Jorge Altamira
Ainda que vários
comentaristas vejam na queda dos preços internacionais do petróleo a
oportunidade para uma reativação da economia mundial, o certo é que se anuncia
um período catastrófico para numerosos países que estão sobrevivendo à crise
graças ao elevado lucro da extração mineral. Entre princípios do século e uma
data recente, o barril de petróleo havia subido de 10 a 150 dólares – com uma
recaída muito forte em 2009, até uma cotação média de 100 dólares antes da
queda a 75 dólares. Agora, o declínio, em poucas semanas, tem sido superior, em
alguns casos, a 25%. Com a exceção dos EUA, as trocas nos preços internacionais
não repercutem nos preços internos e são, portanto, inócuos para reativar o consumo
final. Ocorre que a maior parte dos governos necessitam dos impostos aos
combustíveis para fazer frente ao pagamento da dívida pública e ao resgate dos
bancos. Enquanto o preço atual continua elevado em qualquer comparação, seu
impacto negativo sobre a taxa de lucro das companhias petroleiras é muito forte
devido ao aumento dos custos que acompanhou a elevação dos preços, seja por uma
distribuição da renda entre todos os setores que intervêm na produção (serviços
tecnológicos), seja pela incorporação de jazidas que exigem processos mais
caros, seja pelo incremento dos investimentos. A queda do preço do petróleo
replica a de todas as matérias primas de minerais metalúrgicos e alimentos.
Esta guinada modifica o curso da crise mundial porque bate em cheio na
periferia, no mesmo momento em que se faz mais aguda na Europa e Japão. A
princípio, esta tendência conecta a crise mundial atual com a dos anos 30 do
século passado, a qual se caracterizou, de entrada, por uma forte crise agrária
e o colapso do comércio exterior dos países de menos desenvolvimento.
A queda do preço
internacional do petróleo é atribuída a diversos fatores: uma queda da demanda
da China e Europa, um forte aumento da produção de combustíveis não
convencionais nos EUA e até uma recuperação da produção na Líbia e no Iraque. A
crise de superprodução na China é decisiva, porque a presença econômica da
China é um fator fundamental na expansão do mercado mundial. A China se
encontra, além disso, às vésperas de uma explosão financeira. De outro lado, o
elevadíssimo lucro do setor petroleiro havia aberto espaço para a produção
custosa de gás e petróleo não convencionais nos EUA. No mercado norteamericano,
o preço do gás caiu no limite da rentabilidade. A diminuição do preço da
gasolina na bomba – o do gás para a indústria e a calefação – será ofuscado
pelo fechamento de depósitos, cuja produtividade é declinante. O boom dos combustíveis nos EUA foi
impulsionado pelas baixíssimas taxas de juros, que permitiram financiar
investimentos que para outras taxas seriam proibitivas. De algoz na luta do
petróleo, os EUA poderia converter-se em vítima, no caso de que se cumpra a
ânsia do banco central de aumentar os tipos de juros. Se isso não acontecer
pela pressão da indústria, se bloquearia o intento oficial de evitar
ordenadamente uma explosão financeira internacional.
Uma “guerra do petróleo”
Um fator essencial na
queda do lucro do setor petroleiro é, obviamente, a Arábia Saudita, a qual se
nega a restringir a oferta de combustíveis para deter a descida do preço, para
não beneficiar a seus competidores. Pode-se dizer que se estabeleceu um tipo de
guerra do petróleo entre EUA e Arábia Saudita, porque embora os
norte-americanos ainda não exportem, deixaram de importar. Os sauditas possuem lastro
para resistirem a uma guerra de preços, mas até certo ponto: apesar de
possuírem os custos mais baixos do mundo, o orçamento do Estado depende como
nunca das receitas do petróleo. Uma diminuição dos subsídios públicos
desestabilizaria a ordem política no agitadíssimo Oriente Médio.
As cadeias débeis
incandescentes desta crise são Brasil, Rússia e Venezuela. Os custos da
Petrobrás, e da PDVSA superam tranqüilamente os preços atuais do petróleo;
nestes níveis, ambas empresas são inviáveis. O problema é que, além disso, existem
dívidas gigantescas e são fontes de financiamento de Estados com dívidas ainda
maiores. As ações da Petrobrás cotizam a metade de seu pico; os brasileiros
foram advertidos desta catástrofe com bastante antecedência, quando quebrou o
aventureiro nacional e popular do Brasil, Eike Batista. Na Rússia ocorre tudo
isto com o agravante de que várias companhias internacionais abandonaram sua
associação com companhias russas, no marco das sanções da OTAN pela crise da
Ucrânia. A oligarquia russa fez causa comum com o capital internacional e há
uma fuga de capitais da Rússia em grande escala; o rubro perdeu 30% do seu
valor em três meses. Tudo isto vale também para o Equador, ou Bolívia. A crise
brasileira afetará a toda sua vizinhança. Como foi dito antes, está despencando
todo o universo das commodities e
matérias primas.
A principal
repercussão, de uma aproximação da crise mundial em curso à dos anos 30, será
sobre o comércio mundial, porque reforçará as tendências para uma autarquia
econômica, e disto para uma crise do sistema monetário internacional. A
“ascensão” do partido republicano nos EUA possui uma relevância, neste
contexto, porque é o defensor da guerra comercial. E naturalmente da guerra
interna – e aí está o juízo de Ferguson...