A violência das forças policiais em alguns países ficou evidente com o caso Floyd, nos Estados Unidos. Racismo, uso desproporcional da força e abusos também fazem parte da experiência cotidiana de indígenas, quilombolas e camponeses no Brasil, em especial no Estado do Amazonas.
Nos últimos dias, as
organizações da sociedade civil organizada atuantes no estado do Amazonas se
indignaram com a repetição dessas práticas gravíssimas no Rio Abacaxis e no Rio
Marimari, município de Nova Olinda do Norte e município de Borba. Uma serie de
arbitrariedades foram praticadas por grupos das forças policiais do
Amazonas.
As populações locais
denunciam que durante a ação policial, sob comando da Polícia Militar, iniciada
no dia 04 de agosto, foram usadas práticas de tortura, cerceamento de
liberdades individuais e coletivas e execuções por arma de fogo de moradores
locais. Se confirmam a morte de 01 indígena Munduruku chamado Josimar Moraes de
Silva, 03 ribeirinhos, e o desaparecimento de 02 adolescentes e 01 indígena Munduruku,
além da morte de 02 policiais militares, 01 suposto traficante, e 06 pessoas
feridas.
No último 24 de julho do
presente ano, um grupo de pessoas que se deslocavam numa lancha de turismo da
região, e entre as quais se encontrava o secretário executivo do Fundo de
Promoção Social do Governo do Amazonas, Saulo Moysés Rezende Costa, com a
intenção de realizar pesca esportiva, tentaram ingressar no Rio Abacaxis. que é
habitado pelo Povo Indígena Maraguá e várias comunidades ribeirinhas. Na
insistência de querer ingressar sem contar com a licença ambiental para
praticar a pesca esportiva, e em época de pandemia onde a quarentena e o
isolamento social são as recomendações para se proteger do COVID-19, teve um
enfrentamento e Rezende Costa foi ferido no braço.
Este território
encontra-se reivindicado como território tradicional do Povo Maraguá, e para
que a pesca esportiva e o turismo sejam permitidos, é necessário que os órgãos
competentes emitam uma licença ambiental. Esta questão encontra-se em etapa de
conciliação com os sujeitos envolvidos, acompanhada pelo Ministério Público
Federal.
No dia 03 de agosto, após
este incidente, a SSP-AM enviou policiais do Comando de Operações Especiais e
do Batalhão Ambiental da Polícia Militar, para realizar uma operação com a
finalidade alegada de coibir o tráfico de drogas da região. Neste primeiro
contato, segundo apurado pelo Ministério Público Federal, os policiais não
estavam uniformizados e abordaram vários ribeirinhos e indígenas sem se
identificarem como policiais, além de usarem, para se deslocarem, a mesma
embarcação de turismo anteriormente empregado no transporte do grupo de pessoas que queriam fazer a
pesca esportiva ilegal no dia 24 de julho.
Segundo informações
publicadas na imprensa, dois policiais morreram neste primeiro dia de operação.
Um grupo de traficantes teria sido emboscado, e teriam reagido com
disparos1. Esta situação causou
indignação de todos, tendo muita repercussão nos meios de comunicação. Um fato
lamentável. Como coletivo nos solidarizamos com familiares e amigos dos
policiais assassinados.
Segundo informação
divulgada no dia 06 de agosto de 2020 estava em Nova Olinda do Norte
acompanhando a operação, o Corregedor-Geral do Sistema de Segurança, delegado
George Gomes, o delegado chefe do Núcleo de Proteção ao Policial em Atividade,
André Sena, além do delegado Cícero Tulio, com função de presidir eventuais
inquéritos decorrentes da operação, assim como investigadores, escrivães e
peritos enviados pela SSP-AM.
Como consequência destas
mortes, a Polícia Militar montou uma grande operação no Rio Abacaxis, que
envolveria aproximadamente 50 policiais. A partir desse momento o Ministério
Público Federal recebeu várias denúncias por parte dos ribeirinhos, indígenas e
comunitários da região, que afirmavam que a Polícia Militar estaria cometendo
abusos na operação.
Invasões nas casas,
apreensão de telefones com que estavam sendo gravados os abusos, uso de armas
de fogo para intimidar aos moradores, crianças e idosos, e a proibição de
circular no rio, seriam só algumas das ações destes policiais, que sem o menor
preparo instauraram um grande temor nestas populações.
Pelos relatos dos
moradores da região, tudo indica que houve uso indevido de forças policiais
para serviços particulares, tortura, cerceamento de liberdades individuais e
coletivas,
1 Amazonas Atual.
Secretário-executivo do Estado foi pivô de conflito que resultou na morte de
policiais. 07 de agosto de 2020. Disponivel em:
https://amazonasatual.com.br/secretario-executivo-do-estado-foi-pivo-deconflito-que-resultou-na-morte-de-policiais/
queima de casas e até
execuções estão na lista de crimes que foram praticados na região durante ações
da polícia militar nos últimos dias.
Entre os relatos dessas
graves violações aos direitos das comunidades tradicionais e povos indígenas,
encontram-se a impossibilidade de transitar livremente no Rio para comprar
comida na cidade de Nova Olinda. Moradores da região estão sendo impedidos de
sair para pescar e caçar, o que coloca em risco a vida destas pessoas.
Foram confirmadas a morte
de três pessoas, um homem identificado como Anderson Monteiro, um adolescente
de 16 anos de idade identificado como Matheus Araújo, e uma mulher identificada
como Vandrelania de Souza Araújo de 34 anos de idade, moradora da comunidade
Monte Horebe, pertencente ao Projeto de Assentamento Agroextrativista Abacaxis
2, do INCRA, que teriam sido executados pela polícia militar, e que ficaram
boiando durante três ou quatro dias na beira da Aldeia Terra Preta onde encontra-se
o Povo Maraguá.
Durante este tempo os
Maraguá tiveram de consumir a água do rio contaminada, que segue imprópria para
consumo e o povo segue sem assistência. Estes corpos foram retirados depois de
constantes requerimentos por parte das comunidades e do povo Maraguá.
Esta operação da polícia
militar se estendeu até o Rio Marimari, nas imediações da foz do Rio Abacaxis,
no interior da Terra Indígena Coatá-Laranjal. Esta região é habitada por
indígenas Munduruku, que viveram um verdadeiro terror. Segundo relatos e
denúncias do Povo Munduruku a polícia militar ingressou em seu território sem
prévia autorização ou conversa com lideranças locais ou FUNAI.
No dia 05 de agosto, por
volta das 08:00 da manhã, um grupo de indígenas Munduruku saiu da aldeia
Laguinho, que se encontra na boca do igarapé Bem Assim, rumo à cidade de Nova
Olinda. Já pela noite, das sete rabetas que saíram da aldeia, somente seis retornaram, faltando uma que
transportava dois jovens. Foi denunciado que uma das rabetas teria sido interceptada
pela polícia militar, tendo se escutado seis tiros, quatro seguidos e depois
mais dois. No dia 07 de agosto foi encontrado o corpo sem vida de Josimar
Moraes da Silva de 26 anos de idade, que se transportava na rabeta que não
voltou para aldeia. O outro corpo ainda não foi encontrado.
As invasões por parte de madeireiros e pessoas que querem praticar pesca esportiva sem cumprir com os requisitos legais, são uma constante no território tradicional das comunidades e do Povo Maraguá. Estes fatos têm sido denunciados constantemente ao Ministério Público Federal. A omissão na demarcação desse território tradicional tem resultado em muitos conflitos fundiários.
Ao mesmo tempo, os
movimentos clamam para que as denúncias de violações de territórios e dos
direitos e garantias coletivas e individuais sejam apuradas com rigor e os
responsáveis punidos. São centenas de Boletins de Ocorrência denunciando ações
criminosas contra povos indígenas, quilombolas ou camponeses que raríssimas
vezes são apurados pelas forças policiais do estado.
As entidades que
subscrevem esta carta, além de denunciarem essa inaceitável violência praticada
no rio Abacaxis e na Terra Indígena Coatá Laranjal, clamando pela apuração
rigorosa dos fatos ali transcorridos, vêm a público expressar sua preocupação
com a necessidade de revisão completa das práticas policiais no estado.
Nesse sentido, e com base
nos anteriores relatos, as instituições representativas dos coletivos e
movimentos sociais, assim como das associações comunitárias, das lideranças
indígenas e dos familiares das vítimas, exigem:
1. O cessar imediato de
todo tipo de repressão e/ou violência que vem sendo cometido contra comunidades
tradicionais, o Povo Indígena Maraguá e Povo Indígena Munduruku, que habitam os
Rios Abacaxis e Rio Marimari, nos municípios de Nova Olinda do Norte e
Borba. 2. Que a Polícia Militar dê por
finalizada a operação e retire-se da região. 3. Que se constitua uma comissão
especializada do Conselho Nacional de Direitos Humanos para realizar uma visita
nos Rios Abacaxis e Marimari, e elaborar um informe sobre as violações de
direitos fundamentais das comunidades tradicionais, Povo Maraguá e Povo
Munduruku, que habitam nos Rios Abacaxis e Marimari. 4. Que a Polícia Federal, Ministério Público
Federal, Defensoria Pública e Ministério Público do Estado realizem as
investigações devidas para a apuração dos fatos, com a realização de uma missão
independente da Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados. 5. Que se
providencie o deslocamento para a região de equipe do corpo de bombeiros para
buscas da vítima desaparecida que pertence ao Povo Munduruku. 6. Que a Polícia
Federal permaneça na região pelo menos durante 60 dias para resguardar a
segurança e integridade física das comunidades e povos indígenas da
região. 7. Que se realize uma audiência pública na aldeia Laguinho da
Terra Indígena CoataLarajal do Povo Indígena Munduruku, na qual todos os fatos
possam ser relatados e denunciados com segurança. 8. Que haja a presença da Força Nacional,
garantindo a segurança dos indígenas e comunitários, e a apuração dos crimes
relatados, haja vista as denúncias de envolvimento da polícia militar do
Amazonas nas mortes de ribeirinhos e indígenas.
9. Que sejam de imediato
afastados dos seus respectivos cargos o Secretário responsável da Secretaria de
Segurança Pública do Amazonas, o Comandante Geral da Polícia Militar presente
no local e citado diretamente na prática de torturas; do Corregedor Geral do
SSP, e Delegados também presentes na operação. 10. Determine-se a
responsabilidade do Governador do Estado, Wilson Lima, pela desastrosa operação
policial.
Por fim, nós entendemos,
que o acontecido se soma a outras ocorrências de violências e mortes,
responsáveis pela desterritorialização, e desrespeito ao direito ao território
dos povos indígenas e comunidades tradicionais, que têm seu modo de vida,
produção e reprodução social relacionados predominantemente com o campo, a
floresta, os ambientes aquáticos, o extrativismo, como as populações
ribeirinhas que habitam as Unidades de Conservação Ambiental e as Terras
Indígenas na Amazônia. As polícias não podem servir de braço armado de
grileiros, madeireiros, pescadores, mineradores ou outros devastadores da
região. As polícias precisam seguir orientações rigorosas sobre abordagem
respeitando todos, independentemente de sua classe social, raça, etnia, gênero
ou qualquer outra singularidade.
Os direitos humanos devem
ser o fio condutor de qualquer operação realizada pelas forças de segurança públicas,
e de qualquer atuação dos agentes e servidores públicos, seguindo os protocolos
adequados, assim como a apresentação dos responsáveis às autoridades
competentes, para serem julgados pelos órgãos judiciais através das vias
democráticas já estabelecidas.
Manaus 17 de agosto de
2020.
Entidades que assinam:
1. Articulação das CPTs
da Amazônia. 2. Articulação de Agroecologia na Amazônia - ANA Amazônia 3. Arquidiocese de Manaus 4. Associação
Comunidade Wotchimaücü - AcW do Povo Tikuna em Manaus. 5. Associação das
Mulheres Indígenas do Alto Rio Negro - AMARN 6. Associação das Defensoras e
Defensores Públicos do Estado do Amazonas – ADEPAM 7. Associação de Produtores
Rurais Unidos Venceremos - APRUVZF4 8. Associação dos Moradores da Compensa 9.
Associação Nacional dos Professores Universitários de História - ANPUH Amazonas
10. Casa da Cultura Urubuí - CACUI 11. Central de Movimentos Populares – CMP
12. Central Sindical Popular CONLUTAS - CSP CONLUTAS Nacional 13. Central Sindical Popular CONLUTAS - CSP
CONLUTAS/Amazonas 14. Centro Brasileiro de Estudos de Saúde - CEBES 15.
Comissão de Defesa dos Direitos Humanos de Parintins
16. Comissão do Laicato
do Regional Norte I 17. Comissão Pastoral da Terra Arquidiocesana de Manaus 18.
Comissão Pastoral da Terra Arquidiocesana de Santarém 19. Comissão Pastoral da
Terra Regional Acre 20. Comissão Pastoral da Terra Regional Amazonas 21.
Comissão Pastoral da Terra Regional Amapá 22. Comissão Pastoral da Terra
Prelazia de Itacoatiara 23. Comissão
Pastoral da Terra Regional Pará 24. Conferência dos Religiosos (as) do Brasil -
Regional AM/RR 25. Conferência Nacional dos Bispos do Brasil - CNBB Regional I
26. Conselho do Laicato - Prelazia de Itacoatiara 27. Conselho Indigenista
Missionário - CIMI Regional Norte I 28. Conselho Nacional das Populações
Extrativistas - CNS 29. Coordenação das
Organizações Indígenas da Amazônia – COIAB 30. Federação dos Trabalhadores
Rurais Agricultores e Agricultoras Familiares do Estado do Amazonas - FETAGRI
31. Frente Amazônia de Mobilização em Defesa dos Direitos Indígenas – FAMDDI
32. Fórum de Educação Escolar Indígena do Amazonas – FOREEIA 33. Jubileu Sul Brasil 34. Levante Popular da
Juventude 35. Mandato Popular do Deputado Federal José Ricardo 36. Movimento
Comunitário Pela Cidadania/ Rádio Comunitária A Voz das Comunidades 37.
Movimento dos Padres em Novas Dimensões da Amazônia 38. Movimento Nacional de
Luta pela Moradia 39. Movimentos dos Trabalhadores Cristãos - Grupos do
Amazonas 40. Movimento dos
Trabalhadores Rurais Sem Terra - MST Nacional 41. Núcleo Amazonas do Centro
Brasileiro de Estudos de Saúde - CEBES
42. Núcleo de Direitos das Comunidades Indígenas da Comissão de Direitos
Humanos OAB-SP 43. OSC Superação Manaus 44. Pastoral da Educação Diocese Barra
do Piraí - Volta Redonda 45. Pedagogos das Escolas Públicas do Ensino Básico de
Manaus - Asprom Sindical 46. Prelazia Apostólica de Borba 47. Prelazia de
Itacoatiara 48. Rede de Assessores, Assessoras e Cuidantes da Juventude – RACJ
49. Serviço Amazônico de Ação, Reflexão e Educação Socioambiental – SARES 50.
Serviço Pastoral dos Migrantes 51.
Sindicato dos Advogados do Estado de São Paulo – SASP 52. Sindicato dos Sociólogos do Amazonas –
SindSocio Sindicato dos Professores e
53. União dos Povos Indígenas do Vale do Javari - UNIVAJA