky são mais atuais que nunca, em sua última batalha teórico-política antes de seu assassinato, na intervenção na crise do SWP dos EUA, em 1939-40, que envolvia direta ou indiretamente a toda e recentemente fundada Quarta Internacional, a princípios da Segunda Guerra Mundial: “Toda a luta de frações séria num partido é sempre na análise final um reflexo da luta de classes” (Em Defesa do Marxismo, New Park 1975, p. 77). A luta de frações dentro do Partido Obrero não é “uma tempestade em copo d'água”, é absolutamente grave e “um reflexo da luta de classes” não somente na Argentina, mas também internacionalmente.


IV Internacional versus “trotskismo nacional”

Uma diferença crucial, entre outras, entre a crise de 1939-40 no SWP estadunidense e a atual crise no PO argentino é o fato de que a primeira foi considerada pelo mesmo Trotsky desde o princípio não como um “assunto estadunidense”, uma crise política dentro da seção nacional mais forte da jovem Quarta Internacional, mas sim como um assunto internacional, uma questão de vida ou morte para a Internacional como tal, frente aos gigantescos desafios que impunha o salto na situação mundial, quando a crise mundial irresoluta do capitalismo imperialista, nos anos 30, levou a uma segunda e mais devastadora Guerra Mundial. A absolutamente grave luta de frações no SWP converteu-se num aberto campo de batalha ideológico e um campo de treinamento para os quadros marxistas de toda a Quarta Internacional, centrado no materialismo dialético e no materialismo histórico como um guia para a política revolucionária, em nossa época de guerras e revoluções.
É este impulsionamento consciente o que faz com que os textos de Trotsky em seu livro Em Defesa do Marxismo não sejam nem uma mera documentação de outro conflito interpartidário, uma espécie de “boletim interno” disponível para uso faccioso, nem um texto de fórmulas dogmáticas e diretrizes administrativas, mas sim uma autêntica escola para o progresso de um marxismo vivo, criativo e revolucionário.
Em outro ponto de inflexão de nossa época imperialista, quando o capitalismo em decadência se submergiu numa crise mundial, depois dos anos 2007-08, em outro ponto de inflexão da mesma crise, insolúvel e exacerbada uma década mais tarde, a aguda luta de frações no PO, a seção mais forte das forças que lutam a nível internacional pela refundação da IV Internacional, da CRQI, desafortunadamente foi guardada durante um longo período em sacrossanto segredo oculto por trás das paredes do partido argentino (principalmente entre seus líderes das frações) deixando na escuridão aos camaradas internacionais da CRQI.
Além de alguns sinais secundários e pouco claros que foram visualizados pelas delegações internacionais presentes no XXV Congresso Nacional do PO, em 2018, inclusive tão tarde como em fevereiro de 2019, na reunião da CRQI em Istambul, nada se revelou apesar de que estiveram presente os camaradas Jorge Altamira e Pablo Heller, pertencentes às duas frações opostas, como nos interamos, poucos meses mais tarde, quando já era demasiadamente tarde. Em Istambul decidiu-se de forma unânime um ambicioso plano de ação da CRQI, sem que as outras seções soubessem que já estava a ser socavado pela luta interna no PO, o qual cedo viria à tona no XXVI Congresso Nacional do PO, de abril de 2019.
Não é casual que, pela primeira vez na história da CRQI, as demais seções não foram convidadas a participar do Congresso do PO. Agora ficou claro como a água que esta ação deliberada foi tomada pelo Comitê Central premeditadamente para um “ajuste de contas final” com seus oponentes na luta facciosa sem “intrusos estrangeiros” ou testemunhas desagradáveis. Talvez isto não seja um sintoma da doença política conhecida na história de nosso movimento internacional como “nacional trotskismo”?


Desde a crise à Reunião de Atenas

A crise interna no Partido Obrero da Argentina, por muito tempo ocultada, fez-se conhecida oficialmente para as outras seções da CRQI, recentemente, no dia 2 de maio de 2019 , mediante uma carta do companheiro Marcelo Ramal denunciando que os dirigentes da maioria do PO tinham espiado seus correios eletrônicos para atacar e difamar a tendência minoritária liderada por ele e o companheiro Altamira, frente ao XXVI Congresso do PO em abril último, onde ambos foram excluídos do novo Comitê Central.
Inclusive este ato unilateral tardio foi condenado inicialmente pelo novo CC eleito e sua Comissão Internacional, preocupada com que um “assunto interno” do PO se fizesse conhecido sem seu acordo e permissão, a outras seções da CRQI, ao EEK da Grécia, o DIP da Turquia e o PT de Uruguai.
O choque inicial, a profunda preocupação política e a confusão que se produziram internacionalmente foram – e é compreensível - enormes. Inclusive agora estão bem longe de terem se dissipado.
Primeiro, o PT pediu uma reunião urgente de esclarecimento entre os Comitês das seções uruguaias e argentinas. Dois membros do CC do PO e de sua Comissão Internacional (R. Santos e P. Heller) reuniram-se com os dirigentes uruguaios em Montevideo em maio. Não se resolveu nada. A direção do PT num documento enviado ao PO e às organizações da CRQI apoiou o pedido de Marcelo Ramal de um Tribunal Internacional. Também expressou sua oposição a que os delegados da Comissão Internacional argentina no encontro de Montevideo declarassem que consideravam normal checar de forma secreta e “utilizar” os correios eletrônicos de outro bem conhecido dirigente do PO, às suas costas…
Enquanto, a Comissão Internacional do PO forneceu-nos um enorme volume dos boletins internos pré-congressuais do XXVI Congresso do PO, em espanhol, apesar de que fora da América Latina e do mundo de fala espanhola, um número extremamente pequeno de companheiros das outras seções da CRQI podem ler ou entender este enorme material numa linguagem desconhecida.
Em 29 de maio de 2019, numa carta ao Comitê Nacional do PO recentemente eleito e à tendência Altamira-Ramal, o CC do EEK apoiado pelo DIP, o PT de Uruguai, o MTL de Finlândia (que não sabia absolutamente nada apesar de ser uma seção fundadora da CRQI desde 2004 e que foi informado a respeito desta crise pelo EEK) e todas as seções e simpatizantes de nossa corrente internacional, pedimos uma Reunião Consultiva Internacional entre os líderes de nosso movimento internacional e ambos os lados da divisão no Partido Obrero a ter lugar na Grécia, de 22 a 24 de julho, junto ao nosso Acampamento Internacional Marxista. Ambas as partes aceitaram a proposta.
O objetivo desta reunião foi desde o princípio ter um intercâmbio pessoal a respeito de todos os assuntos em disputa para esclarecer as posições políticas envolvidas e mediar na crise, antes que uma escalada na luta facciosa e medidas administrativas levassem a uma divisão destrutiva.
Da maneira como entendi, a principal preocupação e a sincera esperança que dominava entre os camaradas internacionais era prevenir um resultado tão desastroso, fazer todos os esforços possíveis para restabelecer a unidade no PO sobre uma base de princípios.
Agora devemos admitir que subestimamos a ferocidade, a profundidade e a velocidade da crise que se desenvolvia dentro do PO.
O conflito faccioso tinha escalado de forma rápida e pública, com o CC do PO declarando em 29 de junho que a tendência Altamira-Ramal, organizada em 23 de junho como uma “Fração pública do PO-CRQI” era um “grupo divisionista”, “auto-separado”, “auto expulsado” para formar sua própria organização hostil ao PO oficial. Mas quem pode jamais minimizar o fato objetivo de que ao redor de 1.000 membros do PO que assinam ou apoiam a plataforma política da tendência Altamira-Ramal sejam considerados pela direção oficial como se pondo automaticamente em massa, fora do partido? Uma feroz luta interna facciosa seguiu livrando nos meios de comunicação burgueses, bem como nas redes sociais, com acusações mútuas, novas expulsões, mais medidas administrativas da direção central e inclusive denúncias de ambas as partes de envolver ao Estado burguês e sua justiça no caso de Tucumán, na disputa.
A solicitação urgente enviada ao CC do PO e à Fração Pública pelas comissões internacionais do DIP e do EEK, em 30 de junho, para um temporário “cessar-fogo” até, ao menos, a Reunião Consultiva de Atenas, foi ignorada.
No mesmo período, todas as seções da América latina e os grupos simpatizantes do Uruguai, Bolívia, Venezuela, Chile, Brasil (incluído Osvaldo Coggiola, o reconhecido historiador argentino, um quadro histórico do PO e um dos principais líderes fundadores da CRQI) se pronunciaram publicamente em apoio à Tendência de Altamira-Ramal, apesar de desacordos prévios que algum deles (por ex. Opção Operária da Venezuela) tivessem expressado no passado com a direção do PO e o próprio Altamira. No outro lado do mundo, simpatizantes da CRQI em Jerusalém, Palestina, bem como simpatizantes na Espanha e Itália também apoiaram publicamente à oposição.
É óbvio que a Reunião Consultiva Internacional que começou em 22 de julho envolvendo a ambas as frações e as seções não pertencentes à América Latina, na Europa e no Oriente Médio (EEK, DIP, MTL) tinha adquirido uma importância internacional especial apesar de que estava acontecendo em condições políticas muito piores das que esperávamos encontrar em maio de 2019.


Por um esclarecimento político

Permita-nos enfatizar o que foi e é importante para o EEK. Antes de ir aos enfurecidos debates em defesa do centralismo democrático e a luta entre frações em nosso glorioso passado bolchevique-leninista, esclareçam as diferenças políticas envolvidas agora nesta crise concreta e brutal, seu caráter específico e profundo, suas raízes históricas materiais.
Sem este esclarecimento político, torna-se incompreensível a agudeza da divisão, a ruptura das regras partidárias, as acusações mútuas de violação do centralismo democrático, o fenômeno da formação de uma Fração Pública. Até a Reunião de Atenas, em julho de 2019, as explicações fornecidas pelo CC do PO foram muito pouco claras e não convincentes. Principalmente, a posição oficial repetida durante a reunião de Atenas, depois de uma pergunta da delegação do EEK era e segue sendo que “não havia diferenças estratégicas nem de princípios entre as duas partes” e que a principal causa era o comportamento egocêntrico de Jorge Altamira ameaçado de perder sua posição central na direção e que apresentava junto com um círculo que o rodeavam, posições inconsistentes e voláteis.
Este é um fato sem precedentes na história da crise política do PO. A separação do partido de mais de um terço de seus membros, incluindo o mais conhecido de seus fundadores, Jorge Altamira, não se pode reduzir ou “interpretar” simplesmente como o resultado da “explosão egocêntrica” de uma pessoa apoiada por um “pequeno” grupo de seguidores alucinados.
Não negamos o papel da personalidade na História. Como explicou Trotsky (por exemplo, na História da Revolução Russa), este papel pode ser um elo crucial numa corrente de processos históricos interconectados, mas nunca um fator onipotente, ou inclusive em última instância o determinante.
Se todo o processo corrente de explosão (ou implosão) centrado no PO é simplesmente produto da ira pessoal, o caráter vingativo e de outros arroubos detestáveis de um “pai fundador” - Jorge Altamira - tratando de reimpor seu suposto meio século de “direção de um homem sozinho” sobre o PO contra uma nova “direção coletiva de ex-fiéis homens do sim” (“simjorgistas”?!, de acordo com seu próprio neologismo), então, lamentavelmente poderíamos dizer a respeito desta crise, repetindo a Shakespeare, que foi muito ruído e poucas nozes.
Uma solitária pessoa influente, assistida por seguidores cegos de seu culto, nunca poderia pôr em tal perigo a herança revolucionária acumulada durante décadas de luta pelo trotskismo na Argentina e América Latina, a luta do PO, incluindo nossa luta comum desde a década de 90, pela refundação da Quarta Internacional, com frequência contra a corrente após o colapso da União Soviética. Tudo isto foram castelos no ar, uma ilusão fatal condenada, finalmente, a se fazer fumaça?
Recusamos uma explicação idealista e simplista que dissolve o objeto não só no sujeito, mas sim também no atomizado indivíduo onipotente. Tem este subjetivismo, um verdadeiro idealismo subjetivo, algo que ver com a dialética e o materialismo histórico?
Até o momento da Reunião Consultiva Internacional de Atenas, a única visão insuficiente, ainda muito vazia que podíamos ter (informada também em nosso jornal Nea Proptiki) era que a disputa se desenvolvia em torno da diferença nas consignas a se desenvolverem durante a extensa campanha eleitoral de 2019: a Tendência Altamira-Ramal fazia questão de que o eixo da intervenção devia ser a consigna “Fora Macri (o presidente de direita), por uma Assembleia Constituinte Soberana e um governo dos trabalhadores”, enquanto o CC eleito no XXVI Congresso recusava esta linha como favorável a um voto pela candidatura do peronista Fernández e contrapunha como central o chamado a “Que a crise a paguem os capitalistas”.
Mas, inclusive esta explicação, de alguma maneira mais política, deixou-nos com a impressão de que as razões políticas da severa crise no PO se referiam a diferenças nas táticas eleitorais. Em tal caso, ter uma crise eleitoral próxima à destruição do Partido (com seus envolvimentos desastrosos para a CRQI) com base em diferentes táticas eleitorais, esta atitude irresponsável, por si só, só poderia ser um sintoma de capitulação frente ao eleitoralismo sob as pressões democrático-burguesas do meio nacional e sua “opinião pública”. Em outras palavras, seria um caso patológico de “nacional trotskismo” intoxicado de eleitoralismo.


Perguntas sobre estratégia e marxismo

Durante (e especialmente depois) da Reunião de Atenas ficou claro que as diferenças não se limitavam às táticas eleitorais, mas sim que envolviam questões vitais de estratégia revolucionária e de teoria marxista.
No Relatório sobre a Reunião Consultiva Internacional apresentado pelo EEK, o DIP e o MTL, em 5 de agosto de 2019 (documentado), a primeira pergunta formulada por Savas Matsas em nome do EEK foi: “existem ou não diferenças estratégicas entre as duas tendências?”
Um delegado do CN (Juan García) afirmou que existiam diferenças políticas importantes com a Fração Altamira-Ramal, mas não estratégicas; Savas perguntou se as três seguintes diferenças, já mencionadas por Juan em sua intervenção eram ou não diferenças na estratégia revolucionária: “Em relação ao debate sobre o artigo de Jorge Altamira, ‘Panorama Mundial’, publicado em Em Defesa do Marxismo e depois republicado em Revolução Mundial, a questão se “a burguesia tem ou não a iniciativa estratégica”, é uma questão estratégica ou não? Qual é a conexão dialética entre a crise capitalista mundial e a luta de classes, se a conexão feita pela Fração Pública é ‘mecânica’? A avaliação sobre a relação entre a crise mundial do capitalismo em declínio e a restauração capitalista na Rússia e China é importante para uma estratégia revolucionária ou não?”
Não foram as respostas apropriadas
 De outro lado, o companheiro Ramal enfatizou que por trás das diferenças políticas sobre as consignas apropriadas para ser utilizadas em 2018 e 2019, um ano eleitoral, (“Fora Macri, Assembleia Constituinte livre e soberana, Governo dos trabalhadores” versus “Fora o regime do FMI, que a crise a paguem os capitalistas, por uma saída operária e da esquerda”) se expressavam posições estratégicas divergentes. Contra o ponto de vista da tendência majoritária, a Fração Pública insiste primeiro, “em que a crise econômica mundial produziu uma crise de regime na Argentina sob Macri com o colapso do peso e a intervenção do FMI e segundo, que é necessária uma agitação constante na luta pelo poder operário, inclusive em períodos durante os quais a classe operária não está ainda madura para a luta para tomar o poder”.
Na reunião, a delegação do CC do PO forneceu uma pasta de documentos. O único que não estava somente em espanhol, mas que também tinha sido traduzido ao inglês sob o título The historical continuity of the Partido Obrero de Gabriel Solano e Rafael Santos confirmou o caráter estratégico das questões em disputa.
Desafortunadamente, este documento não se discutiu na Reunião de Atenas, apesar de merecer uma atenção especial. Pode revelar muitas das mais profundas raízes teóricas e metodológicas da crise no PO e no movimento revolucionário internacional atual.
Começamos reproduzindo uma citação bastante longa, mas esclarecedora deste documento:
“No final de 2018, e de modo algo casual, se desenvolveu um debate por escrito a respeito do que se denominou ‘a iniciativa estratégica da burguesia’. À raiz de uma polêmica suscitada por um artigo de Altamira em nossa revista Em Defesa do Marxismo que afirmava que no Brasil e na América Latina, a burguesia tinha perdido a iniciativa e que ela passava para as mãos potencialmente da classe operária e a esquerda revolucionária se desenvolveu uma polêmica altamente clarificadora sobre questões políticas, de estratégia e de método (ênfase agregado). A tese de Altamira contrastava com o resultado eleitoral no Brasil, onde Bolsonaro tinha conseguido se impor nas eleições, enquanto a esquerda que se reivindicava revolucionária tinha ficado reduzida a uma marginalidade absoluta. O grupo de Altamira defendeu teimosamente essa tese, afirmando que, na época imperialista, a burguesia estava impossibilitada de ter uma iniciativa estratégica. Assim, as guerras mundiais, o fascismo para evitar a extensão do bolchevismo a toda a Europa, as guerras fratricidas armadas pelo imperialismo – como sucedeu na Iugoslávia - a restauração capitalista nos Estados Operários eram apresentados como expressões da crise mundial e não como ações da própria classe capitalista para defender com unhas e dentes seu domínio de classe. Num deslize alheio ao marxismo, Marcelo Ramal chegou a afirmar que o fascismo não era a estratégia contrarrevolucionaria da classe capitalista, mas sim uma manifestação da crise. A luta de classes real era sacrificada e invertiam-se os termos fundamentais do marxismo: o motor da sociedade deixava de ser a luta de classes e esse lugar ocupava-o a “crise capitalista”. O sujeito transformava-se em objeto passivo da determinação material” (ênfase agregado).
Nas orações que temos enfatizado, vemos que, apesar das reiteradas negativas, o conflito dentro da direção do PO, ao menos desde 2018, sim envolvia “questões de estratégia política”.
As outras orações enfatizadas, em relação à crise e à luta de classes, bem como à correspondente concepção peculiar a respeito do “sujeito e o objeto”, também requerem uma atenção especial.
O artigo de Solano e Santos continua: “O grupo de Altamira trata de ocultar esta ruptura com o marxismo, acusando a direção do partido de um giro ‘anti-catastrofista’“. Mas o giro é de Altamira. Como vários lhe assinalaram em textos publicados em nossos boletins internos, se confundia deliberadamente a crise mundial com a bancarrota capitalista, como categoria específica que mostra uma decadência histórica do regime social atual (ênfase agregado) – e cujo aprofundamento propõe desestabilizações e crises políticas, e a emergência de situações revolucionárias - com a incapacidade de ação da burguesia e do imperialismo. Ignoravam-se as conclusões fundamentais apresentadas por Trotsky no III Congresso da Internacional Comunista, quando em seu famoso texto titulado ‘Uma escola de estratégia revolucionária’ demonstra como contraditoriamente, a burguesia atinge sua maior perspicácia política, conseguida sobre a experiência de séculos de exercer sua a ação de classe dirigente quando as bases materiais de sua dominação estão perdidas e se demonstra incapaz de desenvolver as forças produtivas da sociedade. Esta contradição serve para demonstrar a vigência da revolução socialista em oposição a quem a tem arquivada em nome do triunfo do capitalismo e reforça a necessidade da construção de partidos revolucionários a nível nacional e internacional, pois a burguesia não vai entregar seu poder pelo simples fato de que seu regime esteja em decadência, mas sim que terá que lhe arrebatar por meio de uma revolução social. Esta conclusão, à simples vista, elementar para um militante da IV Internacional, foi qualificada como ‘anticatrastrofista’ por Altamira e seu grupo mostrando seu retrocesso a posições fatalistas ou mecanicistas que ignoram a centralidade da luta de classes e as tarefas da construção do partido e de uma vanguarda operária”.
A polêmica sobre a questão da “iniciativa estratégica da classe capitalista” foi focada, o qual não é surpreendente, numa oração da seção dedicada especificamente à América Latina, o ambiente continental direto da Argentina, no artigo de Altamira “Panorama mundial”. Coloquemos a oração neste contexto. Na versão em inglês, publicada junto à original em espanhol no jornal da CRQI “Revolução Mundial” (N°1, p.33) lemos: “A luta política por uma caracterização adequada da etapa atual na América Latina é um aspecto fundamental para determinar uma política revolucionária. Tomados todos os elementos em seu conjunto, a burguesia está perdendo a iniciativa estratégica e esta está passando potencialmente à esquerda independente dos blocos capitalistas”.
“Todos os elementos” se tinham resumido anteriormente apresentando a situação dos “blocos capitalistas” acima mencionados na América Latina com uma centro-esquerda nacionalista exausta e uma direita em contra-ataque: “A crise mundial está varrendo com suas experiências bolivarianas ou nacionais e populares” enquanto “a contraofensiva de direita ou ‘neoliberal’ que está provocando este fracasso não se assentou em nenhum país (op.cit p.32)”.
O que preocupa a ambos os blocos é a ameaça de um levantamento revolucionário da classe operária politicamente independente deles.
A contraofensiva do imperialismo e da direita pró-imperialista na América Latina não é negada no “Panorama Mundial” apresentado por Altamira; o fato de que ainda não se “assentou” em nenhum país da América Latina está enfatizado. A vitória eleitoral aplastante de Bolsonaro no Brasil em fins de 2018 está provando o oposto, de acordo com o contra-argumento de G. Solano, R. Santos e a direção central do PO eleita no XXVI Congresso. Eles afirmam que, sob a presidência de Donald Trump, o imperialismo está tomando a iniciativa estratégica lançando sua ofensiva internacional sobre o mundo, particularmente na América Latina, como o demonstram os exemplos do Brasil e Venezuela.
Mas contrariamente a esta visão impressionista e unilateral, os desenvolvimentos demonstraram ser bem mais complexos, não lineares, contraditórios: um ano mais tarde, a popularidade de Bolsonaro está caindo de 60% em 2018 a 30%, conforme as pesquisas, estão surgindo mobilizações em massa e greves, o regime de extrema direita, que emergiu sobre uma base sócio-política heterogênea, demonstra sinais de crises, divisão interna e instabilidade. Por outro lado, o golpe gorila impulsionado pelos EUA e liderado por Guaidó, bem como os planos para uma invasão militar à Venezuela até o momento está fracassando. No mesmo continente - América Latina - estouraram levantamentos populares (Haiti, Porto Rico), na Europa emergiram constantes movimentos de massas (os “coletes amarelos”, na França), ou um novo levantamento revolucionário no mundo árabe (revoluções no Sudão e Argélia, novas mobilizações contra o ditador Sissi no Egito, contra o regime corrupto de Quisling no Iraque, etc.), enquanto o regime reacionário da Arábia Saudita que livra uma guerra genocida no Iêmen fracassa miseravelmente e recebe poderosos golpes inclusive em seus campos petroleiros. Todos estes desenvolvimentos, provocados pelas contradições insolúveis e exacerbadas da crise capitalista mundial, marcam uma nova fase das confrontações sociais a nível mundial e nacional que não podem ser consideradas simplesmente como reações defensivas das massas subordinada “às iniciativas estratégicas das classes dominantes”.
Hoje em dia, ninguém pode seriamente negar que exista uma crise mundial, ou que uma grande quantidade de lutas estão sendo levadas em muitos países, neste contexto. O que é negado – e a esquerda internacional se converteu num campeão em pessimismo histórico e ceticismo, antes e após a crise de 2008 - é a questão de se as revoluções são possíveis na era pós-soviética, e se algumas das lutas que já estão acontecendo em nossos dias têm um caráter revolucionário e dinâmico.
No Relatório Internacional ao XXVI Congresso do PO (BI N°12. P.9), o WSWS de David North nos EUA, bem como nossos companheiros do DIP, na Turquia, são criticados no mesmo parágrafo, porque os seguidores de North veem que “se abriu um novo período revolucionário” e o DIP também caracteriza como uma revolução o que se sucede no Sudão e possivelmente no Haiti.
Primeiro, temos que dizer francamente que nos parece não simplesmente inapropriado, senão verdadeiramente ofensivo ver que tenham posto na mesma posição, num Relatório ao Congresso do PO, a perigosos inimigos e difamadores da CRQI, tais como o WSWS com a seção turca de nossa corrente internacional. Segundo, e importantíssimo, vemos novamente uma manifestação da tendência a negar o caráter revolucionário de uma luta mediante a utilização como argumento a valorização errada de que “a classe operária esteve ausente” nessas lutas. Os operários, empregados e desempregados, estiveram fisicamente presentes nas massas, mas politicamente não estão na liderança política, ao carecer de um partido revolucionário e com as organizações operárias burocráticas tradicionais ausentes, ou abertamente hostis. Todos os movimentos de massas, no passado, mas particularmente os que estão surgindo na última década em todo o planeta são heterogêneos. Este é um fato que apresenta uma quantidade de desafios políticos importantes e de questões programáticas para a vanguarda proletária organizada num partido marxista de combate, como impulsionar ao proletariado à direção de todos os oprimidos, para atuar como uma classe universal. Mas esta heterogeneidade das massas in rebelião incluindo as gigantescas mobilizações das mulheres na Argentina e no Brasil, não retira o caráter potencialmente revolucionário de ditos movimentos.
“Imaginar que a revolução social é concebível sem revoltas de pequenas nações nas colônias e na Europa sem explosões de seções da pequena burguesia com todos seus preconceitos, sem um movimento das massas proletárias e semi proletárias politicamente não conscientes contra a opressão dos latifundiários, a igreja e a monarquia, contra a opressão nacional, etc. Imaginar tudo isto é recusar a revolução social (…) Quem espera uma revolução social “pura” nunca viverá para a ver" (Lenin, Observações críticas sobre a questão nacional - O direito das nações à auto determinação, Progress-Moscovo, 1974, p. 145, ênfase no original).
O problema é mais profundo que uma caracterização equivocada da conjuntura e dos movimentos de massas insurgentes. Revela um abandono mais fundamental do próprio marxismo.
Na longa citação do artigo de G. Solano e R. Santos antes mencionada, os autores fazem referência ao discurso de Trotsky em julho de 1921 frente a uma assembleia geral dos membros do partido da organização moscovita na escola de estratégia revolucionária - O Terceiro Congresso Mundial da Internacional Comunista. Neste discurso – uma apresentação brilhante de dialética marxista contra todas as concepções mecânicas lineares da história, tanto em seu reformismo kautskista, ou em suas versões ultra esquerdistas, Trotsky faz questão de que a burguesia consegue “o florescimento de sua estratégia de classe, no momento em que é mais imediatamente ameaçada pela ruína social” (León Trotsky, Os primeiros cinco anos do Comintern, vol.2, Pioneer Publishers 1953 p.4)
Mas a mobilização de todos os aparelhos repressivos e enganosos da classe capitalista, de toda sua experiência histórica de dominação de classe, em outras palavras, conseguindo “o florescimento de sua estratégia de classe quando é mais imediatamente ameaçada por sua ruína social” isto não significa, automaticamente, que também tenha “a iniciativa estratégica”. Ao invés, a classe dominante tem que desenvolver o florescimento de sua estratégia contrarrevolucionária quando se dá conta que está perdendo essa iniciativa estratégica. Tomemos o exemplo clássico da história, precisamente a mesma experiência que Trotsky tem frente a ele em 1921: a irrupção e vitória da revolução socialista de outubro em 1917, os “Dez dias que abalaram ao mundo” e a onda revolucionária que seguiu rapidamente, engolindo a toda Europa desde a Hungria, Bavária e Alemanha até os estaleiros da Escócia e para além, em quase todos os continentes chegou como um terrível choque para todos os governantes imperialistas e burgueses. Estavam vendo perder seu controle sobre a sociedade, perder seu monopólio de classe para tomar “iniciativas estratégicas”, num palco mundial marcado pela Primeira Guerra mundial.
Mobilizaram todos seus meios e instituições políticas, militares e ideológicas, incluindo a aristocracia trabalhista e a social-democracia nos países metropolitanos, explodindo todas as divisões e ilusões entre as massas trabalhadoras, e conseguiram “o florescimento da estratégia contrarrevolucionária” para repelir mediante uma série de derrotas a revolução socialista mundial em ascensão - sem ser capazes, ao mesmo tempo, de rejuvenescer o capitalismo imperialista senil e devolver à sua etapa prévia de capitalismo crescente os fundamentos historicamente decompostos da sociedade burguesa.
A revolução permanente não é uma “ofensiva permanente” do proletariado, como inicialmente Bujarín e outros comunistas de ultraesquerda sustentavam. Nem o “florescimento da estratégia contrarrevolucionária” da burguesia limita-se a uma permanente iniciativa estratégica para ofensivas brutais da contrarrevolução. A confrontação histórica entre a revolução socialista mundial e a contrarrevolução burguesa abarca toda uma época cheia de ziguezagues, vitórias parciais e derrotas, retiradas e ofensivas, estancamentos e saltos, desde o “assalto ao céu” em 1917 ao colapso da União Soviética e as batalhas de hoje em dia geradas pela atual crise global sem precedentes do capitalismo em decadência avançada.
“A revolução socialista não é um simples ato” sublinhou Lenin, “não é uma batalha numa só frente, mas sim toda uma época de conflitos de classe agudos, uma longa série de batalhas em todas as frentes, por exemplo, em todas as questões de economia e política, batalhas que só podem terminar com a expropriação da burguesia" (V.I. Lenin, op. cit p.99).
No Relatório Internacional ao XXVI Congresso do Partido Obrero (ver BI N°12 XXVI Congresso p, 5 e p.8), os autores têm a cortesia de citar com aprovação um artigo do dirigente do EEK, Savas Michael-Matsas (publicado em espanhol na Revista Em Defesa do Marxismo, N° 52), onde também se incluiu a citação do discurso de Trotsky em 1921. Neste artigo, o dirigente do EEK tinha enfatizado que as principais estratégias econômicas desenvolvidas no século XX pelos economistas capitalistas e burgueses para evitar uma repetição de desastres como o crash de 1929 e a Grande Depressão, isto é o keynesianismo e o neoliberalismo, ambos fracassaram inegavelmente - o primeiro com o colapso dos Acordos de Bretton Woods em 1971, o segundo com a crise mundial de 2007-2008. No entanto, o artigo advertia que este fracasso da estratégia econômica não significa que as classes dominantes, particularmente nos países metropolitanos, fora incapaz de elaborar uma estratégia política contrarrevolucionária. Depois seguia a correspondente citação de Trotsky. Mas esta distinção necessária entre a economia e a política, para evitar o economicismo reducionista e o determinismo mecânico, não significava uma separação igualmente mecânica do econômico e o político, uma fissura metafísica infranqueável entre eles, que é a característica da ideologia burguesa e econômica. John Maynard Keynes, durante a Conferência de Versalhes, em suas obras nos anos 30 até a Conferência de Bretton Woods em 1944, fazia questão de que suas políticas econômicas se tornassem necessárias para prevenir qualquer expansão da Revolução de Outubro. No polo oposto, os “pais fundadores” do neoliberalismo austríaco, Ludwig von Mises e Friedrich Hayek defenderam suas políticas econômicas como o único meio eficiente de vencer politicamente ao bolchevismo e a “ameaça comunista”. Na década de 1920, Ludwig von Misen inclusive cumprimentou a Mussolini como “o salvador da civilização europeia”!!! Tanto o keynesianismo como seu oposto, o neoliberalismo, foram concebidos fundamentalmente como contrarrevolucionários, envolvendo a economia e a política.
De forma similar, é a-histórico, equivocado em qualquer aspecto, reduzir o fascismo e o nazismo a uma estratégia política contrarrevolucionária da classe capitalista, como fazem os defensores da direção oficial do PO. Isto revela uma confusão perigosa sobre o fenômeno do novo ascenso da extrema direita e de formações abertamente fascistas a nível internacional.
Esta confusão manifesta-se de muitas maneiras, de muitos lados na discussão que tivemos em nossa corrente internacional em abril de 2018 e em fevereiro de 2019. Não pode ser superada sem um salto qualitativo necessário no desenvolvimento teórico e prático do próprio marxismo.


Os termos fundamentais do marxismo

Solano e Santos, em sua polêmica, acusam à Tendência Altamira-Ramal de inverter “os termos fundamentais do marxismo”. De acordo com os defensores da direção oficial, para a oposição “o motor da sociedade deixou de ser a luta de classes e esse lugar foi ocupado pela ‘crise capitalista’. O sujeito converte-se em objeto passivo da determinação material…”.
Nesta oração se condensa não simplesmente uma inversão, senão uma rejeição de “os termos fundamentais do marxismo”. Enquanto o marxismo objetiva atingir “uma unidade do diverso” (Marx, Grundisse) um “universal concreto” de determinações interconectadas que interatuam contraditoriamente, aqui a crise capitalista mundial apresentada como o Objeto é separada metafisicamente da luta de classes como “Sujeito da História” - e finalmente toda a dialética objeto/sujeito colapsa num sem sentido.
Esta separação metafísica combina-se com a confusão a respeito da própria crise. Solano e Santos acusam a Jorge Altamira de “confundir deliberadamente a crise mundial e a bancarrota capitalista, como uma categoria específica que mostra uma decadência histórica do regime social atual (ênfase agregado) etc. etc.” Mas desta maneira, os autores liquidam a especificidade da atual crise capitalista mundial desfigurada como uma ‘categoria? específica?’, que demonstra uma decadência histórica do regime social atual”, outra manifestação da época do declínio capitalista.
Durante toda a época histórica de declínio imperialista desde fins do século XIX - princípios do século XX até agora, o capitalismo conheceu uma multiplicidade de crise, algumas de caráter periódico cíclico, outras como a Grande Depressão de uma natureza especificamente histórica e de enormes consequências mundiais para a humanidade. A crise mundial em curso é cíclica? É simplesmente o resultado da superprodução de commodities e capitais como tantas vezes antes? A correta determinação da natureza histórica específica da atual crise global – e a CRQI é uma das forças marxistas organizadas que de maneira excepcional a previu, caracterizou e analisou em seu desenvolvimento - tem enormes envolvimentos políticos e estratégicos. Não se pode diluir em generalidades abstratas, como um “objeto” subordinado à “primazia” da luta de classes.
A luta de classes é transformada por Solano e Santos num Sujeito transcendental sem fundamentos históricos materiais nas contradições capitalistas. Neste ponto, em particular, a crítica publicada por Osvaldo Coggiola (A crise no Partido Obrero e a encruzilhada da IV Internacional) é correta.
A crise capitalista é reduzida a um objeto de economia abstrato, inerte e carente de vida, não a expressão da confrontação viva entre as forças produtivas do trabalho social com as relações capitalistas de produção como “um modo específico de existência de vida” (Lebensweise para utilizar o termo de Marx na ideologia alemã).
Marx tinha criticado em sua Primeira Tese sobre Feuerbach que “o principal defeito de todo materialismo anterior (incluído o de Feuerbach) é que o Objeto em frente de nós (Gegenstand), a realidade, a sensoriedade são concebidas só sob a forma do objeto ou de contemplação, mas não como uma atividade sensorial humana, prática, não de modo subjetivo (ênfase no original)”
A crise capitalista deve também ser focada desde o ponto de vista da práxis histórica dos seres humanos que vivem num metabolismo social estruturado com a natureza e historicamente determinado. Marx fazia questão de que a crise capitalista, quando a produção capitalista encontra sua barreira principal no mesmo capital é a expressão do choque entre “a produção para o capital” com as mais profundas necessidades “para uma expansão desenfreada do processo vital da sociedade dos produtores” (O capital vol. III, Progress-Moscovo, 1977, p.250, ênfase no original). Este choque está chegando agora nas primeiras décadas do século XXI a um ponto culminante sem precedentes ameaçando com a extinção não só da humanidade, como também a própria vida na terra.
Os autores da continuidade histórica do Partido Obrero negam que tenham abandonado o tradicional ponto de vista “catastrofista” do Partido sobre a crise capitalista. Mas isto é mais uma declaração de fé na ortodoxia do Partido e, portanto, uma afirmação para representar sua continuidade. A crise capitalista continua sendo uma generalidade abstrata, um vazio fundamento aceito como um objeto, um Gegenstand em frente ao sujeito da história, a luta de classes.
Mas que classe de análise científica das relações de classe é realmente possível se está separada de uma análise renovada das contradições capitalistas, sem examinar as relações entre o capital e o trabalho, entre o trabalho abstrato e concreto, o trabalho vivo e morto, a teoria do valor trabalho, a mais-valia, o capital fictício, etc., ignorando os conceitos dialéticos e as categorias desenvolvidas por Marx no Capital?
Todo o gigantesco trabalho realizado por Marx em seu magnum opus incompleto antes de chegar ao último capítulo não escrito sobre as classes e a luta de classes no volume III, foi fútil, simplesmente um exercício acadêmico de um intelectual judeu-alemão e não “o projétil mais destrutivo lançado contra as cabeças dos capitalistas e os latifundiários” como afirmava com orgulho o autor do capital, uma bússola para a revolução e o comunismo mais atual hoje que nunca?
Distorcer, desta forma idealista, a luta de classes como o sujeito da história (mediante uma super simplificada leitura das primeiras linhas do Manifesto do Partido Comunista, ignorando o que Marx e Engels escreveram mais tarde sobre este tópico, depois de seu inspirador estudo das obras etnográficas do antropólogo Lewis Morgan, também apresenta outro problema: que papel histórico específico tem a classe operária como sujeito revolucionário, uma vez que se torna indistinguível da luta de classes em geral, conceituada como o Sujeito da história que tudo a abarca?
É absolutamente necessário assinalar o caminho contraditório através do qual a classe operária pode emergir como classe universal se libertando não só a si mesma, como também a todos os oprimidos na última forma antagônica da sociedade de classes, em outras palavras emergir como o Sujeito político mais revolucionário na História – e, dentro deste processo, esclarecer o papel crucial de uma direção marxista, de um Partido revolucionário da vanguarda combativa dos operários como parte inseparável de uma Internacional revolucionária. Este processo de subjetivação revolucionária da classe operária não deveria nem ser separado, nem colapsar dentro da luta de classes em geral. Se é separado, então a classe operária transforma-se num sujeito metafísico. Se for liquidado na luta de classes, em geral, o resultado seria o descenso a um “economicismo” sindicalista, combatido corretamente até o fim por Lenin em Que fazer?.


Depois da Reunião de Atenas

Estas questões teóricas, estratégicas e políticas fundamentais foram somente tocadas de forma muito parcial durante e à margem da Reunião de Atenas do dia 22 a 25 de julho. O que prevaleceu entre as organizações internacionais da CRQI, ainda sob o choque de uma crise política devastadora e inesperada, tendo seu centro no PO, a seção mais forte, de longe, foi o desejo de mediar entre os dois lados opostos, de estabelecer um marco de trabalho consensuado para discussões políticas posteriores e com a esperança de uma reunificação do partido argentino. Neste espírito, o DIP, o EEK e o MTL fizeram um rascunho, apresentaram-no à Reunião e depois de uma primeira discussão, o documento O armistício de Atenas, com suas emendas finalmente não foi aceito e assinado.
A delegação do Comitê Central afirmou que estava pronta para assinar se uma quantidade de emendas propostas por ela mesma fossem aceitas. Estas “emendas” foram caracterizadas pelo EEK como um ultimato inaceitável para a Fração Pública para que se dissolvesse incondicionalmente, colocando-se sob a disciplina do CC eleito no XXVI Congresso. Por outro lado, os delegados da Fração Pública recusaram assinar o Armistício de Atenas, porque tinha na forma apresentada, de acordo com seu ponto de vista, “limitações insuperáveis”. A única decisão tomada pela Reunião de Atenas foi produzir um Boletim Internacional Interno e em sua primeira publicação postar os dois documentos iniciais apresentados pelas duas partes do PO, o primeiro e o segundo rascunho do Armistício de Atenas do DIP, EEK e MTL, as emendas propostas pela delegação do CC e o texto apresentado pelos delegados da Fração Pública explicando sua rejeição ao Armistício. O Relatório sobre a Reunião Consultiva Internacional de julho de 2019, assinado pelo EEK, o DIP e o MTL em 5 de agosto e depois publicado no Boletim Interno Internacional N°1 em 16 de setembro, reproduz as atas da Reunião de Atenas.
Desafortunadamente, a delegação do CC do PO, depois de abandonar Atenas e em seu regresso a Buenos Aires tinha enviado para sua publicação em Prensa Obrera um relatório que distorcia o que realmente se sucedeu na Reunião Consultiva Internacional. O EEK, o DIP e o MTL tiveram que escrever e enviar um protesto a respeito desta falsificação. O que seguiu foi ainda pior. A mesma delegação do CC publicou outro texto - para “uso interno” no PO, mas nunca enviou ao EEK o Boletim Interno N° 29 do PO assinado por Guillermo Kane, Juan García e Rafael Santos com o título “Notas sobre a reunião de Atenas e os debates políticos na CRQI”. Esta é uma incrível peça de desinformação, uma “fake news”. Os autores não só falsificam a reunião de Atenas: fabricam todo o tipo de “diferenças” entre o DIP e o EEK, inclusive dentro da delegação do EEK, concentrando seu “fogo” contra o “inimigo principal”, Savas Matsas, enquanto eliminavam ao MTL, uma seção fundadora da CRQI desde 2004 como simplesmente um “aliado do EEK”, mas, o qual, depois “esteve mais perto” de… sua posição!
O Comitê Central do EEK, quando lhe foi apresentado este texto de Kane, García e Santos, na reunião de 21 a 22 de setembro, considerou e condenou o mesmo como uma mentira desonesta, desleal em todo sentido de unidade internacional principista. A delegação do CC tratou não só de desinformar aos membros do PO, justificando seu próprio “papel indispensável”, como também, sobretudo, estavam tratando de exportar o faccionalismo a nível internacional para servir às suas próprias necessidades facciosas, sem se preocupar com o efeito que tal comportamento desleal pudesse ter em nossa organização internacional.
O que a delegação do CC na realidade conseguiu na Grécia foi destruir toda a credibilidade para o EEK na direção oficial do PO.
Que credibilidade poderia ter, depois de um comportamento tão ausente de princípios, os repetidos chamados de Rafael Santos a assinar declarações conjuntas da CRQI sobre Porto Rico (dois meses… depois da rebelião), ou sobre a mobilização pela mudança climática (apresentando um rascunho adaptado à opinião púbica burguesa)? Não existe preocupação genuína pela CRQI. É só uma tentativa facciosa de pretender que tudo siga igual “após a partida do grupo rupturista de Altamira”, nos utilizando como uma cobertura internacional e como um contrapeso conveniente a seus sócios na FIT com suas respectivas redes internacionais de satélites, em diferentes países. A luta pela refundação da Quarta Internacional iniciou-se no final dos anos 90 precisamente contra a tradição podre de pequenas seitas ao redor de um (relativamente) “grande partido mãe” que pretendia construir ou reconstruir a Quarta ou a Quinta ou a Internacional que fosse. A outra cara da mesma moeda é o “nacional-trotskismo”.
Apesar da boa vontade e as melhores intenções das outras seções da CRQI, expressas na tentativa do DIP, o EEK e o MTL na reunião de Atenas para mediar entre as duas partes e criar um marco para a discussão e possivelmente um Congresso de reconciliação do PO com a presença de companheiros internacionais, sucedeu-se o oposto depois da Reunião Consultiva Internacional de Atenas de julho. A luta interna facciosa escalou de forma inexorável.
A advertência de Trotsky durante a luta fracional no SWP (EUA), em 1939, justifica-se novamente “A essência da questão consiste, no entanto, nisto, esta discussão tem sua própria lógica objetiva que não coincide para nada com a lógica subjetiva dos indivíduos e os agrupamentos” (L. Trotsky, Em Defesa do Marxismo, op.cit p.102).
A maior prova de fogo objetiva mais demonstrativa não eram as pequenas manobras facciosas. O momento da verdade chegou a agosto de 2019 com a explosão da crise política e econômica que se seguiu aos resultados das PASSOS, na Argentina. A avalanche de votos populares pelo “Fora Macri” ao que a direção oficial do PO se opunha - desestabilizou por completo o plano do FMI, agudizou enormemente a crise de regime afetando também às forças por trás do peronista vitorioso, Fernández, tornando problemática a “transição” às eleições presidenciais de outubro de 2019 e a ascensão de um novo presidente em dezembro.
A tormenta política levou imediatamente à “segunda-feira negra” na Bolsa, a rota para um novo default na Argentina, trazendo de forma simultânea um insuportável aumento da miséria social do povo argentino - e a aceleração dramática do tempo de desenvolvimento da crise capitalista mundial.
A FIT- Unidade e particularmente as ambições eleitorais da direção do PO sofreram um importante retrocesso. Posteriormente chegou um enorme golpe com a perda do PO e a esquerda da direção do movimento estudantil na FUBA, pela primeira vez em décadas, desde os tempos do Argentinaço. Não se pode jogar a culpa destas derrotas simplesmente à “polarização entre os blocos capitalistas”, ou ao “grupo de Altamira”, ignorando a responsabilidade das direções da esquerda, ou de sua linha política, seu eleitoralismo e por último e não por isso menos importante, à subestimação dos catastróficos desenvolvimentos econômicos e políticos na crise capitalista mundial.
A resposta da FIT-Unidade, incluindo a direção oficial do PO, foi perseverar em sua agenda eleitoral, combinada e/ou assistida por mobilizações de trabalhadores, uma greve de 36 horas e um plano de luta. A resposta pública inicial do candidato presidencial da FIT e figura pública do PTS, Nicolás do Caño, foi chamar a “uma sessão de emergência do Congresso transmitida ao vivo por televisão”, enquanto Gabriel Solano pedia a Zamora de que desistisse de sua candidatura para ajudar à eleição de outro deputado da FIT em Buenos Aires. O eleitoralismo ainda prevalece, quando o processo eleitoral em sua totalidade estava agora engolido por um tsunami. As eleições foram obscurecidas pela bancarrota do país, e novos e enormes sofrimentos sociais para seu devastado povo, enquanto os macristas e os peronistas, ajudados pelos burocratas sindicais tentam estabelecer uma “transição ordenada” à nova presidência – evitando um levantamento das massas empobrecidas, que poderia ter as dimensões de uma insurreição operária - popular como a do Argentinaço de 2001.
O giro à direita da direção oficial do PO faz-se a cada dia mais evidenciado. Os deputados do PTS e do PO dentro da FIT unem-se aos partidos burgueses para votar a chamada “Lei de emergência alimentar”, (o único voto de abstenção nesta quase unanimidade previu/proveio da terça e menor organização da FIT, Esquerda Socialista).
Numa situação tão catastrófica na Argentina é particularmente chocante a obstinada rejeição da direção oficial do PO à linha de agitação e preparação de uma greve geral, como por outro lado, foi adiantada pela Tendência de oposição do PO. Esse chamado à greve geral foi condenado como… uma ação “anarquista” separada da política real e diretamente como “propagandismo abstrato do grupo de Altamira” (!) (Na Grécia, na última década temos uma amarga experiência de acusações similares contra o EEK de parte dos centristas, especialmente daqueles em sua fase final: Syriza num passado recente e ainda no presente…).
Recentemente, Rafael Santos em nome do CC do PO e do FIT enviou-nos para assinar e juntar assinaturas para um apelo a votar pela FIT- U. Seu conteúdo político, em nossa opinião era muito “moderado”, pra dizer o mínimo (inclusive as palavras “revolução” ou “guerra” estavam ausentes!) combinado com um ultimato sectário pedindo aos assinantes nada menos que um acordo incondicional “com o programa e as posições do FIT”. O EEK, apesar de apoiar um voto pela FIT contra os partidos capitalistas, há anos, como bem o sabem muitos camaradas da direção do PO, tem criticado seu eleitoralismo, as posições nacionais e internacionais dos partidos que o constituem (PTS, IS) e seu programa. Então, não podíamos agora, assinar semelhante ata de fé cega, fornecendo uma “carte blanche” ao parlamentarismo de “esquerda”.
A CRQI (incluindo a seção grega) não é, não foi e nunca será simplesmente um “reagrupamento internacional fundado pelo PO” (a frase é de um artigo de Pablo Giachello em Prensa Obrera, de 3.10.2019) similar aos de seus sócios morenistas na FIT. Nosso projeto revolucionário nunca foi a formação de um sistema de asteroides pequenos e dispersos girando ao redor de um planeta maior do nacional-trotskismo.


Por que agora?

O atual mundo capitalista em ebulição está no meio de um novo salto qualitativo de sua crise mundial. Terá envolvimentos mais graves em todos os campos: exacerbação da miséria social, migração em massa das vítimas desesperadas das guerras reacionárias e da fome no “Sul global”, escalada da ofensiva guerreira imperialista (não limitada à intensificação das guerras comerciais e cambiais), novas irrupções de lutas de massas, revoltas populares e revoluções.
A classe operária e sua vanguarda, incluindo o batalhão da vanguarda que luta pela refundação da Quarta Internacional nos encontramos em frente a uma encruzilhada, sob a pressão crescente das forças de classes hostis, frente a tarefas urgentes e gigantescas - mas ainda débeis política e organizativamente, inclusive fragmentados. Esta é a contradição central que se deve superar.
Gostemos ou não (definitivamente não gostamos de nada!) a explosão (ou implosão) no PO agudiza enormemente a contradição central já mencionada; mas não devemos esquecer ou permanecer cegos a respeito de que esta crise em nossas fileiras é uma parte inseparável, uma reflexão dialética e um fator ativo no presente ponto de inflexão na situação mundial. Tudo o qual ainda não tem sido totalmente compreendido em sua natureza e dinâmica.
Em nossa abordagem crítica à divisão dentro do PO, a direção do EEK preocupou-se e focalizou primeiramente no que considera um perigoso e cada vez mais evidenciado giro à direita da direção do PO para o parlamentarismo, o sindicalismo, a “política de gênero” e a realpolitik. Começamos a assinalar algumas das questões políticas, estratégicas e teóricas envolvidas.
Esta prioridade na luta contra o perigo da direita, não significa que absolvemos à direção da Tendência opositora do PO de suas próprias responsabilidades.
Abrem-se ao debate uma série de importantes interrogações:
- Por que e como o Partido Obrero se fez tão vulnerável às pressões num ponto de inflexão histórico a nível internacional e nacional?
- Por que e como se permitiu que uma crise tão severa evoluísse a um ponto explosivo e provavelmente a um ponto sem volta?
- Como e sob quais condições um “aparelho”, como o chama a Tendência se formou e usurpou aos militantes de seu próprio Partido - um partido trotskista com um longo histórico de luta contra todas as burocracias?
- Por que se manteve a CRQI na escuridão até o último minuto? Que revela esta atitude a respeito do PO, mas também e inclusive antes de mais nada a respeito do correto funcionamento revolucionário (ou não funcionamento) da própria CRQI? Que significa esta crise para todo o projeto, o presente e o futuro, a vida ou morte da luta pela refundação da Quarta Internacional?
A última pergunta é para o EEK a mais importante e urgente. Aparentemente, na luta facciosa no PO, a questão mais importante e urgente é provar quem realmente representa, como Solano e Santos põem no título de sua declaração, “a continuidade histórica do Partido OBRERO”. Para nós a questão sobre o destino da continuidade da luta pela refundação da Quarta Internacional vem primeiro.
Nenhum partido operário revolucionário pode ganhar sua própria continuidade histórica “num só país”, sem lutar para e subordinando-se à luta pela permanência da revolução socialista mundial e pela necessidade internacional de liderar a vitória.
Desde nosso ponto de vista, não temos uma crise nacional, senão internacional, cheia de convulsões, incluindo a todas as alas e tendências da esquerda, reformistas, estalinistas ou centristas, todas as variantes da chamada esquerda radical ou revolucionária.
Não é por acaso que no mesmo período da atual crise capitalista mundial, uma enorme crise comova às mais diversas formações da ultraesquerda.
A Organização Socialista Internacional – ISO, a organização mais forte até recentemente da esquerda radical nos EUA, que jogou um importante papel na recente greve docente, declarou de improviso em março de 2019 sua “autodissolução”.
Não devemos passar por alto que, ao mesmo tempo, em nossas épocas turbulentas também está se sucedendo o fenômeno oposto. Os Socialistas Democráticos da América (DSA), os reformistas dentro do imperialista Partido Democrata dos EUA, foram catapultados depois da eleição de Trump em 2016, desde um status de organização moribunda com 5.000 membros desmoralizados para uma força próxima aos 60.000 membros, com figuras muito conhecidas como a jovem deputada Alexandria Ocasio Cortez…
A lista de divisões internacionais, tão somente em 2019 parece não ter fim. Uma organização internacional de trotskistas muito conhecida, o Comitê para uma Internacional Operária (CWI) sofreu uma divisão devastadora. Seu “Secretariado Internacional” liderado até recentemente por Peter Taafe “expulsou” e rompeu a maioria absoluta das outras seções. Na Grécia, a coalizão de esquerda radical Antarsya está dividida internamente. Na França, o NPA (Novo Partido Anticapitalista) está dividido internamente, enquanto o partido da “esquerda ampla” em sua totalidade está se achicando. Quase em todos os países e continentes podemos rastrear desenvolvimentos similares.
Entende-se por que alguns partidos e organizações são mais vulneráveis que outros. Mas nenhuma organização de esquerda ou tendência no movimento operário é imune ao impacto das gigantescas forças desatadas pela pior crise global na história do capitalismo. O resultado não está predeterminado por nenhum plano preconcebido, mas pode surgir da luta entre as forças vivas.
Somente aqueles que sofrem de uma miopia nacionalista incurável poderiam ver à crise do PO como um evento nacionalista isolado.
Do nosso ponto de vista, o que sucede não é simplesmente uma crise no PO argentino, senão uma crise da CRQI em sua totalidade, centrada no PO, o elo mais forte na corrente internacional de nossa tendência revolucionária.
Um primeiro passo necessário, então, para o entendimento e superação dialética (Aufhebugng), não simplesmente uma “reconciliação” formal do conflito atual em nossas filas, é proceder a um balanço honesto, materialista e genuinamente marxista de toda nossa trajetória. Um esclarecimento completo desde onde vimos, como temos evoluído e para onde estamos indo, desde já é uma tarefa urgente e inevitável para todos e a cada um dos que desde 1997 em diante lutamos pela refundação da Quarta Internacional.
O que está em jogo – repetimos - é a continuidade histórica de uma luta internacional que foi iniciada na década de 1990 por organizações trotskistas provenientes de diferentes tradições, experiências e continentes, heterogêneas, mas desafiando de forma conjunta o triunfalismo dominante dos capitalistas, alimentado pelo pessimismo histórico cego que engoliu e quase destruiu a esquerda. Contra o “fim da História, da revolução, do comunismo”, dirigimo-nos às forças combativas e revolucionárias da vanguarda operária em cada país e continente, fazendo questão de que a revolução social mundial, o poder operário, o comunismo internacional estejam vivos na agenda da história.
Queremos recordar que, no Encontro Internacional do movimento para a refundação da Quarta Internacional em São Paulo, Brasil, em novembro de 1997, que foi solicitado à delegação do EEK que apresentasse as conclusões de dita reunião a uma delegação oficial da direção do LIT (nossa apresentação foi publicada nesse momento em Em Defesa do Marxismo). Entre outros pontos, enfatizamos - contra a visão geral do morenismo, dos últimos “eurocomunistas” ou dos apologistas do “fim da história” de se render ao capitalismo, que a pedra angular de nosso projeto revolucionário é uma valorização histórica fundamental: o ciclo histórico aberto pela revolução de outubro de 1917 como o primeiro ato da revolução mundial NÃO se fechou.
Sobre esta base, a tarefa histórica da Quarta Internacional fundada por Trotsky e seus camaradas internacionais, em 1938, depois da morte irreversível da Terceira Internacional, não se limitava à luta contra o estalinismo, senão, sobretudo a “expandir e completar em todo mundo a tarefa iniciada em outubro de 1917. Esta tarefa segue incompleta, mas absolutamente necessária e atual, quando a crise do capitalismo em declínio levará a novas explosões e novas confrontações. “
Nesta perspectiva e tarefa estratégica baseiam-se a CRQI - seu programa fundacional de 2004 - e a luta por sua continuidade histórica.


E agora, o que?

Já sublinhamos mais acima, para enfrentar a crise centrada no PO, deve-se desenvolver um debate político internacional sem evitar um balanço marxista crítico da trajetória até o momento da CRQI. O debate pode-se fazer já seja mediante intercâmbios presenciais em reuniões internacionais, ou mediante escritos no Boletim Interno Internacional (BII) decidido na Reunião de Atenas, cujo primeiro número exemplar já foi publicado.
Devemos evitar como a peste que o BII degenere numa espécie de suplemento internacional secundário do Boletim Interno nacional argentino com o único propósito de exportar e ganhar adesões numa luta fracional nacional.
Deste ponto de vista, a participação da Tendência do PO nos debates internacionais não é somente seu direito, senão seu dever.
Para ter um verdadeiro debate internacional, no marco da CRQI, livre, sem censura ou acordos pré-arranjados baseado em critérios fracionais, não podemos ignorar os pedidos apresentados pela Tendência de oposição:

a.    Devem-se retirar as expulsões ou outras medidas administrativas ou legais.
b.    A Tendência deverá ser reintegrada ao partido com todos seus direitos,
c.    As acusações de Marcelo Ramal a respeito da “espionagem” ao seu correio eletrônico antes do XXVI Congresso do PO devem ser investigadas de forma completa. Este último pode ser realizado mediante o procedimento proposto pelos camaradas internacionais do DIP, EEK e o MTL, na Reunião de Atenas. No caso de que se comprove que não é possível, então deveria ser feito por uma Comissão Internacional Investigadora da CRQI, com a presença de representantes de ambas as partes.

Todo o procedimento do debate se deve orientar para um Congresso Extraordinário do PO dedicado a ver se é possível superar a divisão e em qualquer caso, na preparação de uma Conferência Internacional posterior em 2020 dos partidos e organizações baseadas no programa fundacional da CRQI de 2004.
Durante o próximo período, não estaremos paralisados, ou voltados para dentro, ou ocasionalmente, como se sugeriu simplesmente publicar declarações.
É necessária a abertura mais ousada para as lutas de massas e os lutadores de vanguarda impulsionados pelo salto qualitativo da crise capitalista mundial presente agora em todos os lados, no palco onde o destino da humanidade será decidido.
O EEK agora está lutando sob condições de um governo de direita ultrarreacionária recentemente eleito, de uma intensificação da repressão estatal, de miséria social, de uma nova alta da luta de classes como o mostram as duas recentes greves gerais numa semana.
Lutamos num país em bancarrota com um povo devastado, mas ainda em resistência, na encruzilhada de todas as contradições internacionais, guerras e confrontações. Não permanecemos inativos, nem a nível internacional, nem nacional. Reorganizamos nossa tarefa, tomando medidas e planificando outras ainda mais audazes, num futuro próximo, rumo à Internacional revolucionária. Seguimos confiantes e firmes, inflexíveis em nossos princípios revolucionários da Quarta Internacional, mas flexíveis, não sectários e abertos a todas as novas forças combativas que cheguem ao palco internacional da luta contra o imperialismo estadunidense, da União Europeia e da NATO, todas as classes dominantes capitalistas, a restauração capitalista, oligárquica e todas as burocracias.
Esta é a orientação do EEK, especialmente como foi discutida e decidida na reunião de seu CC, de 21 e 22 de setembro de 2019. Chamamos a nossos camaradas internacionais a se unir na luta por nossos objetivos históricos comuns: por um outubro mundial e a emancipação humana universal, o comunismo mundial.

Em nome do Comitê Central do EEK (Seção grega da CRQI), 8 de
outubro de 2019.