Mathias Rodrigues
Uma das decisões mais
acertadas que tomei no ano passado foi sair do PSOL. Demorei muito tempo
para compreender o que me incomodava no partido em que comecei a
militar e a me formar politicamente. A partir de
junho de 2013 e, especialmente, do processo de Golpe, o partido entrou
em transformação. A motivação da transformação era justa: responder, com
novas formas e novas bandeiras, às mudanças de conjuntura. Afinal,
primeiro centenas de milhares haviam saído às
ruas exigindo direitos, mas rechaçando as organizações partidárias. E,
depois, houve uma polarização política sem precedentes na história
recente do país. Mas de boas intenções o inferno está cheio, e a prática
demonstra que a transformação do PSOL ruma à adaptação
à ordem.
Às Jornadas de Junho, o
PSOL respondeu com um autonomismo meia-boca. Como os partidos de
esquerda eram rejeitados pela vanguarda da juventude que se mobilizava,
era necessário, pelo menos no discurso, demonstrar
o contrário disso. Abdicar do debate de temas clássicos do marxismo,
porque “os tempos eram outros”. Mas, na prática, manter as mesmas
relações burocráticas de poder dentro do partido, sem deixar de fraudar
plenárias e congressos para garantir uma maioria política
na direção do partido, por exemplo.
Ao Golpe, o PSOL
respondeu com uma leitura da realidade impressionada e medrosa. O pacto
social de conciliação de classes dos governos petistas, antes criticado
(de maneira envergonhada) até pelos reformistas
do partido, passou a ser defendido até por parte dos revolucionários.
Temendo as consequências da virada da situação política brasileira, o
que não ocorria dessa forma, regressiva, há décadas, o PSOL resolveu se
abraçar de vez ao regime e o Estado, temendo
um regime militar, ou usando essa possibilidade como desculpa para sua
transformação. Não só: temendo uma nova onda de crescimento do petismo,
que soube muito bem se martirizar após o Golpe para se reconstruir (e
cujo crescimento poderia ser um entrave para
o objetivo central do PSOL no momento: eleger parlamentares e, quem
sabe, Freixo prefeito do Rio), resolveu mudar de patamar sua relação com
os setores ex-governistas.
À sua insuficiência de
organização de berço (de um partido fundado por rupturas parlamentares e
que agregou apenas parte da juventude pequeno-burguesa radicalizada e
setores do funcionalismo público), enquanto
instrumento de mobilização e politização da classe trabalhadora, o PSOL
respondeu com uma política que muito bem serve para inflar o ego de seus
militantes: a aproximação com o MTST. Corretamente o PSOL percebeu que o
MTST é uma das maiores organizações de
vanguarda da classe trabalhadora com grande capacidade de mobilização de
setores mais explorados da classe. Incorretamente, o PSOL resolveu
substituir a falta de trabalho de base por apenas destacar militantes
para apoiar ações do MTST e vestir a camisa do
movimento.
Da correta unidade de
ação com o lulo-petismo para barrar ataques aos direitos dos
trabalhadores, das mulheres, dos LGBTs, etc, o PSOL passou a buscar
unidade programática com o PT. Essa transformação do PSOL
pode ser resumida na consolidação de uma direção reformista (Unidade
Socialista), com apoio de “conselheiros revolucionários” (Insurgência),
que quer localizar o PSOL como a figura mais à esquerda e progressista
na democracia brasileira.
É uma política que de
nova não tem nada: há mais de um século setores da esquerda, no mundo
todo, em momentos difíceis da conjuntura, voltam-se a defender o regime
burguês e sua democracia. E não é novo também
o resultado dessa política: a absorção desses setores pelo Estado
burguês e pelo capitalismo. Receiam perder espaço ao apresentar a saída
socialista como única alternativa à barbárie em que os trabalhadores do
mundo vivem, justamente no momento da conjuntura
internacional em que, num cenário de polarização social crescente, as
instituições do regime podem desmoronar e abrir brechas revolucionárias.
Com medo de perder direitos democráticos hoje, o PSOL abre mão de
preparar caminho para transformações radicais nos
próximos anos, pois se relocaliza ao lado do PT e não da revolta
anti-sistêmica.
Ontem, no lançamento
oficial da candidatura de Guilherme Boulos e Sônia Guajajara à
presidência, a saudação de Lula nada é mais do que mais uma peça nesse
processo de transformação. Peça extremamente simbólica,
em especial porque parece nem sequer ter revirado o estômago dos “mais
radicais” presentes no evento.
Aos militantes socialistas classistas
dentro do PSOL, que são vários, sugiro que sigam o mesmo caminho que
eu: abandonem essa experiência perdida que é o PSOL. Seguir disputando o
partido contra os reformistas,
além de ser um grande desperdício internista de esforço militante, pode
inclusive ajudar o crescimento das políticas da maioria do partido.
Tentar eleger deputados pelo PSOL tendo Boulos como candidato (aquele
que não vai ouvir nenhuma crítica de Lula, como
o próprio ex-presidente disse) é referenciar essa estratégia política
fadada ao fracasso.
O medo das derrotas
pode ser grande e a saída radical pode estar distante no horizonte, mas
não é apostando numa alternativa que não acredita na construção de poder
dos trabalhadores de forma independente ao
Estado e aos patrões que vamos resolver quaisquer dos problemas de fundo
da sociedade brasileira.