sexta-feira, 22 de dezembro de 2017

O DESENVOLVIMENTO DA CRISE DO REGIME POLÍTICO, O GOVERNO TEMER E O DEBATE DA FRENTE DE ESQUERDA

                                                                    FZ - São Paulo
A análise de todo o último período de nossa História, e consequentemente da profunda crise que estamos mergulhados, passa pela constatação de que todo o processo histórico atual está ancorado no desenvolvimento de uma crise econômica mundial do capitalismo, crise essa histórica e que afeta profundamente, não só nosso país, mas todo o continente americano de forma contundente.
Essa crise, situada numa fase de declínio do sistema capitalista, e que pode ser observada, entre outras características, tanto pela extensão cronológica de uma década de continuidade da última crise mundial, como por ser a culminação de uma série de crises que abalaram o capitalismo de forma intermitente desde a crise do petróleo de 1973 até a atualidade, deixando claro que os ciclos das crises capitalistas estão aumentando sua periodicidade e diminuindo seus intervalos, expressando com isso o declínio do sistema capitalista como etapa histórica determinada. As crises cíclicas podem ser comparadas, num processo de abstração, ao pulso vital do sistema capitalista. Sua duração e seus intervalos são um instrumento valioso para se medir a vitalidade de todo o sistema. Sem buscar a raiz de toda crise mundial que vivemos, em uma crise maior, sistêmica e histórica do capitalismo, iremos perder o norte da análise política e nos perder em conjecturas ou teorias sem fundamento. O marco para a compreensão da crise que vivenciamos em nosso país só pode ser entendida cabalmente se o considerarmos como um dos elos, com sua específica peculiaridade nacional e continental, da crise mundial do capitalismo em sua etapa de decadência senil.
As peculiaridades históricas que deixaram nosso país mais fragilizado diante da crise mundial, desde as profundas desigualdades e contradições sociais que herdamos de nosso passado colonial (parte inerente da formação do sistema mundial capitalista e de seu mercado) até a dominação imperialista, etapa mais recente, do último século e meio, apenas concentraram um processo histórico desigual e combinado, ainda não superado, uma crise profunda em que toda a sociedade está diante do dilema de uma intensa luta por seus interesses sociais, isto é, de classe, diante de uma vertiginosa crise de todo o mercado mundial, que tem sua raiz na crise histórica do modo de produção capitalista, crise essa inexorável, que afeta toda a sociedade e processo civilizatório como um todo.
É importante observar que a crise também afeta a quase totalidade de nosso continente, desde os EUA até a América do Sul, afetando Argentina, Venezuela, Brasil e demais países. Mesmo a queda de regimes políticos inteiros não consegue estabilizar a crise, pelo contrário, apenas tem potencializado seus elementos, exemplo claro disso é a Argentina de Macri e os EUA de Trump. Nosso país não está isolado nesse sentido, apenas a nossa crise tomou contornos peculiares, resultado de contradições contidas por décadas e que acabaram por vir à tona de forma repentina.
Não devemos esquecer que a América Latina, num primeiro momento conseguiu ficar à margem da crise mundial. Nos primeiros anos da crise alguns países do continente (entre eles o Brasil) conseguiram um crescimento significativo do PIB, tentando a todo custo desviar-se da rota de colisão da crise mundial, mas a economia é formada de múltiplos vasos comunicantes, junta-se a isso o acúmulo das contradições históricas e sociais represadas, colocando o nosso continente no olho do furação da crise mundial.
O Brasil sofreu um forte processo de polarização que expressou a intensidade com que a luta de classes desenvolveu-se no último período. Os interesses em pugna pelas classes sociais e pelos partidos políticos podem levar ao observador inexperiente a sensação de assistir um filme de ficção científica, mas na verdade assistimos o trágico desenvolvimento de uma enorme crise que afetou e levou ao total esgotamento um regime de colaboração de classes, liderado pelo PT durante mais de uma década e ao desenvolvimento de um golpe, golpe que foi parido das vísceras ou das entranhas do mesmo governo, no qual um setor da burguesia que compunha uma frente com o PT se utilizou do Congresso para derrubar o antigo governo, mantendo no poder os setores da burguesia que sustentaram e apoiaram toda essa manobra.
Há em nosso país, e em todo continente, uma polarização social e política, que deformadamente coloca em setores opostos, alas e partidos políticos que tem o mesmo propósito: sustentar o regime político ou manter o sistema capitalista intacto. Apesar de terem diferenças políticas e econômicas notórias, as chamadas "direita" e "esquerda" de nosso continente cumprem um papel de serem dois polos da política burguesa. A luta de classes coloca em campos opostos os interesses da burguesia e dos trabalhadores assalariados. Mas essa luta é representada de uma forma confusa e deformada, em que partidos como o PT procuram a todo custo impedir a tomada de consciência, a organização e a luta dos trabalhadores. A tomada de consciência política é para os trabalhadores um trabalho árduo, pois um setor da esquerda cumpre o papel de confundir e desorientar as massas, enquanto, ao mesmo tempo, costura acordos tácitos com a burguesia, que em última análise, sempre prejudiciais aos trabalhadores enquanto classe. A chamada esquerda classista, que representa os interesses dos trabalhadores, de um modo geral, e que não capitula aos interesses da burguesia, representa um setor que luta ainda por ganhar visibilidade, organização e ganhar a consciência política das massas. Vivemos atualmente no Brasil, e em todo continente, uma intensa disputa política e social, refletindo a crise econômica e a luta pela sobrevivência. Para entendermos os reais interesses em pugna, temos que separar a essência de sua mera aparência.
Temos claro que a política de colaboração de classes, dentro da esquerda, não é um fato novo, muito menos latino-americano, mas também podemos dizer que nos últimos 30 anos, a intensidade dessa política ganhou contornos que não existiam anteriormente. Um sinal claro e inequívoco da fragilidade e dificuldade com que a burguesia nativa tem para manter as relações sociais e o sistema capitalista intacto no continente sul-americano.
A recente crise aberta pelas denúncias da JBS mostraram os dois pesos e duas medidas que a imprensa burguesa, o regime político e, principalmente, do Congresso e do Judiciário tiveram anteriormente com o PT e agora com Temer, uma lição de teoria política comparada sobre como se posicionaram com um governo que colaborava com a burguesia (o do PT) para um governo genuinamente burguês (o governo Temer). O esgotamento da via de colaboração de um setor da esquerda com a burguesia também é um fenômeno continental, que no Brasil se expressa de forma contundente, mas que em menor ou maior grau ocorre em outros países do continente. Não pairam mais dúvidas sobre a natureza de classe do golpe. O impeachment de Dilma e o arquivamento da denúncia de Temer ficarão como fatos históricos contundentes. E aqui pudemos ver a História se repetir duas vezes, como tragédia e como farsa, para os que ainda insistem em negar o legado teórico do marxismo.
É importante frisar que parte significativa da burguesia apoiou anteriormente os governos do PT, e, com o desenvolvimento da crise foi abandonando paulatinamente o governo de colaboração para buscar a formação de um governo próprio; como não conseguiram esse feito de forma eleitoral, cerraram fileiras em torno do golpe parlamentar que culminou com o impeachment. Por isso, grande parte dos ministros e personagens que apoiavam o governo anterior, aparecem agora no governo do golpista Temer. Lógico que aliados agora dos setores que ficaram na oposição burguesa, o PSDB, o DEM e seus satélites partidários.
Coube à fração dominante da burguesia nacional, apoiada por setores significativos do imperialismo, concluir um golpe parlamentar para dar uma guinada na condução do governo e do Estado (Temer era o vice de um governo de colaboração de classes, figura central no acordo que o PT e o PMDB tinham para a condução do governo mediante um condomínio com outros partidos burgueses menores), o imediatismo do golpe e sua política de rapina contra toda a população, mais especialmente contra a classe trabalhadora ( a classe operária, os assalariados) é fruto, e ponto culminante, de toda uma política de derrotas e desmoralizações que a frente popular (conduzida pelo PT) impôs aos trabalhadores como um todo, de todas as formas a política estratégica do PT (seguida pela CUT, pela burocracia sindical e pelos movimentos sociais) sempre levou à fuga do enfrentamento (como nos casos recentes do golpe parlamentar, da luta pelo Fora Temer, e na greve geral, que mesmo tendo um amplo apoio massivo foi deixada de lado, foi abortada como método de mobilização, foi esvaziada, até se transformar num mero dia de luta, com menos significado político), os trabalhadores foram assim colocados em uma camisa de força, enquanto os dirigentes do PT ficavam livres para costurar uma vasta gama de acordos políticos com o grande capital. Grande parte das investigações do MPF (Lava-Jato) vem descortinando esses acordos, só que enquanto os políticos ligados à burguesia são frequentemente poupados, os ligados ao PT são os "bodes expiatórios", como se a prática de parasitar no Estado em prol de grandes empresas não fosse uma prática ou "modus operandi" de todo regime político, dos partidos burgueses e do grande capital há muitas décadas. O PT não inventou a roda, adaptou-se ao regime burguês, e com isso caiu na vala da política corrupta que os demais partidos burgueses já praticavam anteriormente.
Se enfrentamos um ataque sem igual por parte da burguesia, isso só foi possível com a complacência do PT, que deu moral, combatividade e unidade aos partidos burgueses e à própria burguesia enquanto classe social. Sem a aliança com a burguesia, o recente "empoderamento" da direita reacionária não teria sido possível. A atitude do PT diante das recentes Reformas de Temer (uma simples oposição parlamentar formal) mostra que continuará fechando os olhos para a dura realidade das massas. Todo o peso do aparato partidário do PT (e uma parte significativa do restante da esquerda) foi contida no último período. Nem "Fora Temer", nem Greve Geral contra as Reformas e nem mesmo uma protesto massivo no dia em que a Câmara votou a denúncia da PGR contra Michel Temer. O "acordo" tácito que a esquerda (particularmente o PT, que controla grande parte dos sindicatos e organizações sociais) costurou com o governo e com a direita, impedindo a mobilização independente das massas já anuncia as futuras derrotas que irão impor nas costas dos trabalhadores em todo próximo período.
O governo Temer foi engendrado de dentro de um governo de colaboração de classes, parte considerável de seus ministros foram ministros dos governos Lula e Dilma, apoiado e protagonizado pelos setores fundamentais do grande capital, visando superar a queda dos lucros dos grandes empresários com as chamadas Reformas. Esse é seu verdadeiro programa de classe, sua plataforma burguesa, essencialmente, são a Reforma Trabalhista e Previdenciária, apoiadas por um Congresso formado por empresários, latifundiários e com grande influência dos setores reacionários e religiosos. As chamadas reformas são uma agenda (ou programa) de sustentação do governo Temer junto aos partidos patronais e dos grandes empresários nacionais e internacionais, assim como do chamado "mercado" (ou o capital especulativo da Bolsa de Valores).
A burguesia sentiu-se fragilizada diante da intensidade da crise. O imediatismo, a virulência e a ousadia do golpe só demonstra o caráter falimentar e de alto endividamento do capital nacional, por isso o programa do governo Temer é "sanear" os negócios da burguesia e jogar todo o ônus para os trabalhadores e assalariados do país. O programa das reformas é o programa com que o grande capital tenta se reestruturar no país, obter grandes lucros, deixando o ônus da crise aos trabalhadores.
As Reformas visam alterar profundamente o mercado de trabalho, aprofundando o submetimento do trabalhador assalariado ao capital, e ao mesmo tempo deixar o orçamento do Estado com um maior "superávit" para pagar os juros da dívida interna ao atacar diretamente a previdência pública. Ainda afetará diretamente no funcionamento dos sindicatos (que perderão a prerrogativa dos acordos coletivos, substituídos por acordos individuais), aumentará a precarização, diminuirá salários e aumentará diretamente os lucros dos bancos com a venda da previdência privada aos que antes pretendiam se aposentar pelo sistema público. Isso terá um impacto profundo nos trabalhadores e até mesmo nas classes médias. São inúmeras medidas aprovadas de uma só vez, com certeza é o maior ataque aos direitos dos trabalhadores desferido por um só governo desde o advento da República. A esquerda e os sindicatos burocratizados ladraram, rosnaram, mas ficaram de cabeça baixa ao final. Só esse fato já deixa claro a capitulação à política golpista da burguesia e do governo, o PT é o principal responsável por esse fato, primeiro por ser o principal partido da esquerda, o que tem maior poder de mobilização, aparato, apoio popular e por dirigir grande parte dos sindicatos através da CUT.
Temos que deixar claro, tanto para a esquerda e quanto aos trabalhadores, que os ataques realizados pelas Reformas de Temer são, sem sombra de dúvida, o maior ataque que um governo burguês já realizou contra a classe trabalhadora no Brasil. A Reforma Trabalhista deixa os trabalhadores a mercê de todo tipo de exploração, chegando aos limites do trabalho escravo. A esquerda e os sindicatos pouco lutaram contra essa situação, dado o peso e o aparelho que as centrais sindicais tem. No dia seguinte à Reforma Trabalhista, a condenação de Lula pelo juiz Moro foi utilizada por todos os setores da burguesia como um meio de distrair a opinião pública, de um lado, e para desmoralizar ainda mais os trabalhadores, de outro lado, já que grande parte do eleitorado de Lula são assalariados e todos sabem que ele foi um dirigente sindical no passado. O valor simbólico desse fato não foi simples coincidência. A utilização consciente desse expediente foi um conluio orquestrado pelos setores mais reacionários com o aval de parte da esquerda que preferiu lutar contra a prisão de Lula a se manifestar, clara e contundentemente, contra a Reforma Trabalhista.
O Ministro da Fazenda Henrique Meirelles (ex BankBoston, ex Presidente do BC durante o governo Lula, e ex Presidente da JBS/J&S) cumpre o papel de ser o fiador do governo atual e por incrível que pareça do próximo, pois é patente que caindo ou não o governo Temer, a equipe econômica continuará a mesma. Meirelles foi o homem "forte" da JBS/J&S, mas não há uma investigação sobre como podia ser presidente do grupo e não saber da vasta corrupção da empresa. Sua empresa de consultoria lucrou quase 200 milhões de reais antes de assumir o ministério, e não há investigações sobre "quais" interesses sua consultoria agenciava. Com certeza, o grande capital está bem representado e totalmente blindado.
O que coloca a queda de Temer muito mais no mérito das disputas internas burguesas do que de uma mudança de "rumo" desse ou do futuro governo. O certo é que caindo Temer ou não, a base de sustentação do governo seguirá essencialmente a mesma. As eleições indiretas são a garantia da continuidade do regime político.
A análise das denúncias da JBS, através do Procurador Geral, Rodrigo Janot, deve ser compreendida como uma discussão sobre a fisionomia ou a "cara" do governo, mas não sobre seu programa, seu caráter de classe ou sobre os setores que lhe dão apoio. Não estamos diante da possibilidade de queda de um governo, já que a equipe econômica, que é o coração e o cérebro do governo continuará intacta, como já foi anunciado pelo próprio Meirelles. Estamos diante da discussão sobre a deposição do presidente apenas, ou seja, seu rosto, sua fisionomia pública diante das massas. Lógico que isso afetará em alguma medida os partidos que compõem a base de apoio, mas a grosso modo não haverá grandes mudanças.
A saída ou não do PSDB (ou outros partidos) do governo Temer é apenas um recurso político de manutenção do capital político desses partidos (diante de um governo totalmente desgastado perante à população). Discutem a saída do governo, mas não sobre sair da base de apoio (ou seja da base de sustentação do governo). Discutem quais partidos farão parte do governo, mas a base de sustentação no Congresso continuará quase que inalterada. Tudo pode mudar repentinamente, mas dificilmente os setores que sustentam esse governo mudarão bruscamente a coalizão de partidos que torna possível o "controle" do Congresso e a partir dai do governo. Apesar das divergências em torno da sucessão do governo Temer, os setores principais da burguesia estão unificados, sustentando a política atual mesmo diante de possíveis reveses.
Nos bastidores da crise, que toma a forma de uma crise judicializada, ou até mesmo criminalizada (já que os crimes políticos transformaram-se no ponto de disputa), disseminou-se por todo o regime político. Há, entretanto, um claro acordo entre o PMDB de Temer, o PSDB de FHC e Aécio Neves e o PT de Lula. Esses setores consertam um acordo tácito, um Acordão, de não agressão (no último período), em que pode-se ver o STF amenizando, adiando, arquivando e até mesmo fechando os olhos para crimes notórios (já que a justiça é cega, fechar os olhos é apenas um pleonasmo), como os casos de Aécio e Rocha Loures. O acordo visa a manutenção clara do governo, uma tentativa de "estabilizar" a crise política e adiar as disputas políticas para o calendário eleitoral. Parte desse acordo será finalizado pela Reforma Política que virá em seguida às demais Reformas (para manter a estabilidade política do regime) e o comprometimento dos atores políticos principais para não anular as Reformas do governo Temer. Lula faz críticas às Reformas, mas não move um dedo no sentido de anula-las quando se coloca sobre esse tema.
O PSDB e o PT amenizam o confronto direto jogando a disputa para as eleições de 2018. Parte importante desse acordo é a manutenção (por parte do PT que ainda controla grande parte das organizações sindicais e populares) das massas em um grande imobilismo. Podemos ver que tanto a greve geral de junho, como outros tipos de mobilizações, assim como no dia da votação da denúncia por corrupção contra Temer no Congresso. As mobilizações são desviadas ou abortadas, especialidade da burocracia sindical em 20 anos de frente popular (uma frente de colaboração de classes, essencial para imobilizar os trabalhadores diante dos ataques da burguesia). A mobilização independente das massas é sempre sacrificada, o PT e a CUT preparam desse modo futuras derrotas, já que o golpe parlamentar é uma derrota que ficou no passado. As mobilizações de Fora Temer que num primeiro momento ganharam as massas e tiveram ressonância na sociedade, são agora desarticuladas, tudo para manter a disputa longe das ruas, mais exatamente em Brasília, entre o Congresso e o STF, onde os trabalhadores tenham apenas um papel decorativo, mas impedindo, de todas as formas, sua intervenção independente.
Nem mesmo a aprovação da Reforma Trabalhista, um ataque sem precedentes à classe trabalhadora (e até mesmo aos sindicatos) teve uma resposta à altura, o medo de uma mobilização contundente das massas é maior do que as derrotas que possam afetar a esquerda ou a burocracia sindical. Temos que colocar as atuais derrotas, que os trabalhadores e a maioria da população vem sofrendo, na conta das direções (especialmente o PT), que imobilizam as massas diante de um dos mais ferozes ataques da burguesia e do grande capital contra seus direitos essenciais.
O ponto nevrálgico do acordão entre PT, PSDB e PMDB é a manutenção do governo atual e a continuidade das Reformas antioperárias e antipopulares. O PT sustenta a estabilidade do regime em troca do "desgaste" político do governo diante das massas. As derrotas de hoje são trocadas pela incerteza do futuro. A futura Reforma Política dará ao regime a possibilidade de se perpetuar. Até mesmo a possibilidade de um regime semi-parlamentarista ou parlamentarista estará na pauta. E os pequenos partidos de esquerda enfrentarão uma férrea cláusula de barreira para continuar existindo. Fora o voto distrital e outras "criações" parlamentares que mudarão totalmente as chamadas "regras do jogo" da atual política burguesa.
Dentro desse quadro é que vem à tona o debate que uma parcela da esquerda começa a esboçar sobre uma Frente de Esquerda, como alternativa de poder.
Essa nova Frente, ainda sem uma fisionomia programática clara, ora começa a ser debatida como um polo de aglutinação dos setores da esquerda combativa que se opõe à política de colaboração de classes do PT (nem sempre de forma consequente) e que se colocam contrários ao golpe (nem todos!), ao governo golpista de Michel Temer (ou de seu possível sucessor), ora se coloca como uma mais uma camisa de força para conter as massas, em vez de organizar, unificar e dar um programa que responda aos interesses dos trabalhadores assalariados e setores explorados, acaba sendo um meio de perpetuar a política de colaboração de classes que o PT vem desenvolvendo nos últimos trinta anos, só que com uma nova roupagem. Sob o nome de Frente de Esquerda pode-se formar uma frente única classista, uma frente de colaboração de classes ou até mesmo uma frente centrista que cumpra um papel intermediário entre as duas primeiras.
Diante da esquerda se abrem, no momento, três vertentes básicas de frente: uma das vertentes que ganha força, e que não pode ser desprezada, pois já começa a se articular e até mesmo realizar reuniões para debater suas perspectivas, é a de um acordo oportunista do PT com a esquerda que ficou fora de seu governo (PSOL, esquerda do PT, FBSM, etc). Essa possibilidade de configuração toma como ponto de partida que a frente de colaboração de classes que o PT conduzia esgotou-se completamente, não foi o PT que superou a frente e a burguesia, mas a frente que lhe deu um golpe, com Temer à frente, e colocou o PT como o "bode expiatório" da burguesia e de setores de direita da classe média. O PT perdeu o "apoio" desses setores que ficaram com Temer e o governo. Alguns setores da "esquerda" tentam aproveitar-se dessa situação (a de que a burguesia deu as costas ao PT) configurando uma nova frente, uma frente que tenha uma fisionomia mais à "esquerda", o principal "modelo" desse tipo de frente seria a "Geringonça" portuguesa. Um governo de centro esquerda que se mantém dentro dos marcos da União Europeia. Seria uma nova frente de colaboração de classes, só que adaptada aos tempos atuais, no qual a burguesia ficou com a imagem de "golpista" diante dos trabalhadores e ao mesmo tempo rompeu com o PT e tomou outro caminho, o caminho de sustentação do governo golpista de Michel Temer.
Ou seja, programaticamente seria uma frente de colaboração de classes mas sem os principais partidos da burguesia. Com isso o PSOL e os setores da esquerda que estão no último período negociando sua entrada nesse partido, seriam fiadores da política do PT e de Lula. De outro lado dariam um roupagem de "esquerda" que o PT necessita para reconquistar a militância e as massas.
Em resumo: diante da impossibilidade de setores significativos da burguesia de compor uma frente com o PT, o PT buscaria, como plano B, pois Lula até agora critica essa via, uma frente com a "sombra de esquerda" da pequena burguesia e da própria burguesia. Algo próximo da Frente Brasil Popular de 1989. Não seria o PT que se deslocaria à esquerda, mas o PSOL e outros setores que se deslocariam à direita. Os limites desse tipo de frente estarão estampados em seu programa: o respeito à propriedade privada capitalista, ao mercado e ao grande capital. Essencialmente nada mudaria, já que se colocariam, desde o princípio, como reféns da Congresso reacionário. Algumas reuniões já foram realizadas por membros da "esquerda" do PT, setores do PSOL e movimentos sociais.
Lógico que ainda estamos diante da possibilidade de que Lula seja condenado em segunda instância e seja preso ou tenha a candidatura cassada. Isso deixaria Lula mais forte, mas inelegível, se tornaria assim um plano B para o regime político, para ser usado apenas num caso de extrema necessidade. A hipótese da prisão ou condenação de Lula transforma-lo num herói é um "perigo" para o regime político, diante disso a Reforma política deve aprovar o voto distrital e um regime parlamentar para impedir qualquer mudança brusca após as Reformas reacionárias em curso.
Um segundo caminho que temos exemplo direto no Podemos da Espanha e no Syriza da Grécia, e que longe de abrir uma perspectiva de luta para os trabalhadores, limita-se a uma esquerda parlamentar, onde longe de combater o capitalismo o que se faz é apenas dar algumas esmolas aos que estão mais desfavorecidos, uma esquerda que está distante das lutas diárias, dos sindicatos, dos movimentos sociais, que busca muito mais fazer reformas que não afetem a estrutura do prédio (ou seja o capitalismo), que não tem como papel varrer a burocracia dos sindicatos ou de romper claramente com o grande capital (nacional e internacional) e seus representantes. Querem apenas ser uma alternativa de esquerda (pequeno burguesa) para se chegar ao governo e assim conseguir algumas reformas. Seria uma proposta centrista, com o PSOL na cabeça e com o apoio de outros partidos e organizações, sem a participação do PT, um programa que respeite a propriedade privada, o capitalismo, e que faça algumas pequenas "reformas" no regime atual.
A discussão que se coloca no atual momento é: qual frente de esquerda queremos, qual frente necessitamos? Qual o caráter dessa frente? É uma frente eleitoral? Ou é uma frente que também intervirá na luta de classes (greves, movimento operário, sindicatos, movimentos populares, etc). Seria uma frente para fazer uma mera "oposição" ao regime ou para organizar as massas para lutar e colocar abaixo o atual regime político?
Não podemos deixar de colocar o exemplo da esquerda na Argentina, como um outro caminho, um caminho classista e revolucionário para a classe trabalhadora, um caminho oposto à colaboração de classes. A FIT (Frente de Esquerda e dos Trabalhadores), é um exemplo a ser seguido e estudado, formado em nosso continente, em um país vizinho, que se apresenta como uma frente única (com suas naturais diferenças internas entre cada partido), abarca todos os setores da esquerda classista e os setores militantes dos trabalhadores e da juventude. A FIT (formada pelo PO, pelo PTS e pela IS) é uma frente como expressão de uma luta consciente dos trabalhadores e de um programa que expresse essa luta. É uma frente que intervem nas eleições, mas também na luta diária dos trabalhadores, desde um 1º de Maio, até as mobilizações cotidianas dos operários, professores, movimento de mulheres, estudantes, GLBT, etc, etc. Nas greves, nas mobilizações e no cotidiano das massas está presente com um programa que defende os interesses dos trabalhadores. Utiliza as eleições para politizar e organizar as massas. É uma frente com caráter classista e que procura organizar os trabalhadores e a maioria dos setores explorados para a conquista do poder como seus verdadeiros protagonistas e não como meros coadjuvantes.
Há três caminhos que a nossa esquerda confunde como sendo sinônimos e não são, muito pelo contrário: primeiro, a frente do PT com a esquerda (PSOL, etc) no qual o PSOL se deslocaria à direita para se coligar com o PT junto a outros partidos e movimentos sociais; outro caminho é o do PSOL indo à esquerda (várias organizações devem entrar em seu seio no próximo período) e formando uma frente no estilo do Podemos espanhol ou do Syriza da Grécia (pois o PSOL está à direita desses partidos), uma frente de caráter centrista, e por fim o da esquerda formar uma frente única com um programa classista, debatido em meio às suas organizações, com forte presença na luta de classes, como faz a FIT na Argentina. Que se procure dar um programa à esquerda e aos trabalhadores para se lutar contra o capitalismo, de forma consciente, através de uma frente única. Uma frente que organize e arme os trabalhadores. São três caminhos bem distintos e que os militantes tendem a colocar e confundir com o mesmo nome. Por isso quando se debater uma frente de esquerda, em primeiro lugar deveríamos perguntar: Qual frente? Quais partidos? Qual programa? Quais objetivos queremos atingir?
Para uma frente de esquerda não ser uma palavra de ordem oportunista, uma bravata parlamentar, que tem somente o objetivo de prender as massas e os trabalhadores em uma camisa de força, aprisionando diariamente seus anseios de luta, que apenas quer polarizar para obter lucros eleitorais, deve se colocar, em primeiro lugar, como uma frente combativa, que tenha um foro democrático para debater as diferentes concepções e que tenha um programa que seja expressão desse debate. Não pode ser uma frente que almeje apenas reformas, mas tem que organizar as massas e atacar diretamente o regime capitalista e sua crise histórica. Tem que expressar em seu programa uma concepção socialista de mundo.
Uma frente de esquerda dessa natureza seria classista ao se colocar como um polo de atração dos setores organizados e chamar um Congresso dos Trabalhadores, organizada por toda essa esquerda combativa que se coloca em oposição ao regime político, ao grande capital, e às tendências de colaboração de classe, que tentam aprisionar a todo custo os trabalhadores para impedir que formem uma consciência política própria e se organizem como classe social.
Um Congresso dos Trabalhadores seria necessário no atual período para dar uma fisionomia classista à essa esquerda, um programa diante da crise aberta na atualidade, e para demonstrar que essa frente intervém no dia-a-dia das massas, não só na luta parlamentar, desse modo combateria pela evolução da consciência das massas. A delimitação política sempre é necessária na esquerda, e nesse momento é urgente. Uma crise dessa envergadura só pode ser superada pela delimitação programática com a burguesia e com os setores que defendem a conciliação e a colaboração de classes. Mas somente um Congresso dos Trabalhadores pode dar unidade a esse debate programático e colocar a organização da classe trabalhadora como ferramenta de luta para o próximo período.
Diante da gigantesca crise que passamos na atualidade, nós necessitamos que haja uma intervenção da classe social mais numerosa, a única que produz a riqueza: os trabalhadores. A fusão de uma esquerda classista com um movimento organizado dos trabalhadores pode ser logrado a partir da organização de um grande Congresso que catalise os setores organizados dos trabalhadores, da juventude, das mulheres, e dos setores explorados, sem esquecer os desempregados, que necessitam de uma perspectiva política. Tal fusão seria expressa na discussão e aprovação de um programa comum, um programa de luta, combativo e socialista que abra uma perspectiva política para os trabalhadores e para essa frente de esquerda que ainda procura uma fisionomia.
Os trabalhadores sofreram, no último período, inúmeras derrotas, em grande parte essas derrotas foram engendradas pela condução e pela direção que o PT mantém nos movimentos sociais, para romper com essa política temos que ter uma nova organização dos trabalhadores, das mulheres e da juventude, é necessário uma frente de esquerda que seja combativa, classista e socialista. Só poderemos reverter essas derrotas com organização e luta e para isso é necessário construir uma nova direção para os trabalhadores e para a esquerda. A tarefa é árdua, mas há momentos em que os caminhos fáceis só nos conduzem ao fracasso e que é necessário um grande esforço coletivo para superarmos um grande obstáculo. Ao clarificar o debate e coloca-lo sobre novas bases damos nossa contribuição política a luta que se desenvolve em nosso país.
Uma frente de esquerda que seja expressão dessa luta deve encarar essa proposta como um desafio. Somente o protagonismo dos trabalhadores pode mudar o enredo da crise histórica que estamos vivenciando. Mais do que nunca é hora de unirmos força por um Congresso Nacional da Classe Trabalhadora, é esse o caminho para a esquerda combativa no atual momento e é esse o caminho para se construir uma verdadeira frente de esquerda, que mereça esse nome, não uma frente meramente eleitoral, mas uma frente de luta, formada pelos militantes de todos os setores e categorias, essa é a luta, e esse é o desafio.