O AGRUPAMENTO TRIBUNA CLASSISTA CONVIDA
A
Doutrina EconÔmica de Marx
Lênin
"O
objetivo final desta obra, diz Marx no seu prefácio de O Capital, é descobrir a lei econômica do movimento da
sociedade moderna", isto é, da sociedade
capitalista, da sociedade burguesa.
O estudo das relações de produção de uma
sociedade historicamente determinada e concreta no seu nascimento, desenvolvimento e declínio, tal é o conteúdo da
doutrina econômica de Marx. O que domina na sociedade capitalista é a produção
de mercadorias; por isso a análise de Marx começa pela análise da mercadoria.
O Valor
A mercadoria é, em primeiro lugar, uma
coisa que satisfaz uma qualquer
necessidade do homem; em segundo lugar, é uma coisa que se pode trocar por outra. A utilidade de uma coisa
faz dela um valor de uso. O valor
de troca (ou simplesmente o valor)
é, em primeiro lugar, a relação, a
proporção na troca de um certo número de valores de uso de uma espécie contra
um certo número de valores de uso de outra espécie. A experiência
quotidiana mostra-nos que, através de milhões, de milhares de milhões de trocas
deste tipo se comparam incessantemente os valores de uso mais diversos e mais
díspares. Que há de comum entre estas
coisas diferentes, que são tornadas constantemente equivalentes num determinado
sistema de relações sociais? O que elas têm de comum é serem produtos do
trabalho. Trocando os seus produtos, os homens criam relações de equivalência entre os mais diferentes gêneros de trabalho.
A produção das mercadorias é um sistema
de relações sociais no qual os diversos produtores criam produtos variados
(divisão social do trabalho) e em
que todos estes produtos se equiparam
uns aos outros na troca. Por conseguinte, o que é comum a todas as mercadorias não é o trabalho concreto de um ramo de produção determinado, não é um
trabalho de um gênero particular, mas o trabalho humano abstrato, o trabalho humano em geral. Numa dada
sociedade, toda a força de trabalho
representada pela soma dos valores de todas as mercadorias constitui uma só e
mesma força de trabalho humano; milhares de milhões de atos de troca o
demonstram. Cada mercadoria considerada
isoladamente não representa portanto senão uma certa parte do tempo de trabalho socialmente necessário. A grandeza do valor é determinada pela quantidade de trabalho socialmente necessário ou pelo tempo de trabalho
socialmente necessário para a produção de determinada mercadoria, de
determinado valor de uso. "Ao
equiparar os seus diversos produtos na troca como valores, os homens equiparam
os seus diversos trabalhos como trabalho humano. Não se dão conta, mas
fazem-no." O valor é uma relação entre duas pessoas,
disse um velho economista; mas deveria acrescentar: uma relação entre pessoas escondida sob a envoltura das coisas. Só partindo do sistema de relações sociais
de produção de uma formação histórica determinada, relações que se manifestam
na troca, fenômeno generalizado que se repete milhares de milhões de vezes, é
que se pode compreender o que é o valor. "Como valores, todas as mercadorias são apenas quantidades determinadas
de tempo de trabalho cristalizado."
Depois
de uma análise detalhada do duplo
carácter do trabalho incorporado nas mercadorias, Marx passa à análise da forma
do valor e do dinheiro. A principal tarefa que Marx se atribui é
investigar a origem da forma
dinheiro do valor, estudar o processo histórico do desenvolvimento da troca, começando pelos atos de troca particulares e fortuitos (forma simples, particular ou acidental do valor: uma quantidade
determinada de uma mercadoria é trocada por uma quantidade determinada de outra
mercadoria), para passar à forma
geral do valor, quando várias
mercadorias diferentes são trocadas por outra mercadoria determinada e concreta
sempre a mesma, e acabar na forma
dinheiro do valor, quando o ouro se
torna esta mercadoria determinada, o
equivalente geral. Produto supremo
do desenvolvimento da troca e da produção de mercadorias, o dinheiro encobre e dissimula o carácter
social dos trabalhos parciais, a
ligação social entre diversos produtores unidos uns aos outros pelo mercado.
Marx submete a uma análise extremamente
minuciosa as diversas funções do dinheiro, e é especialmente importante
notar que também aqui (como nos primeiros capítulos de O Capital) a forma abstrata de exposição que, por
vezes, parece puramente dedutiva, reproduz na realidade uma documentação
imensamente rica sobre a história do desenvolvimento da troca e da produção de
mercadorias. "O dinheiro supõe
certo nível de troca de mercadorias. As formas particulares do dinheiro,
simples equivalente de mercadorias, meio de circulação, meio de pagamento,
tesouro ou dinheiro universal, indicam, conforme o diferente alcance e a
preponderância relativa de uma dessas funções, graus muito diversos do processo
social de produção" (O Capital, I)
A Mais Valia
Num certo
grau do desenvolvimento da produção de mercadorias, o dinheiro transforma-se em
capital. A fórmula da circulação de mercadorias era: M (mercadoria) - D
(dinheiro) - M (mercadoria), isto é, venda de uma mercadoria para a compra de
outra. Pelo contrário, a fórmula geral do capital é: D - M - D, isto é, compra
para a venda (com lucro). E a este acréscimo do valor primitivo do dinheiro
posto em circulação que Marx chama mais-valia. Este "acréscimo" do
dinheiro na circulação capitalista é um facto conhecido de todos. E
precisamente este "acréscimo" que transforma o dinheiro em capital,
ou seja, numa relação social de produção historicamente determinada. A
mais-valia não pode provir da circulação das mercadorias, porque esta só
conhece a troca de equivalentes, nem tão pouco pode provir de um aumento dos
preços porque as perdas e os lucros recíprocos dos compradores e dos vendedores
equilibrar-se-iam; trata-se de um fenômeno social médio, generalizado, e não de
um fenômeno individual. Para obter a mais-valia "seria preciso que o
possuidor do dinheiro descobrisse no mercado uma mercadoria cujo valor de uso
fosse dotado da propriedade singular de ser fonte de valor", uma
mercadoria cujo processo de consumo fosse, ao mesmo tempo, um processo de
criação de valor. E esta mercadoria existe: é a força de trabalho humana. O seu
uso é o trabalho, e o trabalho cria valor. O possuidor de dinheiro compra a
força de trabalho pelo seu valor, que, como o de qualquer outra mercadoria, é
determinado pelo tempo de trabalho socialmente necessário para a sua produção
(isto é, pelo custo da manutenção do operário e da sua família).
Tendo comprado
a força de trabalho, o possuidor do dinheiro fica com o direito de a consumir,
isto é, de a obrigar a trabalhar durante um dia inteiro, suponhamos durante
doze horas. Mas em seis horas (tempo de trabalho "necessário"), o
operário cria um produto que cobre as despesas da sua manutenção, e durante as
outras seis horas (tempo de trabalho "suplementar"), cria um
"sobreproduto" não retribuído pelo capitalista, que constitui a
mais-valia. Por conseguinte, do ponto de vista do processo de produção é
necessário distinguir duas partes do capital: o capital constante, investido
nos meios de produção (máquinas, instrumentos de trabalho, matérias-primas,
etc.), cujo valor passa sem modificação (de uma só vez ou por partes) para o
produto acabado, e o capital variável, que é investido para pagar a força de trabalho.
O valor deste capital não se conserva invariável; antes aumenta no processo do
trabalho, criando mais-valia. Assim, para exprimir o grau de exploração da
força de trabalho pelo capital temos de comparar a mais-valia não com o capital
total, mas unicamente com o capital variável. A taxa de mais-valia, nome dado
por Marx a essa relação, seria, no nosso exemplo, de 6/6 ou de 100%.
A
condição histórica para o aparecimento do capital reside, em primeiro lugar, na
acumulação de uma certa soma de dinheiro nas mãos de certas pessoas num estádio
de desenvolvimento da produção de mercadorias em geral já relativamente
elevado; em segundo lugar, na existência de operários "livres" sob
dois aspectos - livres de quaisquer entraves ou restrições para venderem a sua
força de trabalho, e livres por não terem terras nem meios de produção em geral
-, de operários sem qualquer propriedade, de operários-"proletários"
que não podem subsistir senão vendendo a sua força de trabalho.
O aumento
da mais-valia é possível graças a dois processos fundamentais: o prolongamento
da jornada de trabalho ("mais-valia absoluta") e a redução do tempo
de trabalho necessário ("mais-valia relativa"). Marx, analisando o
primeiro processo, traça um quadro grandioso da luta da classe operária pela
redução da jornada de trabalho e da intervenção do poder de Estado primeiro
para a prolongar (séculos XIV a XVII) e depois para a diminuir (legislação
fabril do século XIX). Depois da publicação de O Capital, a história do
movimento operário, em todos os países civilizados do mundo, forneceu milhares
e milhares de novos factos que ilustram esse quadro.
Na sua
análise da produção da mais-valia relativa, Marx estuda as três etapas
históricas fundamentais no processo de intensificação da produtividade do
trabalho pelo capitalismo: 1 - cooperação simples; 2 - a divisão do trabalho e
a manufactura; 3 - as máquinas e a grande indústria. A profundidade com que a
análise de Marx revela os traços fundamentais e típicos do desenvolvimento do
capitalismo aparece, entre outras coisas, no facto de o estudo da chamada
indústria artesanal russa fornecer materiais muito abundantes para ilustrar as
duas primeiras dessas três etapas. Quanto à ação revolucionadora da grande
indústria mecanizada, descrita por Marx em 1867, manifestou-se, durante o meio
século decorrido desde então, em vários países "novos" (Rússia,
Japão, etc.).
Continuemos.
O que há de novo e extremamente importante em Marx é a análise da acumulação
do capital, isto é, da transformação de uma parte da mais-valia em capital
e do seu emprego não para satisfazer as necessidades pessoais ou os caprichos
do capitalista, mas para voltar a produzir. Marx assinalou o erro de toda a
economia política clássica anterior (desde Adam Smith), segundo a qual toda a
mais-valia que se convertia em capital passava a fazer parte do capital
variável. Enquanto, na realidade, ela se decompõe em meios de produção e
em capital variável. O crescimento mais rápido da parte do capital constante
(no montante total do capital) em relação à parte do capital variável tem, no
processo de desenvolvimento do capitalismo e da sua transformação em
socialismo, uma importância primordial.
Acelerando
a substituição dos operários pelas máquinas e criando a riqueza num pólo e a
miséria no outro, a acumulação do capital gera assim o chamado "exército
de reserva do trabalho", o "excedente relativo" de operários ou
"superpopulação capitalista", que se reveste de formas extremamente
variadas e dá ao capital a possibilidade de ampliar muito rapidamente a
produção. Esta possibilidade, combinada com o crédito e a acumulação de capital
em meios de produção, dá-nos, entre outras coisas, a explicação das crises
de superprodução que aparecem periodicamente nos países capitalistas, a
princípio aproximadamente de dez em dez anos, depois com intervalos menos
próximos e menos fixos. Impõe-se a distinção entre a acumulação do capital na
base do capitalismo e a chamada acumulação primitiva, quando se desapossa
violentamente o trabalhador dos meios de produção, se expulsa o camponês das
suas terras, se roubam as terras comunais, e imperam o sistema colonial e o
sistema das dívidas públicas, as tarifas alfandegárias protecionistas, etc. A
"acumulação primitiva" cria, num pólo, o proletário "livre",
no outro, o detentor do dinheiro, o capitalista.
A "tendência
histórica da acumulação capitalista" é caracterizada por Marx nestes
termos célebres: "A expropriação dos produtores diretos faz-se com o
vandalismo mais impiedoso e sob a pressão das paixões mais infames, mais ignóbeis,
mesquinhas e odiosas. A propriedade privada, ganha com o trabalho pessoal"
(do camponês e do artesão), "e que o indivíduo livre criou,
identificando-se de certo modo com os instrumentos e as condições do seu
trabalho, é substituída pela propriedade privada capitalista que assenta na
exploração do trabalho de outrem, o qual não tem mais que uma aparência de
liberdade ... O que se trata agora de expropriar não é já o operário que
explora ele próprio a sua própria propriedade, mas o capitalista que explora
numerosos operários. Esta expropriação efetua-se pelo jogo das leis imanentes
da própria produção capitalista, pela centralização dos capitais. Cada
capitalista mata muitos outros. E paralelamente a esta centralização, isto é, à
expropriação de muitos capitalistas por alguns, desenvolve-se, numa escala cada
vez maior e mais ampla, a forma cooperativa do processo de trabalho,
desenvolve-se a aplicação técnica consciente da ciência, a exploração
sistemática do solo, a transformação dos meios de trabalho em meios que não
podem ser utilizados senão em comum, a economia de todos os meios de produção
pela sua utilização como meios de produção de um trabalho social combinado, a
incorporação de todos os povos na rede do mercado mundial e, por conseguinte, o
carácter internacional do regime capitalista. À medida que diminui
constantemente o número dos magnatas do capital, que usurpam e monopolizam
todas as vantagens deste processo de transformação, cresce no seu conjunto a
miséria, a opressão, a escravidão, a degeneração, a exploração; mas também
aumenta, ao mesmo tempo, a revolta da classe operária, que é instruída, unida e
organizada pelo próprio mecanismo do processo de produção capitalista. O
monopólio do capital torna-se o entrave do modo de produção que se desenvolveu
com ele e graças a ele. A centralização dos meios de produção e a socialização
do trabalho chegam a um ponto em que se tornam incompatíveis com o seu
invólucro capitalista, que acaba por rebentar. Soa a última hora da propriedade
privada capitalista. Os expropriadores são por sua vez expropriados."(O
Capital, I ).
Outro
ponto extraordinariamente importante e novo é a análise feita por Marx no tomo II
de O Capital da reprodução do capital social tomado no seu conjunto.
Também aqui, ele considera não um fenômeno individual, mas um fenômeno geral,
não uma fracção da economia social, mas a economia na sua totalidade.
Corrigindo o erro atrás mencionado dos economistas clássicos, Marx divide toda
a produção social em duas grandes secções: (I) produção de meios de produção e
(II) produção de artigos de consumo; e examina em pormenor, com o apoio de
dados numéricos, a circulação do capital social no seu conjunto, tanto na
reprodução simples como na acumulação. No tomo III de O Capital
resolve-se, de acordo com a lei do valor, o problema da formação da taxa média
de lucro. Um imenso progresso foi alcançado na ciência econômica pelo facto de
a análise de Marx partir de fenômenos econômicos gerais, do conjunto da
economia social, e não de casos isolados ou das manifestações superficiais da
concorrência, aos quais se limita geralmente a economia política vulgar ou a
moderna "teoria da utilidade marginal". Marx
analisa primeiro a origem da mais-valia e passa em seguida à sua decomposição
em lucro, juro e renda da terra. O lucro é a relação entre a mais-valia e o
conjunto do capital investido numa empresa. O capital de "elevada
composição orgânica" (isto é, em que o capital constante ultrapassa o
capital variável em proporções superiores à média social) dá uma taxa de lucro
inferior à média. O capital de "baixa composição orgânica" dá uma
taxa de lucro superior à média. A concorrência entre os capitais, a sua livre
passagem de um ramo para outro, reduzem, em ambos os casos, a taxa de lucro à
taxa média. A soma dos valores de todas as mercadorias numa dada sociedade coincide
com a soma dos preços das mercadorias, mas, em cada empresa e em cada ramo de
produção tomado à parte, sob influência da concorrência, as mercadorias são
vendidas não pelo seu valor, mas pelo preço de produção, que é igual ao
capital investido, mais o lucro médio.
Assim, a
diferença entre o preço e o valor e a igualização do lucro, factos
incontestáveis e conhecidos de todos, são perfeitamente explicados por Marx com
base na lei do valor, porque a soma dos valores de todas as mercadorias
coincide com a soma dos seus preços. Mas a redução do valor (social) aos preços
(individuais) não se dá de forma simples e direta; segue uma via muito
complicada; é absolutamente natural que, numa sociedade de produtores de
mercadorias dispersos, apenas ligados uns aos outros pelo mercado, as leis que
regem essa sociedade não possam exprimir-se senão através de resultados médios,
sociais, gerais, pela compensação recíproca dos desvios individuais num ou
noutro sentido.
O aumento
da produtividade do trabalho significa um crescimento mais rápido do capital
constante em relação ao capital variável. Ora, sendo a mais-valia função apenas
do capital variável, compreende-se que a taxa de lucro (a relação entre a
mais-valia e todo o capital, e não apenas entre a mais-valia e a parte variável
do capital) tenha tendência para baixar. Marx analisa minuciosamente esta
tendência, assim como as diversas circunstâncias que a ocultam ou a contrariam.
Sem nos determos na exposição dos interessantíssimos capítulos do tomo III,
consagrados ao capital usurário, ao capital comercial e ao capital-dinheiro,
abordaremos o essencial: a teoria da renda da terra. Sendo a superfície
do solo limitada e estando, nos países capitalistas, inteiramente ocupada por
proprietários particulares, o custo de produção dos produtos da terra é
determinado pelos gastos de produção, não nos terrenos de qualidade média, mas
nos da pior qualidade, e pelas condições de transporte (não médias, mas pelas
mais desfavoráveis) dos produtos para o mercado. A diferença entre este preço e
o preço de produção num terreno de qualidade superior (ou em melhores
condições) constitui a renda diferencial. Graças a uma análise
pormenorizada desta renda, em que demonstra que ela provém da diferença da
fertilidade dos terrenos e da diferença dos capitais investidos na cultura,
Marx põe em evidência (ver igualmente as Teorias da Mais-Valia, onde a
crítica a Rodbertus merece uma atenção particular) o erro de Ricardo ao
pretender que a renda diferencial só se obtém pela conversão gradual dos
melhores terrenos em terrenos de qualidade inferior. Pelo contrário,
transformações inversas produzem-se igualmente: terrenos de uma categoria
transformam-se em terrenos de outra categoria (em virtude do progresso da
técnica agrícola, do crescimento das cidades, etc.) e a famosa "lei da
fertilidade decrescente do solo" é um profundo erro que atribui à natureza
os defeitos, as limitações e as contradições do capitalismo. Além disso, a
igualdade do lucro, em todos os ramos da indústria e da economia nacional em
geral, supõe uma liberdade completa de concorrência, a liberdade de transferir
o capital de um ramo para outro. Mas a propriedade privada da terra cria um
monopólio que é um obstáculo a essa livre transferência. Devido a esse
monopólio, os produtos de uma agricultura que se distingue por uma baixa
composição orgânica do capital e que, por conseguinte, dá uma taxa de lucro
individual mais elevada, não entram no livre jogo de igualização da taxa de
lucro: o proprietário agrícola, que detém o monopólio da terra, pode manter o
preço acima da média; este preço de monopólio dá origem à renda absoluta.
A renda diferencial não pode ser abolida em regime capitalista; mas, ao
contrário, a renda absoluta pode sê-lo, por exemplo, com a
nacionalização da terra quando esta passa a propriedade do Estado. Esta
passagem da terra para o Estado significaria a supressão do monopólio dos
proprietários agrícolas, uma liberdade de concorrência mais consequente e mais
completa na agricultura. E por isso que, diz Marx, os burgueses radicais, mais
do que uma vez na história, formularam esta reivindicação burguesa progressiva
da nacionalização da terra que todavia apavora a maior parte da burguesia,
porque "toca" de demasiado perto um outro monopólio que atualmente é
muito mais importante e "sensível": o monopólio dos meios de produção
em geral. (Esta teoria do lucro médio sobre o capital e da renda absoluta da
terra foi exposta por Marx numa linguagem extraordinariamente popular, concisa
e clara na sua carta a Engels de 2 de Agosto de 1862. Ver Correspondência,
t. III, pp. 77-81. Ver também a sua carta de 9 de Agosto de 1862, ibid, pp.
86-87). Importa igualmente assinalar, na história da renda da terra, a análise
em que Marx demonstra a transformação da renda em trabalho (quando o camponês,
trabalhando na terra do senhor, cria um sobreproduto) em renda em produtos ou
renda em espécie (quando o camponês cria na sua própria terra um sobreproduto
que entrega ao proprietário em virtude de uma "coerção
extra-econômica"), depois em renda em dinheiro (que é a renda em espécie
transformada em dinheiro - na Rússia antiga o obrok - em virtude do
desenvolvimento da produção de mercadorias) e, finalmente, em renda capitalista
quando o camponês é substituído pelo empresário agrícola, que cultiva a terra
com a ajuda do trabalho assalariado. Relativamente a esta análise da
"gênese da renda capitalista da terra", notemos uma série de ideias
profundas de Marx (particularmente importantes para os países atrasados, tais
como a Rússia) sobre a evolução do capitalismo na agricultura. "Com
a transformação da renda em espécie em renda em dinheiro constitui-se
necessariamente, ao mesmo tempo, e mesmo anteriormente, uma classe de
jornaleiros não possuidores que trabalham a troco de um salário. Enquanto esta
classe se constitui e enquanto se manifesta apenas esporadicamente, os
camponeses abastados, sujeitos ao pagamento de uma renda, adquirem naturalmente
o hábito de explorar por sua própria conta assalariados agrícolas, assim como
no regime feudal os servos abastados tinham por sua vez outros servos ao seu
serviço. Daqui resultou para eles a possibilidade de juntar, pouco a pouco, uma
certa fortuna e de se transformarem em futuros capitalistas. Entre os antigos
possuidores da terra que a exploram independentemente, cria-se assim um viveiro
de rendeiros capitalistas, cujo desenvolvimento é condicionado pelo
desenvolvimento geral da produção capitalista fora da agricultura” (O Capital,
III, p. 332). "A expropriação e a expulsão da aldeia de uma parte da
população camponesa não só "libertam" para o capital industrial os
operários, os seus meios de subsistência e os seus instrumentos de trabalho,
como lhe criam, além disso, o mercado interno" (O Capital, I, p.
778). A
pauperização e a ruína da população camponesa influem, por sua vez, na formação
do exército de reserva do trabalho para o capital. Em todos os países
capitalistas, "uma parte da população dos campos está constantemente em vias
de transformar-se em população urbana ou manufatureira (isto é, não agrícola).
Esta fonte de superpopulação relativa corre continuamente ... Por conseguinte,
o operário agrícola está reduzido ao mínimo de salário e tem sempre um pé no
pântano do pauperismo" (O Capital, I, p. 668). A
propriedade privada do camponês da terra que ele próprio cultiva constitui a
base da pequena produção, a condição da sua prosperidade e do seu
desenvolvimento na forma clássica. Mas esta pequena produção só é compatível
com um quadro estreito, primitivo, da produção e da sociedade. Em regime
capitalista, "a exploração dos camponeses só pela forma se distingue da
exploração do proletariado industrial. O explorador é o mesmo: o capital. Os
capitalistas tomados isoladamente exploram os camponeses isoladamente pela
hipoteca e a usura. A classe capitalista explora a classe camponesa por meio
dos impostos do Estado" (As Lutas de Classes em França). "A
parcela do camponês já não é mais do que o pretexto que permite ao capitalista
tirar da terra lucro, juro e renda e deixar ao próprio camponês a preocupação
de arranjar como puder o seu salário" (O 18 Brumário).
Normalmente, o camponês entrega mesmo à sociedade capitalista, isto é, à classe
capitalista, uma parte do seu salário e desce assim "ao nível do rendeiro
irlandês, tudo isto sob a aparência de proprietário privado" (As Lutas
de Classes em França). Qual é
"uma das razões que fazem com que, nos países em que a propriedade
parcelaria predomina, o preço do trigo seja menos elevado que nos países de
modo de produção capitalista?” (O Capital, III, p. 340). É que o
camponês entrega gratuitamente à sociedade (isto é, à classe capitalista) uma
parte do sobreproduto. "Estes baixos preços (do trigo e dos outros
produtos agrícolas) resultam, portanto, da pobreza dos produtores, e não da
produtividade do seu trabalho" (O Capital, t. III, p. 340). Em
regime capitalista, a pequena propriedade agrícola, forma normal da pequena
produção, degrada-se, é destruída e desaparece. "Pela sua natureza, a
propriedade parcelaria é incompatível com o desenvolvimento das forças
produtivas sociais do trabalho, as formas sociais do trabalho, a concentração
social dos capitais, a criação de gado em grande escala, a utilização
progressiva da ciência. A usura e o sistema fiscal arruínam-na necessariamente
em toda à parte. O capital investido na compra da terra é subtraído ao cultivo."
Dispersão infinita dos meios de produção e disseminação dos próprios
produtores. (As cooperativas, isto é, as associações de pequenos camponeses,
que desempenham um extraordinário papel progressivo burguês, só podem atenuar
esta tendência, sem entretanto a suprimir; é preciso não esquecer também que
estas cooperativas dão muito aos camponeses abastados, mas muito pouco ou quase
nada à massa dos camponeses pobres, e que tais associações acabam por explorar
elas próprias o trabalho assalariado.) "Desperdício enorme de força
humana. A deterioração progressiva das condições de produção e o encarecimento
dos meios de produção são a lei necessária da propriedade parcelaria.". Na
agricultura como na indústria, a transformação capitalista da produção
produz-se ao preço do "martirológio dos produtores". "A
disseminação dos operários agrícolas em grandes extensões quebra a sua força de
resistência, enquanto a concentração aumenta a dos operários das cidades. Tal
como na indústria moderna, o aumento da força produtiva e a mais rápida
mobilização do trabalho na agricultura capitalista moderna só se obtêm pela
destruição e esgotamento da própria força de trabalho. Além disso, todo o
progresso da agricultura capitalista não é apenas um progresso da arte de
esgotar o operário, mas também de esgotar o solo ... A produção capitalista não
desenvolve portanto a técnica e a combinação do processo social de produção
senão desgastando, ao mesmo tempo, as fontes de toda a riqueza: a terra e o
operário." (O Capital, I, fim do 13.º capítulo.)