sábado, 12 de novembro de 2016

RENDA NEGATIVA, UM NOVO ELO DA CRISE CAPITALISTA

                                                                     


Pablo Heller (dirigente do Partido Obrero da argentina)

Quando completa-se o nono ano desde a crise de 2008, a política de resgate estatal faz água e está criando as condições de uma bancarrota ainda maior.

Uma medida disso é o colapso do Deutsche Bank. As ações do maior banco alemão despencaram 6% na Bolsa de Frankfurt arrochando sua cotização a seus mínimos históricos. O italiano Unicredit enfrenta uma queda similar e, de um modo geral, os bancos italianos estão entre as cordas. Mas estes casos são somente a ponta de um iceberg: são todos os bancos europeus que afrontam sua segunda crise em menos de uma década.

Um dos fatores que potencia a crise bancária é o fenômeno dos “rendimentos negativos” dos ativos públicos, que cresceram à sombra do salvamento implementado nas principais metrópoles capitalistas.

Um dos pilares desta política está sendo a “flexibilização quantitativa” (QE: Quantitative Easing), que consiste em injetar bilhões de dólares no sistema financeiro. Esta política monetária expansiva se dá em função da queda da taxa de juros.

A aposta era que taxas mais baixas estimulariam ao capital a investir na “economia real” (capital produtivo). Isto, no entanto, não foi bem assim. Os investimentos globais estão muito abaixo donde se encontravam antes de 2008, e não existem indícios de recuperação. A redução dos investimentos provoca uma queda na taxa de crescimento da produtividade, enquanto os fundos acumulados pelas grandes corporações são canalizados para as atividades especulativas – como a recompra de ações e as fusões. As fusões são, inclusive, um mecanismo de “racionalização” (liquidação) de ativos produtivos, frente à superprodução e sobre investimento. O efeito principal da flexibilização quantitativa é a inflação dos ativos financeiros. O valor das ações estadunidenses está próximo dos máximos históricos, enquanto a atividade econômica registra o ritmo mais lento que em qualquer período anterior desde a Segunda Guerra Mundial.

Mas o impacto mais significativo do QE ocorre no mercado de bônus: cerca de 13 trilhões de dólares em bônus públicos se compram e se vendem com rendimentos negativos. Ocorre que o preço do bônus é tão alto, e seu rendimento tão baixo (os dois se movem em relação inversa), que se um investidor compra um bônus, receberia, caso ficasse com ele até o seu vencimento, um retorno negativo. Os bônus, no entanto, seguem sendo comprados com a esperança de que seu preço se elevará ainda mais, o qual levaria a obter lucros de capital em uma posterior revenda.

Esta bomba relógio poderia explodir frente a qualquer virada da política monetária. Um eventual aumento da taxa de juros desataria uma queda da cotização dos bônus e traria conectadas perdas importantes de seus tomadores, que compraram a preços muito elevados, esperando uma suba ainda maior.

As taxas de juros ultra baixas e inclusive negativas impactaram diretamente em um dos pilares do sistema financeiro global – os fundos de pensões e companhias de seguros. É que os rendimentos dos “ativos seguros”, principalmente os bônus do Estado, são tão baixos que colocam em perigo a totalidade de seu modelo de financiamento.

Um dos principais prejudicados são os bancos. Em um cenário de tipos de juros negativos, poupadores e investidores evitam realizar depósitos (deveriam pagar por isto). Estamos no mundo do avesso: são retribuídos os que pedem dinheiro e os poupadores são penalizados. Assistimos a um fenômeno inédito na história do capitalismo. Inconcebível antes da crise financeira de 2008. Quase 500 milhões de pessoas em uma quarta parte da economia global vivem em países com tipos de juros abaixo de zero. Seu significado de fundo é que existe um excesso de capital monetário (sobreacumulação) sem condições de ser convertido rentavelmente em capital produtivo. A saída a esta crise implica uma destruição em massa desse capital que flutua nos círculos especulativos. As diferentes frações capitalistas não admitiriam “concertar” essa liquidação de capitais restantes, a qual deverá, portanto, cobrar a forma de choques e antagonismos crescentes.

Os benefícios dos banqueiros estão sendo estrangulados, os mercados monetários poderiam congelar-se e os poupadores poderiam concluir enchendo seus colchões para evitar que sua entidade financeira lhe cobre por ter dinheiro. Um curto-circuito desta natureza poderia levar ao colapso do crédito, acentuando as tendências recessivas e levando a economia mundial a uma depressão.

Este desconcerto explica as reações diferentes dos distintos bancos centrais. O Banco do Japão anunciou que tentará controlar o mercado de dívida a longo prazo, que normalmente está regido pelos investidores. O objetivo é manter as taxas de juros de longo prazo em território positivo e, com isso, aliviar aos fundos de pensões, bancos e companhias de seguros, ainda que isto conspire em forma imediata com a política de estímulo à atividade econômica que vem promovendo o governo e que, de todo modo, tem resultado num fracasso. Nos últimos 22 anos, o impacto sobre o PIB real dos estímulos implementados no Japão tem sido zero – ou negativo, se adicionarmos o custo da dívida contraída. Mas o que mais estremeceu ao mercado foi a negativa de Ângela Merkel em socorrer ao Deutsche Bank caso fosse necessário.

O Banco Central dos EUA, em um sentido inverso, resolveu não aumentar a taxa de juros. Em um balanço do que ocorreu com o mercado das hipotecas em 2008, o mercado de bônus transformou-se em uma questão explosiva, com o agravante de que a crise imobiliária segue sem resolver-se e está em marcha uma nova bolha na bolsa. Os bancos centrais reconhecem que estas crescentes contradições e desequilíbrios na economia os estão deixando sem respostas nem munições.