segunda-feira, 22 de janeiro de 2018

“SEM LULA É FRAUDE”

(por Jorge Altamira, dirigente do Partido Obrero da Argentina)

Existe uma expectativa generalizada, não apenas no Brasil, sobre o julgamento que ocorrerá na quarta-feira (24) e que pode ratificar a condenação de Lula, ex-presidente da república e comandante do PT, por corrupção passiva. A condenação em primeira instância ditada por Sérgio Moro, juiz que ganhou fama com a Operação Lava Jato, afirma que Lula é culpado de se beneficiar de propina da Odebrecht ao receber um apartamento Triplex na cidade de Guarujá, no litoral paulista.

Lula denunciou os acusadores por não terem apresentado quaisquer provas materiais e negou que seja o dono do Triplex. Se a sentença se confirmar, Lula perderá o direito de se candidatar à presidência da república nas eleições de outubro por conta da Lei da Ficha Limpa, um procedimento semelhante ao utilizado na Venezuela para impedir a candidatura de opositores ao chavismo.

Após a condenação, que pode ou não ser unânime, se abrem para Lula diversas alternativas de apelação, que serviriam para dilatar a efetivação do impedimento de participar das eleições. Entre as opções especificamente políticas, já se fala, dentro do PT, de nomes para substituir sua candidatura sem que isso exclua a participação de Lula na campanha eleitoral. O PT caracteriza a tentativa de anular a candidatura de Lula como uma nova instância do golpe institucional que derrubou a presidenta Dilma Rousseff.

Estado de Direito

A propriedade do Triplex do Guarujá é apenas um dos delitos pelo qual Lula será julgado nos próximos anos, mas as demais acusações ainda tramitam em instâncias menores e não poderiam afetar a sua candidatura à presidência. Na Argentina, vários setores contrários ao kirchnerismo discutiram aplicar o mesmo método para impedir Cristina Kirchner de participar da recente eleição parlamentar. O macrismo, no fim das contas, preferiu um procedimento mais “barato” politicamente, que foi o de ganhar a eleição na Província de Buenos Aires.

Assim como o impeachment de Dilma foi fundamentado em uma ação “soberana” do Congresso brasileiro, o impedimento de Lula concorrer nas eleições se apoia na aplicação do “Estado de Direito”. As abstrações jurídicas são utilizadas para alcançar objetivos políticos que sequer são escondidos, já que Lula atrapalharia as reformas econômicas que tanto quer o capital financeiro. É precisamente essa mesma necessidade política, de manter as reformas, que é utilizada para manter Michel Temer no poder, mesmo depois de sucessivas denúncias de corrupção – em valores consideravelmente maiores que os do Triplex do Guarujá.

Ao mesmo tempo, foram estabelecidas novas normativas e leis para salvar patrimonialmente a Odebrecht, acusada de corrupção em quinze países. O presidente da construtora acaba de receber o benefício da prisão domiciliar, apesar de sua juventude, e uma diminuição extraordinária do tempo de prisão. O governo de Maurício Macri já rejeitou uma oferta de delação premiada oferecida pela Odebrecht para evitar que sejam presos muitos de seus amigos.

Mão Limpas

Os vícios políticos no Brasil não estão somente na candidatura de Lula, mas no conjunto do sistema político, na burocracia do Estado, nos partidos e nos políticos, seja de forma passiva ou ativa, como carrascos ou cúmplices. Inclusive no caso da esquerda agrupada no PSOL há organizações que aceitaram “doações” (legais) de grandes grupos econômicos, como a siderúrgica Gerdau e a indústria armamentista Taurus. Como se cantava na Argentina em 2001, é necessário que saiam todos. A direita fascista brasileira e seu candidato Bolsonaro, por sua vez, é uma frente de sojeiros e evangélicos, que se financia com fraudes à Receita, contrabando, etc.

O que dá uma coesão transitória a essa máfia que abarca a totalidade da política brasileira é um plano econômico de privatização generalizada, em especial de setores de energia e petróleo, além do desmantelamento dos serviços públicos e, sobretudo, uma política de destruição do direito trabalhista brasileiro.

O PT e Lula ocupam um lugar singular nessa trama. Provas existindo ou não, Lula foi um grande agente da Odebrecht. A estrutura da Unasul esteve a serviço das quatro maiores empreiteiras do Brasil, e de empresas ligadas às Forças Armadas. No momento de ápice do governo Lula a penetração da Odebrecht na América Latina alcançou seu ponto mais alto – na maior parte dos casos vinculada aos governos bolivarianos de Bolívia e Venezuela e ao kirchnerismo na Argentina, e inclusive em Cuba.

As maiores negociatas foram, seguramente, vinculadas à Petrobras. Os donos de ações da empresa na Bolsa de Nova York acabaram de ganhar um julgamento para serem ressarcidos pelos dividendos não pagos por conta dos milhões de dólares desviados pela corrupção durante os governos petistas. Dilma era a ministra de Minas e Energia durante esse período. A necessidade do PT de obter maioria no Congresso levou, ainda, ao Mensalão, que levou à prisão o presidente do partido, José Dirceu, e à condenação importantes ministros petistas, como o “ex-trotskista” Antônio Palocci.

Um partido em decomposição

Lula chegou à presidência após assinar um acordo com o FMI. Posteriormente, escolheu o atual ministro da Fazenda, Henrique Meirelles (Bank of Boston), como presidente do Banco Central, e aceitou a política econômica de W. Rhodes, então presidente do Citibank. Durante a campanha, se aproximou dos latifundiários e chegou a nomear ruralistas para o Ministério da Agricultura. Às vésperas de sua vitória eleitoral, em outubro de 2002, publicou a Carta ao Povo Brasileiro, na qual prometeu não modificar a política econômica. Agora anuncia, novamente, uma Carta, na qual não repetirá as mesmas palavras, mas sim os compromissos de realizar a “reforma econômica” em curso, ou seja, de defender o “Estado de Direito” das consumadas privatizações.

A burguesia brasileira entende que corre um risco político importante se impede a candidatura de Lula. Preferiria o método mais “barato” usado por Macri. De início, já parece ter decidido impedir a prisão de Lula. Para enfrentar os debates políticos, a burguesia busca a construção de uma grande frente política, com um candidato adequado cujo nome ainda não se vislumbra, com o apoio furioso e incondicional dos meios de comunicação. Foi o que aconteceu em 1989, quando surgiu do nada o governador de Alagoas, Fernando Collor, que acabou eleito presidente. A possibilidade de adiar a decisão da Justiça sobre Lula, usando apelações, se acomoda ao tempo necessário para a burguesia encontrar a formação de sua candidatura aglutinadora contra o PT. Se essa candidatura não aparecer, a tática de impedir a candidatura de Lula pode ser uma “carta na manga” para a burguesia.

Com Lula também é fraude

No quadro político atual do Brasil tolerar, ativa ou passivamente, o impedimento de Lula candidatar-se é estar ao serviço da política extrema do regime – anti-operário, pró-imperialista e delinquente. À esquerda do Brasil e os lutadores do movimento operário cabe o desafio de derrotar Lula e PT politicamente, na luta de classes, na luta programática e na luta eleitoral. Denunciando sua corrupção e sua condição de apêndice dos exploradores capitalistas. O Estado de Direito de um sistema corrupto e selvagem deve ser denunciado como uma farsa e uma marionete dos interesses capitalistas. Com Lula ou sem Lula, o sistema político é uma fraude.

A denúncia dos objetivos reacionários do impedimento da candidatura deve se desenvolver de forma independente à direção corrupta e entreguista do PT. Não serve, aqui, a Frente Única com o PT. Seria o mesmo que aceitar a saída política que oferece essa direção, que é a de colaboração política com os mesmos que querem impedir Lula de se candidatar. É necessário denunciar claramente que a direção do PT e da CUT são cúmplices do Golpe contra seu governo, Golpe que nunca foi enfrentado com uma Greve Geral. PT e CUT agiram para não quebrar os laços com os seus carrascos. Os lutadores somente poderão desenvolver uma direção política revolucionária se estiverem totalmente separados do corpo em decomposição que virou o PT – com uma saída própria, operária e socialista.