FZ - São Paulo
A análise de todo o último período de nossa História, e
consequentemente da profunda crise que estamos mergulhados, passa pela
constatação de que todo o processo histórico atual está ancorado no
desenvolvimento de uma crise econômica mundial do capitalismo, crise
essa histórica e que afeta profundamente, não só nosso país, mas todo o
continente americano de forma contundente.
Essa crise, situada numa
fase de declínio do sistema capitalista, e que pode ser observada, entre
outras características, tanto pela extensão cronológica de uma década
de continuidade da última crise mundial, como por ser a culminação de
uma série de crises que abalaram o capitalismo de forma intermitente
desde a crise do petróleo de 1973 até a atualidade, deixando claro que
os ciclos das crises capitalistas estão aumentando sua periodicidade e
diminuindo seus intervalos, expressando com isso o declínio do sistema
capitalista como etapa histórica determinada. As crises cíclicas podem
ser comparadas, num processo de abstração, ao pulso vital do sistema
capitalista. Sua duração e seus intervalos são um instrumento valioso
para se medir a vitalidade de todo o sistema. Sem buscar a raiz de toda
crise mundial que vivemos, em uma crise maior, sistêmica e histórica do
capitalismo, iremos perder o norte da análise política e nos perder em
conjecturas ou teorias sem fundamento. O marco para a compreensão da
crise que vivenciamos em nosso país só pode ser entendida cabalmente se o
considerarmos como um dos elos, com sua específica peculiaridade
nacional e continental, da crise mundial do capitalismo em sua etapa de
decadência senil.
As peculiaridades históricas que deixaram nosso
país mais fragilizado diante da crise mundial, desde as profundas
desigualdades e contradições sociais que herdamos de nosso passado
colonial (parte inerente da formação do sistema mundial capitalista e de
seu mercado) até a dominação imperialista, etapa mais recente, do
último século e meio, apenas concentraram um processo histórico desigual
e combinado, ainda não superado, uma crise profunda em que toda a
sociedade está diante do dilema de uma intensa luta por seus interesses
sociais, isto é, de classe, diante de uma vertiginosa crise de todo o
mercado mundial, que tem sua raiz na crise histórica do modo de produção
capitalista, crise essa inexorável, que afeta toda a sociedade e
processo civilizatório como um todo.
É importante observar que a
crise também afeta a quase totalidade de nosso continente, desde os EUA
até a América do Sul, afetando Argentina, Venezuela, Brasil e demais
países. Mesmo a queda de regimes políticos inteiros não consegue
estabilizar a crise, pelo contrário, apenas tem potencializado seus
elementos, exemplo claro disso é a Argentina de Macri e os EUA de Trump.
Nosso país não está isolado nesse sentido, apenas a nossa crise tomou
contornos peculiares, resultado de contradições contidas por décadas e
que acabaram por vir à tona de forma repentina.
Não devemos esquecer
que a América Latina, num primeiro momento conseguiu ficar à margem da
crise mundial. Nos primeiros anos da crise alguns países do continente
(entre eles o Brasil) conseguiram um crescimento significativo do PIB,
tentando a todo custo desviar-se da rota de colisão da crise mundial,
mas a economia é formada de múltiplos vasos comunicantes, junta-se a
isso o acúmulo das contradições históricas e sociais represadas,
colocando o nosso continente no olho do furação da crise mundial.
O
Brasil sofreu um forte processo de polarização que expressou a
intensidade com que a luta de classes desenvolveu-se no último período.
Os interesses em pugna pelas classes sociais e pelos partidos políticos
podem levar ao observador inexperiente a sensação de assistir um filme
de ficção científica, mas na verdade assistimos o trágico
desenvolvimento de uma enorme crise que afetou e levou ao total
esgotamento um regime de colaboração de classes, liderado pelo PT
durante mais de uma década e ao desenvolvimento de um golpe, golpe que
foi parido das vísceras ou das entranhas do mesmo governo, no qual um
setor da burguesia que compunha uma frente com o PT se utilizou do
Congresso para derrubar o antigo governo, mantendo no poder os setores
da burguesia que sustentaram e apoiaram toda essa manobra.
Há em
nosso país, e em todo continente, uma polarização social e política, que
deformadamente coloca em setores opostos, alas e partidos políticos que
tem o mesmo propósito: sustentar o regime político ou manter o sistema
capitalista intacto. Apesar de terem diferenças políticas e econômicas
notórias, as chamadas "direita" e "esquerda" de nosso continente cumprem
um papel de serem dois polos da política burguesa. A luta de classes
coloca em campos opostos os interesses da burguesia e dos trabalhadores
assalariados. Mas essa luta é representada de uma forma confusa e
deformada, em que partidos como o PT procuram a todo custo impedir a
tomada de consciência, a organização e a luta dos trabalhadores. A
tomada de consciência política é para os trabalhadores um trabalho
árduo, pois um setor da esquerda cumpre o papel de confundir e
desorientar as massas, enquanto, ao mesmo tempo, costura acordos tácitos
com a burguesia, que em última análise, sempre prejudiciais aos
trabalhadores enquanto classe. A chamada esquerda classista, que
representa os interesses dos trabalhadores, de um modo geral, e que não
capitula aos interesses da burguesia, representa um setor que luta ainda
por ganhar visibilidade, organização e ganhar a consciência política
das massas. Vivemos atualmente no Brasil, e em todo continente, uma
intensa disputa política e social, refletindo a crise econômica e a luta
pela sobrevivência. Para entendermos os reais interesses em pugna,
temos que separar a essência de sua mera aparência.
Temos claro que a
política de colaboração de classes, dentro da esquerda, não é um fato
novo, muito menos latino-americano, mas também podemos dizer que nos
últimos 30 anos, a intensidade dessa política ganhou contornos que não
existiam anteriormente. Um sinal claro e inequívoco da fragilidade e
dificuldade com que a burguesia nativa tem para manter as relações
sociais e o sistema capitalista intacto no continente sul-americano.
A recente crise aberta pelas denúncias da JBS mostraram os dois pesos e
duas medidas que a imprensa burguesa, o regime político e,
principalmente, do Congresso e do Judiciário tiveram anteriormente com o
PT e agora com Temer, uma lição de teoria política comparada sobre como
se posicionaram com um governo que colaborava com a burguesia (o do PT)
para um governo genuinamente burguês (o governo Temer). O esgotamento
da via de colaboração de um setor da esquerda com a burguesia também é
um fenômeno continental, que no Brasil se expressa de forma contundente,
mas que em menor ou maior grau ocorre em outros países do continente.
Não pairam mais dúvidas sobre a natureza de classe do golpe. O
impeachment de Dilma e o arquivamento da denúncia de Temer ficarão como
fatos históricos contundentes. E aqui pudemos ver a História se repetir
duas vezes, como tragédia e como farsa, para os que ainda insistem em
negar o legado teórico do marxismo.
É importante frisar que parte
significativa da burguesia apoiou anteriormente os governos do PT, e,
com o desenvolvimento da crise foi abandonando paulatinamente o governo
de colaboração para buscar a formação de um governo próprio; como não
conseguiram esse feito de forma eleitoral, cerraram fileiras em torno do
golpe parlamentar que culminou com o impeachment. Por isso, grande
parte dos ministros e personagens que apoiavam o governo anterior,
aparecem agora no governo do golpista Temer. Lógico que aliados agora
dos setores que ficaram na oposição burguesa, o PSDB, o DEM e seus
satélites partidários.
Coube à fração dominante da burguesia
nacional, apoiada por setores significativos do imperialismo, concluir
um golpe parlamentar para dar uma guinada na condução do governo e do
Estado (Temer era o vice de um governo de colaboração de classes, figura
central no acordo que o PT e o PMDB tinham para a condução do governo
mediante um condomínio com outros partidos burgueses menores), o
imediatismo do golpe e sua política de rapina contra toda a população,
mais especialmente contra a classe trabalhadora ( a classe operária, os
assalariados) é fruto, e ponto culminante, de toda uma política de
derrotas e desmoralizações que a frente popular (conduzida pelo PT)
impôs aos trabalhadores como um todo, de todas as formas a política
estratégica do PT (seguida pela CUT, pela burocracia sindical e pelos
movimentos sociais) sempre levou à fuga do enfrentamento (como nos casos
recentes do golpe parlamentar, da luta pelo Fora Temer, e na greve
geral, que mesmo tendo um amplo apoio massivo foi deixada de lado, foi
abortada como método de mobilização, foi esvaziada, até se transformar
num mero dia de luta, com menos significado político), os trabalhadores
foram assim colocados em uma camisa de força, enquanto os dirigentes do
PT ficavam livres para costurar uma vasta gama de acordos políticos com o
grande capital. Grande parte das investigações do MPF (Lava-Jato) vem
descortinando esses acordos, só que enquanto os políticos ligados à
burguesia são frequentemente poupados, os ligados ao PT são os "bodes
expiatórios", como se a prática de parasitar no Estado em prol de
grandes empresas não fosse uma prática ou "modus operandi" de todo
regime político, dos partidos burgueses e do grande capital há muitas
décadas. O PT não inventou a roda, adaptou-se ao regime burguês, e com
isso caiu na vala da política corrupta que os demais partidos burgueses
já praticavam anteriormente.
Se enfrentamos um ataque sem igual por
parte da burguesia, isso só foi possível com a complacência do PT, que
deu moral, combatividade e unidade aos partidos burgueses e à própria
burguesia enquanto classe social. Sem a aliança com a burguesia, o
recente "empoderamento" da direita reacionária não teria sido possível. A
atitude do PT diante das recentes Reformas de Temer (uma simples
oposição parlamentar formal) mostra que continuará fechando os olhos
para a dura realidade das massas. Todo o peso do aparato partidário do
PT (e uma parte significativa do restante da esquerda) foi contida no
último período. Nem "Fora Temer", nem Greve Geral contra as Reformas e
nem mesmo uma protesto massivo no dia em que a Câmara votou a denúncia
da PGR contra Michel Temer. O "acordo" tácito que a esquerda
(particularmente o PT, que controla grande parte dos sindicatos e
organizações sociais) costurou com o governo e com a direita, impedindo a
mobilização independente das massas já anuncia as futuras derrotas que
irão impor nas costas dos trabalhadores em todo próximo período.
O
governo Temer foi engendrado de dentro de um governo de colaboração de
classes, parte considerável de seus ministros foram ministros dos
governos Lula e Dilma, apoiado e protagonizado pelos setores
fundamentais do grande capital, visando superar a queda dos lucros dos
grandes empresários com as chamadas Reformas. Esse é seu verdadeiro
programa de classe, sua plataforma burguesa, essencialmente, são a
Reforma Trabalhista e Previdenciária, apoiadas por um Congresso formado
por empresários, latifundiários e com grande influência dos setores
reacionários e religiosos. As chamadas reformas são uma agenda (ou
programa) de sustentação do governo Temer junto aos partidos patronais e
dos grandes empresários nacionais e internacionais, assim como do
chamado "mercado" (ou o capital especulativo da Bolsa de Valores).
A
burguesia sentiu-se fragilizada diante da intensidade da crise. O
imediatismo, a virulência e a ousadia do golpe só demonstra o caráter
falimentar e de alto endividamento do capital nacional, por isso o
programa do governo Temer é "sanear" os negócios da burguesia e jogar
todo o ônus para os trabalhadores e assalariados do país. O programa das
reformas é o programa com que o grande capital tenta se reestruturar no
país, obter grandes lucros, deixando o ônus da crise aos trabalhadores.
As Reformas visam alterar profundamente o mercado de trabalho,
aprofundando o submetimento do trabalhador assalariado ao capital, e ao
mesmo tempo deixar o orçamento do Estado com um maior "superávit" para
pagar os juros da dívida interna ao atacar diretamente a previdência
pública. Ainda afetará diretamente no funcionamento dos sindicatos (que
perderão a prerrogativa dos acordos coletivos, substituídos por acordos
individuais), aumentará a precarização, diminuirá salários e aumentará
diretamente os lucros dos bancos com a venda da previdência privada aos
que antes pretendiam se aposentar pelo sistema público. Isso terá um
impacto profundo nos trabalhadores e até mesmo nas classes médias. São
inúmeras medidas aprovadas de uma só vez, com certeza é o maior ataque
aos direitos dos trabalhadores desferido por um só governo desde o
advento da República. A esquerda e os sindicatos burocratizados
ladraram, rosnaram, mas ficaram de cabeça baixa ao final. Só esse fato
já deixa claro a capitulação à política golpista da burguesia e do
governo, o PT é o principal responsável por esse fato, primeiro por ser o
principal partido da esquerda, o que tem maior poder de mobilização,
aparato, apoio popular e por dirigir grande parte dos sindicatos através
da CUT.
Temos que deixar claro, tanto para a esquerda e quanto aos
trabalhadores, que os ataques realizados pelas Reformas de Temer são,
sem sombra de dúvida, o maior ataque que um governo burguês já realizou
contra a classe trabalhadora no Brasil. A Reforma Trabalhista deixa os
trabalhadores a mercê de todo tipo de exploração, chegando aos limites
do trabalho escravo. A esquerda e os sindicatos pouco lutaram contra
essa situação, dado o peso e o aparelho que as centrais sindicais tem.
No dia seguinte à Reforma Trabalhista, a condenação de Lula pelo juiz
Moro foi utilizada por todos os setores da burguesia como um meio de
distrair a opinião pública, de um lado, e para desmoralizar ainda mais
os trabalhadores, de outro lado, já que grande parte do eleitorado de
Lula são assalariados e todos sabem que ele foi um dirigente sindical no
passado. O valor simbólico desse fato não foi simples coincidência. A
utilização consciente desse expediente foi um conluio orquestrado pelos
setores mais reacionários com o aval de parte da esquerda que preferiu
lutar contra a prisão de Lula a se manifestar, clara e contundentemente,
contra a Reforma Trabalhista.
O Ministro da Fazenda Henrique
Meirelles (ex BankBoston, ex Presidente do BC durante o governo Lula, e
ex Presidente da JBS/J&S) cumpre o papel de ser o fiador do governo
atual e por incrível que pareça do próximo, pois é patente que caindo ou
não o governo Temer, a equipe econômica continuará a mesma. Meirelles
foi o homem "forte" da JBS/J&S, mas não há uma investigação sobre
como podia ser presidente do grupo e não saber da vasta corrupção da
empresa. Sua empresa de consultoria lucrou quase 200 milhões de reais
antes de assumir o ministério, e não há investigações sobre "quais"
interesses sua consultoria agenciava. Com certeza, o grande capital está
bem representado e totalmente blindado.
O que coloca a queda de
Temer muito mais no mérito das disputas internas burguesas do que de uma
mudança de "rumo" desse ou do futuro governo. O certo é que caindo
Temer ou não, a base de sustentação do governo seguirá essencialmente a
mesma. As eleições indiretas são a garantia da continuidade do regime
político.
A análise das denúncias da JBS, através do Procurador
Geral, Rodrigo Janot, deve ser compreendida como uma discussão sobre a
fisionomia ou a "cara" do governo, mas não sobre seu programa, seu
caráter de classe ou sobre os setores que lhe dão apoio. Não estamos
diante da possibilidade de queda de um governo, já que a equipe
econômica, que é o coração e o cérebro do governo continuará intacta,
como já foi anunciado pelo próprio Meirelles. Estamos diante da
discussão sobre a deposição do presidente apenas, ou seja, seu rosto,
sua fisionomia pública diante das massas. Lógico que isso afetará em
alguma medida os partidos que compõem a base de apoio, mas a grosso modo
não haverá grandes mudanças.
A saída ou não do PSDB (ou outros
partidos) do governo Temer é apenas um recurso político de manutenção do
capital político desses partidos (diante de um governo totalmente
desgastado perante à população). Discutem a saída do governo, mas não
sobre sair da base de apoio (ou seja da base de sustentação do governo).
Discutem quais partidos farão parte do governo, mas a base de
sustentação no Congresso continuará quase que inalterada. Tudo pode
mudar repentinamente, mas dificilmente os setores que sustentam esse
governo mudarão bruscamente a coalizão de partidos que torna possível o
"controle" do Congresso e a partir dai do governo. Apesar das
divergências em torno da sucessão do governo Temer, os setores
principais da burguesia estão unificados, sustentando a política atual
mesmo diante de possíveis reveses.
Nos bastidores da crise, que toma
a forma de uma crise judicializada, ou até mesmo criminalizada (já que
os crimes políticos transformaram-se no ponto de disputa), disseminou-se
por todo o regime político. Há, entretanto, um claro acordo entre o
PMDB de Temer, o PSDB de FHC e Aécio Neves e o PT de Lula. Esses setores
consertam um acordo tácito, um Acordão, de não agressão (no último
período), em que pode-se ver o STF amenizando, adiando, arquivando e até
mesmo fechando os olhos para crimes notórios (já que a justiça é cega,
fechar os olhos é apenas um pleonasmo), como os casos de Aécio e Rocha
Loures. O acordo visa a manutenção clara do governo, uma tentativa de
"estabilizar" a crise política e adiar as disputas políticas para o
calendário eleitoral. Parte desse acordo será finalizado pela Reforma
Política que virá em seguida às demais Reformas (para manter a
estabilidade política do regime) e o comprometimento dos atores
políticos principais para não anular as Reformas do governo Temer. Lula
faz críticas às Reformas, mas não move um dedo no sentido de anula-las
quando se coloca sobre esse tema.
O PSDB e o PT amenizam o confronto
direto jogando a disputa para as eleições de 2018. Parte importante
desse acordo é a manutenção (por parte do PT que ainda controla grande
parte das organizações sindicais e populares) das massas em um grande
imobilismo. Podemos ver que tanto a greve geral de junho, como outros
tipos de mobilizações, assim como no dia da votação da denúncia por
corrupção contra Temer no Congresso. As mobilizações são desviadas ou
abortadas, especialidade da burocracia sindical em 20 anos de frente
popular (uma frente de colaboração de classes, essencial para imobilizar
os trabalhadores diante dos ataques da burguesia). A mobilização
independente das massas é sempre sacrificada, o PT e a CUT preparam
desse modo futuras derrotas, já que o golpe parlamentar é uma derrota
que ficou no passado. As mobilizações de Fora Temer que num primeiro
momento ganharam as massas e tiveram ressonância na sociedade, são agora
desarticuladas, tudo para manter a disputa longe das ruas, mais
exatamente em Brasília, entre o Congresso e o STF, onde os trabalhadores
tenham apenas um papel decorativo, mas impedindo, de todas as formas,
sua intervenção independente.
Nem mesmo a aprovação da Reforma
Trabalhista, um ataque sem precedentes à classe trabalhadora (e até
mesmo aos sindicatos) teve uma resposta à altura, o medo de uma
mobilização contundente das massas é maior do que as derrotas que possam
afetar a esquerda ou a burocracia sindical. Temos que colocar as atuais
derrotas, que os trabalhadores e a maioria da população vem sofrendo,
na conta das direções (especialmente o PT), que imobilizam as massas
diante de um dos mais ferozes ataques da burguesia e do grande capital
contra seus direitos essenciais.
O ponto nevrálgico do acordão entre
PT, PSDB e PMDB é a manutenção do governo atual e a continuidade das
Reformas antioperárias e antipopulares. O PT sustenta a estabilidade do
regime em troca do "desgaste" político do governo diante das massas. As
derrotas de hoje são trocadas pela incerteza do futuro. A futura Reforma
Política dará ao regime a possibilidade de se perpetuar. Até mesmo a
possibilidade de um regime semi-parlamentarista ou parlamentarista
estará na pauta. E os pequenos partidos de esquerda enfrentarão uma
férrea cláusula de barreira para continuar existindo. Fora o voto
distrital e outras "criações" parlamentares que mudarão totalmente as
chamadas "regras do jogo" da atual política burguesa.
Dentro desse
quadro é que vem à tona o debate que uma parcela da esquerda começa a
esboçar sobre uma Frente de Esquerda, como alternativa de poder.
Essa nova Frente, ainda sem uma fisionomia programática clara, ora
começa a ser debatida como um polo de aglutinação dos setores da
esquerda combativa que se opõe à política de colaboração de classes do
PT (nem sempre de forma consequente) e que se colocam contrários ao
golpe (nem todos!), ao governo golpista de Michel Temer (ou de seu
possível sucessor), ora se coloca como uma mais uma camisa de força para
conter as massas, em vez de organizar, unificar e dar um programa que
responda aos interesses dos trabalhadores assalariados e setores
explorados, acaba sendo um meio de perpetuar a política de colaboração
de classes que o PT vem desenvolvendo nos últimos trinta anos, só que
com uma nova roupagem. Sob o nome de Frente de Esquerda pode-se formar
uma frente única classista, uma frente de colaboração de classes ou até
mesmo uma frente centrista que cumpra um papel intermediário entre as
duas primeiras.
Diante da esquerda se abrem, no momento, três
vertentes básicas de frente: uma das vertentes que ganha força, e que
não pode ser desprezada, pois já começa a se articular e até mesmo
realizar reuniões para debater suas perspectivas, é a de um acordo
oportunista do PT com a esquerda que ficou fora de seu governo (PSOL,
esquerda do PT, FBSM, etc). Essa possibilidade de configuração toma como
ponto de partida que a frente de colaboração de classes que o PT
conduzia esgotou-se completamente, não foi o PT que superou a frente e a
burguesia, mas a frente que lhe deu um golpe, com Temer à frente, e
colocou o PT como o "bode expiatório" da burguesia e de setores de
direita da classe média. O PT perdeu o "apoio" desses setores que
ficaram com Temer e o governo. Alguns setores da "esquerda" tentam
aproveitar-se dessa situação (a de que a burguesia deu as costas ao PT)
configurando uma nova frente, uma frente que tenha uma fisionomia mais à
"esquerda", o principal "modelo" desse tipo de frente seria a
"Geringonça" portuguesa. Um governo de centro esquerda que se mantém
dentro dos marcos da União Europeia. Seria uma nova frente de
colaboração de classes, só que adaptada aos tempos atuais, no qual a
burguesia ficou com a imagem de "golpista" diante dos trabalhadores e ao
mesmo tempo rompeu com o PT e tomou outro caminho, o caminho de
sustentação do governo golpista de Michel Temer.
Ou seja,
programaticamente seria uma frente de colaboração de classes mas sem os
principais partidos da burguesia. Com isso o PSOL e os setores da
esquerda que estão no último período negociando sua entrada nesse
partido, seriam fiadores da política do PT e de Lula. De outro lado
dariam um roupagem de "esquerda" que o PT necessita para reconquistar a
militância e as massas.
Em resumo: diante da impossibilidade de
setores significativos da burguesia de compor uma frente com o PT, o PT
buscaria, como plano B, pois Lula até agora critica essa via, uma frente
com a "sombra de esquerda" da pequena burguesia e da própria burguesia.
Algo próximo da Frente Brasil Popular de 1989. Não seria o PT que se
deslocaria à esquerda, mas o PSOL e outros setores que se deslocariam à
direita. Os limites desse tipo de frente estarão estampados em seu
programa: o respeito à propriedade privada capitalista, ao mercado e ao
grande capital. Essencialmente nada mudaria, já que se colocariam, desde
o princípio, como reféns da Congresso reacionário. Algumas reuniões já
foram realizadas por membros da "esquerda" do PT, setores do PSOL e
movimentos sociais.
Lógico que ainda estamos diante da possibilidade
de que Lula seja condenado em segunda instância e seja preso ou tenha a
candidatura cassada. Isso deixaria Lula mais forte, mas inelegível, se
tornaria assim um plano B para o regime político, para ser usado apenas
num caso de extrema necessidade. A hipótese da prisão ou condenação de
Lula transforma-lo num herói é um "perigo" para o regime político,
diante disso a Reforma política deve aprovar o voto distrital e um
regime parlamentar para impedir qualquer mudança brusca após as Reformas
reacionárias em curso.
Um segundo caminho que temos exemplo direto
no Podemos da Espanha e no Syriza da Grécia, e que longe de abrir uma
perspectiva de luta para os trabalhadores, limita-se a uma esquerda
parlamentar, onde longe de combater o capitalismo o que se faz é apenas
dar algumas esmolas aos que estão mais desfavorecidos, uma esquerda que
está distante das lutas diárias, dos sindicatos, dos movimentos sociais,
que busca muito mais fazer reformas que não afetem a estrutura do
prédio (ou seja o capitalismo), que não tem como papel varrer a
burocracia dos sindicatos ou de romper claramente com o grande capital
(nacional e internacional) e seus representantes. Querem apenas ser uma
alternativa de esquerda (pequeno burguesa) para se chegar ao governo e
assim conseguir algumas reformas. Seria uma proposta centrista, com o
PSOL na cabeça e com o apoio de outros partidos e organizações, sem a
participação do PT, um programa que respeite a propriedade privada, o
capitalismo, e que faça algumas pequenas "reformas" no regime atual.
A discussão que se coloca no atual momento é: qual frente de esquerda
queremos, qual frente necessitamos? Qual o caráter dessa frente? É uma
frente eleitoral? Ou é uma frente que também intervirá na luta de
classes (greves, movimento operário, sindicatos, movimentos populares,
etc). Seria uma frente para fazer uma mera "oposição" ao regime ou para
organizar as massas para lutar e colocar abaixo o atual regime político?
Não podemos deixar de colocar o exemplo da esquerda na Argentina, como
um outro caminho, um caminho classista e revolucionário para a classe
trabalhadora, um caminho oposto à colaboração de classes. A FIT (Frente
de Esquerda e dos Trabalhadores), é um exemplo a ser seguido e estudado,
formado em nosso continente, em um país vizinho, que se apresenta como
uma frente única (com suas naturais diferenças internas entre cada
partido), abarca todos os setores da esquerda classista e os setores
militantes dos trabalhadores e da juventude. A FIT (formada pelo PO,
pelo PTS e pela IS) é uma frente como expressão de uma luta consciente
dos trabalhadores e de um programa que expresse essa luta. É uma frente
que intervem nas eleições, mas também na luta diária dos trabalhadores,
desde um 1º de Maio, até as mobilizações cotidianas dos operários,
professores, movimento de mulheres, estudantes, GLBT, etc, etc. Nas
greves, nas mobilizações e no cotidiano das massas está presente com um
programa que defende os interesses dos trabalhadores. Utiliza as
eleições para politizar e organizar as massas. É uma frente com caráter
classista e que procura organizar os trabalhadores e a maioria dos
setores explorados para a conquista do poder como seus verdadeiros
protagonistas e não como meros coadjuvantes.
Há três caminhos que a
nossa esquerda confunde como sendo sinônimos e não são, muito pelo
contrário: primeiro, a frente do PT com a esquerda (PSOL, etc) no qual o
PSOL se deslocaria à direita para se coligar com o PT junto a outros
partidos e movimentos sociais; outro caminho é o do PSOL indo à esquerda
(várias organizações devem entrar em seu seio no próximo período) e
formando uma frente no estilo do Podemos espanhol ou do Syriza da Grécia
(pois o PSOL está à direita desses partidos), uma frente de caráter
centrista, e por fim o da esquerda formar uma frente única com um
programa classista, debatido em meio às suas organizações, com forte
presença na luta de classes, como faz a FIT na Argentina. Que se procure
dar um programa à esquerda e aos trabalhadores para se lutar contra o
capitalismo, de forma consciente, através de uma frente única. Uma
frente que organize e arme os trabalhadores. São três caminhos bem
distintos e que os militantes tendem a colocar e confundir com o mesmo
nome. Por isso quando se debater uma frente de esquerda, em primeiro
lugar deveríamos perguntar: Qual frente? Quais partidos? Qual programa?
Quais objetivos queremos atingir?
Para uma frente de esquerda não
ser uma palavra de ordem oportunista, uma bravata parlamentar, que tem
somente o objetivo de prender as massas e os trabalhadores em uma camisa
de força, aprisionando diariamente seus anseios de luta, que apenas
quer polarizar para obter lucros eleitorais, deve se colocar, em
primeiro lugar, como uma frente combativa, que tenha um foro democrático
para debater as diferentes concepções e que tenha um programa que seja
expressão desse debate. Não pode ser uma frente que almeje apenas
reformas, mas tem que organizar as massas e atacar diretamente o regime
capitalista e sua crise histórica. Tem que expressar em seu programa uma
concepção socialista de mundo.
Uma frente de esquerda dessa
natureza seria classista ao se colocar como um polo de atração dos
setores organizados e chamar um Congresso dos Trabalhadores, organizada
por toda essa esquerda combativa que se coloca em oposição ao regime
político, ao grande capital, e às tendências de colaboração de classe,
que tentam aprisionar a todo custo os trabalhadores para impedir que
formem uma consciência política própria e se organizem como classe
social.
Um Congresso dos Trabalhadores seria necessário no atual
período para dar uma fisionomia classista à essa esquerda, um programa
diante da crise aberta na atualidade, e para demonstrar que essa frente
intervém no dia-a-dia das massas, não só na luta parlamentar, desse modo
combateria pela evolução da consciência das massas. A delimitação
política sempre é necessária na esquerda, e nesse momento é urgente. Uma
crise dessa envergadura só pode ser superada pela delimitação
programática com a burguesia e com os setores que defendem a conciliação
e a colaboração de classes. Mas somente um Congresso dos Trabalhadores
pode dar unidade a esse debate programático e colocar a organização da
classe trabalhadora como ferramenta de luta para o próximo período.
Diante da gigantesca crise que passamos na atualidade, nós necessitamos
que haja uma intervenção da classe social mais numerosa, a única que
produz a riqueza: os trabalhadores. A fusão de uma esquerda classista
com um movimento organizado dos trabalhadores pode ser logrado a partir
da organização de um grande Congresso que catalise os setores
organizados dos trabalhadores, da juventude, das mulheres, e dos setores
explorados, sem esquecer os desempregados, que necessitam de uma
perspectiva política. Tal fusão seria expressa na discussão e aprovação
de um programa comum, um programa de luta, combativo e socialista que
abra uma perspectiva política para os trabalhadores e para essa frente
de esquerda que ainda procura uma fisionomia.
Os trabalhadores
sofreram, no último período, inúmeras derrotas, em grande parte essas
derrotas foram engendradas pela condução e pela direção que o PT mantém
nos movimentos sociais, para romper com essa política temos que ter uma
nova organização dos trabalhadores, das mulheres e da juventude, é
necessário uma frente de esquerda que seja combativa, classista e
socialista. Só poderemos reverter essas derrotas com organização e luta e
para isso é necessário construir uma nova direção para os trabalhadores
e para a esquerda. A tarefa é árdua, mas há momentos em que os caminhos
fáceis só nos conduzem ao fracasso e que é necessário um grande esforço
coletivo para superarmos um grande obstáculo. Ao clarificar o debate e
coloca-lo sobre novas bases damos nossa contribuição política a luta que
se desenvolve em nosso país.
Uma frente de esquerda que seja
expressão dessa luta deve encarar essa proposta como um desafio. Somente
o protagonismo dos trabalhadores pode mudar o enredo da crise histórica
que estamos vivenciando. Mais do que nunca é hora de unirmos força por
um Congresso Nacional da Classe Trabalhadora, é esse o caminho para a
esquerda combativa no atual momento e é esse o caminho para se construir
uma verdadeira frente de esquerda, que mereça esse nome, não uma frente
meramente eleitoral, mas uma frente de luta, formada pelos militantes
de todos os setores e categorias, essa é a luta, e esse é o desafio.