sábado, 22 de março de 2014

BRASIL: UM GOVERNO SEM BASE, UMA ESQUERDA SEM RUMO


                                                                                                   

                                                  
Osvaldo Coggiola

Que as relações entre as classes tenham mudado no Brasil depois das grandes mobilizações de junho e julho passados, os “rolezinhos” que o digam, em que jovens da periferia das grandes cidades invadem os shoppings centers dos bairros “exclusivos” para fazer barulho com música funk a todo volume. Há não mais de um ano, semelhante manifestação daria lugar a uma violenta repressão policial, hoje transformaram-se em parte do cotidiano urbano. São, em geral, manifestações despolitizadas. Mais politizado, mas minoritário, é o movimento Não Vai Ter Copa (mundial de futebol), que convoca manifestações de ruas, muito reprimidas pela polícia. Que agora conta com um novo instrumento legal, a “lei antiterrorista”, impulsionada pelo governo do PT no parlamento, e redigida de tal modo que qualquer manifestação pública poderá ser enquadrada como ato terrorista. Está sendo comparada por juristas aos piores instrumentos repressivos da ditadura militar.
¿Que tem que ver a esquerda com tudo isto? Com a exceção parcial do PSTU, praticamente nada. Os “coletivos” que pululam no Brasil com essas iniciativas são “independentes”, com alguma ideologia anarquista (contra a participação eleitoral por princípio, por exemplo). Simultaneamente acontecem importantes greves (petroleiros e garis do Rio, rodoviários de Porto Alegre, bancários) em setores com sindicatos pelegos (CUT o Força Sindical), ou quase sem organização (garis). As oposições sindicais (em que a esquerda joga um papel real) são as responsáveis por esses movimentos, que em geral permanecem isolados do resto da classe operária e dos movimentos juvenis.
Frente às eleições gerais de outubro, o debate eleitoral da esquerda, por isso, está se desenvolvendo de modo artificial e desconectado das grandes lutas operárias e populares. O resultado é a dispersão eleitoral da esquerda, sob o manto de um discurso “unitário”. O PSOL, uma federação “anárquica” (no pior sentido) de tendências, além de sofrer uma hemorragia militante em favor de Marina Silva (ex ministra e candidata do eco/evangelismo) lançou a candidatura 100% capitalista do senador Randolfe Rodrigues, uma excrescência da política oligárquica do estado do Amapá. Com isso e apesar disso, e de muito mais, o PSTU lançou (continua a fazê-lo) propostas unitárias com o único objetivo de conseguir uns votinhos a mais para seu próprio candidato, o dirigente da Conlutas (mini central sindical de esquerda) Zé Maria. O PCB, por sua vez, lançou a candidatura de aparato e para marcar presença de um professor desconhecido. E todos, claro, falam da “unidade da esquerda”. Não faltam, por outro lado, os esquerdosos (e até alguma seita inominável) que qualificam aos jovens que se manifestam contra a Copa e seus gastos faraônicos de “instrumentos da direita” (sem falar da superexploração dos operários que constroem os estádios, já com sete mortos).
O divórcio da esquerda dos movimentos de luta, o maior desde o fim da ditadura militar, remonta às “jornadas de junho”, que a esquerda, inicialmente, desertou. Quando, tardiamente, se somou à juventude em luta, não o fez com palavras de ordens antigovernamentais, mas sim… em defesa de si mesma (depois de haver sido recebida com pontapés e coros de “oportunistas”). Para piorar a coisa, se é possível, o fez organizando colunas em comum com o PT (ou seja, com o governo).
Uma esquerda que apostou todas suas fichas no desgaste do governo do PT, sobretudo com a crise mundial, vê agora esse desgaste consumar-se sob seus narizes, enfrentando a perspectiva imediata de seu pior isolamento político e eleitoral. Nenhuma esquerda classista existirá no Brasil sem o balanço desse fracasso político, mas por ora o único que temos é uma integração maior à política burguesa (PSOL, e os ex PSOL que estão com Marina Silva) ou uma insistência na autoconstrução e autoproclamação sectária (PSTU, para nomear ao único que possui uma relação real com a vanguarda operária).

Mas, o desgaste do governo continua. As perspectivas econômicas são sombrias, como para todos os “emergentes”: o grande capital financeiro “vota com os pés” (se racha cada vez mais) pese a que o governo satisfaça todas suas exigências (lucros recorde para o setor financeiro). A perspectiva de uma bancarrota econômica está no horizonte. Uma parte da coalizão governamental já abandonou o barco (o PSB, que se uniu aos trânsfugas comandados por Marina Silva). A novidade, agora, é que o PMDB, dono do maior bloco parlamentar (e do maior número de governadores e municípios) está ameaçando sair da base política do governo (já reduziu de 16 para 5 suas alianças com o PT nos estados). E não é mistério que a proposta do PMDB, para manter a aliança nacional com o PT, é adonar-se de parte do leão do futuro governo de Dilma Roussef (que, por ora, encabeça as pesquisas eleitorais). Um impasse econômico e uma crise política gigantesca frente a que, por ora, a esquerda joga um papel marginal, ou até de bombeiro. A reconstrução de uma esquerda política classista passa por um balanço sem concessões de sua política presente.