segunda-feira, 12 de outubro de 2015

GRÉCIA: UMA DERROTA POLÍTICA

                                                                                   


Jorge Altamira



A vitória eleitoral do Syriza, no dia 20 de setembro passado, provocou rios de tinta. De um modo geral, as análises oscilam entre a denúncia da 'traição' do Syriza, por um lado, e o prognóstico, pelo outro, de que esta “traição” teria pernas curtas. Isto porque a aplicação do plano de ajuste e austeridade imposto pela Troika é inviável ou porque, inevitavelmente, deverá provocar lutas mais intensas e levantamentos populares. Estes ângulos do balanço deixam de lado a questão principal.

A vitória do Syriza se distingue porque tem sido o resultado de um malabarismo politico poucas vezes visto. Poucas semanas antes o eleitorado havia votado um rotundo NÃO ao pacote de resgate da Troika, e o fez nas condições mais difíceis que se possa imaginar, em meio a um “corralito” bancário e uma sabotagem financeira aberta feitas pelo BCE. Esta circunstância extraordinária demonstrou que a massa majoritária dos votantes era perfeitamente consciente do alcance de seu voto: a ruptura com a eurozona e a inevitabilidade da adoção de medidas anticapitalistas. O que ocorreu posteriormente é fartamente conhecido: Syriza adotou o programa dos credores, perdeu a maioria parlamentar, chamou eleições antecipadas e terminou ganhando com toda comodidade.

A chamada “traição” do Syriza é tão evidente como relativa. Em primeiro lugar, porque nunca ocultou sua posição de apoio incondicional à União Européia e ao sistema euro, e porque se trata de uma organização politicamente democratizante, ou seja, que adota as condições do Estado capitalista. A isto temos que agregar a renúncia em formar um governo independente e estabelecer uma coalizão com a direita clerical e militarista. Seu governo foi um constante recuo diante da pressão do eurogrupo, acompanhado dos pagamentos dos vencimentos da dívida externa, inclusive ao preço de confiscar os saldos líquidos de diversos organismos estatais ou para estatais, e da aceitação em grande parte das privatizações exigidas pela Troika. Finalmente, o próprio plebiscito foi claramente uma manobra de alcance limitado, pois tirava do governo a responsabilidade de rejeitar as propostas do eurogrupo e porque se reduzia a rejeição de uma proposta circunstancial. Foi a intensidade da mobilização popular pelo NÃO o que deu ao plebiscito um caráter excepcional, de nenhuma forma a proposta do Syriza.

Syriza não recolheu somente o apoio eleitoral da massa popular que votou pelo NÃO, após repudiar seus termos, o qual é por si mesmo impressionante. Conseguiu-o, além disso, após atravessar uma forte crise em sua formação política, que foi abandonada por grande parte de seu Comitê Nacional, que passou a formar a Unidade Popular, com o apoio inclusive de correntes externas ao Syriza. Unidade Popular converteu-se no porta-voz do NÃO e do chamado “programa original”do Syriza, votado três vezes: em maio, junho de 2012 e janeiro de 2015. Todas essas credenciais não lhe bastaram para ingressar nem sequer no parlamento, pois obteve uma votação inferior ao 3% exigido por lei. Em poucas semanas, Syriza foi plebiscitado duas vezes: uma vez pelo NÃO e em seguida pelo SIM. As denúncias de “traições”, os prognósticos de fracasso não chegam para explicar o ocorrido e caracterizar a relação de forças presentes.

A travessia política do governo Syriza constitui um caso típico de um governo kerenkista. A burguesia não pode governar por meio de seus partidos tradicionais, nem o proletariado é capaz de derrubar o poder capitalista. Se trata, por certo, de um fenômeno transitório, porém com uma ressalva: sua duração e sua capacidade de ação pode ser prolongada e é relativamente consistente, e pode ser uma ponte ao restabelecimento de uma forma tradicional de governo burguês., não necessariamente uma transição a um governo dos trabalhadores. Este último depende que a classe operária converta-se em revolucionária a partir de sua experiência política. Os resultados eleitorais mostram que a alternativa operária e socialista está longínqua. A vitória do Syriza é, acima de tudo, uma derrota política contundente da vanguarda operária e da esquerda combativa ou revolucionária. Nenhuma recaída na crise social pode, por si mesma, superar esta crise de direção; ao contrário, poderia reforçar uma direitização do kerenkismo ou sua substituição pela direita. No marco da bancarrota capitalista mundial, o que ocorreu na Grécia antecipa os grandes problemas que esta bancarrota coloca para a esquerda revolucionária. A direitização declarada do Podemos, na Espanha, ainda que muito longe da tragédia grega, é outra amostra do destino das convulsões populares que não são interpretadas e conduzidas pela esquerda revolucionária.

Tudo isso leva ao ponto crucial do programa de transição, ou seja da passagem que vai da bancarrota capitalista e a reação popular ao poder dos trabalhadores. O programa de transição deve ser entendido, sobretudo, como um programa de poder, e de nenhum modo como uma coleção de consignas isoladas, frequentemente sindicais. O período que vai desde maio de 2012, quando se produz a grande guinada política das massas, até o plebiscito do NÃO, em julho de 2015, colocou diferentes crises de poder, desde a proposta de um governo de esquerda, no inicio da etapa. O novo governo de colaboração de classes Syriza-Anel atravessará com toda segurança novas crises políticas, alguns meios apontam uma fração chamada “dos 53” como a nova oposição no interior do governo. Os novos cortes sociais do pacote da Troika provocarão novas lutas.


Após as convocatórias das recentes eleições, a esquerda opositora ao Syriza, incluída a própria Unidade Popular, teve que improvisar programas políticos, que não puderam superar, no entanto, o ponto do que fazer frente ao euro e a eurozona. De um lado, Unidade Popular propôs o retorno ao dracma na perspectiva de suscitar uma improvável reativação capitalista, no estilo da América Latina entre 2003 e 2009. De outro lado, os adversários da recuperação capitalista sustentam que na ausência de uma revolução simultânea na Europa, um governo dos trabalhadores deverá restabelecer uma moeda nacional, o tema que mais pesa na consciência popular. Para sair desta etapa de refluxo que provocará a derrota política sofrida pela vanguarda operária, e para preparar as condições para um ascenso político vitorioso, é necessário um programa claro: Uma Tese de Abril para as condições gregas.