quarta-feira, 3 de dezembro de 2014

UMA GUINADA NO CURSO DA CRISE MUNDIAL

                                                                                                   


Jorge Altamira



Ainda que vários comentaristas vejam na queda dos preços internacionais do petróleo a oportunidade para uma reativação da economia mundial, o certo é que se anuncia um período catastrófico para numerosos países que estão sobrevivendo à crise graças ao elevado lucro da extração mineral. Entre princípios do século e uma data recente, o barril de petróleo havia subido de 10 a 150 dólares – com uma recaída muito forte em 2009, até uma cotação média de 100 dólares antes da queda a 75 dólares. Agora, o declínio, em poucas semanas, tem sido superior, em alguns casos, a 25%. Com a exceção dos EUA, as trocas nos preços internacionais não repercutem nos preços internos e são, portanto, inócuos para reativar o consumo final. Ocorre que a maior parte dos governos necessitam dos impostos aos combustíveis para fazer frente ao pagamento da dívida pública e ao resgate dos bancos. Enquanto o preço atual continua elevado em qualquer comparação, seu impacto negativo sobre a taxa de lucro das companhias petroleiras é muito forte devido ao aumento dos custos que acompanhou a elevação dos preços, seja por uma distribuição da renda entre todos os setores que intervêm na produção (serviços tecnológicos), seja pela incorporação de jazidas que exigem processos mais caros, seja pelo incremento dos investimentos. A queda do preço do petróleo replica a de todas as matérias primas de minerais metalúrgicos e alimentos. Esta guinada modifica o curso da crise mundial porque bate em cheio na periferia, no mesmo momento em que se faz mais aguda na Europa e Japão. A princípio, esta tendência conecta a crise mundial atual com a dos anos 30 do século passado, a qual se caracterizou, de entrada, por uma forte crise agrária e o colapso do comércio exterior dos países de menos desenvolvimento.
A queda do preço internacional do petróleo é atribuída a diversos fatores: uma queda da demanda da China e Europa, um forte aumento da produção de combustíveis não convencionais nos EUA e até uma recuperação da produção na Líbia e no Iraque. A crise de superprodução na China é decisiva, porque a presença econômica da China é um fator fundamental na expansão do mercado mundial. A China se encontra, além disso, às vésperas de uma explosão financeira. De outro lado, o elevadíssimo lucro do setor petroleiro havia aberto espaço para a produção custosa de gás e petróleo não convencionais nos EUA. No mercado norteamericano, o preço do gás caiu no limite da rentabilidade. A diminuição do preço da gasolina na bomba – o do gás para a indústria e a calefação – será ofuscado pelo fechamento de depósitos, cuja produtividade é declinante. O boom dos combustíveis nos EUA foi impulsionado pelas baixíssimas taxas de juros, que permitiram financiar investimentos que para outras taxas seriam proibitivas. De algoz na luta do petróleo, os EUA poderia converter-se em vítima, no caso de que se cumpra a ânsia do banco central de aumentar os tipos de juros. Se isso não acontecer pela pressão da indústria, se bloquearia o intento oficial de evitar ordenadamente uma explosão financeira internacional.

Uma “guerra do petróleo”
Um fator essencial na queda do lucro do setor petroleiro é, obviamente, a Arábia Saudita, a qual se nega a restringir a oferta de combustíveis para deter a descida do preço, para não beneficiar a seus competidores. Pode-se dizer que se estabeleceu um tipo de guerra do petróleo entre EUA e Arábia Saudita, porque embora os norte-americanos ainda não exportem, deixaram de importar. Os sauditas possuem lastro para resistirem a uma guerra de preços, mas até certo ponto: apesar de possuírem os custos mais baixos do mundo, o orçamento do Estado depende como nunca das receitas do petróleo. Uma diminuição dos subsídios públicos desestabilizaria a ordem política no agitadíssimo Oriente Médio.
As cadeias débeis incandescentes desta crise são Brasil, Rússia e Venezuela. Os custos da Petrobrás, e da PDVSA superam tranqüilamente os preços atuais do petróleo; nestes níveis, ambas empresas são inviáveis. O problema é que, além disso, existem dívidas gigantescas e são fontes de financiamento de Estados com dívidas ainda maiores. As ações da Petrobrás cotizam a metade de seu pico; os brasileiros foram advertidos desta catástrofe com bastante antecedência, quando quebrou o aventureiro nacional e popular do Brasil, Eike Batista. Na Rússia ocorre tudo isto com o agravante de que várias companhias internacionais abandonaram sua associação com companhias russas, no marco das sanções da OTAN pela crise da Ucrânia. A oligarquia russa fez causa comum com o capital internacional e há uma fuga de capitais da Rússia em grande escala; o rubro perdeu 30% do seu valor em três meses. Tudo isto vale também para o Equador, ou Bolívia. A crise brasileira afetará a toda sua vizinhança. Como foi dito antes, está despencando todo o universo das commodities e matérias primas.
A principal repercussão, de uma aproximação da crise mundial em curso à dos anos 30, será sobre o comércio mundial, porque reforçará as tendências para uma autarquia econômica, e disto para uma crise do sistema monetário internacional. A “ascensão” do partido republicano nos EUA possui uma relevância, neste contexto, porque é o defensor da guerra comercial. E naturalmente da guerra interna – e aí está o juízo de Ferguson...