Osvaldo Coggiola
Que as relações entre as classes tenham mudado no Brasil depois
das grandes mobilizações de junho e julho passados, os “rolezinhos” que o digam,
em que jovens da periferia das grandes cidades invadem os shoppings centers dos bairros “exclusivos” para fazer barulho com
música funk a todo volume. Há não mais
de um ano, semelhante manifestação daria lugar a uma violenta repressão
policial, hoje transformaram-se em parte do cotidiano urbano. São, em geral, manifestações
despolitizadas. Mais politizado, mas minoritário, é o movimento Não Vai Ter Copa (mundial de futebol),
que convoca manifestações de ruas, muito reprimidas pela polícia. Que agora conta
com um novo instrumento legal, a “lei antiterrorista”, impulsionada pelo governo
do PT no parlamento, e redigida de tal modo que qualquer manifestação pública poderá
ser enquadrada como ato terrorista. Está sendo comparada por juristas aos piores
instrumentos repressivos da ditadura militar.
¿Que tem que ver a esquerda com tudo isto? Com a exceção
parcial do PSTU, praticamente nada. Os “coletivos” que pululam no Brasil com essas
iniciativas são “independentes”, com alguma ideologia anarquista (contra a participação
eleitoral por princípio, por exemplo). Simultaneamente acontecem importantes greves
(petroleiros e garis do Rio, rodoviários de Porto Alegre, bancários) em setores
com sindicatos pelegos (CUT o Força Sindical), ou quase sem organização (garis).
As oposições sindicais (em que a esquerda joga um papel real) são as responsáveis
por esses movimentos, que em geral permanecem isolados do resto da classe operária
e dos movimentos juvenis.
Frente às eleições gerais de outubro, o debate eleitoral da esquerda,
por isso, está se desenvolvendo de modo artificial e desconectado das grandes lutas
operárias e populares. O resultado é a dispersão eleitoral da esquerda, sob o
manto de um discurso “unitário”. O PSOL, uma federação “anárquica” (no pior
sentido) de tendências, além de sofrer uma hemorragia militante em favor de
Marina Silva (ex ministra e candidata do eco/evangelismo) lançou a candidatura
100% capitalista do senador Randolfe Rodrigues, uma excrescência da política
oligárquica do estado do Amapá. Com isso e apesar disso, e de muito mais, o
PSTU lançou (continua a fazê-lo) propostas unitárias com o único objetivo de conseguir
uns votinhos a mais para seu próprio candidato, o dirigente da Conlutas (mini
central sindical de esquerda) Zé Maria. O PCB, por sua vez, lançou a
candidatura de aparato e para marcar presença de um professor desconhecido. E
todos, claro, falam da “unidade da esquerda”. Não faltam, por outro lado, os esquerdosos
(e até alguma seita inominável) que qualificam aos jovens que se manifestam
contra a Copa e seus gastos faraônicos de “instrumentos da direita” (sem falar
da superexploração dos operários que constroem os estádios, já com sete mortos).
O divórcio da esquerda dos movimentos de luta, o maior desde
o fim da ditadura militar, remonta às “jornadas de junho”, que a esquerda, inicialmente,
desertou. Quando, tardiamente, se somou à juventude em luta, não o fez com palavras
de ordens antigovernamentais, mas sim… em defesa de si mesma (depois de haver
sido recebida com pontapés e coros de “oportunistas”). Para piorar a coisa, se
é possível, o fez organizando colunas em comum com o PT (ou seja, com o governo).
Uma esquerda que apostou todas suas fichas no desgaste do governo
do PT, sobretudo com a crise mundial, vê agora esse desgaste consumar-se sob seus
narizes, enfrentando a perspectiva imediata de seu pior isolamento político e eleitoral.
Nenhuma esquerda classista existirá no Brasil sem o balanço desse fracasso
político, mas por ora o único que temos é uma integração maior à política
burguesa (PSOL, e os ex PSOL que estão com Marina Silva) ou uma insistência na
autoconstrução e autoproclamação sectária (PSTU, para nomear ao único que possui
uma relação real com a vanguarda operária).
Mas, o desgaste do governo continua. As perspectivas econômicas
são sombrias, como para todos os “emergentes”: o grande capital financeiro
“vota com os pés” (se racha cada vez mais) pese a que o governo satisfaça todas
suas exigências (lucros recorde para o setor financeiro). A perspectiva de uma bancarrota
econômica está no horizonte. Uma parte da coalizão governamental já abandonou o
barco (o PSB, que se uniu aos trânsfugas comandados por Marina Silva). A novidade,
agora, é que o PMDB, dono do maior bloco parlamentar (e do maior número de governadores
e municípios) está ameaçando sair da base política do governo (já reduziu de 16
para 5 suas alianças com o PT nos estados). E não é mistério que a proposta do
PMDB, para manter a aliança nacional com o PT, é adonar-se de parte do leão do
futuro governo de Dilma Roussef (que, por ora, encabeça as pesquisas eleitorais).
Um impasse econômico e uma crise política gigantesca frente a que, por ora, a esquerda
joga um papel marginal, ou até de bombeiro. A reconstrução de uma esquerda política classista passa por um balanço
sem concessões de sua política presente.