Osvaldo Coggiola
O quarto mandato presidencial do PT começou sob o signo: a)
da crise econômica e política; b) da tentativa de orquestrar um ataque estrutural contra
as conquistas trabalhistas e as condições de vida dos assalariados brasileiros,
com vistas ao “equilíbrio fiscal” e ao rebaixamento do “custo Brasil”
(recuperação da taxa de lucros), supostamente para gerar uma nova corrente de
investimentos externos e internos. As condições para enfrentar as primeiras e
desferir o segundo estão fortemente condicionadas pelo processo e os resultados
eleitorais de 2014.
No ano passado, as previsões oficiais de crescimento
econômico (1% do PIB) não ocultaram as previsões mais realistas do “mercado”,
que anteciparam certeiramente um retrocesso econômico (queda do PIB per capita,
com 0,1% de crescimento). As exportações de manufaturados (base principal da
produção industrial) se situaram em 2014 em US$ 6 bilhões abaixo de 2008, um
retrocesso absoluto de 17%. A balança comercial teve um déficit de US$ 3,93
bilhões, o primeiro em 14 anos. O déficit comercial em bens industriais
(importações/exportações de bens manufaturados) subiu 150% em cinco
anos de suposta “não crise” (só Arábia Saudita fez pior na economia mundial –
graças à sua monstruosa renda petroleira, se ne frega, por enquanto).
Nas condições de crise mundial, a reprimarização da economia
brasileira está cobrando seu preço. Como apontou um economista da Consultoria
LCA, “as cotações recentes do real, das ações na Bolsa e dos títulos públicos
de longo prazo já são negociadas como se o Brasil não fosse mais um país com
grau de investimento” (um “título” habilitante para investimentos externos, que
os órgãos financeiros internacionais lhe conferiram em 2008). O capital mundial
lhe está baixando o polegar ao país, o movimento típico prévio à fuga maciça de
capitais, e ao consequente default.
Entre Black Bloc e Black Rock
Os indicadores industriais de produção, faturamento, uso da
capacidade instalada, etc., embicaram para baixo. A ausência de investimentos
(estatais ou privados) levou à crise os dois setores básicos da sobrevivência
social: água e energia. Já estão sendo realizados rodízios em ambos os setores,
em previsão de um apagão. Brasil desperdiça 37% de sua água tratada (na Europa,
esse índice se situa entre 7% e 10%). Quanto à energia, o novo ministro de
Minas e Energia, Eduardo Braga, literalmente encomendou-se a Deus (que seria,
como se sabe, brasileiro). As distribuidoras de energia (setor privatizado pelo
“neoliberalismo” tucano, o PT se limitou a “regula-lo”, com os resultados que
agora se constatam) estão em situação falimentar. Para evitar cortes imediatos
de fornecimento, o governo teve de entrar com empréstimos diretos (70% do
auxílio às empresas geradoras e distribuidoras de energia foi realizado através
de bancos públicos) e também como fiador de empréstimos em bancos privados.
Nacionalizar todo o setor (“produtores” e distribuidores), que está saqueando a
população e afundando o país, nem pensar.
O episódio eleitoral de 2014 ficou marcado inicialmente pela
inesperada ascensão eleitoral de Marina Silva, cuja única “proposta concreta”
era a de um governo “técnico”, isto é, um “governo com as melhores cabeças do
país”, qualquer que fosse sua origem político-partidária ou não partidária. Que
semelhante engendro (um não partido + uma não proposta) chegasse a encabeçar as
sondagens eleitorais foi um índice da falência do sistema político brasileiro,
isto é, da crise da chamada “transição política”. A tendência quase foi
encampada pelo PT, que chegou a cogitar em propor Lula como chefe da Casa Civil
(transformado numa espécie de primeiro ministro), como garante do poder e
governo de fato, transformando Dilma numa rainha de Inglaterra com data de
validade, uma “aventura” híbrida de presidencialismo parlamentarista (ou
parlamentarismo presidencialista). Não foi necessário, pois, carente de solidez
e sem mais recursos que alguns despautérios reacionários primários dirigidos à
sua base eleitoral evangélica, a candidatura de Marina acabou caindo, considerada
como uma aventura política por boa parte do empresariado.
Em um contexto de inflação crescente, para “salvar a
economia” até as eleições gerais o governo petista apelou novamente para a
receita da catástrofe: afrouxamento das regras financeiras (encaixes e
depósitos compulsórios dos bancos) para incrementar ainda mais o crédito ao
consumo, em condições de default potencial no consumo privado (63% das famílias
estão endividadas, uma percentagem que é bem maior nas grandes cidades, com um
20% do total das famílias, ou 33% dos endividados, em situação de atraso ou
inadimplência).
Em agosto de 2014, o Banco Central reduziu em R$ 15 bilhões
o capital mínimo exigido para as operações bancárias, o que se somou ao corte
de R$ 10 bilhões realizado em julho: com isso, os bancos puderam adicionar ao
sistema de empréstimos a bela soma de R$ 225 bilhões, nove vezes o valor
subtraído do capital mínimo exigido pelas normas de “regulação” financeira, uma
verdadeira “fuga para frente” que não resolve nenhum problema estrutural. No
balanço econômico dos primeiros quatro anos de Dilma, o crescimento acumulado
do PIB caiu de 19,6% para 7,4% (uma redução de 60% em relação a Lula I e II); a
taxa de inflação acumulada aumentou de 22% para 27% (aumento de 20%); o déficit
acumulado em conta corrente pulou de 98,2 bilhões de dólares para 268 bilhões
da mesma moeda, um aumento de 170%. A política capitalista está levando o
Brasil para um buraco fundo de sua história econômica.
No entanto, na ausência de um ativismo popular independente,
as eleições foram confinadas a uma disputa entre os setores dominantes. O
empresariado fez mais doações à campanha pela reeleição de Dilma Rousseff (R$
300 milhões) do que à do governador mineiro Aécio Neves. Esse fator foi
decisivo: os votos derivados do “Bolsa Família” são considerados estáveis (27
milhões, aproximadamente) e perfazem só metade do eleitorado que deu a vitória
ao PT. Além da estabilidade política, a grande patronal levou em conta que, em
matéria de repressão (militarização e prisões, “lei antiterrorista” em
andamento parlamentar) o governo petista superou todos seus predecessores, com
a vantagem adicional de que o partido controla a principal central sindical (a
CUT) e tem laços com os movimentos populares, ou seja, um poder de cooptação de
lideranças bem superior ao dos tucanos.
Dilma Rousseff, além disso, anunciou com significativa
antecedência que abriria mão, em um segundo mandato, da equipe econômica
precedente. Buscou, desse modo, absorver a pressão dos "mercados",
cuja principal preocupação era que o Banco Central tivesse a capacidade de
honrar o pagamento da dívida externa e aumentar os “incentivos” para que o
capital especulativo não escapasse do país. Entre os “incentivos” não figuram
somente o congelamento de salários e a redução dos gastos sociais. Um lugar
importante é ocupado pela liberalização do comércio exterior e a mudança da
política para o petróleo. Os esforços do governo para assinar um acordo de
livre comércio com a União Europeia, para debilitar o Mercosul e assim
“liberar” a política brasileira da argentina, foram bloqueados pelo governo
platino, oposto a essa política (como também o é o governo do Uruguai).
Na questão do petróleo, o governo Dilma enfrentou a pressão
para que a Petrobras atendesse os interesses de seus acionistas privados
(aumento do preço da gasolina e uma política de maiores lucros e distribuição
de dividendos) e desse mais espaço para as empresas petrolíferas internacionais
na exploração da plataforma marítima (pré-sal). A ascensão eleitoral inesperada
da oposição do PSDB (candidatura de Aécio), na última fase da campanha,
respondeu a essa tendência capitalista. A oposição tucana está contra o regime
de partilha na exploração do petróleo e contra a legislação que obriga a
presença da estatal em todos os poços em exploração, na intenção de abrir mais
a exploração ao capital estrangeiro. A redução dos investimentos da petroleira
liberaria também mais capital para a distribuição de dividendos aos acionistas
privados externos da Petrobrás, nucleados basicamente nos fundos de pensão
norte-americanos e no fundo de investimentos Black Rock.
Nessas condições, os projetados vinte anos de governo
petista, que alguns sociólogos chegaram a qualificar como “lulismo”, reedição
“modernizada” e “democrática” dos vinte anos varguistas, ameaçaram afundar. O
governo petista, diante disso, se pronunciou rapidamente em favor de atender as
reivindicações petroleiras do grande capital, e mandou às favas as promessas
feitas logo depois da explosão social de junho-julho de 2013.
Eleição e Petrolão
O resultado eleitoral de outubro, por isso, não expressou a
rebelião popular de 2013. Ficaram nos primeiros lugares os agentes políticos
principais das classes dominantes. Abriu-se, nessas condições, uma nova
transição política e um período de crise. No primeiro turno, a proximidade dos
votos das candidaturas da situação e a da oposição, 41,5% para Dilma (quase 47%
em 2010) contra 33,6% do PSDB (32,6% há quatro anos), com Marina Silva indo de
19,3% para 21,3%, expressou uma derrota política do governo. Embora vencendo
nos estados de Minas Gerais e de Bahia, ele foi severamente derrotado em São
Paulo e Rio Grande do Sul, este último um marco da ascensão eleitoral do PT nas
últimas décadas do século passado. Dilma Rousseff obteve a menor proporção de
votos majoritários desde que Lula ganhou a presidência em 2003.
As eleições não traduziram a revolta popular de 2013 contra
os aumentos das tarifas de transporte e o colapso dos serviços públicos
essenciais. Os partidos e coligações se beneficiaram desproporcionalmente das
contradições do movimento popular, em cujo seio opera a burocracia sindical, em
especial a governista CUT; o oportunismo eleitoral de um setor da esquerda, que
tem somente olhos para o carreirismo parlamentar; a debilidade dos setores
classistas nos sindicatos e na juventude. Sob estas condições, as eleições
funcionaram como um espelho distorcido da realidade. As sondagens eleitorais
privadas e os meios de comunicação, mais uma vez, mostraram seu caráter
manipulador, rebaixando e levantando as chances de cada candidato, de acordo
com as circunstâncias e conveniências das classes dominantes. A volatilidade
pré-eleitoral foi um forte sinal da enorme desconfiança do eleitorado diante
das opções apresentadas.
Confirmaram assim sua hegemonia política as forças
responsáveis pela recessão - especialmente as demissões e suspensões na
indústria automobilística - a inflação e o aumento do desemprego industrial.
Dilma Rousseff começou seu segundo mandato depois de vencer o 2º turno com
51,6% dos votos. Nas eleições presidenciais anteriores, Lula havia obtido 61,3%
e 60,8% (2002 e 2006) e a própria Dilma, 56% (2010) dos votos, no segundo
turno. No berço histórico do PT, o ABC paulista, Dilma foi derrotada. Depois da
vitória eleitoral, sua primeira medida foi aumentar as taxas de juros, para
“acalmar os mercados”, isto é, aumentar a dívida pública. O capital financeiro
já tem uma taxa de lucro entre 40% e 50% maior que a média dos lucros do país.
A segunda foi oferecer o ministério da Fazenda ao presidente do Bradesco, que
rechaçou a oferta.
A hegemonia política reacionária se encontra em descompasso
com a situação econômica do país. A dívida pública do Brasil supera 60% do PIB;
pior ainda é a situação da dívida privada, que está perto de 100% do PIB. Em
que pesem os superávits primários que totalizaram, entre 2002 e 2013 e em
valores correntes, R$ 1,082 trilhão, a dívida interna pulou para quase três
trilhões de reais (US$ 1,2 trilhão). Nesse quadro, a entrada de capital
especulativo para aproveitar a diferença das taxas de juros brasileiras com as
dos mercados internacionais tem sido extraordinária nos últimos anos, mas agora
enfrenta uma reversão de tendência. A fuga de capitais já resultou em uma
desvalorização do real muito significativa, da ordem de 30%.
O medo da fuga de capitais exerce uma enorme pressão sobre a
taxa de juros no Brasil, que por sua vez tem um impacto negativo sobre o
financiamento da indústria e sobre o crédito ao consumo, que se encontra em
níveis muito altos. A propalada "ascensão social para a classe média"
é uma consequência do endividamento sem precedentes das famílias de todas as
classes sociais. O Brasil pós-eleitoral é o do ajuste mais ajustado e o da
acentuação do conflito de classe. A filiação petista da presidente esconde o
verdadeiro caráter do seu governo, que é, em primeiro lugar, uma aliança do PT
com o PMDB, o partido eleitoralmente mais importante do país, criado sob a
ditadura militar, e, por outro lado, com a direita evangélica, o que impõe à
coalizão oficial uma agenda clerical e confessional. Os votos obtidos pela
situação foram expressão dessa coalizão. O chamado "governo do PT" é
um eufemismo, que ajuda a ornamentar essa coalizão com enfeites progressistas.
Os acontecimentos mais marcantes de corrupção durante a administração petista
estão relacionados com a necessidade de manter uma frente que possibilite uma
maioria parlamentar.
O escândalo de corrupção da maior empresa do país, a
Petrobrás, a chamada Operação Lava Jato, adquiriu dimensões imprevistas. O
“mensalão” havia sido definido como “o maior” e “o último” dos escândalos de
corrupção; o da Petrobrás lhe tirou, com folga, ambos os títulos. O esquema de
propinas multimilionárias para a concessão de contratos públicos envolve as
nove maiores empresas construtoras do país (Camargo Correa, Engevix, Galvão,
Mendes Júnior, IESA, OAS, Odebrecht, Queiroz Galvão e UTC) que já têm vários
diretores presos. Os beneficiários, os diretores da empresa estatal, desviavam
as propinas para as contas dos partidos da coalizão de governo (PT, PMDB, PP, e
algum outro da “base aliada”) e, claro, até suas próprias contas. Não é
necessário dizer que as propinas eram repassadas pelas empreiteras às contas
(superfaturadas) das obras contratadas, configurando um esquema conjunto de
saque multimilionário dos cofres públicos.
O banco Morgan Stanley calculou que as perdas da petrolífera
devido ao esquema seriam de R$ 21 bilhões (pouco menos de US$ 10 bilhões). As
empresas envolvidas no esquema corrupto demitiram mais de 12 mil trabalhadores
em menos de dois meses, sem indenização, e deixando inconclusas enormes obras
em andamento (Comperj, no Rio de Janeiro; Refinaria Abreu e Lima, em
Pernambuco). Um dos funcionários da Petrobras comprometidos, o aposentado Pedro
Barusco, ex Diretor de Serviços (um cargo de segundo ou terceiro escalão),
apresentou-se espontaneamente à polícia, comprometendo-se a devolver, de seu
bolso, US$ 100 milhões, R$ 250 milhões (mas não os juros, lucros, produzidos
por esse dinheiro nos últimos doze anos). Se esse foi o lucro de um
“coadjuvante”... Este é o partido e o governo cuja vitória eleitoral os
“progressistas” de toda a América Latina definiram como “continuidade do
processo de mudança”.
A Petrobrás (cujo valor de mercado caiu de R$ 410 bilhões em
2011 para R$ 160 bilhões) é responsável por 10% da arrecadação de impostos do
país: o escândalo terá impacto nas contas públicas. Em torno da Petrobras, além
disso, gira a indústria da construção naval, a construção pesada e outros
segmentos importantes da economia brasileira. As nove empresas (o “cartel”)
faturaram, em 2013, R$ 33 bilhões com contratos públicos, financiaram
candidatos a deputados com R$ 721 milhões, e candidatos a senadores com R$ 274
milhões (em 2010): 70% dos congressistas eleitos em 2014 receberam doações das
grandes empresas. O “clube”, ao que parece, tinha dezesseis sócios fixos, e
seis empresas “ocasionais”.
O juiz envolvido na causa declarou que o “cartel” operava
desde “pelo menos” há quinze anos, quando o governo (e a Petrobras) estava nas
mãos do PSDB. O “propinoduto” é um “modelo (histórico) de negócios”. O
intermediário do esquema (Alberto Youssef) já havia estado preso em 2003 (e
outras vezes) por crimes semelhantes, e está metido em outros escândalos
menores que beneficiaram o PSDB. O papel do “doleiro”, neste e outros
escândalos (como os de Marcos Valério), é enviar dinheiro para ser aplicado no
exterior sem pagar impostos; entrar com milhões de dólares para pagar as
propinas, que não saem dos caixas oficiais das empresas, mas de suas offshore,
utilizadas para fraudar o fisco e dar segurança aos recursos ilícitos; driblar
o sistema monetário nacional, que controla a compra e venda de moedas
estrangeiras, criando um mercado negro de compra e venda de dólares e euros.
Nesse contexto de crise, os resultados das recentes eleições
presidenciais merecem uma segunda leitura: a de que consagraram a um candidato
da oposição (Aécio Neves), com 49% dos votos, como alternativa “legítima” em
caso de crise institucional e de eleições antecipadas. Isto tem seu correlato
nos outros escalões governamentais que foram submetidos ao escrutínio
eleitoral. Os cinco estados comandados doravante pelos tucanos tiveram, em
2013, uma arrecadação de R$ 545 bilhões; os cinco estados do PT, só R$ 114
bilhões; os sete estados do PMDB (o “aliado” vira casaca por excelência do PT),
R$ 288 bilhões. O PT elegeu sua menor bancada de deputados federais (70) desde
2002 (quando elegeu 91 deputados). Nas assembleias estaduais, enquanto o PMDB
praticamente manteve seus eleitos em relação a 2010 (142, contra 149 naquele
ano), o PT caiu de 148 para 108 eleitos. O PT perde fôlego, enquanto crescem
siglas neonatas absolutamente manipuláveis pela burguesia (que as financia
100%).
Petróleo e Crise
Na primeira votação parlamentar depois da reeleição de
Dilma, a proposta do governo de submeter as “decisões governamentais de
interesse social” à opinião de conselhos populares, a presidente reeleita
sofreu uma derrota acachapante, com base na oposição conjunta PMDB-PSDB. Não há
porque duvidar que essa aliança podre será repetida na votação acerca do debate
da reforma política, para a qual o governo propõe um plebiscito (um meio
antidemocrático) e o PMDB uma votação parlamentar seguida de um referendo (um
meio mais antidemocrático ainda).
A negativa do presidente do Bradesco em assumir a Fazenda,
por outro lado, não foi um caso isolado: o PMDB, o principal partido da base
aliada do governo, propôs para presidente da Câmara seu deputado Eduardo Cunha,
que apoiou abertamente o opositor Aécio Neves no segundo turno. Tarso Genro
interpretou essa proposta como primeiro passo em direção da ruptura da aliança
governamental. Desenvolve-se assim uma crise política que marca, logo de cara,
o novo mandato presidencial.
Só com muita ingenuidade seria possível afirmar, como foi
feito, que “a Operação Lava Jato encerra definitivamente o ciclo de impunidade
do modelo político em vigor”. A “esquerda”, porém, denunciou um golpe
judiciário em andamento, sem ousar, como sempre, dar nome aos bois. Saudou, ao mesmo
tempo, a “corajosa” decisão da Presidente em ir fundo nas investigações (mas
não era um golpe?). Na sua vertente “intelectual” e sabidinha, afirma que a
corrupção faz parte dos mecanismos do Estado capitalista, desculpando
objetivamente os corruptos (petistas ou não); afinal, os culpados não são eles,
mas o Estado (quem é que resiste a uma boa mamata? Afinal, “ninguém é de
ferro...”).
O papel da esquerda (do PT ou de fora dele, que se situa
nessa seara argumentativa) é o de ocultar, até com argumentos “marxistas” (o
tal do Estado que corrompe até os santos), o papel da corrupção como elemento
central da política de aliança estratégica do PT com a burguesia, e até de
integração social da burocracia petista e/ou cutista nas fileiras da própria
burguesia. A argumentação de que a denúncia da corrupção favorece à direita (Veja,
Globo e outros) e ao imperialismo (feita inclusive por gente que, noutros
fóruns, declara que o conceito de imperialismo carece de atualidade teórica)
retrata uma esquerda que já perdeu até a noção mais elementar do que algum dia
justificou sua existência. E, em alguns casos, encobre as mamatas grandes para
preservar suas próprias mamatinhas...
O escândalo do “petrolão” tem um pano de fundo
potencialmente catastrófico. Ainda que se afirme que a queda dos preços
internacionais do petróleo seria a grande oportunidade para uma reativação da
economia mundial, na verdade o que se anuncia é um período catastrófico para os
países que sobrevivem à crise graças ao elevado lucro da extração mineral em
geral. O barril de petróleo havia subido até 150 dólares – com uma recaída
muito forte em 2009, que levou até uma cotação média de 100 dólares antes da
queda para 75-55 dólares. O declínio dos preços foi superior, em alguns casos,
a 25%. A mudança nos preços internacionais repercute pouco nos preços internos,
sendo inócua para reativar o consumo final. A maior parte dos governos do mundo
precisa dos impostos aos combustíveis para fazer frente ao pagamento da dívida
pública e ao resgate dos bancos.
A queda de preços tem um impacto negativo sobre a taxa de
lucro das companhias petroleiras, devido ao aumento dos custos que acompanhou
previamente a elevação dos preços, pela distribuição da renda entre todos os
setores que intervêm na produção, pela incorporação de jazidas que exigem
processos mais caros, ou pelo incremento dos investimentos. A queda mundial do
preço do petróleo replica a de todas as matérias primas, dos minerais e dos
alimentos. Esta guinada modifica o curso da crise econômica mundial porque bate
em cheio na periferia, no mesmo momento em que a crise se faz mais aguda na
Europa e no Japão.
A queda do preço internacional do petróleo foi atribuída à
queda da demanda da China e Europa, ao forte aumento da produção de
combustíveis não convencionais nos EUA, e até a uma recuperação da produção na
Líbia e no Iraque. A crise de superprodução na China, motivadora da queda, é
decisiva, porque o país é um fator fundamental na expansão do mercado mundial.
A China se encontra, além disso, às vésperas de uma explosão financeira. O
elevadíssimo lucro do setor petroleiro havia aberto espaço para a produção
custosa de gás e petróleo não convencionais nos EUA. No mercado
norte-americano, agora, o preço do gás caiu para o limite de rentabilidade de
sua exploração. A diminuição do preço da gasolina – e o do gás para a indústria
e a calefação – é anulada pelo fechamento de jazidas, cuja produtividade é
declinante. O boom dos combustíveis nos EUA foi impulsionado pelas baixíssimas
taxas de juros, que permitiram financiar investimentos que com taxas de juros
maiores seriam proibitivas.
Os elos fracos da crise petroleira internacional são Brasil,
Rússia e Venezuela. Os custos da Petrobrás e da PDVSA superam os preços
internacionais atuais do petróleo; nestes níveis, ambas as empresas seriam
inviáveis. O problema é que, além disso, possuem dívidas gigantescas e são
fontes de financiamento de Estados com dívidas ainda maiores. As ações da
Petrobrás cotizam em menos da metade de seu pico; o país foi advertido da
catástrofe em andamento com antecedência, quando foi à falência o aventureiro
capitalista de Lula-Dilma, o inefável Eike Batista, vendedor de vento que,
segundo The Economist, foi “o homem que mais dinheiro ganhou com o power
point depois de Bill Gates”.
A crise petroleira mundial se projeta na tela do declínio
acentuado da economia nacional, acrescentando um componente explosivo. O
resultado fiscal primário acumulado de 2014 (R$ 10 bilhões) foi o pior desde
1997. O rombo das contas públicas (déficit público) atingiu 5% do PIB em 2014,
o maior nível desde 2003. O déficit comercial e em conta corrente são os piores
dos doze anos de “governo popular”. O déficit das contas externas alcançou 3,7%
do PIB, 83,56 bilhões de dólares, um nível que não era alcançado desde 2001-2002
(quando da crise da Argentina) que, naquele momento, derrubou o governo de FHC.
Setores graúdos do grande capital começaram por isso a
propor uma mudança de eixo econômico externo. Luiz Alfredo Furlan,
representante do agronegócio (e ex-ministro de Lula) propôs abertamente a saída
do Brasil do Mercosul e a assinatura de acordos bilaterais com os EUA e a UE, o
que também propõe Celso Lafer, ideólogo “internacional” do PSDB. Vai se
formando um consenso. O PT busca adaptar-se a ele, anunciando medidas de ajuste
violentas (um “sistema único do trabalho”, que libera as demissões e a
flexibilização trabalhista). E manipula as contas fiscais (“contabilidade
criativa”) para assegurar o pagamento da dívida externa, que está comprometido,
em especial devido à dívida privada.
A virada à direita do governo Dilma tem essa base. A defesa
do governo (e de sua vitória eleitoral) feita pela “esquerda”, com base no
sucesso dos programas sociais “focados”, se revela a folha de parreira de sua
própria miséria política. Uma pesquisa realizada pela UnB-Ipea, com base no
cruzamento de dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) e das
declarações de Imposto de Renda de Pessoas Físicas, demonstrou que a
“desigualdade social” no Brasil, ao contrário do que foi amplamente alardeado,
não diminuiu nos últimos anos. Os 50% mais pobres da população detêm apenas 10%
da renda, e se forem considerados os 90% mais pobres, eles são detentores de
aproximadamente 40% da renda.
Isto significa que os 10% “mais ricos” da população detém
60% dos ingressos, e se avançarmos até o topo, verifica-se que 0,5% da
população detêm 20% da renda nacional. Contrariando toda a propaganda dos
governos petistas, aceita tanto pela “oposição de direita” como pela
“esquerda”, a desigualdade social se manteve estável durante a era Lula-Dilma,
apresentando ligeira tendência a aumentar. Sem falar em que basta olhar ao
redor para constatar as péssimas condições de vida da imensa maioria da
população brasileira, que nas últimas décadas não avançou, pelo contrário, em
matéria de saneamento básico, saúde ou educação, uma deterioração que foi o
detonante das jornadas de junho de 2013.
Mas, isto é decisivo, a virada tem lugar em condições de
crise política. Na véspera da posse do novo governo, a 1º de janeiro, mais de
um terço do gabinete (15 de 39 ministros) não tinha sido ainda nomeado, e era
disputado a pauladas pela “base aliada” (a disputa continua, em que pesem as
nomeações). A 31 de dezembro, “Dilma II” era ainda um governo sem governo, sem
gabinete. Dilma só conseguira tomar a providência básica de dar garantias ao
grande capital mediante as nomeações nas pastas de Fazenda e Planejamento (Levy
- Barbosa).
O anúncio da equipe econômica do novo governo recebeu as
boas vindas do grande capital. Joaquim Levy já foi apelidado de "mãos de
tesoura" pela sua febre ajustadora. Entre 2010 e 2014 foi presidente do Bradesco
Asset Management, gestora de ativos do Bradesco, que administra mais de 130
bilhões de dólares. Na Universidade de Chicago foi discípulo do time de Milton
Friedman, o velho chefão dos “Chicago Boys” e pai declarado do neoliberalismo
mundial. Como responsável político no Fundo Monetário Internacional (entre 1992
e 1999), Levy foi advogado de programas de austeridade nos mais diversos países.
Durante o governo FHC, Levy atuou como estrategista econômico, envolvido na
privatização de empresas públicas e na liberalização do sistema financeiro, que
facilitou a fuga 15 bilhões de dólares anuais. Levy é um membro eminente da
oligarquia financeira do Brasil.
Em outra pasta estratégica, Kátia Abreu, no ministério da
Agricultura, "miss moto serra", sustenta que o latifúndio não existe
no Brasil. Foi dirigente da Confederação Nacional de Agricultura e, desde
Tocantins, é agente do lobby da soja. Kátia foi a coordenadora da repressão
sangrenta dos últimos anos aos sem terra em luta, aos indígenas, ribeirinhos,
quilombolas, etc., e já anunciou que vem mais por ai. Para Indústria e Comércio
foi nomeado Armando Monteiro, que apoiou Aécio Neves, é ex presidente da CNI
(Confederação Nacional da Indústria). O índice Bovespa, exultante, saudou o
gabinete de Dilma com uma elevação de 5%; o novo governo recebeu a calorosa
aprovação doFinancial Times, do The Economist, de O Estado de S.
Paulo (“A dupla Levy-Barbosa na Fazenda-Planejamento mostra que Dilma
enfim cedeu às circunstancias”, comentou o jornal dos Mesquita) e até da Veja (“caiu
a ficha”, celebrou o semanário terrorista dos Civita).
Economia de Choque
Os gastos com juros da dívida pública já se aproximam de R$
300 bilhões. Com base nisso, depois de um déficit de 0,6% em 2014, Levy
prometeu terminar 2015 com um superávit fiscal primário de 1,2% do PIB (R$ 66
bilhões), tendo o ajuste fiscal como chave mestra, garantindo o pagamento da
dívida pública e da dívida externa (esta com compromissos de US$ 102 bilhões em
2015, 62% maiores que os de 2014), e também a “confiança” do capital externo,
com um forte ajuste social: recortar os planos sociais, atacar as
aposentadorias e pensões, eliminar direitos trabalhistas e rebaixar os salários
reais. O primeiro pacote de aumento de taxas, já aprovado, prevê elevar a
arrecadação em R$ 20,6 bilhões (7% do montante pago anualmente em juros) e
comporta aumento dos impostos ao consumo e ao crédito (o IOF às operações de crédito
dobrou, passando de 1,5% para 3% anual, mantendo-se o adicional de 0,38% por
operação). Os aumentos das taxas aos setores de combustíveis, cosméticos e
importados serão imediatamente repassados, também, ao consumidor, comportando
de imediato um aumento de 8-9% sobre a gasolina. O PIS e Cofins dos importados
passou de 9,25% para 11,75%.
Em menos de um mês, o ajuste fiscal já chegou quase a R$ 46
bilhões, entre cortes de gastos e aumento de impostos. O “realismo tarifário”
já anunciou um aumento de 30% no preço da energia (luz), elevando o IPCA
(inflação). No entanto, a política monetária promete ser anti-inflacionista
mediante o aumento da taxa de juros, compensando a situação complicada da
indústria (que perfaz hoje 15% do PIB, contra 23% em 1978) mediante a
desvalorização do real (para favorecer as exportações), uma política que os
trabalhadores pagarão com a elevação dos preços internos (carestia) e
aprofundamento da recessão econômica (desemprego).
A prioridade anunciada por Levy é a de cortar e retalhar
investimentos públicos, pensões, pagamentos por desemprego e salários do setor
público. Mas ele não inventou essa política, apenas lhe da uma continuidade
“radical”. No Legislativo, estão desde 2014 na agenda projetos de criação de
fundações públicas de direito privado (desmonte do setor público), de limitação
do investimento público com pessoal e de demissão por “insuficiência de
desempenho”. Sob o pretexto de "estabilizar a economia" (para os
grupos financeiros) Levy desestabiliza a economia de dezenas de milhões de
trabalhadores. Levy eventualmente mexeria nos impostos aos assalariados, as
taxas e alíquotas atualmente existentes. Nos últimos anos, o descompasso entre
a tabela do IR e a alta da inflação pôs salários cada vez menores na base da
arrecadação fiscal: muitos assalariados conquistaram reajustes salariais que
implicaram a queda de seu salário líquido, ao entrarem em faixa superior da
tabela. Dilma, no entanto, vetou a pífia correção da tabela votada no Congresso
(6,5% do imposto pago).
Está colocada, objetivamente, uma luta pela eliminação
do Imposto de Renda sobre os salários, até determinado montante. No Brasil, por
outro lado, mais da metade da arrecadação fiscal provém da tributação indireta,
chamada de tributação sobre o consumo. A maior alíquota do Imposto de Renda da
Pessoa Física (27,5%) é alta em relação aos rendimentos recebidos pelos
assalariados e pela classe média.
Na outra ponta, fatia significativa das rendas de sócios e
acionistas beneficiários de lucros e dividendos das empresas não se submete à
tabela de incidência do Imposto de Renda, pois a partir de 1996 esses ganhos
tornaram-se “rendimentos isentos e não tributáveis”. Também não se submetem à
tabela do Imposto de Renda os beneficiários de aplicações financeiras, para as
quais estão previstas diferentes alíquotas, sempre inferiores às aplicadas aos
assalariados, chegando-se em alguns casos até a isenção. Atualmente, a
tributação sobre a renda salarial representa cerca de um terço da arrecadação
(em 2000 respondia por 25% do total). A tributação sobre o patrimônio não
ultrapassa os 4%, o que é uma levedura para a concentração de riqueza. Os
fluxos de capital desregulado e livre de tributação aprofundam a regressividade
fiscal do Brasil. As pequenas alterações na composição da carga de tributos
realizadas por Lula-Dilma não foram nem de perto suficientes para uma reversão
desse quadro. Taxar progressivamente as grandes fortunas e os rendimentos
financeiros (excluindo da taxação os pequenos poupadores), eliminar as taxas
aos salários: eis um objetivo de luta para o conjunto dos trabalhadores.
Sob o pretexto de combate à corrupção, o seguro-desemprego,
a pensão por morte, e outros benefícios sociais básicos, terão sua concessão
tornada muito mais difícil. O novo ministro de Trabalho Manoel Dias atribuiu as
medidas à “segurança fiscal do governo”. O alto índice de rotatividade
existente na economia brasileira torna particularmente podre a ampliação do
prazo de carência do seguro-desemprego, de seis meses para 18 meses.
Trabalhadores demitidos com menos de um ano e meio de registro na carteira
deixarão de ter direito ao benefício, em nome da tal “segurança”. Essas medidas
permitirão ao governo economizar migalhas no orçamento, ao passo que
transformarão em verdadeiro inferno a vida cotidiana de centenas de milhares de
famílias que dependem desses benefícios para sobreviverem.
A desoneração da folha de pagamentos, praticada em especial
desde 2008, não reverteu a política de demissões, ao contrário, acentuou-a. Um
cruzamento de dados recente (Valor Econômico) demonstrou que R$ 5,5 bilhões
(23,1% de um montante impositivo de R$ 23,8 bilhões sobre a indústria) deixaram
de ser pagos por setores empresariais que demitiram mais do que contrataram
desde 2012. E Levy propõe, não só manter as desonerações, mas também aprofundar
as facilidades para demitir. A capacidade instalada da indústria está em seu
pior nível de utilização média desde 2009 (82%), sendo que as siderúrgicas, com
68,6% de uso da sua capacidade produtiva, são as que mais puxam o índice para
baixo. O “desenvolvido” estado de São Paulo (sob o comando tucano) foi o que
mais contribuiu (15%) com o aumento da miséria extrema em 2013-2014. Os
trabalhadores estão pagando pela crise.
O jurista (e juiz do trabalho) Jorge Luiz Souto Maior lembrou
que “em 2008, sob o pretexto da crise mundial, o Presidente da Vale do Rio Doce
(Vale S/A) encabeçou um movimento de reivindicação pública da flexibilização
das leis trabalhistas do país, como forma de combater os efeitos da crise
financeira. Sua manifestação, acompanhada do ato de demitir 1.300 empregados,
deflagrou um movimento nacional, claramente organizado, sem apego a reais
situações de crise, no qual várias grandes empresas começaram a anunciar
dispensas coletivas de trabalhadores, para fins de criarem um clima de pânico
e, em seguida, pressionar sindicatos a concordarem com a redução de direitos
trabalhistas, visando alcançar a eternamente pretendida diminuição do custo do
trabalho, que também serve às empresas no pleito, junto ao Estado, de concessão
de benefícios fiscais”.
Ele mesmo pôs o dedo na ferida ao constatar que “dada a
natureza de sua base política (o governo Dilma) tenta arrastar consigo parte
relevante da representação da classe trabalhadora. Lembre-se que recentemente
CUT, Força Sindical, UGT, CTB e Nova Central, antes mesmo de qualquer
reivindicação do setor econômico e em vez de se prepararem para resistir,
elaborando uma compreensão crítica de um modelo de sociedade que impõe,
historicamente, perdas e sacrifícios à classe trabalhadora e que favorece, cada
vez mais, à concentração da renda nas mãos de muito poucos, adiantaram-se e
levaram proposta de atuação estatal que permita legitimar a redução salarial
dos trabalhadores em até 30%, com redução proporcional da jornada de trabalho,
visando a preservação dos empregos no caso de crise econômica estrutural, que
vier a ser atestada pelo Ministério do Trabalho”. É através das
burocracias sindicais que se tenta impor as políticas contra a classe
operária e os assalariados em geral.
Esquerda e Trabalhadores
Como se encontra a esquerda nesta conjuntura? A “esquerda do
PT” se limita a reivindicar “mais radicalismo” (como se houvesse algum) de
Dilma-Lula, apoiando suas “medidas progressistas” sem criticar seu rumo burguês
pró-capital financeiro, e sem se postular como alternativa política real à
tendência dirigente do partido. Reivindica mais diálogo do governo com os
“movimentos sociais”, para contrabalançar o peso da direita burguesa no
governo, mas se recusa a tirar qualquer conclusão política da inclusão
governamental dessa direita (sob o pretexto de que o governo está em disputa
com os outros partidos, como se a escolha de Levy et caterva não
fosse opção do próprio PT, isto é, de sua direção). A “Articulação de Esquerda”
é a encarregada de dar visibilidade internacional a essa política, pois exerce
a responsabilidade dirigente do Fórum de São Paulo.
O PSOL, depois de obter 1,6 milhão de votos no 1º turno (o
dobro do obtido em 2010), e de fazer crescer sua bancada federal de três para
cinco deputados, rifou a votação obtida com o apoio a Dilma no 2º turno. Sua
ex-candidata presidencial declarou “que simpatiza com experimentos políticos
inovadores, como o Podemos (da Espanha)”. Ou seja, está na hora da
“inovação”, não da resistência e organização classista independente.
O PSTU, que fez uma votação quase marginal (menos de 100 mil
votos) enunciou, frente à crise, a ideia seguinte: “Somente a luta pode
garantir mudanças e evitar retrocessos”. Ou seja, que houve “avanços” e que se
deve seguir empurrando. Também os movimentos e, sobretudo, as ONG’s e fundações
que recebem fundos do Estado e das corporações, se limitam a criticar o governo
por temas pontuais. Quando a crise se torna pesada, denunciam “o golpismo” e
apoiam o governo: assim fizeram em junho de 2013 – chegando a denunciar as
posições de oposição classista como “golpistas”. O MTST, de grande atuação nos
últimos anos (e que está se articulando nacionalmente) esclareceu “que não
participa de qualquer frente de apoio ao governo. Estamos sim participando da
articulação junto com a CUT, PSOL, MST, UNE e outras organizações da esquerda
no sentido de construir uma frente de lutas com a plataforma de Reformas
Populares para o país”, que deverão ser realizadas, claro, pelo governo. O
abstencionismo político conclui numa política governista.
As eleições brasileiras mostram o fim de um ciclo e que a
burguesia não pode continuar governando vinha fazendo anteriormente. Isto
configura uma transição política e, por conseguinte, uma crise de conjunto. É preciso
agora que os trabalhadores, através de lutas parciais crescentes, desenvolvam
sua própria alternativa política. Uma nova etapa histórica se abriu no Brasil,
devido à crise econômica, à crise política e à nova etapa da luta de classes:
as greves, que entre 2003 e 2005 oscilaram em torno do número de 300 anuais
(compreendendo entre 15 e 20 mil horas paradas por ano) pularam em 2012 para
873 anuais, com quase 87 mil horas paradas (segundo medições do Dieese). Em
2014, em São Paulo, a greve de 120 dias das universidades estaduais paulistas,
com sistemáticas assembleias e mobilizações de rua, junto com outras greves do
funcionalismo público do país, foi um símbolo da nova etapa política que se
abriu.
No raiar do novo ano, os trabalhadores da Volkswagen do ABC
paulista entraram em greve por tempo indeterminado pela readmissão de 800
companheiros dispensados em 6 de janeiro. A empresa descumpriu acordo firmado
em 2012, que previa a estabilidade dos funcionários até 2016. Outros 244
trabalhadores foram demitidos na Mercedes Benz. A 12 de janeiro, os
metalúrgicos do ABC realizaram uma grande manifestação: mais de 20 mil pessoas
ocuparam as faixas da Rodovia Anchieta, com trabalhadores da Volks, Mercedes,
Karmann Ghia e vários outros setores das principais fábricas da região. Os
metalúrgicos da Volks mantiveram o movimento até fazer a patronal recuar nas
demissões (o sindicato admitiu, no entanto, um PDV, plano de demissão
voluntária). O caminho da vitória foi, no entanto, aberto: o da luta e da
mobilização independente.
O MPL (Movimento pelo Passe Livre), grande canal do
movimento juvenil das periferias urbanas, diante do novo aumento das tarifas de
ônibus (R$ 3,50, mais caro do que na Europa, com um serviço infinitamente
inferior) já convocou três manifestações em São Paulo e em outras capitais do
país. Como aconteceu em 2013, as manifestações começaram com poucos
participantes, mas já pularam para passeatas de 20 mil pessoas. E, também como
em 2013, a violenta repressão policial (cassetetes à vontade, detenções, bombas
de efeito moral, ação sistemática da P2) só fez crescer o número de
manifestantes. A juventude que luta também está abrindo seu caminho.
Perspectivas
Como abrir uma alternativa política independente, classista?
Este deveria ser o debate central da esquerda (mas não o é, por enquanto).
Entre 4 e 7 de junho próximos será realizado em Sumaré (SP) o 2º Congresso
Nacional da CSP-Conlutas, que experimentou um crescimento bastante importante
no último ano. Ele será seguido de uma reunião internacional do “sindicalismo
alternativo”, dando sequência a um evento realizado em março de 2013 em Paris.
O Congresso da CSP-Conlutas pode ser um marco de importância no
debate político da vanguarda operária e lutadora. Para isso é necessário, além
de normas democráticas, uma clara delimitação de posições políticas classistas.
A “acumulação de forças” sindicais ou sociais não tem futuro
sem um horizonte (alternativa) político, que deveria ser trabalhado
cotidianamente, através da agitação, propaganda e organização. Os “movimentos
sociais” realmente de luta não podem permanecer politicamente neutros ou
indefinidos. É necessário também, através de uma política de frente única,
meter uma cunha entre as organizações da classe operária (que se encontram
muito majoritariamente na CUT e na Força Sindical, ou seja, carecem de
independência política), e a burguesia, seu Estado e seu governo. Conclamá-las
a romper com sua política governista, através da unidade na ação e de um plano
de lutas unificado em defesa do salário e das conquistas sociais e
trabalhistas. E projetar essa luta através de uma alternativa política
independente, na perspectiva de um governo dos trabalhadores sem representantes
do capital e dos patrões.
