Jorge
Altamira (Dirigente do Partido Obrero da Argentina), texto original de 23/01/2016
A queda
das bolsas e do preço do petróleo nas últimas semanas alcançou
dimensões muito amplas. No caso das ações, as cotizações caíram, especialmente em Londres e Tóquio, no que os profissionais da
especulação chamam de “território de correção” (quando
superam os 20%, prognosticando uma tendência de queda). O mesmo
ocorreu com o índice Russell, que reúne o maior número de empresas
cotizantes na bolsa de Nova York. O petróleo, por seu lado, quebrou
o que chamam de “linha de resistência” dos U$30,00 o barril.
Os
meios financeiros informam que as perdas de “capitalização da Bolsa de Valores”
alcançaram, desde o pico em meados do ano passado, aos 3,5 trihões
de dólares. Uma desvalorização desta amplitude, em um lapso tão
curto de tempo, revela o caráter fictício do valor do capital que
se cotiza na Bolsa. Esta informação não nos esclarece, por outro
lado, acerca das perdas reais que sofreram os especuladores, que tem
adquirido essas ações a crédito. As quedas obrigam os
“investidores” a depositar dinheiro adicional para cobrir a
depreciação das garantias representadas pelas ações que
compraram. Algo similar se pode dizer sobre a ficção do novo preço
do petróleo, porque esse preço corresponde a papéis que creditam
aos especuladores o direito de negociar um petróleo que eles não tem
fisicamente. Não corresponde a uma alteração dos custos de
produção. A expectativa de que o Irã acrescente no mercado
petroleiro uma produção ainda maior, a partir do fim das sanções
impostas pela ONU, detonou uma nova queda, ainda que essa maior produção
somente se efetivará dentro de seis meses a um ano. As perdas
reais que sofreram os especuladores localizados do lado “incorreto”
da equação, além de ser, de novo, reais afetam aos bancos que os
financiaram. Mais grave ainda é a situação das companhias
petroleiras que financiaram-se com um endividamento enorme e daqueles
Estados que dependem da entrada de recursos fiscais do petróleo. A
possibilidade de que todas essas quedas se traduzam em quebras
reais depende, ainda que até certo ponto, dos acordos e desacordos
que podem alcançar credores e devedores.
Lehman
Brothers
Os
Editorialistas de jornais como o The Wall Street Journal e o Financial
Times minimizaram os riscos de uma crise generalizada. Sustentam, por
um lado, que os eventos assinalados constituem uma anomalia, alegando
que “não há sinais de recessão” e que os indicadores
econômicos, ao menos nos Estados Unidos, são “robustos”.
Agrega, o Financial Times, que a baixa nos preços do petróleo é um
dado positivo, porque causa um aumento do poder aquisitivo dos
consumidores. De acordo com isso “havia que passar o inverno”
(boreal). Os argumentos, de todos os modos, surpreendem:
1- A
detonação de uma crise tem lugar, precisamente, quando os
indicadores na véspera são excelentes.
2 –
Junto ao petróleo vem caindo fortemente todas as matérias-primas
minerais e também alimentares ( e no entanto, não se tem visto que
houvesse reativada a economia). Em um marco de sobreprodução, a
deflação resultante acentua a queda dos lucros dos capitais,
incrementa o valor real de suas dívidas e diminui inclusive a
demanda de consumo pessoal devido ao desemprego total ou parcial,
assim como a redução dos salários.
Um
outro ponto em debate entre os especialistas diz respeito se a queda
foi desatada pelo menor crescimento da China, a baixa do preço do
petróleo ou a “mudança de fase” dos países emergentes, que de
supostos “tigres” que puxavam a economia mundial para cima,
converteram-se em uma hipoteca impagável.
Desde
o inicio da crise, no entanto, está claro que ela tem um caráter de
conjunto que desloca continuamente seu eixo de gravidade, porém,
precisamente por essa característica, conserva seu ponto central nos
EUA.
Constitui também uma distorção apresenta-la por países, ou seja fazendo
abstração do conteúdo social dos Estados. Em numerosos países
estão se desmoronando seus pilares industriais e/ou financeiros, de
modo que a queda das finanças públicas não é mais do que a
consequência. A crise e desvalorização da Petrobras ameaça levar
junto grande parte das indústrias e construtoras brasileiras; a da
PDVSA implica a liquidação de um conjunto de ativos estatais e a
deterioração da economia familiar; tudo isso vale para a siderurgia
e o carvão da China, assim como das economias locais, as
construtoras e os bancos.
O
resgate de capitais, especialmente bancos, a partir da debacle de
2008, redundou na acentuação de um sistema capitalista “zumbi”,
que sobrevive sobre a base do dinheiro público e que desatou como
consequência um crescimento enorme do capital fictício. Os trilhões
de dólares dispensados pelos bancos centrais e seus respectivos
fiscos na última década não somente alimentaram, em última
instância, um processo especulativo sem precedentes, acentuando a
super-produção contra tudo o que exige um quadro de excessos de
capitais e de produção. É o que que ocorreu com os subsídios, a
siderurgia, e a construção civil na China, e coma indústria
petroleira não convencional nos Estados Unidos, que emergiram como
consequência de um financiamento a taxas de juros próximas de zero.
Estes procedimentos artificiais para reanimar a taxa de lucro
capitalista esgotaram-se. Especialmente os bancos e fundos de
investimento que cobrem de dinheiro efetivo devido a ausência de
oportunidades lucrativas de investimentos, ao mesmo tempo que o
endividamento das empresas em indústrias de referência é maior do
que nunca. A famosa crise dos anos 30 do século passado estourou,
precisamente, quando o caixa contábil capitalista encontrava-se em
um máximo histórico.
Para
um economista entrevistado por Ambito Financeiro (22/01), nem China
nem o petróleo são os “detonantes” da situação atual. “A
causa” diz, são os Estados Unidos. “Desde março do ano passado,
os lucros esperados, pelas empresas, são negativos (…) o
faturamento vem mal e os lucros ainda pior”. Agrega: “a China cresce menos porque o que fabricam norte-americanos e europeus nesse país e
o exportam para os Estados Unidos e Europa tem menos demanda. O
problema é a quase estagnação dos Estados Unidos e da Europa”.
Definitivamente, a bolsa norte-americana encontra-se sobre valorizada,
por um lado, devido a uma especulação e o aumento dos preços das
ações, devido a compras financiadas por taxas de juros baixíssimas
e, por outro, por uma queda generalizada dos lucros. Esta situação
deve desembocar, em seu limite, em uma nova etapa de quebras. É um
retorno ao seu ponto de partida (a quebra do Bearnan Sternm primeiro,
em 2007, e a do Lehman Brothers, em 2008) em uma escala financeira e
social, consideravelmente mais elevada.
A TRANSIÇÃO CHINESA
Não
obstante a crise anterior, a que se desenvolve na China é
simplesmente extraordinária; representa um ponto de alteração na
crise mundial e no conjunto da situação política. Não é esta, no
entanto, a opinião do “establishment”. Para este a
China deveria completar sua grande performance das últimas décadas
passando de uma economia de exportação para uma economia de
serviços: educação, saúde, crédito generalizado. A refutação
de que a China estaria ameaçada por uma crise de alcances
inestimáveis, residiria nas possibilidades imensas que ofereceria a
passagem a uma economia realmente moderna. A China enfrenta uma
enorme sobreprodução industrial financiada com um endividamento
ainda maior. “O endividamento da geral da China (…), e em
especial de suas corporações não financeiras, é maior que a dos Estados Unidos”. (Martin Wolf, editor do Finantial Times, 20/01).
A
“transição” salvadora, no entanto, não avança, devido a isso.
“Ainda que o governo promete uma grande tolerância para companhias
do setor privado e investidores estrangeiros em algumas áreas da
economia, não há apetite por privatizações generalizadas em áreas
tradicionais dominadas pelo Estado (…). O enfoque preferido do
Estado, com relação às “companhias zumbis” é proceder a
fusões e aquisições em lugar de quebras e liquidações”. Porém
as 'fusões e aquisições' supõem a associação ou venda de
empresas a preços próximos de seu valor de quebra, e a venda dos
ativos supérfluos a preço de arremate. Isto é o que não pode
realizar o governo chinês, porque representaria um salto no vazio,
por um lado, e pelo temor de uma revolta social, por outro. Para
“muitos analistas, no entanto, o retrocesso da indústria pesada é
tão selvagem que o governo não poderia salva-la mesmo que quisesse
(Mitchell, Finantial Times, 20/01). À luz disso tudo, ainda que o
'detonante' encontre-se nos Estados Unidos, trata-se de uma bomba de
controle remoto que produziria uma explosão na China. Entretanto, a
superprodução industrial, a queda da taxa de lucro e o
endividamento produziram uma feroz saída de capitais, da ordem de 1
trilhão de dólares por ano. A China tem seu próprio 'mercado blue'
em Hong Kong, Macau ou inclusive Londres, aonde sua moeda se cotiza
abaixo da 'oficial'. A reação do governo tem sido recorrer ao
método Kicillof, com resultados que acabaram sendo mais
catastróficos.
BRASIL
O que
os chineses estão receosos de fazer, no Brasil vai em ritmo de
samba. É o caso da Petrobras, que foi assinalada pelo desenvolvimentismo brasileiro como a vanguarda da industria nacional. A sua volta
desenvolveram-se empreiteiros e provedores industriais de
equipamentos para perfuração complexas e para refinarias. Entre a
queda do preço do petróleo, a tendência decrescente dos lucros
(compensada por um endividamento crescente) e a retirada do
financiamento internacional, a Petrobras passou de uma capitalização na Bolsa de 270 bilhões para aos atuais 25 bilhões, uma
desvalorização sem precedentes (Valor Econômico de 16/01). A indústria
criada em sua periferia enfrenta a bancarrota. “hoje, diz um
colunista do diário citado, estão sendo oferecidos entre 20 e 30
ativos, que incluem Brasken, Liquigas, Br Distribuidora, TAG e
terminais da GNI no Rio de janeiro e outras cidades”. Estão também
negociando a venda de sua empresa de fertilizantes. Para sair de sua
crise pretende vender também os oleodutos e passar de proprietária
a usuária. O prognóstico oficial é que o PIB do Brasil cairá uns
4% em 2016 e uma taxa duas vezes e meia mais alta na indústria. O
diário em questão afirma que a “capitalização da Petrobras
(pelo Estado) resulta inevitável”, no entanto, adverte que quando o
tema foi colocado no ano passado “a discussão não prosperou pelo
impacto direto que teria na já elevada dívida pública do setor público”.
O
destino da Petrobrás e de boa parte da indústria brasileira devera
desatar uma crise social e política imensa, que apenas se insinua
com a operação 'Lava-Jato'. A siderurgia e a metalurgia brasileira estão operando com metade de sua capacidade; a imprensa
alerta para a eminência de dez milhões de desocupados. A crise
mundial nessa etapa converteu a crise desatada pela quebra do Lehman
Brothers em um episódio iniciático.
PDVSA
não desenvolveu nenhuma indústria em seu entorno, porém foi
convertida, na Venezuela, na financiadora da indústria nacionalizada
e de grande parte das cooperativas e planos sociais (a nacionalizada
Sidor estaria trabalhando com 30% de sua capacidade). Para 2016,
PDVSA e o Estado venezuelano enfrentam vencimentos de dívidas
internacionais que são impagáveis. Encontra-se colocada a questão
do 'default', com suas imensas consequências políticas
internacionais.
A
queda de preços das matérias-primas, assim como o elevado
endividamento dos períodos de 'vacas gordas', tem produzidos uma
saída de capitais da América latina, somente em 2015 foram uns U$S 700
bilhões.
Estados Unidos-Arabia
Saudita
A
superprodução de petróleo esta estreitamente vinculada com a
política aplicada de resgate capitalista para sair da crise. Ocorre
que, apesar dos progressos tecnológicos, o desenvolvimento da
produção de gás e petróleo não convencionais (xisto) não
poderia ter se desenvolvido, nos Estados Unidos, sem o enorme
subsídio que representaram as baixíssimas taxas de juros.
Possibilitaram a entrada no mercado de uma produção cujo custo
oscilava entre U$S 50 e U$S 80 o barril. Isto autoriza as suspeitas
dos governantes venezuelanos e sauditas de que a superprodução de
petróleo foi uma orientação estratégica dos Estados Unidos para
golpear e condicionar, a uns e outros, no plano político.
A
pugna chegou a um momento crucial, porque, de um lado, cerca de
umas cinquenta empresas decidiram retirar os fundos de investimentos,
que comprometem a vários bancos. O Wells Fargo, o maior banco dos
Estados Unidos, tem comprometidos uns U$S 20 bilhões nessa
indústria. Segundo uma agência internacional, “as grandes
companhias petroleiras dependem do dinheiro de seus credores”
(Ambito 22/01). Por outro lado, a Arábia Saudita decidiu manter a
negativa em reduzir a produção de petróleo para elevar os seus
preços. O resultado é uma quebra no orçamento do reino e um forte
deficit fiscal. A saída eleita pelo reino para manter sua competitividade no mercado foi o de privatizar parte de sua empresa
estatal, Aramco, cerca de uns 30% sobre o valor de uns 3 trilhões de
dólares. A intenção de arrecadar um caixa de 900 bilhões de
dólares choca-se com a óbvia barreira de que uma colocação
semelhante de ações desvalorizaria imediatamente o seu valor de
mercado. A crise do petróleo está levando à quebra
da Rússia, um fenômeno de alcance 'geopolítico', eufemismo para
esconder a tendência à guerra, porém, principalmente, a uma quebra
do regime de Putin. Os aposentados russos acabam de impedir uma
redução de seus benefícios por parte do governo.
Em
grande parte do mercado mundial desenvolve-se essa luta por quebrar
os rivais e monopolizar o mercado: a mineradora Rio Tinto está
aumentando seus investimentos em um mercado claramente em queda para
quebrar competidores como Glencore, que está vendendo ativos
comprados pouco antes da crise. Nesta disputa pode sair muito afetada
a Vale do Rio Doce, as ações dessa companhia encontram-se uns 40%
abaixo do seu valor de emissão.
Episódios
A
imprensa mundial alerta sobre outros episódios que ilustram a
extensão da presente crise ou a diversidade de detonantes do que
está sendo colocado. O comentário do dia na Europa é o elevado
nível da carteira de inadimplentes incobráveis dos bancos
italianos, uns 280 bilhões de euros. O Banco Monte dei Paschi
enfrenta, esta vez parece que de forma definitiva, uma bancarrota,
que arrastaria outras financeiras.
Até o
mercado dos abutres especuladores parece afetado. Os chamados
“títulos lixo”, que foram emitidos por companhias com menor
capacidade de pagamento, tem caído de forma substancial. Os abutres
que compraram ações por preço de arremate (“falling knive”) se
viram prejudicados por uma queda ulterior de suas cotizações.