quarta-feira, 1 de junho de 2016

UM PONTO MAIS ALTO DA CRISE MUNDIAL

                                                                               
                                                                                   


Jorge Altamira (Dirigente do Partido Obrero da Argentina), texto original de 23/01/2016


A queda das bolsas e do preço do petróleo nas últimas semanas alcançou dimensões muito amplas. No caso das ações, as cotizações caíram, especialmente em Londres e Tóquio, no que os profissionais da especulação chamam de “território de correção” (quando superam os 20%, prognosticando uma tendência de queda). O mesmo ocorreu com o índice Russell, que reúne o maior número de empresas cotizantes na bolsa de Nova York. O petróleo, por seu lado, quebrou o que chamam de “linha de resistência” dos U$30,00 o barril.

Os meios financeiros informam que as perdas de “capitalização da Bolsa de Valores” alcançaram, desde o pico em meados do ano passado, aos 3,5 trihões de dólares. Uma desvalorização desta amplitude, em um lapso tão curto de tempo, revela o caráter fictício do valor do capital que se cotiza na Bolsa. Esta informação não nos esclarece, por outro lado, acerca das perdas reais que sofreram os especuladores, que tem adquirido essas ações a crédito. As quedas obrigam os “investidores” a depositar dinheiro adicional para cobrir a depreciação das garantias representadas pelas ações que compraram. Algo similar se pode dizer sobre a ficção do novo preço do petróleo, porque esse preço corresponde a papéis que creditam aos especuladores o direito de negociar um petróleo que eles não tem fisicamente. Não corresponde a uma alteração dos custos de produção. A expectativa de que o Irã acrescente no mercado petroleiro uma produção ainda maior, a partir do fim das sanções impostas pela ONU, detonou uma nova queda, ainda que essa maior produção somente se efetivará dentro de seis meses a um ano. As perdas reais que sofreram os especuladores localizados do lado “incorreto” da equação, além de ser, de novo, reais afetam aos bancos que os financiaram. Mais grave ainda é a situação das companhias petroleiras que financiaram-se com um endividamento enorme e daqueles Estados que dependem da entrada de recursos fiscais do petróleo. A possibilidade de que todas essas quedas se traduzam em quebras reais depende, ainda que até certo ponto, dos acordos e desacordos que podem alcançar credores e devedores.

Lehman Brothers


Os Editorialistas de jornais como o The Wall Street Journal e o Financial Times minimizaram os riscos de uma crise generalizada. Sustentam, por um lado, que os eventos assinalados constituem uma anomalia, alegando que “não há sinais de recessão” e que os indicadores econômicos, ao menos nos Estados Unidos, são “robustos”. Agrega, o Financial Times, que a baixa nos preços do petróleo é um dado positivo, porque causa um aumento do poder aquisitivo dos consumidores. De acordo com isso “havia que passar o inverno” (boreal). Os argumentos, de todos os modos, surpreendem:

1- A detonação de uma crise tem lugar, precisamente, quando os indicadores na véspera são excelentes.

2 – Junto ao petróleo vem caindo fortemente todas as matérias-primas minerais e também alimentares ( e no entanto, não se tem visto que houvesse reativada a economia). Em um marco de sobreprodução, a deflação resultante acentua a queda dos lucros dos capitais, incrementa o valor real de suas dívidas e diminui inclusive a demanda de consumo pessoal devido ao desemprego total ou parcial, assim como a redução dos salários.

Um outro ponto em debate entre os especialistas diz respeito se a queda foi desatada pelo menor crescimento da China, a baixa do preço do petróleo ou a “mudança de fase” dos países emergentes, que de supostos “tigres” que puxavam a economia mundial para cima, converteram-se em uma hipoteca impagável.

Desde o inicio da crise, no entanto, está claro que ela tem um caráter de conjunto que desloca continuamente seu eixo de gravidade, porém, precisamente por essa característica, conserva seu ponto central nos EUA.

Constitui também uma distorção apresenta-la por países, ou seja fazendo abstração do conteúdo social dos Estados. Em numerosos países estão se desmoronando seus pilares industriais e/ou financeiros, de modo que a queda das finanças públicas não é mais do que a consequência. A crise e desvalorização da Petrobras ameaça levar junto grande parte das indústrias e construtoras brasileiras; a da PDVSA implica a liquidação de um conjunto de ativos estatais e a deterioração da economia familiar; tudo isso vale para a siderurgia e o carvão da China, assim como das economias locais, as construtoras e os bancos.

O resgate de capitais, especialmente bancos, a partir da debacle de 2008, redundou na acentuação de um sistema capitalista “zumbi”, que sobrevive sobre a base do dinheiro público e que desatou como consequência um crescimento enorme do capital fictício. Os trilhões de dólares dispensados pelos bancos centrais e seus respectivos fiscos na última década não somente alimentaram, em última instância, um processo especulativo sem precedentes, acentuando a super-produção contra tudo o que exige um quadro de excessos de capitais e de produção. É o que que ocorreu com os subsídios, a siderurgia, e a construção civil na China, e coma indústria petroleira não convencional nos Estados Unidos, que emergiram como consequência de um financiamento a taxas de juros próximas de zero. Estes procedimentos artificiais para reanimar a taxa de lucro capitalista esgotaram-se. Especialmente os bancos e fundos de investimento que cobrem de dinheiro efetivo devido a ausência de oportunidades lucrativas de investimentos, ao mesmo tempo que o endividamento das empresas em indústrias de referência é maior do que nunca. A famosa crise dos anos 30 do século passado estourou, precisamente, quando o caixa contábil capitalista encontrava-se em um máximo histórico.
Para um economista entrevistado por Ambito Financeiro (22/01), nem China nem o petróleo são os “detonantes” da situação atual. “A causa” diz, são os Estados Unidos. “Desde março do ano passado, os lucros esperados, pelas empresas, são negativos (…) o faturamento vem mal e os lucros ainda pior”. Agrega: “a China cresce menos porque o que fabricam norte-americanos e europeus nesse país e o exportam para os Estados Unidos e Europa tem menos demanda. O problema é a quase estagnação dos Estados Unidos e da Europa”. Definitivamente, a bolsa norte-americana encontra-se sobre valorizada, por um lado, devido a uma especulação e o aumento dos preços das ações, devido a compras financiadas por taxas de juros baixíssimas e, por outro, por uma queda generalizada dos lucros. Esta situação deve desembocar, em seu limite, em uma nova etapa de quebras. É um retorno ao seu ponto de partida (a quebra do Bearnan Sternm primeiro, em 2007, e a do Lehman Brothers, em 2008) em uma escala financeira e social, consideravelmente mais elevada.

A TRANSIÇÃO CHINESA

Não obstante a crise anterior, a que se desenvolve na China é simplesmente extraordinária; representa um ponto de alteração na crise mundial e no conjunto da situação política. Não é esta, no entanto, a opinião do “establishment”. Para este a China deveria completar sua grande performance das últimas décadas passando de uma economia de exportação para uma economia de serviços: educação, saúde, crédito generalizado. A refutação de que a China estaria ameaçada por uma crise de alcances inestimáveis, residiria nas possibilidades imensas que ofereceria a passagem a uma economia realmente moderna. A China enfrenta uma enorme sobreprodução industrial financiada com um endividamento ainda maior. “O endividamento da geral da China (…), e em especial de suas corporações não financeiras, é maior que a dos Estados Unidos”. (Martin Wolf, editor do Finantial Times, 20/01).

A “transição” salvadora, no entanto, não avança, devido a isso. “Ainda que o governo promete uma grande tolerância para companhias do setor privado e investidores estrangeiros em algumas áreas da economia, não há apetite por privatizações generalizadas em áreas tradicionais dominadas pelo Estado (…). O enfoque preferido do Estado, com relação às “companhias zumbis” é proceder a fusões e aquisições em lugar de quebras e liquidações”. Porém as 'fusões e aquisições' supõem a associação ou venda de empresas a preços próximos de seu valor de quebra, e a venda dos ativos supérfluos a preço de arremate. Isto é o que não pode realizar o governo chinês, porque representaria um salto no vazio, por um lado, e pelo temor de uma revolta social, por outro. Para “muitos analistas, no entanto, o retrocesso da indústria pesada é tão selvagem que o governo não poderia salva-la mesmo que quisesse (Mitchell, Finantial Times, 20/01). À luz disso tudo, ainda que o 'detonante' encontre-se nos Estados Unidos, trata-se de uma bomba de controle remoto que produziria uma explosão na China. Entretanto, a superprodução industrial, a queda da taxa de lucro e o endividamento produziram uma feroz saída de capitais, da ordem de 1 trilhão de dólares por ano. A China tem seu próprio 'mercado blue' em Hong Kong, Macau ou inclusive Londres, aonde sua moeda se cotiza abaixo da 'oficial'. A reação do governo tem sido recorrer ao método Kicillof, com resultados que acabaram sendo mais catastróficos.

BRASIL

O que os chineses estão receosos de fazer, no Brasil vai em ritmo de samba. É o caso da Petrobras, que foi assinalada pelo desenvolvimentismo brasileiro como a vanguarda da industria nacional. A sua volta desenvolveram-se empreiteiros e provedores industriais de equipamentos para perfuração complexas e para refinarias. Entre a queda do preço do petróleo, a tendência decrescente dos lucros (compensada por um endividamento crescente) e a retirada do financiamento internacional, a Petrobras passou de uma capitalização na Bolsa de 270 bilhões para aos atuais 25 bilhões, uma desvalorização sem precedentes (Valor Econômico de 16/01). A indústria criada em sua periferia enfrenta a bancarrota. “hoje, diz um colunista do diário citado, estão sendo oferecidos entre 20 e 30 ativos, que incluem Brasken, Liquigas, Br Distribuidora, TAG e terminais da GNI no Rio de janeiro e outras cidades”. Estão também negociando a venda de sua empresa de fertilizantes. Para sair de sua crise pretende vender também os oleodutos e passar de proprietária a usuária. O prognóstico oficial é que o PIB do Brasil cairá uns 4% em 2016 e uma taxa duas vezes e meia mais alta na indústria. O diário em questão afirma que a “capitalização da Petrobras (pelo Estado) resulta inevitável”, no entanto, adverte que quando o tema foi colocado no ano passado “a discussão não prosperou pelo impacto direto que teria na já elevada dívida pública do setor público”.

O destino da Petrobrás e de boa parte da indústria brasileira devera desatar uma crise social e política imensa, que apenas se insinua com a operação 'Lava-Jato'. A siderurgia e a metalurgia brasileira estão operando com metade de sua capacidade; a imprensa alerta para a eminência de dez milhões de desocupados. A crise mundial nessa etapa converteu a crise desatada pela quebra do Lehman Brothers em um episódio iniciático.

PDVSA não desenvolveu nenhuma indústria em seu entorno, porém foi convertida, na Venezuela, na financiadora da indústria nacionalizada e de grande parte das cooperativas e planos sociais (a nacionalizada Sidor estaria trabalhando com 30% de sua capacidade). Para 2016, PDVSA e o Estado venezuelano enfrentam vencimentos de dívidas internacionais que são impagáveis. Encontra-se colocada a questão do 'default', com suas imensas consequências políticas internacionais.

A queda de preços das matérias-primas, assim como o elevado endividamento dos períodos de 'vacas gordas', tem produzidos uma saída de capitais da América latina, somente em 2015 foram uns U$S 700 bilhões.

Estados Unidos-Arabia Saudita

A superprodução de petróleo esta estreitamente vinculada com a política aplicada de resgate capitalista para sair da crise. Ocorre que, apesar dos progressos tecnológicos, o desenvolvimento da produção de gás e petróleo não convencionais (xisto) não poderia ter se desenvolvido, nos Estados Unidos, sem o enorme subsídio que representaram as baixíssimas taxas de juros. Possibilitaram a entrada no mercado de uma produção cujo custo oscilava entre U$S 50 e U$S 80 o barril. Isto autoriza as suspeitas dos governantes venezuelanos e sauditas de que a superprodução de petróleo foi uma orientação estratégica dos Estados Unidos para golpear e condicionar, a uns e outros, no plano político.

A pugna chegou a um momento crucial, porque, de um lado, cerca de umas cinquenta empresas decidiram retirar os fundos de investimentos, que comprometem a vários bancos. O Wells Fargo, o maior banco dos Estados Unidos, tem comprometidos uns U$S 20 bilhões nessa indústria. Segundo uma agência internacional, “as grandes companhias petroleiras dependem do dinheiro de seus credores” (Ambito 22/01). Por outro lado, a Arábia Saudita decidiu manter a negativa em reduzir a produção de petróleo para elevar os seus preços. O resultado é uma quebra no orçamento do reino e um forte deficit fiscal. A saída eleita pelo reino para manter sua competitividade no mercado foi o de privatizar parte de sua empresa estatal, Aramco, cerca de uns 30% sobre o valor de uns 3 trilhões de dólares. A intenção de arrecadar um caixa de 900 bilhões de dólares choca-se com a óbvia barreira de que uma colocação semelhante de ações desvalorizaria imediatamente o seu valor de mercado. A crise do petróleo está levando à quebra da Rússia, um fenômeno de alcance 'geopolítico', eufemismo para esconder a tendência à guerra, porém, principalmente, a uma quebra do regime de Putin. Os aposentados russos acabam de impedir uma redução de seus benefícios por parte do governo.

Em grande parte do mercado mundial desenvolve-se essa luta por quebrar os rivais e monopolizar o mercado: a mineradora Rio Tinto está aumentando seus investimentos em um mercado claramente em queda para quebrar competidores como Glencore, que está vendendo ativos comprados pouco antes da crise. Nesta disputa pode sair muito afetada a Vale do Rio Doce, as ações dessa companhia encontram-se uns 40% abaixo do seu valor de emissão.

Episódios

A imprensa mundial alerta sobre outros episódios que ilustram a extensão da presente crise ou a diversidade de detonantes do que está sendo colocado. O comentário do dia na Europa é o elevado nível da carteira de inadimplentes incobráveis dos bancos italianos, uns 280 bilhões de euros. O Banco Monte dei Paschi enfrenta, esta vez parece que de forma definitiva, uma bancarrota, que arrastaria outras financeiras.

Até o mercado dos abutres especuladores parece afetado. Os chamados “títulos lixo”, que foram emitidos por companhias com menor capacidade de pagamento, tem caído de forma substancial. Os abutres que compraram ações por preço de arremate (“falling knive”) se viram prejudicados por uma queda ulterior de suas cotizações.

 A conclusão que emerge de tudo isso é que 2016 será um ano de grandes convulsões políticas.