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Baseado no Breve Esboço Biográfico seguido de uma exposição do Marxismo, escrito por V. I. Lênin, em novembro de 1914, publicado no Tomo I das suas Obras Escolhidas, desenvolveremos um estudo de introdução aos conceitos básicos da Doutrina Econômica de Marx.
A Doutrina Econômica de Marx
"O
objetivo final desta obra, diz Marx no seu prefácio a O Capital, é
descobrir a lei económica do movimento da sociedade moderna", isto é, da
sociedade capitalista, da sociedade burguesa. O estudo das relações de produção
de uma sociedade historicamente determinada e concreta no seu nascimento,
desenvolvimento e declínio, tal é o conteúdo da doutrina económica de Marx. O
que domina na sociedade capitalista é a produção de mercadorias; por
isso a análise de Marx começa pela análise da mercadoria.
O Valor
A
mercadoria é, em primeiro lugar, uma coisa que satisfaz uma qualquer
necessidade do homem; em segundo lugar, é uma coisa que se pode trocar por
outra. A utilidade de uma coisa faz dela um valor de uso. O valor de
troca (ou simplesmente o valor) é, em primeiro lugar, a relação, a proporção na
troca de um certo número de valores de uso de uma espécie contra um certo
número de valores de uso de outra espécie. A experiência quotidiana mostra-nos
que, através de milhões, de milhares de milhões de trocas deste tipo se
comparam incessantemente os valores de uso mais diversos e mais díspares. Que
há de comum entre estas coisas diferentes, que são tornadas constantemente
equivalentes num determinado sistema de relações sociais? O que elas têm de
comum é serem produtos do trabalho. Trocando os seus produtos, os homens
criam relações de equivalência entre os mais diferentes géneros de trabalho. A
produção das mercadorias é um sistema de relações sociais no qual os diversos
produtores criam produtos variados (divisão social do trabalho) e em que todos
estes produtos se equiparam uns aos outros na troca. Por conseguinte, o que é
comum a todas as mercadorias não é o trabalho concreto de um ramo de produção
determinado, não é um trabalho de um género particular, mas o trabalho humano abstrato,
o trabalho humano em geral. Numa dada sociedade, toda a força de trabalho
representada pela soma dos valores de todas as mercadorias constitui uma só e
mesma força de trabalho humano; milhares de milhões de atos de troca o
demonstram. Cada mercadoria considerada isoladamente não representa portanto
senão uma certa parte do tempo de trabalho socialmente necessário. A
grandeza do valor é determinada pela quantidade de trabalho socialmente
necessário ou pelo tempo de trabalho socialmente necessário para a produção de
determinada mercadoria, de determinado valor de uso. "Ao equiparar os seus diversos produtos na troca como valores,
os homens equiparam os seus diversos trabalhos como trabalho humano. Não se dão
conta, mas fazem-no." O
valor é uma relação entre duas pessoas, disse um velho economista; mas deveria
acrescentar: uma relação entre pessoas escondida sob a envoltura das coisas. Só
partindo do sistema de relações sociais de produção de uma formação histórica
determinada, relações que se manifestam na troca, fenómeno generalizado que se
repete milhares de milhões de vezes, é que se pode compreender o que é o valor.
"Como valores, todas as mercadorias são apenas quantidades determinadas de
tempo de trabalho cristalizado.” Depois de uma análise
detalhada do duplo carácter do trabalho incorporado nas mercadorias, Marx passa
à análise da forma do valor e do dinheiro. A principal tarefa que
Marx se atribui é investigar a origem da forma dinheiro do valor,
estudar o processo histórico do desenvolvimento da troca, começando
pelos atos de troca particulares e fortuitos (forma simples, particular ou
acidental do valor: uma quantidade determinada de uma mercadoria é trocada por
uma quantidade determinada de outra mercadoria), para passar à forma geral do
valor, quando várias mercadorias diferentes são trocadas por outra mercadoria
determinada e concreta sempre a mesma, e acabar na forma dinheiro do valor,
quando o ouro se torna esta mercadoria determinada, o
equivalente geral. Produto supremo do desenvolvimento da troca e da
produção de mercadorias, o dinheiro encobre e dissimula o carácter social dos
trabalhos parciais, a ligação social entre diversos produtores unidos uns aos
outros pelo mercado. Marx submete a uma análise extremamente minuciosa as
diversas funções do dinheiro, e é especialmente importante notar que também
aqui (como nos primeiros capítulos de O Capital) a forma abstrata de
exposição que, por vezes, parece puramente dedutiva, reproduz na realidade uma
documentação imensamente rica sobre a história do desenvolvimento da troca e da
produção de mercadorias. "O dinheiro supõe certo nível de troca de mercadorias.
As formas particulares do dinheiro, simples equivalente de mercadorias, meio de
circulação, meio de pagamento, tesouro ou dinheiro universal, indicam, conforme
o diferente alcance e a preponderância relativa de uma dessas funções, graus
muito diversos do processo social de produção" (O Capital, I)(N29)
A Mais
Valia
Num certo
grau do desenvolvimento da produção de mercadorias, o dinheiro transforma-se em
capital. A fórmula da circulação de mercadorias era: M (mercadoria) - D
(dinheiro) - M (mercadoria), isto é, venda de uma mercadoria para a compra de
outra. Pelo contrário, a fórmula geral do capital é: D - M - D, isto é, compra
para a venda (com lucro). E a este acréscimo do valor primitivo do dinheiro
posto em circulação que Marx chama mais-valia. Este "acréscimo" do
dinheiro na circulação capitalista é um facto conhecido de todos. E
precisamente este "acréscimo" que transforma o dinheiro em capital,
ou seja, numa relação social de produção historicamente determinada. A
mais-valia não pode provir da circulação das mercadorias, porque esta só
conhece a troca de equivalentes, nem tão pouco pode provir de um aumento dos
preços porque as perdas e os lucros recíprocos dos compradores e dos vendedores
equilibrar-se-iam; trata-se de um fenómeno social médio, generalizado, e não de
um fenómeno individual. Para obter a mais-valia "seria preciso que o
possuidor do dinheiro descobrisse no mercado uma mercadoria cujo valor de uso
fosse dotado da propriedade singular de ser fonte de valor"(N30), uma
mercadoria cujo processo de consumo fosse, ao mesmo tempo, um processo de
criação de valor. E esta mercadoria existe: é a força de trabalho humana. O seu
uso é o trabalho, e o trabalho cria valor. O possuidor de dinheiro compra a
força de trabalho pelo seu valor, que, como o de qualquer outra mercadoria, é
determinado pelo tempo de trabalho socialmente necessário para a sua produção
(isto é, pelo custo da manutenção do operário e da sua família). Tendo comprado
a força de trabalho, o possuidor do dinheiro fica com o direito de a consumir,
isto é, de a obrigar a trabalhar durante um dia inteiro, suponhamos durante
doze horas. Mas em seis horas (tempo de trabalho "necessário"), o
operário cria um produto que cobre as despesas da sua manutenção, e durante as
outras seis horas (tempo de trabalho "suplementar"), cria um
"sobreproduto" não retribuído pelo capitalista, que constitui a
mais-valia. Por conseguinte, do ponto de vista do processo de produção é
necessário distinguir duas partes do capital: o capital constante, investido
nos meios de produção (máquinas, instrumentos de trabalho, matérias-primas,
etc.), cujo valor passa sem modificação (de uma só vez ou por partes) para o
produto acabado, e o capital variável, que é investido para pagar a força de trabalho.
O valor deste capital não se conserva invariável; antes aumenta no processo do
trabalho, criando mais-valia. Assim, para exprimir o grau de exploração da
força de trabalho pelo capital temos de comparar a mais-valia não com o capital
total, mas unicamente com o capital variável. A taxa de mais-valia, nome dado
por Marx a essa relação, seria, no nosso exemplo, de 6/6 ou de 100%.
A
condição histórica para o aparecimento do capital reside, em primeiro lugar, na
acumulação de uma certa soma de dinheiro nas mãos de certas pessoas num estádio
de desenvolvimento da produção de mercadorias em geral já relativamente
elevado; em segundo lugar, na existência de operários "livres" sob
dois aspectos - livres de quaisquer entraves ou restrições para venderem a sua
força de trabalho, e livres por não terem terras nem meios de produção em geral
-, de operários sem qualquer propriedade, de operários-"proletários"
que não podem subsistir senão vendendo a sua força de trabalho.
O aumento
da mais-valia é possível graças a dois processos fundamentais: o prolongamento
da jornada de trabalho ("mais-valia absoluta") e a redução do tempo
de trabalho necessário ("mais-valia relativa"). Marx, analisando o
primeiro processo, traça um quadro grandioso da luta da classe operária pela
redução da jornada de trabalho e da intervenção do poder de Estado primeiro
para a prolongar (séculos XIV a XVII) e depois para a diminuir (legislação
fabril do século XIX). Depois da publicação de O Capital, a história do
movimento operário, em todos os países civilizados do mundo, forneceu milhares
e milhares de novos factos que ilustram esse quadro.
Na sua
análise da produção da mais-valia relativa, Marx estuda as três etapas
históricas fundamentais no processo de intensificação da produtividade do
trabalho pelo capitalismo: 1 - cooperação simples; 2 - a divisão do trabalho e
a manufatura; 3 - as máquinas e a grande indústria. A profundidade com que a
análise de Marx revela os traços fundamentais e típicos do desenvolvimento do
capitalismo aparece, entre outras coisas, no facto de o estudo da chamada
indústria artesanal russa fornecer materiais muito abundantes para ilustrar as
duas primeiras dessas três etapas. Quanto à ação revolucionadora da grande
indústria mecanizada, descrita por Marx em 1867, manifestou-se, durante o meio
século decorrido desde então, em vários países "novos" (Rússia,
Japão, etc.).
Continuemos.
O que há de novo e extremamente importante em Marx é a análise da acumulação
do capital, isto é, da transformação de uma parte da mais-valia em capital
e do seu emprego não para satisfazer as necessidades pessoais ou os caprichos
do capitalista, mas para voltar a produzir. Marx assinalou o erro de toda a
economia política clássica anterior (desde Adam Smith), segundo a qual toda a
mais-valia que se convertia em capital passava a fazer parte do capital
variável. Enquanto, na realidade, ela se decompõe em meios de produção e
em capital variável. O crescimento mais rápido da parte do capital constante
(no montante total do capital) em relação à parte do capital variável tem, no
processo de desenvolvimento do capitalismo e da sua transformação em
socialismo, uma importância primordial.
Acelerando
a substituição dos operários pelas máquinas e criando a riqueza num polo e a
miséria no outro, a acumulação do capital gera assim o chamado "exército
de reserva do trabalho", o "excedente relativo" de operários ou
"superpopulação capitalista", que se reveste de formas extremamente
variadas e dá ao capital a possibilidade de ampliar muito rapidamente a
produção. Esta possibilidade, combinada com o crédito e a acumulação de capital
em meios de produção, dá-nos, entre outras coisas, a explicação das crises
de superprodução que aparecem periodicamente nos países capitalistas, a
princípio aproximadamente de dez em dez anos, depois com intervalos menos
próximos e menos fixos. Impõe-se a distinção entre a acumulação do capital na
base do capitalismo e a chamada acumulação primitiva, quando se desapossa
violentamente o trabalhador dos meios de produção, se expulsa o camponês das
suas terras, se roubam as terras comunais, e imperam o sistema colonial e o
sistema das dívidas públicas, as tarifas alfandegárias protecionistas, etc. A
"acumulação primitiva" cria, num polo, o proletário
"livre", no outro, o detentor do dinheiro, o capitalista.
A "tendência
histórica da acumulação capitalista" é caracterizada por Marx nestes
termos célebres: "A expropriação dos produtores diretos faz-se com o
vandalismo mais impiedoso e sob a pressão das paixões mais infames, mais ignóbeis,
mesquinhas e odiosas. A propriedade privada, ganha com o trabalho pessoal"
(do camponês e do artesão), "e que o indivíduo livre criou,
identificando-se de certo modo com os instrumentos e as condições do seu
trabalho, é substituída pela propriedade privada capitalista que assenta na
exploração do trabalho de outrem, o qual não tem mais que uma aparência de
liberdade ... O que se trata agora de expropriar não é já o operário que
explora ele próprio a sua própria propriedade, mas o capitalista que explora
numerosos operários. Esta expropriação efetua-se pelo jogo das leis imanentes
da própria produção capitalista, pela centralização dos capitais. Cada
capitalista mata muitos outros. E paralelamente a esta centralização, isto é, à
expropriação de muitos capitalistas por alguns, desenvolve-se, numa escala cada
vez maior e mais ampla, a forma cooperativa do processo de trabalho,
desenvolve-se a aplicação técnica consciente da ciência, a exploração
sistemática do solo, a transformação dos meios de trabalho em meios que não
podem ser utilizados senão em comum, a economia de todos os meios de produção
pela sua utilização como meios de produção de um trabalho social combinado, a
incorporação de todos os povos na rede do mercado mundial e, por conseguinte, o
carácter internacional do regime capitalista. À medida que diminui
constantemente o número dos magnatas do capital, que usurpam e monopolizam
todas as vantagens deste processo de transformação, cresce no seu conjunto a
miséria, a opressão, a escravidão, a degeneração, a exploração; mas também
aumenta, ao mesmo tempo, a revolta da classe operária, que é instruída, unida e
organizada pelo próprio mecanismo do processo de produção capitalista. O
monopólio do capital torna-se o entrave do modo de produção que se desenvolveu
com ele e graças a ele. A centralização dos meios de produção e a socialização
do trabalho chegam a um ponto em que se tornam incompatíveis com o seu
invólucro capitalista, que acaba por rebentar. Soa a última hora da propriedade
privada capitalista. Os expropriadores são por sua vez expropriados."(O
Capital, I).
Outro
ponto extraordinariamente importante e novo é a análise feita por Marx no tomo
II de O Capital da reprodução do capital social tomado no seu conjunto.
Também aqui, ele considera não um fenómeno individual, mas um fenómeno geral,
não uma fracção da economia social, mas a economia na sua totalidade.
Corrigindo o erro atrás mencionado dos economistas clássicos, Marx divide toda
a produção social em duas grandes secções: (I) produção de meios de produção e
(II) produção de artigos de consumo; e examina em pormenor, com o apoio de
dados numéricos, a circulação do capital social no seu conjunto, tanto na
reprodução simples como na acumulação. No tomo III de O Capital
resolve-se, de acordo com a lei do valor, o problema da formação da taxa média
de lucro. Um imenso progresso foi alcançado na ciência económica pelo facto de
a análise de Marx partir de fenómenos económicos gerais, do conjunto da
economia social, e não de casos isolados ou das manifestações superficiais da
concorrência, aos quais se limita geralmente a economia política vulgar ou a
moderna "teoria da utilidade marginal". Marx analisa
primeiro a origem da mais-valia e passa em seguida à sua decomposição em lucro,
juro e renda da terra. O lucro é a relação entre a mais-valia e o conjunto do
capital investido numa empresa. O capital de "elevada composição
orgânica" (isto é, em que o capital constante ultrapassa o capital
variável em proporções superiores à média social) dá uma taxa de lucro inferior
à média. O capital de "baixa composição orgânica" dá uma taxa de
lucro superior à média. A concorrência entre os capitais, a sua livre passagem
de um ramo para outro, reduzem, em ambos os casos, a taxa de lucro à taxa
média. A soma dos valores de todas as mercadorias numa dada sociedade coincide
com a soma dos preços das mercadorias, mas, em cada empresa e em cada ramo de
produção tomado à parte, sob influência da concorrência, as mercadorias são
vendidas não pelo seu valor, mas pelo preço de produção, que é igual ao
capital investido, mais o lucro médio.
Assim, a
diferença entre o preço e o valor e a igualização do lucro, factos
incontestáveis e conhecidos de todos, são perfeitamente explicados por Marx com
base na lei do valor, porque a soma dos valores de todas as mercadorias
coincide com a soma dos seus preços. Mas a redução do valor (social) aos preços
(individuais) não se dá de forma simples e direta; segue uma via muito
complicada; é absolutamente natural que, numa sociedade de produtores de
mercadorias dispersos, apenas ligados uns aos outros pelo mercado, as leis que
regem essa sociedade não possam exprimir-se senão através de resultados médios,
sociais, gerais, pela compensação recíproca dos desvios individuais num ou
noutro sentido.
O aumento
da produtividade do trabalho significa um crescimento mais rápido do capital
constante em relação ao capital variável. Ora, sendo a mais-valia função apenas
do capital variável, compreende-se que a taxa de lucro (a relação entre a
mais-valia e todo o capital, e não apenas entre a mais-valia e a parte variável
do capital) tenha tendência para baixar. Marx analisa minuciosamente esta
tendência, assim como as diversas circunstâncias que a ocultam ou a contrariam.
Sem nos determos na exposição dos interessantíssimos capítulos do tomo III,
consagrados ao capital usurário, ao capital comercial e ao capital-dinheiro,
abordaremos o essencial: a teoria da renda da terra. Sendo a superfície
do solo limitada e estando, nos países capitalistas, inteiramente ocupada por
proprietários particulares, o custo de produção dos produtos da terra é
determinado pelos gastos de produção, não nos terrenos de qualidade média, mas
nos da pior qualidade, e pelas condições de transporte (não médias, mas pelas
mais desfavoráveis) dos produtos para o mercado. A diferença entre este preço e
o preço de produção num terreno de qualidade superior (ou em melhores
condições) constitui a renda diferencial. Graças a uma análise
pormenorizada desta renda, em que demonstra que ela provém da diferença da
fertilidade dos terrenos e da diferença dos capitais investidos na cultura,
Marx põe em evidência (ver igualmente as Teorias da Mais-Valia, onde a
crítica a Rodbertus merece uma atenção particular) o erro de Ricardo ao
pretender que a renda diferencial só se obtém pela conversão gradual dos
melhores terrenos em terrenos de qualidade inferior. Pelo contrário,
transformações inversas produzem-se igualmente: terrenos de uma categoria
transformam-se em terrenos de outra categoria (em virtude do progresso da
técnica agrícola, do crescimento das cidades, etc.) e a famosa "lei da
fertilidade decrescente do solo" é um profundo erro que atribui à natureza
os defeitos, as limitações e as contradições do capitalismo. Além disso, a
igualdade do lucro, em todos os ramos da indústria e da economia nacional em
geral, supõe uma liberdade completa de concorrência, a liberdade de transferir
o capital de um ramo para outro. Mas a propriedade privada da terra cria um
monopólio que é um obstáculo a essa livre transferência. Devido a esse
monopólio, os produtos de uma agricultura que se distingue por uma baixa
composição orgânica do capital e que, por conseguinte, dá uma taxa de lucro
individual mais elevada, não entram no livre jogo de igualização da taxa de
lucro: o proprietário agrícola, que detém o monopólio da terra, pode manter o
preço acima da média; este preço de monopólio dá origem à renda absoluta.
A renda diferencial não pode ser abolida em regime capitalista; mas, ao
contrário, a renda absoluta pode sê-lo, por exemplo, com a
nacionalização da terra quando esta passa a propriedade do Estado. Esta
passagem da terra para o Estado significaria a supressão do monopólio dos
proprietários agrícolas, uma liberdade de concorrência mais consequente e mais
completa na agricultura. E por isso que, diz Marx, os burgueses radicais, mais
do que uma vez na história, formularam esta reivindicação burguesa progressiva
da nacionalização da terra que todavia apavora a maior parte da burguesia, porque
"toca" de demasiado perto um outro monopólio que atualmente é muito
mais importante e "sensível": o monopólio dos meios de produção em
geral. (Esta teoria do lucro médio sobre o capital e da renda absoluta da terra
foi exposta por Marx numa linguagem extraordinariamente popular, concisa e
clara na sua carta a Engels de 2 de Agosto de 1862. Ver Correspondência,
t. III, pp. 77-81. Ver também a sua carta de 9 de Agosto de 1862, ibid, pp.
86-87). Importa igualmente assinalar, na história da renda da terra, a análise
em que Marx demonstra a transformação da renda em trabalho (quando o camponês,
trabalhando na terra do senhor, cria um sobreproduto) em renda em produtos ou
renda em espécie (quando o camponês cria na sua própria terra um sobreproduto
que entrega ao proprietário em virtude de uma "coerção extra-econômica"),
depois em renda em dinheiro (que é a renda em espécie transformada em dinheiro
- na Rússia antiga o obrok - em virtude do desenvolvimento da produção
de mercadorias) e, finalmente, em renda capitalista quando o camponês é
substituído pelo empresário agrícola, que cultiva a terra com a ajuda do
trabalho assalariado. Relativamente a esta análise da "génese da renda
capitalista da terra", notemos uma série de ideias profundas de Marx (particularmente
importantes para os países atrasados, tais como a Rússia) sobre a evolução
do capitalismo na agricultura. "Com a transformação da renda em
espécie em renda em dinheiro constitui-se necessariamente, ao mesmo tempo, e
mesmo anteriormente, uma classe de jornaleiros não possuidores que trabalham a
troco de um salário. Enquanto esta classe se constitui e enquanto se manifesta
apenas esporadicamente, os camponeses abastados, sujeitos ao pagamento de uma
renda, adquirem naturalmente o hábito de explorar por sua própria conta
assalariados agrícolas, assim como no regime feudal os servos abastados tinham
por sua vez outros servos ao seu serviço. Daqui resultou para eles a
possibilidade de juntar, pouco a pouco, uma certa fortuna e de se transformarem
em futuros capitalistas. Entre os antigos possuidores da terra que a exploram
independentemente, cria-se assim um viveiro de rendeiros capitalistas, cujo
desenvolvimento é condicionado pelo desenvolvimento geral da produção
capitalista fora da agricultura” (O Capital, III, p. 332). "A expropriação
e a expulsão da aldeia de uma parte da população camponesa não só
"libertam" para o capital industrial os operários, os seus meios de
subsistência e os seus instrumentos de trabalho, como lhe criam, além disso, o
mercado interno" (O Capital, I, p. 778). A
pauperização e a ruína da população camponesa influem, por sua vez, na formação
do exército de reserva do trabalho para o capital. Em todos os países
capitalistas, "uma parte da população dos campos está constantemente em
vias de transformar-se em população urbana ou manufatureira (isto é, não
agrícola). Esta fonte de superpopulação relativa corre continuamente ... Por
conseguinte, o operário agrícola está reduzido ao mínimo de salário e tem
sempre um pé no pântano do pauperismo" (O Capital, I, p. 668). A propriedade privada do camponês da terra que ele próprio
cultiva constitui a base da pequena produção, a condição da sua prosperidade e
do seu desenvolvimento na forma clássica. Mas esta pequena produção só é
compatível com um quadro estreito, primitivo, da produção e da sociedade. Em regime
capitalista, "a exploração dos camponeses só pela forma se distingue da
exploração do proletariado industrial. O explorador é o mesmo: o capital. Os
capitalistas tomados isoladamente exploram os camponeses isoladamente pela
hipoteca e a usura. A classe capitalista explora a classe camponesa por meio
dos impostos do Estado" (As Lutas de Classes em França).
"A parcela do camponês já não é mais do que o pretexto que permite ao
capitalista tirar da terra lucro, juro e renda e deixar ao próprio camponês a
preocupação de arranjar como puder o seu salário" (O 18 Brumário). Normalmente, o camponês entrega mesmo à sociedade capitalista,
isto é, à classe capitalista, uma parte do seu salário e desce assim "ao
nível do rendeiro irlandês, tudo isto sob a aparência de proprietário
privado" (As Lutas de Classes em França). Qual é "uma das razões
que fazem com que, nos países em que a propriedade parcelaria predomina, o
preço do trigo seja menos elevado que nos países de modo de produção
capitalista?” (O Capital, III, p. 340). É que o camponês entrega
gratuitamente à sociedade (isto é, à classe capitalista) uma parte do
sobreproduto. "Estes baixos preços (do trigo e dos outros produtos
agrícolas) resultam, portanto, da pobreza dos produtores, e não da
produtividade do seu trabalho" (O Capital, t. III, p. 340). Em
regime capitalista, a pequena propriedade agrícola, forma normal da pequena
produção, degrada-se, é destruída e desaparece. "Pela sua natureza, a
propriedade parcelaria é incompatível com o desenvolvimento das forças
produtivas sociais do trabalho, as formas sociais do trabalho, a concentração
social dos capitais, a criação de gado em grande escala, a utilização
progressiva da ciência. A usura e o sistema fiscal arruínam-na necessariamente
em toda à parte. O capital investido na compra da terra é subtraído ao
cultivo." Dispersão infinita dos meios de produção e disseminação dos
próprios produtores. (As cooperativas, isto é, as associações de pequenos
camponeses, que desempenham um extraordinário papel progressivo burguês, só
podem atenuar esta tendência, sem entretanto a suprimir; é preciso não esquecer
também que estas cooperativas dão muito aos camponeses abastados, mas muito
pouco ou quase nada à massa dos camponeses pobres, e que tais associações
acabam por explorar elas próprias o trabalho assalariado.) "Desperdício
enorme de força humana. A deterioração progressiva das condições de produção e
o encarecimento dos meios de produção são a lei necessária da propriedade
parcelaria." Na agricultura como na indústria, a
transformação capitalista da produção produz-se ao preço do "martirológio
dos produtores". "A disseminação dos operários agrícolas em grandes
extensões quebra a sua força de resistência, enquanto a concentração aumenta a
dos operários das cidades. Tal como na indústria moderna, o aumento da força
produtiva e a mais rápida mobilização do trabalho na agricultura capitalista
moderna só se obtêm pela destruição e esgotamento da própria força de trabalho.
Além disso, todo o progresso da agricultura capitalista não é apenas um
progresso da arte de esgotar o operário, mas também de esgotar o solo ... A
produção capitalista não desenvolve portanto a técnica e a combinação do
processo social de produção senão desgastando, ao mesmo tempo, as fontes de
toda a riqueza: a terra e o operário." (O Capital, I, fim do 13.º
capítulo.)
A Doutrina Econômica de Marx
"O
objetivo final desta obra, diz Marx no seu prefácio a O Capital, é
descobrir a lei económica do movimento da sociedade moderna", isto é, da
sociedade capitalista, da sociedade burguesa. O estudo das relações de produção
de uma sociedade historicamente determinada e concreta no seu nascimento,
desenvolvimento e declínio, tal é o conteúdo da doutrina económica de Marx. O
que domina na sociedade capitalista é a produção de mercadorias; por
isso a análise de Marx começa pela análise da mercadoria.
O Valor
A
mercadoria é, em primeiro lugar, uma coisa que satisfaz uma qualquer
necessidade do homem; em segundo lugar, é uma coisa que se pode trocar por
outra. A utilidade de uma coisa faz dela um valor de uso. O valor de
troca (ou simplesmente o valor) é, em primeiro lugar, a relação, a proporção na
troca de um certo número de valores de uso de uma espécie contra um certo
número de valores de uso de outra espécie. A experiência quotidiana mostra-nos
que, através de milhões, de milhares de milhões de trocas deste tipo se
comparam incessantemente os valores de uso mais diversos e mais díspares. Que
há de comum entre estas coisas diferentes, que são tornadas constantemente
equivalentes num determinado sistema de relações sociais? O que elas têm de
comum é serem produtos do trabalho. Trocando os seus produtos, os homens
criam relações de equivalência entre os mais diferentes géneros de trabalho. A
produção das mercadorias é um sistema de relações sociais no qual os diversos
produtores criam produtos variados (divisão social do trabalho) e em que todos
estes produtos se equiparam uns aos outros na troca. Por conseguinte, o que é
comum a todas as mercadorias não é o trabalho concreto de um ramo de produção
determinado, não é um trabalho de um género particular, mas o trabalho humano abstrato,
o trabalho humano em geral. Numa dada sociedade, toda a força de trabalho
representada pela soma dos valores de todas as mercadorias constitui uma só e
mesma força de trabalho humano; milhares de milhões de atos de troca o
demonstram. Cada mercadoria considerada isoladamente não representa portanto
senão uma certa parte do tempo de trabalho socialmente necessário. A
grandeza do valor é determinada pela quantidade de trabalho socialmente
necessário ou pelo tempo de trabalho socialmente necessário para a produção de
determinada mercadoria, de determinado valor de uso. "Ao equiparar os seus diversos produtos na troca como valores,
os homens equiparam os seus diversos trabalhos como trabalho humano. Não se dão
conta, mas fazem-no." O
valor é uma relação entre duas pessoas, disse um velho economista; mas deveria
acrescentar: uma relação entre pessoas escondida sob a envoltura das coisas. Só
partindo do sistema de relações sociais de produção de uma formação histórica
determinada, relações que se manifestam na troca, fenómeno generalizado que se
repete milhares de milhões de vezes, é que se pode compreender o que é o valor.
"Como valores, todas as mercadorias são apenas quantidades determinadas de
tempo de trabalho cristalizado.” Depois de uma análise
detalhada do duplo carácter do trabalho incorporado nas mercadorias, Marx passa
à análise da forma do valor e do dinheiro. A principal tarefa que
Marx se atribui é investigar a origem da forma dinheiro do valor,
estudar o processo histórico do desenvolvimento da troca, começando
pelos atos de troca particulares e fortuitos (forma simples, particular ou
acidental do valor: uma quantidade determinada de uma mercadoria é trocada por
uma quantidade determinada de outra mercadoria), para passar à forma geral do
valor, quando várias mercadorias diferentes são trocadas por outra mercadoria
determinada e concreta sempre a mesma, e acabar na forma dinheiro do valor,
quando o ouro se torna esta mercadoria determinada, o
equivalente geral. Produto supremo do desenvolvimento da troca e da
produção de mercadorias, o dinheiro encobre e dissimula o carácter social dos
trabalhos parciais, a ligação social entre diversos produtores unidos uns aos
outros pelo mercado. Marx submete a uma análise extremamente minuciosa as
diversas funções do dinheiro, e é especialmente importante notar que também
aqui (como nos primeiros capítulos de O Capital) a forma abstrata de
exposição que, por vezes, parece puramente dedutiva, reproduz na realidade uma
documentação imensamente rica sobre a história do desenvolvimento da troca e da
produção de mercadorias. "O dinheiro supõe certo nível de troca de mercadorias.
As formas particulares do dinheiro, simples equivalente de mercadorias, meio de
circulação, meio de pagamento, tesouro ou dinheiro universal, indicam, conforme
o diferente alcance e a preponderância relativa de uma dessas funções, graus
muito diversos do processo social de produção" (O Capital, I)(N29)
A Mais
Valia
Num certo
grau do desenvolvimento da produção de mercadorias, o dinheiro transforma-se em
capital. A fórmula da circulação de mercadorias era: M (mercadoria) - D
(dinheiro) - M (mercadoria), isto é, venda de uma mercadoria para a compra de
outra. Pelo contrário, a fórmula geral do capital é: D - M - D, isto é, compra
para a venda (com lucro). E a este acréscimo do valor primitivo do dinheiro
posto em circulação que Marx chama mais-valia. Este "acréscimo" do
dinheiro na circulação capitalista é um facto conhecido de todos. E
precisamente este "acréscimo" que transforma o dinheiro em capital,
ou seja, numa relação social de produção historicamente determinada. A
mais-valia não pode provir da circulação das mercadorias, porque esta só
conhece a troca de equivalentes, nem tão pouco pode provir de um aumento dos
preços porque as perdas e os lucros recíprocos dos compradores e dos vendedores
equilibrar-se-iam; trata-se de um fenómeno social médio, generalizado, e não de
um fenómeno individual. Para obter a mais-valia "seria preciso que o
possuidor do dinheiro descobrisse no mercado uma mercadoria cujo valor de uso
fosse dotado da propriedade singular de ser fonte de valor"(N30), uma
mercadoria cujo processo de consumo fosse, ao mesmo tempo, um processo de
criação de valor. E esta mercadoria existe: é a força de trabalho humana. O seu
uso é o trabalho, e o trabalho cria valor. O possuidor de dinheiro compra a
força de trabalho pelo seu valor, que, como o de qualquer outra mercadoria, é
determinado pelo tempo de trabalho socialmente necessário para a sua produção
(isto é, pelo custo da manutenção do operário e da sua família). Tendo comprado
a força de trabalho, o possuidor do dinheiro fica com o direito de a consumir,
isto é, de a obrigar a trabalhar durante um dia inteiro, suponhamos durante
doze horas. Mas em seis horas (tempo de trabalho "necessário"), o
operário cria um produto que cobre as despesas da sua manutenção, e durante as
outras seis horas (tempo de trabalho "suplementar"), cria um
"sobreproduto" não retribuído pelo capitalista, que constitui a
mais-valia. Por conseguinte, do ponto de vista do processo de produção é
necessário distinguir duas partes do capital: o capital constante, investido
nos meios de produção (máquinas, instrumentos de trabalho, matérias-primas,
etc.), cujo valor passa sem modificação (de uma só vez ou por partes) para o
produto acabado, e o capital variável, que é investido para pagar a força de trabalho.
O valor deste capital não se conserva invariável; antes aumenta no processo do
trabalho, criando mais-valia. Assim, para exprimir o grau de exploração da
força de trabalho pelo capital temos de comparar a mais-valia não com o capital
total, mas unicamente com o capital variável. A taxa de mais-valia, nome dado
por Marx a essa relação, seria, no nosso exemplo, de 6/6 ou de 100%.
A
condição histórica para o aparecimento do capital reside, em primeiro lugar, na
acumulação de uma certa soma de dinheiro nas mãos de certas pessoas num estádio
de desenvolvimento da produção de mercadorias em geral já relativamente
elevado; em segundo lugar, na existência de operários "livres" sob
dois aspectos - livres de quaisquer entraves ou restrições para venderem a sua
força de trabalho, e livres por não terem terras nem meios de produção em geral
-, de operários sem qualquer propriedade, de operários-"proletários"
que não podem subsistir senão vendendo a sua força de trabalho.
O aumento
da mais-valia é possível graças a dois processos fundamentais: o prolongamento
da jornada de trabalho ("mais-valia absoluta") e a redução do tempo
de trabalho necessário ("mais-valia relativa"). Marx, analisando o
primeiro processo, traça um quadro grandioso da luta da classe operária pela
redução da jornada de trabalho e da intervenção do poder de Estado primeiro
para a prolongar (séculos XIV a XVII) e depois para a diminuir (legislação
fabril do século XIX). Depois da publicação de O Capital, a história do
movimento operário, em todos os países civilizados do mundo, forneceu milhares
e milhares de novos factos que ilustram esse quadro.
Na sua
análise da produção da mais-valia relativa, Marx estuda as três etapas
históricas fundamentais no processo de intensificação da produtividade do
trabalho pelo capitalismo: 1 - cooperação simples; 2 - a divisão do trabalho e
a manufatura; 3 - as máquinas e a grande indústria. A profundidade com que a
análise de Marx revela os traços fundamentais e típicos do desenvolvimento do
capitalismo aparece, entre outras coisas, no facto de o estudo da chamada
indústria artesanal russa fornecer materiais muito abundantes para ilustrar as
duas primeiras dessas três etapas. Quanto à ação revolucionadora da grande
indústria mecanizada, descrita por Marx em 1867, manifestou-se, durante o meio
século decorrido desde então, em vários países "novos" (Rússia,
Japão, etc.).
Continuemos.
O que há de novo e extremamente importante em Marx é a análise da acumulação
do capital, isto é, da transformação de uma parte da mais-valia em capital
e do seu emprego não para satisfazer as necessidades pessoais ou os caprichos
do capitalista, mas para voltar a produzir. Marx assinalou o erro de toda a
economia política clássica anterior (desde Adam Smith), segundo a qual toda a
mais-valia que se convertia em capital passava a fazer parte do capital
variável. Enquanto, na realidade, ela se decompõe em meios de produção e
em capital variável. O crescimento mais rápido da parte do capital constante
(no montante total do capital) em relação à parte do capital variável tem, no
processo de desenvolvimento do capitalismo e da sua transformação em
socialismo, uma importância primordial.
Acelerando
a substituição dos operários pelas máquinas e criando a riqueza num polo e a
miséria no outro, a acumulação do capital gera assim o chamado "exército
de reserva do trabalho", o "excedente relativo" de operários ou
"superpopulação capitalista", que se reveste de formas extremamente
variadas e dá ao capital a possibilidade de ampliar muito rapidamente a
produção. Esta possibilidade, combinada com o crédito e a acumulação de capital
em meios de produção, dá-nos, entre outras coisas, a explicação das crises
de superprodução que aparecem periodicamente nos países capitalistas, a
princípio aproximadamente de dez em dez anos, depois com intervalos menos
próximos e menos fixos. Impõe-se a distinção entre a acumulação do capital na
base do capitalismo e a chamada acumulação primitiva, quando se desapossa
violentamente o trabalhador dos meios de produção, se expulsa o camponês das
suas terras, se roubam as terras comunais, e imperam o sistema colonial e o
sistema das dívidas públicas, as tarifas alfandegárias protecionistas, etc. A
"acumulação primitiva" cria, num polo, o proletário
"livre", no outro, o detentor do dinheiro, o capitalista.
A "tendência
histórica da acumulação capitalista" é caracterizada por Marx nestes
termos célebres: "A expropriação dos produtores diretos faz-se com o
vandalismo mais impiedoso e sob a pressão das paixões mais infames, mais ignóbeis,
mesquinhas e odiosas. A propriedade privada, ganha com o trabalho pessoal"
(do camponês e do artesão), "e que o indivíduo livre criou,
identificando-se de certo modo com os instrumentos e as condições do seu
trabalho, é substituída pela propriedade privada capitalista que assenta na
exploração do trabalho de outrem, o qual não tem mais que uma aparência de
liberdade ... O que se trata agora de expropriar não é já o operário que
explora ele próprio a sua própria propriedade, mas o capitalista que explora
numerosos operários. Esta expropriação efetua-se pelo jogo das leis imanentes
da própria produção capitalista, pela centralização dos capitais. Cada
capitalista mata muitos outros. E paralelamente a esta centralização, isto é, à
expropriação de muitos capitalistas por alguns, desenvolve-se, numa escala cada
vez maior e mais ampla, a forma cooperativa do processo de trabalho,
desenvolve-se a aplicação técnica consciente da ciência, a exploração
sistemática do solo, a transformação dos meios de trabalho em meios que não
podem ser utilizados senão em comum, a economia de todos os meios de produção
pela sua utilização como meios de produção de um trabalho social combinado, a
incorporação de todos os povos na rede do mercado mundial e, por conseguinte, o
carácter internacional do regime capitalista. À medida que diminui
constantemente o número dos magnatas do capital, que usurpam e monopolizam
todas as vantagens deste processo de transformação, cresce no seu conjunto a
miséria, a opressão, a escravidão, a degeneração, a exploração; mas também
aumenta, ao mesmo tempo, a revolta da classe operária, que é instruída, unida e
organizada pelo próprio mecanismo do processo de produção capitalista. O
monopólio do capital torna-se o entrave do modo de produção que se desenvolveu
com ele e graças a ele. A centralização dos meios de produção e a socialização
do trabalho chegam a um ponto em que se tornam incompatíveis com o seu
invólucro capitalista, que acaba por rebentar. Soa a última hora da propriedade
privada capitalista. Os expropriadores são por sua vez expropriados."(O
Capital, I).
Outro
ponto extraordinariamente importante e novo é a análise feita por Marx no tomo
II de O Capital da reprodução do capital social tomado no seu conjunto.
Também aqui, ele considera não um fenómeno individual, mas um fenómeno geral,
não uma fracção da economia social, mas a economia na sua totalidade.
Corrigindo o erro atrás mencionado dos economistas clássicos, Marx divide toda
a produção social em duas grandes secções: (I) produção de meios de produção e
(II) produção de artigos de consumo; e examina em pormenor, com o apoio de
dados numéricos, a circulação do capital social no seu conjunto, tanto na
reprodução simples como na acumulação. No tomo III de O Capital
resolve-se, de acordo com a lei do valor, o problema da formação da taxa média
de lucro. Um imenso progresso foi alcançado na ciência económica pelo facto de
a análise de Marx partir de fenómenos económicos gerais, do conjunto da
economia social, e não de casos isolados ou das manifestações superficiais da
concorrência, aos quais se limita geralmente a economia política vulgar ou a
moderna "teoria da utilidade marginal". Marx analisa
primeiro a origem da mais-valia e passa em seguida à sua decomposição em lucro,
juro e renda da terra. O lucro é a relação entre a mais-valia e o conjunto do
capital investido numa empresa. O capital de "elevada composição
orgânica" (isto é, em que o capital constante ultrapassa o capital
variável em proporções superiores à média social) dá uma taxa de lucro inferior
à média. O capital de "baixa composição orgânica" dá uma taxa de
lucro superior à média. A concorrência entre os capitais, a sua livre passagem
de um ramo para outro, reduzem, em ambos os casos, a taxa de lucro à taxa
média. A soma dos valores de todas as mercadorias numa dada sociedade coincide
com a soma dos preços das mercadorias, mas, em cada empresa e em cada ramo de
produção tomado à parte, sob influência da concorrência, as mercadorias são
vendidas não pelo seu valor, mas pelo preço de produção, que é igual ao
capital investido, mais o lucro médio.
Assim, a
diferença entre o preço e o valor e a igualização do lucro, factos
incontestáveis e conhecidos de todos, são perfeitamente explicados por Marx com
base na lei do valor, porque a soma dos valores de todas as mercadorias
coincide com a soma dos seus preços. Mas a redução do valor (social) aos preços
(individuais) não se dá de forma simples e direta; segue uma via muito
complicada; é absolutamente natural que, numa sociedade de produtores de
mercadorias dispersos, apenas ligados uns aos outros pelo mercado, as leis que
regem essa sociedade não possam exprimir-se senão através de resultados médios,
sociais, gerais, pela compensação recíproca dos desvios individuais num ou
noutro sentido.
O aumento
da produtividade do trabalho significa um crescimento mais rápido do capital
constante em relação ao capital variável. Ora, sendo a mais-valia função apenas
do capital variável, compreende-se que a taxa de lucro (a relação entre a
mais-valia e todo o capital, e não apenas entre a mais-valia e a parte variável
do capital) tenha tendência para baixar. Marx analisa minuciosamente esta
tendência, assim como as diversas circunstâncias que a ocultam ou a contrariam.
Sem nos determos na exposição dos interessantíssimos capítulos do tomo III,
consagrados ao capital usurário, ao capital comercial e ao capital-dinheiro,
abordaremos o essencial: a teoria da renda da terra. Sendo a superfície
do solo limitada e estando, nos países capitalistas, inteiramente ocupada por
proprietários particulares, o custo de produção dos produtos da terra é
determinado pelos gastos de produção, não nos terrenos de qualidade média, mas
nos da pior qualidade, e pelas condições de transporte (não médias, mas pelas
mais desfavoráveis) dos produtos para o mercado. A diferença entre este preço e
o preço de produção num terreno de qualidade superior (ou em melhores
condições) constitui a renda diferencial. Graças a uma análise
pormenorizada desta renda, em que demonstra que ela provém da diferença da
fertilidade dos terrenos e da diferença dos capitais investidos na cultura,
Marx põe em evidência (ver igualmente as Teorias da Mais-Valia, onde a
crítica a Rodbertus merece uma atenção particular) o erro de Ricardo ao
pretender que a renda diferencial só se obtém pela conversão gradual dos
melhores terrenos em terrenos de qualidade inferior. Pelo contrário,
transformações inversas produzem-se igualmente: terrenos de uma categoria
transformam-se em terrenos de outra categoria (em virtude do progresso da
técnica agrícola, do crescimento das cidades, etc.) e a famosa "lei da
fertilidade decrescente do solo" é um profundo erro que atribui à natureza
os defeitos, as limitações e as contradições do capitalismo. Além disso, a
igualdade do lucro, em todos os ramos da indústria e da economia nacional em
geral, supõe uma liberdade completa de concorrência, a liberdade de transferir
o capital de um ramo para outro. Mas a propriedade privada da terra cria um
monopólio que é um obstáculo a essa livre transferência. Devido a esse
monopólio, os produtos de uma agricultura que se distingue por uma baixa
composição orgânica do capital e que, por conseguinte, dá uma taxa de lucro
individual mais elevada, não entram no livre jogo de igualização da taxa de
lucro: o proprietário agrícola, que detém o monopólio da terra, pode manter o
preço acima da média; este preço de monopólio dá origem à renda absoluta.
A renda diferencial não pode ser abolida em regime capitalista; mas, ao
contrário, a renda absoluta pode sê-lo, por exemplo, com a
nacionalização da terra quando esta passa a propriedade do Estado. Esta
passagem da terra para o Estado significaria a supressão do monopólio dos
proprietários agrícolas, uma liberdade de concorrência mais consequente e mais
completa na agricultura. E por isso que, diz Marx, os burgueses radicais, mais
do que uma vez na história, formularam esta reivindicação burguesa progressiva
da nacionalização da terra que todavia apavora a maior parte da burguesia, porque
"toca" de demasiado perto um outro monopólio que atualmente é muito
mais importante e "sensível": o monopólio dos meios de produção em
geral. (Esta teoria do lucro médio sobre o capital e da renda absoluta da terra
foi exposta por Marx numa linguagem extraordinariamente popular, concisa e
clara na sua carta a Engels de 2 de Agosto de 1862. Ver Correspondência,
t. III, pp. 77-81. Ver também a sua carta de 9 de Agosto de 1862, ibid, pp.
86-87). Importa igualmente assinalar, na história da renda da terra, a análise
em que Marx demonstra a transformação da renda em trabalho (quando o camponês,
trabalhando na terra do senhor, cria um sobreproduto) em renda em produtos ou
renda em espécie (quando o camponês cria na sua própria terra um sobreproduto
que entrega ao proprietário em virtude de uma "coerção extra-econômica"),
depois em renda em dinheiro (que é a renda em espécie transformada em dinheiro
- na Rússia antiga o obrok - em virtude do desenvolvimento da produção
de mercadorias) e, finalmente, em renda capitalista quando o camponês é
substituído pelo empresário agrícola, que cultiva a terra com a ajuda do
trabalho assalariado. Relativamente a esta análise da "génese da renda
capitalista da terra", notemos uma série de ideias profundas de Marx (particularmente
importantes para os países atrasados, tais como a Rússia) sobre a evolução
do capitalismo na agricultura. "Com a transformação da renda em
espécie em renda em dinheiro constitui-se necessariamente, ao mesmo tempo, e
mesmo anteriormente, uma classe de jornaleiros não possuidores que trabalham a
troco de um salário. Enquanto esta classe se constitui e enquanto se manifesta
apenas esporadicamente, os camponeses abastados, sujeitos ao pagamento de uma
renda, adquirem naturalmente o hábito de explorar por sua própria conta
assalariados agrícolas, assim como no regime feudal os servos abastados tinham
por sua vez outros servos ao seu serviço. Daqui resultou para eles a
possibilidade de juntar, pouco a pouco, uma certa fortuna e de se transformarem
em futuros capitalistas. Entre os antigos possuidores da terra que a exploram
independentemente, cria-se assim um viveiro de rendeiros capitalistas, cujo
desenvolvimento é condicionado pelo desenvolvimento geral da produção
capitalista fora da agricultura” (O Capital, III, p. 332). "A expropriação
e a expulsão da aldeia de uma parte da população camponesa não só
"libertam" para o capital industrial os operários, os seus meios de
subsistência e os seus instrumentos de trabalho, como lhe criam, além disso, o
mercado interno" (O Capital, I, p. 778). A
pauperização e a ruína da população camponesa influem, por sua vez, na formação
do exército de reserva do trabalho para o capital. Em todos os países
capitalistas, "uma parte da população dos campos está constantemente em
vias de transformar-se em população urbana ou manufatureira (isto é, não
agrícola). Esta fonte de superpopulação relativa corre continuamente ... Por
conseguinte, o operário agrícola está reduzido ao mínimo de salário e tem
sempre um pé no pântano do pauperismo" (O Capital, I, p. 668). A propriedade privada do camponês da terra que ele próprio
cultiva constitui a base da pequena produção, a condição da sua prosperidade e
do seu desenvolvimento na forma clássica. Mas esta pequena produção só é
compatível com um quadro estreito, primitivo, da produção e da sociedade. Em regime
capitalista, "a exploração dos camponeses só pela forma se distingue da
exploração do proletariado industrial. O explorador é o mesmo: o capital. Os
capitalistas tomados isoladamente exploram os camponeses isoladamente pela
hipoteca e a usura. A classe capitalista explora a classe camponesa por meio
dos impostos do Estado" (As Lutas de Classes em França).
"A parcela do camponês já não é mais do que o pretexto que permite ao
capitalista tirar da terra lucro, juro e renda e deixar ao próprio camponês a
preocupação de arranjar como puder o seu salário" (O 18 Brumário). Normalmente, o camponês entrega mesmo à sociedade capitalista,
isto é, à classe capitalista, uma parte do seu salário e desce assim "ao
nível do rendeiro irlandês, tudo isto sob a aparência de proprietário
privado" (As Lutas de Classes em França). Qual é "uma das razões
que fazem com que, nos países em que a propriedade parcelaria predomina, o
preço do trigo seja menos elevado que nos países de modo de produção
capitalista?” (O Capital, III, p. 340). É que o camponês entrega
gratuitamente à sociedade (isto é, à classe capitalista) uma parte do
sobreproduto. "Estes baixos preços (do trigo e dos outros produtos
agrícolas) resultam, portanto, da pobreza dos produtores, e não da
produtividade do seu trabalho" (O Capital, t. III, p. 340). Em
regime capitalista, a pequena propriedade agrícola, forma normal da pequena
produção, degrada-se, é destruída e desaparece. "Pela sua natureza, a
propriedade parcelaria é incompatível com o desenvolvimento das forças
produtivas sociais do trabalho, as formas sociais do trabalho, a concentração
social dos capitais, a criação de gado em grande escala, a utilização
progressiva da ciência. A usura e o sistema fiscal arruínam-na necessariamente
em toda à parte. O capital investido na compra da terra é subtraído ao
cultivo." Dispersão infinita dos meios de produção e disseminação dos
próprios produtores. (As cooperativas, isto é, as associações de pequenos
camponeses, que desempenham um extraordinário papel progressivo burguês, só
podem atenuar esta tendência, sem entretanto a suprimir; é preciso não esquecer
também que estas cooperativas dão muito aos camponeses abastados, mas muito
pouco ou quase nada à massa dos camponeses pobres, e que tais associações
acabam por explorar elas próprias o trabalho assalariado.) "Desperdício
enorme de força humana. A deterioração progressiva das condições de produção e
o encarecimento dos meios de produção são a lei necessária da propriedade
parcelaria." Na agricultura como na indústria, a
transformação capitalista da produção produz-se ao preço do "martirológio
dos produtores". "A disseminação dos operários agrícolas em grandes
extensões quebra a sua força de resistência, enquanto a concentração aumenta a
dos operários das cidades. Tal como na indústria moderna, o aumento da força
produtiva e a mais rápida mobilização do trabalho na agricultura capitalista
moderna só se obtêm pela destruição e esgotamento da própria força de trabalho.
Além disso, todo o progresso da agricultura capitalista não é apenas um
progresso da arte de esgotar o operário, mas também de esgotar o solo ... A
produção capitalista não desenvolve portanto a técnica e a combinação do
processo social de produção senão desgastando, ao mesmo tempo, as fontes de
toda a riqueza: a terra e o operário." (O Capital, I, fim do 13.º
capítulo.)