Por Jorge Altamira
Convocação para uma conferência internacional em Buenos Aires
A
comemoração do centenário da Revolução de Outubro, que aconteceu nos
mais diversos palcos através do mundo, tem servido, além disso, como
uma oportunidade para delimitar posições a respeito do período histórico
que atravessa a humanidade na atualidade, e portanto sobre a luta de
classes e as lutas políticas.
A Revolução de Outubro constituiu o
ponto de partida de uma nova estratégia política do socialismo, focada
até então em uma perspectiva de reformas sociais, porque testou em
uma escala geográfica sem precedentes que a luta de classes moderna
conduz ao governo dos trabalhadores – o qual significa a possibilidade
de que o proletariado desenvolva, por meio de sua dominação de classe, o
salto ou a transição para uma sociedade socialista internacional.
Esta estratégia política, definidamente revolucionária, no entanto foi
preponderante em um período histórico muito efêmero em suas definições
fundamentais. O
retrocesso da Revolução e da classe operária, como consequência de um
bloqueio econômico, invasões militares e isolamento relativo, abriu
caminho à
tese do “socialismo” restringido a “um só país”. Recorreu à
política de colaboração de classes, conhecida, por um lado, como “frente
popular” e, por outro lado, como “coexistência pacífica” com o capital e
seus estados – precisamente as duas questões que o bolchevismo derrotou
politicamente para impor a vitória de Outubro.
Antes que o
assessor dos Estados Unidos, Francis Fukuyama, cunhasse a tese de que o
domínio do capital e do mercado capitalista constituía “o fim da
história” e até sua própria finalidade ou objetivo, nas filas do
stalinismo e da esquerda, essa perspectiva já tinha atingido um
desenvolvimento "teórico", sem podermos chamá-lo assim, significativo. A
bancarrota capitalista em escala desconhecida, as guerras imperialistas e
as crises políticas, bem como as rebeliões que sacodem ao mundo, se não
têm posto “fim” a estas manipulações ideológicas, por certo que as têm
refutado por completo. O “estado de bem-estar” jaz
já no panteão das relíquias e até os estudiosos da mudança climática
advertem que o capitalismo prepara uma crise existencial ao ser humano. A
caracterização de que “a crise da humanidade se reduz à crise de
direção do proletariado”, definida assim pela IV Internacional, é mais
que nunca a questão estratégica fundamental.
Leningrado
Em Istambul, a convulsionada capital da convulsionada Turquia, foi palco, a
princípios de dezembro, de uma de suas comemorações, por iniciativa do
DIP – o Partido Operário Revolucionário. O encontro foi aproveitado também
para reunir às principais organizações da CRQI, que luta para refundar a
IV Internacional, com o objetivo de lançar uma série de iniciativas.
No
início da Jornada em Istambul, várias das organizações presentes que
tinham participado de seminários realizados em Leningrado (rebatizada
São Petersburgo pela burocracia restauracionista), o centro político da
Revolução de Outubro, transmitiram manifestações de mudanças, em
especial entre a juventude russa, como a revalorização da experiência
revolucionária de Outubro. Este princípio de giro político é um
resultado, claro, do retrocesso histórico que sofreu o ex-espaço
soviético como consequência da restauração das máfias capitalistas. À
pobreza enorme, à perda de conquistas, soma-se a evidência de que o
regime existente caminha por uma margem tênue de uma nova catástrofe
econômica e política. A camarilha de Putin tenta estrangular esta
perspectiva mediante o reforço do bonapartismo dos ‘serviços’ do Estado.
No entanto, enquanto o velho partido comunista stalinista converteu-se
em um capacho de Putin, ao mesmo tempo estão se produzindo rupturas de
esquerda de certa amplitude, incluindo uma defesa da fundação e
vigência da III Internacional fundada por Lenin e Trótsky, em 1919. Com
estes informes iniciou-se a Jornada.
Taksin
O
seminário organizado pelo DIP durou toda a jornada e esteve bem
organizado. Teve lugar em um teatro estilo século XIX, que dá à rua
que conduz à histórica praça Taksin. A Revolução de Outubro não foi
relegada ao passado histórico, mas situada em sua atualidade. Ficou de
manifesto que o impasse da sociedade capitalista se distingue, no
presente, por sua escala, por sua profundidade, e por sua tendência,
inclusive, a converter aos principais países imperialistas, em especial
na Europa, no famoso “elo débil” da crise econômica e política mundial.
No que diz respeito à minha intervenção no painel inicial, dei ênfase em
assinalar que a vitória da Revolução de Outubro foi o resultado da
vitória da luta política por superar a crise de direção que afetou ao
proletariado revolucionário russo naquela luta histórica – tanto contra
os partidos de colaboração de classes, como no interior do partido
bolchevique. A crise de direção segue sendo o problema estratégico por
excelência e está relacionado com o entendimento da decadência histórica
irreversível e a tendência à desintegração do capitalismo.
A
jornada destacou-se pela originalidade das intervenções de militantes
muito jovens de diversos países, ou seja que expuseram suas realidades
históricas, suas particularidades no contexto da crise mundial. Foi uma aula
instrutiva escutar as experiências de jovens azerbaidjanos, e de militantes
ucranianos e de vários países dos Balcãs. O “choque de civilizações”
com que o imperialismo procura justificar sua cruzada de colonização
criminosa, foi refutado pelo relato das grandes revoluções na Ásia
Central muçulmana e nas gigantescas rebeliões que seguiram à primeira
guerra mundial. O véu do islamismo não foi obstáculo para que milhões
de muçulmanos se incorporassem à torrente revolucionária impulsionada
por Outubro. A própria Turquia deve seu movimento republicano à influência da
Revolução de Outubro. O imperialismo contrapôs ao Chamado aos Povos
Muçulmanos (1), por parte do bolchevismo, a Declaração Balfour (2),
ditada pelo imperialismo britânico, para combater essa convocação a mando
do sionismo. A crise do imperialismo tem convertido, na atualidade, a
toda a área coberta há cem anos pelo império Otomano, em um barril de pólvora
social e político. A Jornada foi uma descrição da crise mundial na Ásia
Central e no Oriente Médio, e da resistência, o combate e a revolução que mora em suas massas exploradas.
IV Internacional
Depois
desta introdução a respeito da atualidade da revolução mundial,
aconteceu, nos dias seguintes, a reunião das organizações presentes da
CRQI,
no Seminário. O ponto fundamental foi a necessidade de um balanço do
programa, do método e da atividade da CRQI, para atualizar as
conclusões,
as táticas, os métodos de organização e as iniciativas internacionais.
A CRQI é a única tendência política que reivindica a IV Internacional,
que tem um programa, em contraste com as declarações conjunturais e
impressionistas que caracteriza o resto. É o que nos propomos
reexaminar ao cabo de duas décadas de desenvolvimento da crise mundial
que
esse programa soube antecipar. Para isso foi decidido convocar uma
conferência preparatória internacional, no próximo abril , com vistas a
um Congresso no setembro seguinte. Para desenvolver esta tarefa e as
ações políticas que impõe a luta de classes internacional, foi combinado
em
estabelecer uma rede digital comum, editar uma revista bilingue
trimestral, grupos de trabalhos comuns em torno de cada continente e um
comitê político permanente. A pré-conferência internacional terá um
caráter aberto, à que assistirão numerosas organizações convidadas da
região do Euro-Mediterrâneo e da América Latina.
Anteriormente a
esta
reunião, organizou-se uma sessão de discussão com militantes turcos e de
outros países participantes do Seminário, em relação ao Partido Obrero e
à Frente de Esquerda, na Argentina, cuja experiência é seguida com
interesse e
criticamente. O debate girou, em definitivo, sobre o que essa
experiência ensina a respeito do método para superar a crise de direção e
construir partidos revolucionários com forte penetração nas massas. Em
oposição a um esquematismo fortemente arraigado, sublinhamos a
importância que tem a transformação da consciência do próprio
proletariado, porque a vanguarda revolucionária não pode se
desenvolver à margem dela, nem pode fazê-la sem jogar um papel central
nessa transformação. Criticamos a ideia de que a esquerda
revolucionária possa ser a beneficiária automática da crise do estado e
dos partidos patronais, pois, no melhor dos casos, isso concluiria em
uma construção democratizante, não revolucionária. Sublinhamos a
necessidade de caracterizar muito bem a oportunidade política dos
frentismos de esquerda e sua relação com o ativismo operário e a
vanguarda; a necessidade, nestas experiências, de lutar para estender a
unidade de ação no campo dos sindicatos, da mulher e da juventude; e
por
sobretudo, a obrigação, não já a necessidade, de um reforço da
elaboração teórica e da delimitação política, precisamente para
construir o partido que fez possível a vitória de Outubro.
(1)
Na circular dos Comissários do Povo "A Todos os Muçulmanos
Trabalhadores de Rússia e do Leste", emitida poucos dias após a tomada
do poder, o governo soviético declarou a rejeição das políticas
imperialistas seguidas pelos governos czaristas e provisórios e
expressou o desejo de construir relações com os povos coloniais sobre a
base da igualdade e o respeito mútuo. Este documento teve grande
impacto na população muçulmana do território do antigo Império russo e
nos países islâmicos.
(2) Carta enviada pelo Secretário de Estado
de Relações exteriores britânico, Arthur James Balfour, a Lord
Rothschild, destinada a conseguir o apoio da comunidade judia ao esforço
bélico na Primeira Guerra Mundial. Conhecida como a “Declaração de
Balfour”, se converteu em uma das bases legais para criar um estado
judeu na Palestina. A carta foi publicada no “Times” de Londres uma
semana mais tarde. O texto é o seguinte:
Foreign Office
2 de novembro de 1917
Estimado Lord Rothschild:
Tenho
sumo prazer em comunicar-lhe em nome do Governo de Sua Majestade, a
seguinte declaração de simpatia com as aspirações judaicos sionistas,
declaração que tem sido submetida à consideração do gabinete e aprovada
pelo mesmo:
«O Governo de Sua Majestade contempla com simpatia o
estabelecimento na Palestina de um lar nacional para o povo judeu, e
empregará seus melhores esforços para facilitar o cumprimento deste
objetivo, ficando claramente entendido que não se fará nada que possa
prejudicar os direitos civis e religiosos das comunidades não-judaicas
existentes na Palestina, ou os direitos e status político de que gozam
os judeus em qualquer outro país.»
Lhe agradecerei que leve esta declaração a conhecimento da Federação Sionista.
Seu
Arthur James Balfour